segunda-feira, 12 de novembro de 2018

As comemorações da Recuperação da Independência da Polônia

Governantes da Polônia, no centenário da recuperação da independência do país marcham à frente de grupos de extrema-direita nas comemorações nas ruas da capital Varsóvia.
O banner  da frente diz “Marcha da Independência - Morte aos inimigos da pátria”
e o cartaz atrás "E cuidar das crianças e dos jovens que precisam especialmente de uma face renovada da terra ... o traidor da nação e da fé é aquele que gostaria de criar crianças e jovens com um copo de cerveja ou com um copo de vinho na mão. - Abençoe Markiewicz - Quem é com Deus
Foto: Radek Pietruszka/EPA - Shutterstock
O presidente da república que ordenou ao judiciário que derrubasse a medida da prefeita de Varsóvia para que os grupos neonazistas não desfilassem neste domingo - 11 de novembro - dia do centenário da recuperação da independência da Polônia, depois de 123 anos de invasão e ocupação do país pelas potências estrangeiras da época Reino da Rússia, Reino da Prússia (atual Alemanha) e Império da Áustria marchou junto com aqueles grupos de extrema-direita, que ano passado, neste mesmo dia, envergonharam a Europa e o mundo, fazendo da Polônia motivo de chacotas, anedotas e piadas.

O objetivo do presidente Andrzej Duda era promover a unidade e celebrar os sacrifícios das gerações passadas na criação da moderna nação polaca. Mas depois de dias de disputas e controvérsias, a comemoração do Dia da Independência do país, neste domingo, acabou destacando as profundas divisões da Polônia.

O presidente Duda e ministros caminharam na frente de uma manifestação patrocinada pelo governo nacional, pelas ruas de Varsóvia, atrás de uma enorme faixa vermelha e branca com a inscrição “Para você, Polônia”.

E Duda disse à multidão que "esta marcha deveria unir todos os polacos", acrescentando: "Que esta marcha seja para todos".

O presidente Andrzej Duda, ao centro, disse que a marcha "deve unir todos os polacos", mas a manifestação de Varsóvia escancarou as divisões do país.
Foto: Agata Grzybowska/Agencja Gazeta/ Reuters
Mas alguns metros atrás dos funcionários do PiS - Partido Direito e da Justiça, pertido do governo no poder estavam ativistas de extrema-direita conhecidos por promover slogans racistas, homofóbicos e supremacistas brancos.

Alguns exibiram mensagens a favor de uma Europa branca, contra refugiados e bandeiras da União Europeia foram queimadas. De um modo geral, porém, o grau de radicalização foi menor do que em anos anteriores, pois fora Varsóvia e Gdańsk onde três neonazistas foram presos, as demais cidades contaram apenas com a participação do povo que só desfilou e cantou os hinos e canções nacionais polacas, num ambiente de festa.

Apenas em Varsóvia, incetivados pela atitude descabida do presidente da república, centenas de fascistas encobertos em uma névoa vermelha provocada por chamas de sinalizadores, gritavam: "Use uma foice, use um martelo, esmague a ralé vermelha". Outros gritavam: "Polônia Branca".

Os neonazistas marcharam segurando uma bandeira polaca com o slogan "Deus, Honra, Pátria" e centenas de bandeirinhas da Polônia. Alguns usavam balaclavas e agitavam as bandeiras verdes do grupo ultranacionalista Revival Nacionalistas da Polônia. Também foram visíveis as bandeiras do Forza Nuova, um grupo neofascista italiano.

As faixas e bandeiras do extremistas de direita - Foto: 
Nenhum membro da oposição ou figuras públicas participaram do evento, que segundo a polícia atraiu 250 mil pessoas, e que os críticos disseram que foi uma rendição do Dia da Independência a grupos radicais. Um dos que não aceitaram participar da encenação do presidente Duda, foi o mítico Lech Wałęsa.

A passeata seguiu dias de turbulência judicial depois que a prefeita de Varsóvia baniu a Marcha da Independência organizada todos os anos por grupos de extrema direita. Entre eles estão o Campo Radical Nacional, que ativistas dos direitos humanos há anos afirmam que deveriam ser ilegais.

Enquanto a Polônia festejava seu centenário particular, em Paris, mais de 60 mandatários mundiais comemoravam o mesmo 11 de novembro, mas com outro significado: o fim da primeira guerra mundial.

A marcha polaca, que nos anos anteriores envolveu confrontos violentos com a polícia, ganhou as manchetes internacionais no ano passado, quando os manifestantes gritavam: “Polônia pura, Polônia branca” e “refugiados saiam!”

Um pequeno grupo fascista carregava banners com o slogan “Europa Branca das nações fraternas”.

Os organizadores da passeata fascista do ano passado contestaram a proibição da prefeita Hanna Beata Gronkiewicz-Waltz, e um tribunal de Varsóvia atendendo pedido do presidente da república tomou partido, chamando a decisão de “censura preventiva” da prefeita.

Antes dessa decisão, porém, as autoridades decidiram realizar uma passeata promovida pelo governo central no lugar da Marcha da Independência, provocando mais raiva dos nacionalistas.

Mas depois da raiva, grupos de extrema-direita e o governo acabaram concordando em caminhar juntos em uma manifestação dividida em duas partes - uma para os funcionários públicos e outra para os extremistas de extrema-direita.

Apesar das preocupações anteriores, a marcha de domingo foi até pacífica. Mas Andrzej Rychard, sociólogo da Academia Polaca de Ciências, denominou a situação de "mau sinal".

O governo de extrema-direita no poder, disse ele, agora se vê preso pelos grupos radicais depois de anos "flertar com eles".

"Como cidadão, estou indignado com o fato das autoridades terem sido incapazes de forçar os neonazistas a desistirem de suas próprias bandeiras e se ater apenas às bandeiras polacas", disse Rychard. "Eu também não entendo como aconteceu que estes - nacionalistas - que são politicamente irrelevantes, se tornaram um parceiro para o governo."

O cada vez mais eurocético partido do governo, que se desentendeu com a União Europeia pelas tentativas do partido de assumir o controle do Judiciário independente da Polônia, tornou-se o primeiro membro do bloco a iniciar um processo que poderá fazer com que o país perca seus direitos de voto nas instâncias da UE.

As divisões políticas também prejudicaram a cerimônia oficial no domingo, na Praça Pilsudski, em Varsóvia, batizada em homenagem ao general Józef Pilsudski, um dos pais da independência da Polônia, com a inauguração de uma estátua do Presidente da II República, Ignacy Mościcki, que governou o país de 1929 a 1939.

A principal delegação do evento foi liderada pelo presidente Andrzej Duda, pelo primeiro-ministro Mateusz Morawiecki e pelo líder do PiS - Partido  Direito e Justiça, Jarosław Kaczyński.

Mas Donald Tusk - o presidente do Conselho Europeu, ex-primeiro-ministro da Polônia e feroz oponente do atual governo - estava na parte de trás, pouco visível, aparentemente se distanciando dos políticos do partido conservador do governo disse: “Eu sei que muitas vezes discutimos sobre a forma do nosso país. Eu sei que às vezes fazemos isso intensamente”, disse Tusk enquanto se dirigia à multidão e pedindo: “Perdoe-nos, Polônia.”

Krystyna Skarzynska, professora de psicologia da Universidade de Varsóvia, disse que a dinâmica da cerimônia reflete "mesquinharia e hipocrisia" nos comentários dos principais líderes políticos. "Eles têm nos falado até a morte sobre essa necessidade de união, mas eles não receberam nem mesmo Donald Tusk durante a cerimônia", disse ela em uma entrevista.

"Eles não mencionaram Lech Wałęsa, que desempenhou um grande papel na independência da Polônia."

Wałęsa (pronuncia-se vauensa), ex-presidente e líder icônico do movimento social Solidariedade, tem sido durante anos um fervoroso crítico do Partido Direito e Justiça e se recusou a celebrar este aniversário com o atual governo.

Vídeo do jornal Gazeta Wyborcza marcando hora a hora as manifestações do dia e principalmente das manifestações dos neonazistas que ocorrem após às 15 horas:



MANIFESTAÇÕES NO RESTO DO PAÍS


Nas demais cidades, grandes, médias e pequenas a participação dos grupos de extrema-direita apoiados pelo presidente da República e pelo Primeiro-Ministro foi praticamente inexistente.

O povo polaco foi para as ruas manifestar sua alegria pela comemoração dos cem anos de recuperação de uma República que se consagrou na história como a primeira do mundo moderno, sendo instituída muito antes da francesa (1777) e da americana (1776).

A MARCHA E O ESPETÁCULO DE CRACÓVIA

A Marcha pela manhã - Foto: Jakub Porzycki

Foto: Jakub Porzycki
Foto: Jakub Porzycki

Foto: Jakub Porzycki
Em Cracóvia, no Rynek Główny (Praça do Mercado Principal) a festa foi o dia inteiro, encerrada com shows no palco armado em frente ao belíssimo prédio renascentista do Sukiennice (Mercado de Tecidos) artistas populares da Polônia.

Foto: Tomasz Kaleta

A Mazurka de Dąbrowski - Hino Nacional da Polônia - foi tocada ao meio-dia por um clarinetista da Torre da Basílica Mariacka para comemorar o centenário da recuperação da independência da Polônia.

O músico também chamado de Hejnalista (porque de hora em hora ele toca o Hejnal das quatro janelas do torre mais alta da igreja) depois de tocar o hino nacional soou a famosa corneta tradicional com o Hejnal.

Na Praça do Mercado - Rynek Głowny - o hino foi cantado pela multidão de cracovianos e turistas. Eles lotaram não só a Praça, mas também as ruas de acesso e adjacentes. Muitos cercaram o monumento ao poeta Mickiewicz e a parte superior do Palácio dos Tecidos (Sukiennice).


O espetáculo
O prefeito reeleito pela quinta vez, Jacek Majchowski (sem partido) junto com vários artistas abriu o espetáculo da noite.
Foto: Bogusław Świerzowski

Os artistas do Teatro Loch Camelot, liderados por Ewa Kornecka, juntamente com o público reunido no Rynek, cantaram as mais belas canções  e também as canções patrióticas polacas.



O concerto foi organizado pelo diretor da Biblioteca da Canção Polaca, Waldemar Domański. O gabinete do Prefeito da Cidade de Cracóvia preparou para esta ocasião 8.000 cópias em papel dos hinos e 4.000 das canções mais populares chamadas de krakusek.






LUBLIN MARAVILHOSA
Lublin comemorou excepcionalmente em alto e bom tom os 100 anos. As autoridades da cidade  quiseram chamar a atenção para o papel que Lublin desempenhou no processo de construção de um país livre - aqui, em 7 de novembro de 1918, foi formado o governo de Ignacy Daszyński, o primeiro governo da Polônia independente. E muito antes disso, em 1530, foi assinada nesta cidade a União das duas Nações, Polônia e Lituânia, que formaram conuntamente a primeira República do mundo pós-renascença.

Foto: Jakub Orzechowski

As principais celebrações ocorreram na Praça do Castelo. No programa, além de tocarem o hino nacional e levantarem a bandeira nacional, houve saudação de honra e desfile de batalhões da cavalaria. 


A celebração dos 100º aniversário da recuperação da independência não terminaram neste domingo, em Lublin, isto porque no próximo dia 19 de novembro, haverá o concerto da família "A to własznie Polska!" (com grupo de música e dança 'Lublin' de Wanda Kaniorowa que vai atuar junto com a orquestra filarmônica da cidade) e até 15 de dezembro deverão ocorrer outros encontros comemorativos organizados pela Academia da Independência de Lublin dirigidas a vários grupos etários (pelo Museu de Lublin).



CORRIDA DA INDEPENDÊNCIA EM POZNAŃ





O patrono da rua em um cavalo branco, pássaros com asas de prata, um aviador segurando enormes bandeiras brancas nas mãos e croissants tradicionais de São Martin - o santo padroeiro da cidade. Este foi o ponto alto das comemorações da capital do voivodia da Wielkopolska (Grande Polônia).

Multidões de pessoas comemoraram o 100º aniversário da recuperação da independência da Polônia e  também o santo do dia Święty Marcin, na rua com seu nome.

Um colorido desfile partiu da Feira Internacional de Poznań sob o slogan "Louvor da Liberdade". O desfile percorreu a rotatória Kaponiera até o palco montado na Praça Mickiewicz.

Animadores, artistas de rua, músicos, reconstrutores e representantes de organizações não-governamentais participaram do desfile.

POMBOS EM GDAŃSK

Os habitantes de Gdańsk encheram a rua Podwale Staromiejskie, onde começou o desfile. Os organizadores estimam que mais de 30.000 pessoas participaram das cerimônias. A passeata seguiu pelas ruas: Podmlyńska - Wielkie Młyny - Rajska - Jan Heweliusz - Korzenna - Kowalska, e chegou ao monumento de Jan III Sobieski no Mercado de Madeira.

Depois de breves discursos, incluindo o do prefeito de Gdańsk, Paweł Adamowicz, o povo reunido cantou a Mazurka Dąbrowskiego e foram soltos 1100 pombos no céu.
Foto: Dariusz Kula
O único indidente registrado na cidade foi a prisão de três homens de extrema-direita membros de grupos neonazistas. Em suas casas foram encontrados estiletes e porretes.

Fontes:Deutsche Welle, Reuters, AS/efe/dpa Gazeta Wyborcza e The New York Times  (Joanna Berendt)
Tradução e adaptação para o português: Ulisses Iarochinski

quinta-feira, 8 de novembro de 2018

Que Independência de 100 anos, a Polônia está comemorando?

11 de novembro de 1918, o comandante das legiões polacas e o marechal Józef Piłsudski são recebidos com um desfile em frente ao Hotel Bristol em Varsóvia - reprodução de imagem: Piotr Mecik/FORUM
Em 11 de novembro de 1918, a Polônia recuperou sua independência após 123 anos de divisão de seu território pelas invasões do Reino da Rússia, Reino da Prússia (atual Alemanha) e Império da Áustria.

SUBITAMENTE
Mas o que realmente aconteceu naquele dia histórico?
Dia em que também se comemora o fim da Primeira Grande Guerra Mundial.
17 de novembro de 1918, o Grande Desfile Nacional na (Rua) Ulica Krakowskie Przedmieście
Foto: PAP/CAF-ARCHIWUM
Como um grande país como a Polônia do entre-guerras reapareceu no mapa da Europa Central?
O que precisou acontecer em um determinado dia para torná-lo "Dia da Independência?"

Uma resposta um tanto bem-humorada a essa pergunta foi dada pelo próprio marechal Józef Piłsudski, o célebre líder polaco, que estava entre os que mais acreditavam em ganhar de volta a liberdade da Polônia:

Senhoras e senhores, em 1918 - assim como na música legionária - "de repente houve uma nova Polônia".

Embora jocosa, a citação aponta para duas questões importantes.

Em primeiro lugar, que o dia 11 é uma data arbitrária e, como tal, é um pouco "fora da cazinha". Claro, foi um dia excepcionalmente importante para a independência da Polônia, mas não se pode concordar que a independência realmente tenha sido restabelecida em um único dia. É um processo que levou muito tempo. Aconteceram muitas revoltas, como as de 1831 e a de 1863 para citar apenas duas.

E essa é a segunda questão que a citação aponta, mencionando as Legiões Polacas: forças armadas polacas na Primeira Guerra Mundial sendo lideradas por Piłsudski. A posição pró-independência das Legiões (originalmente criada pelos austro-húngaros para fortalecer suas próprias fileiras) levou muitos polacos a acreditar que uma Polônia livre era viável. As legiões lutaram por muitos anos sob mando de potências estrangeiras, antes da Polônia reaparecer no dia 11 de novembro de 1918, no mapa do mundo.

Congratulando com boas vindas a Józef Piłsudski, na estação de trem, em seu retorno a Varsóvia, após prisão em Magdeburg Reprodução de imagem: Piotr Mecik/FORUM
Em novembro de 1918, a Grande Guerra estava chegando ao fim com os poderes da divisão  imposta a Polônia por mais de um século enfraquecidos. A Polônia já desfrutava de soberania parcial: o Conselho Regêncial, um órgão temporário do governo polaco, estava funcionando em Varsóvia e estabelecendo as bases para a independência.

Mas ainda havia tropas alemãs na cidade, que os historiadores estimam em cerca de 30.000 soldados.

Em 10 de novembro de 1918, Piłsudski chegou em Varsóvia, libertado que foi de Magdeburgo pelos alemães. O general tinha sido preso depois de se recusar a lutar pela Alemanha - ed.]. No dia 11, ele assume o controle dos militares. No dia 14, ele recebe poder total. A discussão sobre qual data reconhecer como a recuperação formal da independência foi longa. Fonte: entrevista com Wiesław Wysocki, presidente do Instituto Piłsudski, publicada no periódico Niepodległość, 2017
Apesar do longo debate, apenas um ano depois, em 1919, é que o 11 de novembro começou a ser comemorado como o dia em que a Polônia recuperou sua independência. Mas a data só ganhou status de feriado nacional em 1937.


DEIXE-OS SAIR
Palácio Presidencial em Varsóvia - Foto: Marcin Białek /
Formalmente, Piłsudski tornou-se comandante-em-chefe do exército polaco no dia 11, por decisão do Conselho Regêncial. O primeiro passo do marechal foi obter o controle de Varsóvia, a ex e futura capital de uma Polônia Independente.

Isto foi conseguido através da tomada de lugares estratégicos como o quartel da polícia e os armazéns de armas das tropas alemãs. Tal operação seria arriscada e poderia facilmente levar a uma batalha a mais. Para evitar derramamento de sangue, Piłsudski se dirigiu a um comitê de soldados alemães naquela manhã em frente ao Palácio Presidencial na (Rua) Ulica Krakowskie Przedmieście.
Ele garantiu aos alemães segurança e evacuação pacífica. Em troca, pediu-lhes que entregassem o controle dos materiais sob sua guarda, abaixassem os braços e não provocassem os polacos. No mesmo dia, o Centro de Comando do POW (organização militar clandestina polaca, pró-independência) emitiu a seguinte ordem: "Evite lutas sangrentas com os soldados alemães. Ataques em guarnições estão fora de questão. Deixe-os em paz para seguirem para seu país depois de entregarem as armas e materiais técnicos às unidades da organização. Fonte: Quem desarmou os alemães em novembro, por Mirosław Maciorowski, Gazeta Wyborcza, 2016
Na tarde daquele mesmo dia, as tropas polacas começaram a assumir os pontos estratégicos da cidade. Compreensivelmente a excitação entre os cidadãos era enorme e até civis comuns ajudavam os soldados.

Milagrosamente, toda a operação foi realizada de forma relativamente pacífica - havia apenas um punhado de baixas em ambos os lados - impensável se comparado a como as coisas tinham sido até então. No final do dia, a maioria dos postos-chave estava em mãos polacas, embora os alemães ainda permanecessem na Cidadela do bairro de Żoliborz.

Nesse mesmo dia, a Alemanha assinou o Tratado de Paz com a Tríplice Entente (Rússia, França e Grã-Bretanha), encerrando assim a Primeira Guerra Mundial.

INDIVÍDUOS COMUNS PRETENSIOSOS
Desarmamento das tropas alemãs em Varsóvia - Foto: National Digital Archives, audiovis.nac.gov.pl (NAC)
A maneira pacífica como os polacoss assumiram o controle de Varsóvia foi, em grande medida, um efeito das ações de Piłsudski. Ele queria evitar um confronto com as numerosas tropas alemãs, um conflito que poderia potencialmente levar a baixas em massa.

De fato, foi precisamente a autoridade de Piłsudski entre os polacos e sua capacidade de conter o caos causado nos territórios polacos pelo fim da guerra, a razão principal dele ter sido libertado de Magdeburgo .

Mas para entender completamente por que os alemães se renderam em Varsóvia tão prontamente no dia 11, é preciso voltar no tempo. No dia 10, Piłsudski chegou à cidade em um trem pela manhã bem cedo. Depois de uma reunião com Zdzisław Lubomirski, membro do Conselho Regencial, ele foi para a (rua) ulica Moniuszki, nº 2 (que não existe mais), onde ficou por dois dias dormindo e tomando café da manhã em um dos apartamentos.

No estabelecimento, dirigido por Wanda, Halina e Maria Romanówna - três irmãs conspiradoras do POW (organização militar clandestina polaca, pró-independência) -  na verdade, prisioneiros de guerra, outras reuniões aconteceram, pois havia muitos assuntos prementes. Entre aqueles que eram recebidos por Piłsudski estava o jovem militar Józef Jęczkowiak.

O marechal contou a ele a inquietação que havia presenciado na Alemanha, onde soldados exaustos pela guerra se amotinavam e criavam comissões que defendiam a libertação do dever, um evento que os historiadores agora chamam de Revolução Alemã. Por essas situações é que Piłsudski queria enviar Jęczkowiak em uma missão para enfraquecer o moral das tropas alemãs em Varsóvia. Passando-se por um soldado alemão, Jęczkowiak juntamente com seus companheiros, rapidamente visitou um dos dormitórios do exército alemão e se dirigiu aos que ali estavam:

(...) Eu estava na mesa e em voz alta comecei a contar sobre a revolução na Alemanha e sobre o que eu ouvira de Piłsudski (…). As pessoas começaram a gritar, primeiro apenas algumas, mais tarde muitas delas: "faremos a mesma coisa", "viva a revolução". Eu não ouvi ninguém se opondo (...). Żródło:Był Czyn i Chwała! Wspomnienia Harcerza 1913-1918 by Józef Jęczkowiak, 2015. (Fonte: Ação e Glória! Memórias do Escoteiro de 1913-1918 por Józef Jęczkowiak, 2015)
Desarmamento das tropas alemãs em Varsóvia - Foto: National Digital Archives, audiovis.nac.gov.pl (NAC)
Os soldados alemães estacionados em Varsóvia também tiveram tempo suficiente da guerra e estavam mais do que ansiosos para ir para casa. Depois do discurso de Jęczkowiak, eles estabeleceram seu próprio comitê (aquele dirigido em frente ao Palácio Presidencial) que trabalhou com Piłsudski para a evacuação da cidade. O desarmamento já havia começado no dia 10, mas a maior parte ocorreu no dia seguinte. Como o moral dos soldados alemães havia sido minado com sucesso, a esposa do príncipe Zdzisław Lubomirski, a princesa Maria, pode escrever em suas memórias no dia 11:
Estamos livres! Nós conseguimos nos governar! Isso realmente aconteceu e de maneira tão inesperada (...) Os alemães estão estupefatos, resistem esporadicamente, mas se deixam desarmar não apenas pelos militares, mas também por caçadores civis comuns ... Coisas estranhas em nossa capital! Żródło:Pamiętnik Księżnej Marii Zdzisławowej Lubomirskiej 1914-1918 (The Memoirs of Countess Maria Zdzisławowa Lubomirska), 1997 (Fonte: Diário da Princesa Maria Zdzisławowa Lubomirska 1914-1918 (As Memórias da Condessa Maria Zdzisławowa Lubomirska), 1997)
INESQUECÍVEL E PLENO DE FELICIDADE
Maria Dąbrowska em seu apartamento - Foto: Lucjan Fogiel/East News
Outra descrição de uma testemunha dos acontecimentos daquele dia é da escritora Maria Dąbrowska.  Além de ressaltar que o tempo era "absolutamente lindo", ela também escreveu o seguinte em seu Dzienniki 1914-1945 (Memórias de 1914-1945), publicado em 2009:
De manhã cedo, oficiais alemães estão sendo desarmados em todas as esquinas. Mas a milícia não só está a desarmá-los como também a máfia (…) Ao longo do dia, os bens militares e as autoridades civis estão a ser retirados dos alemães. Durante todo o dia, as ruas estão cheias. Os bondes estão funcionando normalmente. Há carros com nossos soldados em todo lugar (…). No meio de tudo isso, a Polônia está crescendo. E ninguém pode ver como é lindo. Ninguém percebe nessa comoção. 
Talvez, devido a toda a empolgação, a beleza do clima e do Estado recém-renascido tenha realmente faltado uma maior atenção de alguns observadores. Sem dúvida, foi a independência da ocupação a qual a maioria das pessoas estava reagindo. O entusiasmo do momento foi muito bem expresso nas memórias acima mencionadas de Maria Lubomirska:
O presente é histórico, inesquecível, cheio de alegria e triunfante!
Retrato de Józef Piłsudski, criação de Stefan Norblin, em 1939, óleo sobre tela - Foto: Museu Nacional de Varsóvia

No entanto, a Polônia definitivamente seria notada por muitas pessoas em breve, não apenas no país, mas também em todo o mundo. A evacuação de Varsóvia e de outros territórios polacos geralmente estava indo bem - em questão de dias, todos os soldados alemães deixaram a capital. No dia 16, Piłsudski enviou um telegrama aos governantes dos EUA, Grã-Bretanha, Alemanha e outros países:

Como Comandante-em-Chefe do Exército Polaco, notifico governos e nações neutros e em guerra sobre a existência de um Estado Polaco Independente, abrangendo todas as terras da Polônia unificada. (…) O Estado polaco surge da vontade de toda a nação e deve basear-se em princípios democráticos. Do livro "11 de novembro - Dia Nacional da Independência", publicado pelo Clube Central de Soldados Polacos em 2012
A forma das fronteiras do país que reapareciam ainda precisariam ser determinadas, mas depois de recuperar sua capital e centro político no dia 11, não havia dúvida de que um Estado Polaco Independente passava a existir a partir daquele momento histórico. Depois de 123 anos de partilhas de território por nações estrangeiras invasoras, a Polônia estava livre novamente.

Fonte: Culture.pl
Texto: Marek Kępa
Tradução do idioma polaco para o português: Ulisses Iarochinski