quarta-feira, 3 de outubro de 2018

Milhares estão assistindo filme polaco sobre pedofilia na igreja

Foto: Marek Strzelecki
Um filme polaco sobre os abusos cometidos por sacerdotes católicos está batendo recordes de público nas bilheterias do país.

"Kler", palavra em idioma polaco para a palavra clero, já atraiu mais de 935 mil espectadores somente no último final de semana, a melhor estreia no país nos últimos 30 anos, de acordo com a Associação de Cineastas Polacos.

 O filme, que explora temas como abuso infantil, ligações românticas, corrupção, ganância e alcoolismo por clérigos, tem sido duramente criticado pelo governo conservador de extrema direita polaco.

A estreia coloca em evidência o papel da Igreja na Polônia na ocultação de casos de pedofilia, uma questão que tem sido largamente ignorada no país de maioria católica (cerca de 95% da população, mesmo após protestos públicos em outros locais, como Irlanda e Estados Unidos.

Um tribunal de apelação na cidade polaca de Poznań confirmou nesta terça-feira a multa de 1 milhão de Złoty (cerca de R$ 1 milhão) imposta à Igreja Católica no caso de um padre condenado por sequestrar e estuprar uma menina de 13 anos por mais de dez meses — uma punição sem precedentes para a instituição religiosa no país. O dinheiro será destinado à compensação da vítima.

"O filme equivale a uma conversa muito séria com os polacos" (sobre a Igreja), disse a uma TV local, o ator Janusz Gajos, que interpreta um arcebispo no filme. "Deve ser um choque. Sabemos de muitos incidentes que são inimagináveis, que acontecem atrás das cortinas da Igreja e cujos perpetradores são protegidos".

O porta-voz de Direitos Humanos da Polônia está investigando se houve violação da Constituição por parte de uma decisão das autoridades locais em Ostrołęka, cidade no Nordeste da Polônia que se recusou a exibir o filme em um cinema do município. O filme superou “50 tons de Cinza” como a maior bilheteria do país.

O filme é dirigido e produzido por Wojciech Smarzowski conta o destino de três sacerdotes: Andrzej Kukuła (Arkadiusz Jakubik) Leszek Lisowski (Jacek Braciak) e Tadeusz Trybus (Robert Więckiewicz). A história de cada sacerdote está longe de imaginar que a maioria dos católicos tenha clérigos. Sua atitude também nada tem a ver com a vida de pobreza e o amor franciscano ao próximo promovido pelo Papa Francisco.

No filme de Smarzowski, padres amaldiçoam, dirigem carros caros, bebem álcool e, em geral, não veem que tantas vezes as palavras repetidas sobre o "bem da igreja" têm qualquer outra dimensão para elas que não o desejo de obter benefícios pessoais.

Conta ainda com o melhor ator polaco desde muito tempo, Janusz Gajos no papel do Arcebispo Mordowicz, Joanna Kulig como Hanka Tomala, Adrian Zaremba como vigário Jan, Magdalena Celówna-Janikowska como Natalia e Ignacy Klim como Rysiek Malinowski. O filme tem roteiro de Wojciech Smarzowski e de Wojciech Rzehak.

Janusz Gajos


Arkadiusz Jakubik
Jacek Braciak
Robert Więckiewicz
Joanna Kulig
O filme está em cartaz com muito bom público na Holanda, Inglaterra, Noruega, Estados Unidos, Alemanha e França.

domingo, 30 de setembro de 2018

Lech Wałesa faz 75 anos e se diz contra Trump e Kaczyński

Lech Wałesa continua o mesmo de sempre. O mesmo ímpeto para mover multidões, que se hoje, não o escuta como há três décadas, pelo menos mantém o respeito pelo homem que mudou a face política do mundo. Foi ele que derrubou com a ajuda de operários dos estaleiros da sua Gdańsk e os mineiros de Katowice a União Soviética Stalinista e não os alemães do Muro do Berlim. O muro foi apenas consequência e não causa.

Nas linhas abaixo a última entrevista que o líder do Solidariedade deu a uma rádio estrangeira:

Com óculos a la Bono - Foto:©Jacek Smarz
O ex-presidente polaco Lech Wałesa, que fez 75 anos neste sábado (29/09), nasceu em condições muito pobres. Seu pai morreu em decorrência da tortura sofrida num campo de trabalhos forçados alemão, e ele teve que cuidar desde muito cedo de si mesmo e da família.

Ele se formou em uma escola vocacional e trabalhou como eletricista desde 1967 no estaleiro de Gdańsk. Em dezembro de 1970, ele foi um dos líderes da mais famosa greve da história da Polônia sob o jugo soviético. Naquela década de 70, ele foi detido no estaleiro e interrogado pelo Serviço de Segurança e libertado.

Em agosto de 1980, ele se juntou à uma nova greve no estaleiro e liderou o comitê de greve. Em 31 de agosto, ele assinou um acordo com a delegação do governo. Após a fundação do Sindicato Independente Autônomo, o Solidarność, do qual se tornou seu primeiro presidente.

Este grande movimento sindical de 1980 contribuiu decisivamente para a derrocada do comunismo e do Muro de Berlim. Em 1983 recebeu o Prêmio Nobel da Paz e, em 1990, se tornou o primeiro presidente eleito livremente na Polônia do pós-Guerra, posição na qual ele negociou a retirada do Exército Vermelho do país, há quase 25 anos.

Em entrevista à rádio internacional alemã Deutsche Welle, o ex-sindicalista ressaltou que populistas de direita como o americano Donald Trump ou o polaco Jarosław Kaczyński, líder do partido governista Direito e Justiça (PiS), servem de motivação para que ele continue atuando na política. "Estou velho, cansado, mas não gosto do que está acontecendo", afirmou.

Deutsche Welle: Com uma vida de tantas conquistas, o senhor ainda sente falta de alguma coisa que possa completar a sua carreira?

Lech Walesa: Na verdade, tudo o que sonhei e que pretendi para minha vida, eu consegui. Mas meu plano ia até a recuperação da liberdade. Recuperar a liberdade e introduzir a democracia eram meus objetivos. Eu pensava: "Se conseguirmos a democracia, então tudo vai para frente". Só que não estávamos preparados para a democracia, nos faltavam boas pessoas e bons programas. Os problemas começaram e, entre outras coisas, foi por isso que perdi a eleição na época. Mas a Polônia se desenvolveu bem, e não estávamos mal. Mas agora eu começo a me perguntar: "Para que serve a vitória se não sabemos o que fazer com ela?" Esse é o meu problema: estou velho, cansado, mas não gosto do que está acontecendo. Porque a política do atual governo não é boa. Eu acho que o diagnóstico dele é bom, mas a terapia é ruim. Por outro lado, casos como Kaczyński ou Trump também me motivam. Eles nos convocam a encontrar soluções. Eles nos inspiram. E, embora o diagnóstico deles esteja correto, por exemplo, "devemos melhorar o trabalho dos tribunais", as soluções escolhidas são ruins.

Deutsche Welle: No momento, o governo polaco tem uma imagem ruim no Ocidente. Há até os que dizem que a Polônia está se movendo em direção a uma ditadura. Isso é verdade?

Lech Wałesa: Estamos lidando com pessoas inaptas, que não passaram por um exame médico, pessoas mesquinhas, complexadas, que chegaram ao poder por acaso. Essa é a nossa desgraça. Eu avisei a sociedade, porque eu já os conhecia de antigamente. O problema atual é como podemos combatê-los, pois somos democratas, não queremos violência, enquanto aqueles que estão no poder adotam leis úteis para si mesmos, sem levar em conta o povo e a Constituição. É difícil combater através de manifestações, porque há, hoje em dia, muito poucas pessoas ativas. Precisamos pensar em algo que nos faça avançar. Atualmente, usamos os procedimentos da UE, pedimos apoio à UE, à Alemanha e a outros países da UE, porque até a eleição ainda há um longo tempo. Isso pode nos arruinar, porque os governantes manipulam as leis e vão nos enganar. Então, precisamos hoje da solidariedade global.

Deutsche Welle: E como o senhor avalia o fato de que atualmente os governantes na Polônia usem estereótipos antialemães?

Lech Wałesa: Eles abrem velhas feridas, abusam da complicada e trágica história entre nossos povos, jogam com ressentimentos. Eles lançam mão da demagogia, semeiam o conflito e colocam as pessoas umas contra as outras. Eles questionam nossas conquistas, nossas vitórias. Eles fazem de Wałesa e outros "agentes" para que possam ganhar. Eles não se importam com o dano que estão causando com isso, contanto que consigam vencer. É por isso que me pergunto se eles são inimigos da Polônia, traidores, agentes ou perfeitos idiotas. Há apenas estas duas possibilidades: ou eles são traidores ou são idiotas completos.

Deutsche Welle: E como os alemães devem se comportar nessa situação?

Lech Wałesa: Eles devem continuar fazendo o que fizeram até agora: resistir e, ao mesmo tempo, pensar em como podem nos ajudar, para que o que já alcançamos em nosso relacionamento pós-Guerra não seja destruído.

Deutsche Welle: Crescem na Polônia as vozes que cobram da Alemanha o pagamento de reparações de guerra. As reivindicações são justificadas?

Lech Wałesa: Os alemães são ricos, nós não somos, e isso por causa de sua agressão e da guerra. As pessoas devem falar sobre isso, mas não exigir, porque é tarde demais. Não é com ataque ou confrontação, mas com discussões e convicções. Deve-se apresentar evidências factuais de que o problema não foi resolvido definitivamente. Demandas e confrontações certamente são um método ruim para se resolver o problema.

Deutsche Welle: O senhor é um católico praticante. Qual o papel da Igreja e da fé cristã em sua vida e em suas ações?

Lech Wałesa: Um papel crucial. Eu não sou religioso. Minha fé não é antiquada ou medieval, ela é um computador da mais nova geração. Eu sei que existe Deus, eu posso encontrá-lo. Eu caio, mas, graças a ele, eu me levanto de novo. Sem fé, tudo que faço seria inútil. Mas eu continuo porque minha fé me diz: "Se você não continuar, terá que responder por isso". Então tenho que fazer o máximo que posso.