segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

Meus tetravôs polacos


Confesso que nem estava pensando nos meus parentes, nem polacos, nem mineiros, mas estava na Internet pesquisando sobre outras coisas que não ancestralidade e de repente apareceu um site polaco.

De brincadeira coloquei o nome dos meus trisavôs (pais do bisavô) para busca, algo que já tinha feito dezenas de vezes.

E não é que apareceu?

Jan (João) Jarosiński e Wiktoria Jackowska. Ele, com 29 anos, filho de Andrzej Jarosiński e Barbara Rogulska. Ela, filha de Józef Jackowski e Agnieszka Arament.

Casaram-se em 28 de outubro de 1878, na Vila de Stare Poręby, cidade de Dobre (50 km de Varsóvia), voivodia da Mazóvia.

Não bastasse esta descoberta, não é que apareceram dois filhos do casal?

Stanisław (Estanislau), nascido em 4 de maio de 1879 e PIOTR (Pedro - meu bisavô), em 22 de dezembro de 1880, ambos em Stare Poręby.

Andrzej e Barbara, Józef e Agnieszka são meus tetravôs polacos!!!

Já estive em Dobre, Mińsk Mazowiecki, Siedlce e Varsóvia algumas vezes e não tinha encontrado estes dados, que estão nos arquivos de uma das Cúrias de Varsóvia, no bairro de Praga, do outro lado do rio Vístula, e onde Polański gravou várias cenas de seu filme "O Pianista".


Poręby Stare pertenceu ao município de Radzymina, distrito de Rudzienko, paróquia de Stanisławów. Está distante 35 de Radzymina e era habitada por 12 pessoas em 254 m² de terra.

Em 1827, existiam 10 casas de 87 m² cada. Fazia parte da vila de Dobre. Mas em 1880, foi separada de Dobre e de Rudzienko. Havia, então, no lugar uma fábrica de vidro com 30 trabalhadores e uma fábrica de alcatrão.

Dobre, o atual distrito a que pertence Poręby Stare foi criado em 1530 e elevado a categoria de cidade em 1852.

Em 17 de fevereiro de 1831, na vila de Makówiec Duży, ocorreu uma batalha entre as tropas polacas comandadas pelo general Jan Skrzynecki e o batalhão russo liderado pelo general Rosen.


A escritora e poeta Maria Konopnicka descreveu essa batalha em um belo poema intitulado "Bitwa pod Dobrem", começando com as palavras: "Como Dwernicki em Stoczek, sim Skrzynecki em Dobrem ...".

Antes da Segunda Guerra Mundial, muitos polacos de origem judaica viviam em Dobre. De acordo com os dados do censo de 1921, 373 deles viviam em Dobre, o que constituía 34% da população da vila. Em 15 de setembro de 1942, os polacos- judeus de Dobre foram deportados para o campo de extermínio de Treblinka e a sinagoga da cidade foi destruída.

De acordo com o Censo Nacional de População e Habitação de 2011, a população da vila de Poręby Stare é de 94 pessoas, dos quais 50,0% são mulheres e 50,0% são homens.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

Vinte e um anos do livro SAGA DOS POLACOS

 


Meu livro SAGA DOS POLACOS - A POLÔNIA E SEUS EMIGRANTES NO BRASIL completou agora no final de novembro 21 anos de seu lançamento.

O livro causou-me várias alegrias e algumas decepções. Amado por uns e desprezado por outros, Saga dos Polacos continua vendendo e servindo de referência bibliográfica para vários trabalhos de conclusão de cursos de graduação, dissertações de mestrado e teses de doutorado em universidade do Brasil e do exterior.

A maior alegria foi por causa dele ser agraciado com 4 cursos na Polônia com bolsa do ministério da educação daquele país: 2 de idioma e cultura polaca, 1 mestrado em cultura internacional e 1 doutorado em história.

As decepções foram várias, a começar por 3 agressões em Erechim-RS, São Paulo-SP e Curitiba-PR. Sem contar o desprezo de preconceituosos poloneses e polônicos que insistem em manchar com seu ódio e preconceito a bela palavra gentílica Polaca.

Reproduzo o prefácio do professor doutor argentino-brasileiro Hugo Daniel Mengarelli, que soube entender a importância de Saga dos Polacos para os milhares de brasileiros descendentes de imigrantes polacos:

Conheci Ulisses lá pelos idos de 1976, tão logo havia eu chegado a Curitiba na condição de imigrante argentino. Leitor de Érico Veríssimo, interessado pelo Brasil e seu futuro, não nos surpreende que venha a se preocupar por aqueles que deixaram a vida e o sangue para fazê-lo arvorar, por aqueles que estão na origem deste Ulisses Iarochinski. O resultado é uma consequência lógica, se quiser necessária: Saga dos Polacos.

Pretender que seja um livro de história é uma exigência a que a obra não se propõe, exigir que seja uma exaltação polonesa dos polacos é contrária à visão do autor. Entretanto é um livro de notável pesquisa e ricas informações, feito com a paixão de um descendente que rende homenagem a uma etnia da qual nosso Estado não pode deixar de sentir orgulho. Quem pode falar do Paraná sem falar dessa força, desse espírito que os polacos imprimiram? Paraná é tão polaca que quando casei com Jandyra (em tupy: "doce como mel") eu disse, casei com uma autêntica paranaense (na realidade ela não é tupy e sim filha e neta de polacos.)

O livro faz um percurso pela história da Polônia, tão sofrida e castigada ao longo dos séculos, e também pela história da imigração, não menos sofrida e castigada. Vida dura como pedra, mas não é em pedra dura onde melhor se lavra? Ulisses nos conta como eles mesmos lavraram em pedra dura, desafiaram a intempérie com suas butkas e domy, atravessaram as falsas promessas com suas wielki wosy, aqueceram suas noites com Kapuśniaki e adoçaram seus silêncios e suas broncas com sernik

Deparando-nos com a riqueza da etimologia das palavras, podemos notar que sendo o polaco eslavo, e o termo słowianie em polaco significa "verbo", "palavra", que é a arma da criação do mundo, e sua raiz sław significa "glória", deparamo-nos também que slavo em latim significa "escravo". Que relação poderia haver entre palavra, glória e escravo? Conforme nos ensinou Hegel, é o escravo quem faz a história - apesar de que seja o senhor quem leva a glória. Mas enquanto que o senhor precisa do escravo para se reconhecer, o escravo se reconhece através do seu próprio trabalho. Noutras palavras, ninguém escapa de ser escravo, mas parece que o senhor é o pior deles, já que precisa do outro para se reconhecer. Um, escravo do reconhecimento, o outro do trabalho. Não é que estes eslavos tinham como farol a frase da Bíblia: o trabalho dignifica? Se o verbum divino - palavra em latim - criou o mundo o trabalho humano deu a continuidade, essa é a glória neste povo de palavra. E não devemos em grande parte a esta gente o fato de sermos reconhecidos no Brasil como um povo trabalhador? Os primeiros plantaram batatas para fazerem crescer médicos, artistas, e poetas.

Ulisses preocupa-se em recuperar o termo polaco ao invés de polonês, pois que este surge do preconceito com os "polacos", do preconceito do sofrimento desta gente. Assim como os jovens da aristocracia paranaense usurpavam o corpo de uma polaquinha, também usurpavam a indígena, a negra, a italiana, a ucraniana, etc.. Preconceitos à parte, dos encantos femininos, quem é o verdadeiro escravo? Disse Golias a Sanuel: Escolham um de vocês para lutar contra mim. Se ele for suficientemente forte para me vencer, nós seremos seus escravos.(Livro de Samuel 17). Davi não era suficientemente forte, mas astuto o suficiente. A condição da mulher é outorgar na sua alteridade, um lugar ao homem. A força está no Dom e não no surrupiar, este livro nos mostra muito bem isso. Por quê negar aquilo que nos faz raiz, seja por seus aspectos positivos ou negativos? Ou por acaso todos os imigrantes de qualquer etnia foram fora de série, ninguém roubou, matou ou traiu? A história, não só na Polônia, nos fala disso, mas, por exemplo, nem por isso todos os italianos são carcamani. O termo "polonês" de alguma maneira surrupia o que de mais sacrificado, doloroso e glorioso este povo encerra. O grande poeta falou : Meu coração polaco voltou, e voltará sempre enquanto hajam Leminskis, Iarochinskis, Morozowiczs, Osinskis, etc. Voltarão através desta mistura "viralata" que tanto dignifica esta terra. E será mesmo que existe alguma raça pura, ou a história já se encarregou de "viralatá-la"?

O povo polaco é fundamentalmente sua língua e se ele existe hoje como nação foi porque existiram Kosciuszkos e Piłsudskis que falavam polaco, porque existiu uma religião, a católica, que os manteve unido diante da invasão protestante e ortodoxa, e porque eram slavos, eram verbo, palavra, escravos. Senão como poderiam ser tão facilmente enganados com as promessas feitas pela elite brasileira se eles não fossem gentes de palavra? Como bons eslavos sonhavam com a liberdade, não foi por acaso nas senzalas que surgiram os Quilombos?

Ulisses Iarochinski nos toca fundo quando fala de Cruz Machado e de todo o drama que representa este nome para a coletividade polaca, mas ao mesmo tempo que caboclos tiravam vantagem de um povo de figura e língua estranha, tinha outros como o farmacêutico Antiocho Pereira que entregou-se por inteiro, como um "Bom Samaritano", para salvar a este povo da epidemia.

Passarão os anos e o Brasil haverá de integrar as etnias que o engrandeceram e enalteceram, assim como a selva Amazônica tomou conta da Transamazônica. Mas marcas de sua passagem continuarão sto lat sto lat , "cem anos cem anos" nos hábitos, nos costumes e na origem gravada nos sobrenomes Leminski, Wachowicz, Nadolny, Saporski, Morozowicz, Iarochinski, Bodziak, etc.. Niech żyje żyje nam, que viva que viva para nós, paranaenses e brasileiros. 

 Hugo Mengarelli - Professor de Teatro e Cinema da UFPR. Diretor da Companhia de Teatro PalavrAção da UFPR e dramaturgo.

quinta-feira, 18 de novembro de 2021

A presença polaca no Brasil é de séculos

Historiadores afirmam que o primeiro polaco a chegar ao Brasil foi Krzysztof Arciszewski, comandante da invasão holandesa, em 1629.

Erraram todos os que escreveram isto!

Ele não foi o primeiro a chegar. Antes dele, no dia 22 de abril de 1500, na expedição de Pedro Álvares Cabral chegou Kacper. Um polaco de origem judaica da cidade de Poznań.

Conhecido como Gaspar da Gama, ele era um intérprete de línguas do Oriente que o navegador Vasco da Gama havia capturado em Gôa. Aprisionado, Kacper se converteu ao cristianismo e adotou o nome do poderoso padrinho.

Kacper de Poznań foi levado para Lisboa por Gama. Frequentador assíduo da corte portuguesa, ao ponto se tornar amigo do Rei Manoel I. Amizade que o fez ser escolhido para integrar a expedição de Cabral.

Na verdade, o tal Gaspar (nome aportuguesado) nascido na Polônia tem sua presença anotada em diversos estudos. Entretanto, historiadores parecem querer esconder sua presença e pior sua origem polaco-judaica.

Eduardo Bueno é um dos poucos que registram o tradutor de várias línguas: “Além de mestre João, outro personagem intrigante a bordo era Gaspar da Gama, ou Gaspar da Índia, que Vasco da Gama julgara ser um espião árabe e capturara em Gôa, na Índia. Gaspar, na verdade, era um judeu polaco, de caráter errante, que vivera na Índia 30 anos antes. Aprisionado por Gama, terminou por conquistá-lo. Converteu-se ao cristianismo, adotou o nome de batismo do poderoso padrinho e foi levado para Lisboa. Passou a circular pela corte com desenvoltura, tornou-se íntimo de D. Manoel e embarcou como intérprete na viagem de Cabral.”

Gaspar da Gama foi um dos quatro primeiros homens da expedição a pisar em solo brasileiro antes que o comandante Pedro Álvares Cabral. O português ordenou a descida em terra firme do experiente Nicolau Coelho, que estivera na Índia com Vasco da Gama, do intérprete Gaspar da Gama (o polaco-judeu da Índia) - que além do árabe, falava dialetos hindus da costa do Malabar  - e o terceiro intérprete da frota que tentou falar com os "índios" sem sucesso foi Gonzalo Madeira de Tânger, Marrocos,
além de um escravo de Angola.

O polaco Kacper de Poznań participou, em 1502, de outra expedição para a Índia na esquadra comandada por Vasco da Gama. Retornou de novo a Índia, em 1505, com a expedição de Francisco de Almeida. Participou na Índia em expedições dos portugueses que tentaram conquistar Ormuz, em 1508, e Calicute, em 1510, época em que alguns supõem que ele tenha morrido.

Os portugueses conseguiram reunir, assim, a bordo de um escaler, homens dos três continentes conhecidos até então e capazes de falar seis ou sete línguas diferentes.

Assim que, o comemorado Krzysztof Arciszewski pelo poeta curitibano Paulo Leminski foi o segundo polaco a pisar em solo brasileiro e não o primeiro. Arciszewski nasceu em 1592, em Śmigiel, vila da cidade de Kościan, na voivodia da Wielkopolska (Grande Polônia). Śmigiel fica a aproximadamente 52 km a Sudoeste de Poznań.

Arciszewski foi contratado pela Companhia das Índias Ocidentais holandesa e nessa condição ele desembarcou no Nordeste brasileiro, em 1629, juntamente com os invasores holandeses. Acabou voltando a Holanda e algum tempo depois retornou ao Brasil em 1634. Derrotou o governador da Bahia, saiu-se vitorioso na Batalha de Porto Calvo, em 1638, e fez a tomada do Arraial do Bom Jesus.

Enviado a Holanda retornou pela terceira vez ao Brasil, em 1639, mas desta vez entrou em conflito com o príncipe Maurício de Nassau, o mesmo que tinha levantado uma estátua de Arciszewski, em homenagem às suas vitórias contra os portugueses, em Recife. O polaco foi preso a mando de Nassau e enviado a Holanda definitivamente. Na Europa, escreveu poesias sobre o Brasil, além de relatos e mapas topográficos sobre as batalhas em que se saiu vencedor. Faleceu na Polônia, na cidade de Gdańsk, em 1656.

Em 1631, foi a vez do Padre Wojciech Meciński, que aportou no Recife. Alguns grafam seu nome em português como Alberto. Ele nasceu em 1601, em Osmolice, uma vila no distrito administrativo de Gmina Strzyżewice, na cidade de Lublin, voivodia Lubelska, no Leste da Polônia. Ele era padre da Congregação dos Jesuítas.

O navio em que ele viajava para Gôa, na Índia foi desviado do curso e acabou em Pernambuco. Meciński desenhou um mapa de Pernambuco e uma descrição da capitania. Acabou morrendo em Nagazaki, no Japão, como mártir, depois de ser torturado, em 23 de março de 1643.

Séculos mais tarde, em 1826, chegou o capitão do exército, Edward Kacper Stepnowski, que ao que tudo indica é o primeiro polaco a se estabelecer no Paraná.

Figuram ainda Robert Trompowski (1829, Santa Catarina), Andrzej Przewodowski (1839, Bahia), Piotr Czerniewicz (1839, Rio de Janeiro), Florian Roswadowski (1850, trabalhou na construção do teatro do Rio de Janeiro), Hieronim Durski (1851, um dos fundadores de Joinville) e Karol Mikoszewski (1865).

Assim que, comemorações são apenas convenções criadas com o intuito de valorizar muitas vezes seus parentes, a si próprios e a comunidade, isto, em detrimento de outros e de outras localidades mais apropriadas para tais eventos.

Estas informações preliminares vem a pretexto das comemorações dos 150 anos da imigração polaca em Curitiba realizadas no último dia 30 de setembro e que prosseguiram nos meses de outubro e novembro.

Eventos semelhantes aos que também aconteceram dois anos atrás em Brusque e que foram chancelados como sendo 150 anos da imigração polaca NO Brasil.

Comemorações que estão sendo tratadas como Do Brasil equivocadamente, pois elas ignoram por completo indivíduos e outros grupos chegados bem antes ao país, como os já citados.

Os eventos deste ano, na capital paranaense, parecem ter sido corrigidos e estão sendo chamados de polacos de Curitiba, mas ainda assim se equivocam ao referirem ser estes polacos os primeiros a chegar à própria capital paranaense e ao Paraná.

Sim!

Monumento aos 150 anos dos polacos em Curitiba, no Pilarzinho - Foto: Daniel Castellano

Porque estas famílias de 1871 não foram as primeiras a chegarem a Curitiba e tampouco ao Paraná. Os festeiros ignoraram a existência de Edward Kacper Stepnowski, que chegou no Rio de Janeiro, aos 33 anos, solteiro, em 1826.

Stepnowski antes de vir ao Paraná, naquele mesmo ano foi lutar na Província Cisplatina, no posto de capitão de 1ª linha dos lanceiros do 6º Regimento de Cavalaria do Exército Imperial Brasileiro.

Em 1836, Stepnowski foi trabalhar na catequese de índios do vale do Rio Ribeira. Seu nome aparece como proprietário de terras na Freguesia de Santa Ifigênia (atual rua), na estrada do Piquiri, na cidade de São Paulo.

Segundo o jornal da província de São Paulo “A Phenix”, de 1840, Kacper Edward Stepnowski foi reformado como Capitão do Exército, em 20 de setembro de 1838.

Após casar com Tereza Maria das Candeias adquiriu terras na Vila de Castro, em 1858. Ali, nasceram seus filhos João Aureliano (1841) Ulisses Alberto (1848),  Sofia Maria (1851) e Josefina (1857). Stepnowski adquiriu terras em Votuverava (Rio Branco do Sul) na Ribeirinha. Descendentes de Stepnowski ainda habitam a região de Apiaba e Socavão, em Castro.

Stepnowski, sim! É o primeiro polaco do Paraná!

Se aceitamos que uma única pessoa imigrante não é um marco, mas que um grupo de pessoas é, então, preciso se basear nos estudos e pesquisas de Jan Pitoń, padre polaco que pesquisou durante anos no Brasil e na Polônia sobre chegada e estatísticas da imigração polaca no Brasil. Pitoń foi pároco em algumas igrejas do Sul do Brasil e reitor da Missão Católica Polaca no Brasil e um incansável pesquisador da etnia. Descobriu colônias de imigrantes polacos até em Goiás.

Pitoń em suas publicações afirmava que o primeiro grande grupo de imigrantes polacos do Brasil chegou a província do Espírito Santo, em 1847, e que era formado por 120 famílias polacas vindas da Prússia Oriental e da Silésia, regiões então invadidas e ocupadas pelos saxões-alemães.

Então!

Considerando os estudos de Pitoń, os tais anos de comemoração forçosamente teriam de aumentar para “174 Anos da Imigração Polaca no Brasil", com este grupo grande comprovadamente estabelecido no Espírito Santo.

Tudo, pois, é uma questão de conveniência ou convenção e até de ideologia.

Outro grupo que precedeu as famílias de Brusque, consideradas equivocadamente como as primeiras a pisar em solo brasileiro, foi o de Hieronim Durski. Polaco da Wielkopolska, então com 26 anos de idade, veio junto com sua esposa Pelagia Wiktoria (24 anos), a filha Joanna (7 anos), o filho Juliusz (4 meses (alguns autores dizem que possuía 12 anos), a sogra Ełżbieta Włostowska-Wieczerski e outros oito polacos. O professor e músico chegou em Joinville, em 1851, como está comprovado pela lista de passageiros do navio Emma & LouiseDurski é um dos cinco primeiros imigrantes a se estabelecer no que viria mais tarde ser a principal cidade de Santa Catarina.

Durski pouco tempo depois se estabeleceu na então Colônia Dona Francisca. Viveu alguns anos ali, antes de transmigrar, primeiro para a cidade da Lapa e depois para Curitiba, em 1866. Esteve lecionando, em 1868, em Palmeira, em 1870, em Campo Largo. Alguns biógrafos de seu filho Juliusz - considerado célebre fotógrafo brasileiro da segunda metade do século 19 - teria se mudado para Sorocaba-SP, com seus pais, em 1875. O biógrafo assinala que Júlio (adotou o nome em português quando se naturalizou brasileiro) Wieczerski Durski:

"Exerceu a profissão de fotógrafo na cidade de São Paulo em 1876, com ateliê estabelecido à Rua do Ouvidor, através da sociedade “Photographia Allemã”. Executou trabalhos em Sorocaba a partir de 1878, em parceria com o sócio Leuthold. Em 1879, fotografou a Fábrica de Ferro de São João do Ypanema. As fotografias foram apresentadas na Exposição de História do Brasil, da Biblioteca Nacional, em 1881, ano em que se estabelece em Sorocaba com ateliê próprio: a “Photographia de Julio W. Durski”.

Mas a verdade é que, o pai Jerônimo Durski, estava na na capital paranaense, em 1876, onde fundou a primeira escola de ensino no idioma polaco do Brasil, na Colônia Órleãns.


Durski e sua família, portanto, são os primeiros polacos de Santa Catarina e de Curitiba.

Assim colocado, as comemorações de polacos NO Brasil deveriam ser de “195 Anos de Imigração Polaca no Brasil” ou “163 Anos de Imigração Polaca em Castro” e de "155 Anos de Imigração Polaca em Curitiba".

Entretanto, é preciso registrar e aceitar que chegaram 320 famílias polacas, em 1857, em Santa Cruz do Sul - no Rio Grande do Sul.

E com isto, temos mais comemorações equivocada. Sim! Porque os gaúchos comemoram como marco inicial da imigração polaca no Rio Grande do Sul, as 26 famílias polacas assentadas na Colônia Conde D'Eu, na linha Azevedo Castro, atual município de Carlos Barbosa, no ano de 1875.

Portanto, o grupo de Brusque e Curitiba não pode ser considerado como sendo o marco inicial da imigração polaca NO Brasil. Na verdade, este grupo é o quinto e não o primeiro de imigrantes polacos no Brasil.

A pergunta que emerge destas informações é:

- Qual a razão da comissão de notáveis de 1971, em Curitiba, convencionar o centenário da imigração polaca no Brasil?

Seus integrantes não sabiam da existência dos grupos do Espírito Santo, de Santa Cruz-RS e de Joinville?

Talvez não! Mas preferiram assumir os dois grupos da Colônia Príncipe Dom Pedro e Itajahy. Mas pelo menos um integrante da comissão sabia: o padre vicentino Jan Pitoń. Contudo, parece que foi voto vencido. Os demais, preferiram eleger o grupo de 16 famílias que chegou ao Porto de Itajaí, Santa Catarina, em agosto de 1869.

Grupo este composto por 16 chefes de família e mais três solteiros veio no navio Victoria do comandante Redlisch, que trouxe aqueles colonos desde o porto de Hamburgo, na Confederação Alemã, com escalas em Antuérpia na Bélgica e no Rio de Janeiro.  

Eram 80 polacos provenientes da região da Silésia Meridional polaca. Eles vinham da vila rural de Biała Góra, em Stare Siołkowice, cidade de Popielów, na Voivodia de Opole. Os pais destas famílias eram:

Franciszek Pollak (família composta por 7 pessoas), Mikołaj Wós (3 pessoas), Bonawentura Pollak (6 pessoas), Tomasz Szymański (4 pessoas), Szymon Purkot (4 pessoas), Filip Kokot (3 pessoas), Michał Prudło (4 pessoas), Szymon Otto (5 pessoas), Dominik Stempki (3 pessoas), Kacper Gbur (5 pessoas), Balcer Gbur (9 pessoas), Walenty Weber (6 pessoas), Antoni Kania (2 pessoas), Franciszek Kania (5 pessoas), a Mãe de Franciszek e Antoni Kania (2 pessoas), Andrzej Pampuch (7 pessoas), Józef Purkot ( solteiro), Julianna Wós (solteira) e Stefan Kachel (solteiro). 

Os 35 adultos e 45 crianças foram instalados na colônia abandonada Sixteen Lots (16 lotes) denominadas Colônia Príncipe Dom Pedro e Itajahy, na foz do Ribeirão das Águas Claras, na região do atual município de Brusque.

No ano seguinte, em 1870, chegaram mais famílias vindas da mesma Stare Siołkowice (a tradução aproximada deste nome para português é "Velho Local de Assentamento"). Eram compostas de 54 adultos com muitos filhos.

Os pais e chefes de família deste segundo grupo eram:

Fabian Barcik, Grzegorz Hyla, Bernard Fila (4 pessoas), Baltazar Gbza, Leopold Jeleń, Andrzej Kawicki, Marcin Kempki, Błazej Macioszek, Walenty Otto, Wincenty Pampuch, Paweł Polak, Marcin Prudlik, Jozéf Purkot, Jozéf Skroch, Tomasz Szajnowski, Ignacy Miłek (6 pessoas), Jakub Nalewaja (7 pessoas), Anna Gbur (4 pessoas), Karol Bera (6 pessoas), Paulina Elne, Bartosz Szyk, Maria Purkot (4 pessoas), Katarzyna Kokot (6 pessoas), Karolina Stefan (2 pessoas), Elżbieta Wosch (2 pessoas), Ester Prudło (2 pessoas), Suzzana Nabrzeka (4 pessoas), Maria Kania (2 pessoas), Róża Atan (3 pessoas), Maria Ludwika (3 pessoas), Maria Róża (2 pessoas), Maria Prodlingrz (4 pessoas), Anna Wósch (8 pessoas), Walter Gartich (2 pessoas), Józef Riff (2 pessoas) e August Waldera.

No total, somando os dois grupos de famílias são mais de 180 pessoas, sendo 80 adultos e mais de 100 crianças.  

O que confirma esta quantidade é um requerimento guardado pelo IHGPR - Instituto Histórico e Geográfico do Paraná de Sebastian Edmund Wós Saporski, datado de 12 de agosto de 1870, ao governador do Paraná:

“Ilmo. e Exmo. Snr. Presidente do Paraná. Temos a liberdade d’enviar à Vossa Excellencia Ilma. a inclusa lista das famílias Polacas, oitenta pessoas, que emigrão no anno passado para o Brasil e forão mandados a sua presente residencia Colonia de Brusque na Província de Santa Catarina, para que pudesse-lhes ser concedida a muito humilde pedida d’elles o transporte d’essa Província para a do Paraná. P. q. Vossa Excellencia ilma. se digne servir. Curitiba, em 12 de Agosto de 1870. Seb. E. Saporski. Despacho: Indeferido. Palacio da Presidencia do Paraná, 25 de outubro de 1870. A.E. Leão. Officios-1870, vol. 16 APEP.”  

Aquele primeiro grupo de 16 chefes de família e três solteiros tinha embarcado em:

- 10 junho 1869 - Embarque no navio Victoria, no porto de Hamburgo.
- 21 junho 1869 - Nascimento em alto mar de Jan N. Wosch.
- 03 julho 1869 - Nascimento em alto mar de Stefan Szajnowski
- 11 agosto 1869 - O navio Victoria aportou em São Francisco do Sul - SC
- 25 agosto 1869 - Batizado de Stefan Szajnowski, na Colônia Príncipe Dom Pedro
- 09 setembro 1869 - O navio Victoria segue até o Porto de Itajahy - SC
- 12 novembro 1869 - Nascimento de Izabella (Ełżbieta) Kokot na Colônia Príncipe Dom Pedro
- 06 dezembro 1869 - Anexação da Colônia Príncipe Dom Pedro à Colônia Itajahy.

Um relato da viagem foi escrito por uma das passageiras e recuperado por Maria do Carmo R. Krieger Goulart:

“10 de junho de 1869. Hoje faz dois meses que embarcamos no navio Victoria, no Porto de Hamburgo. O cansaço pela longa viagem marítima deixou-nos debilitados. No navio a comida era boa. Serviam sardinhas, carne duas vezes por semana e, todos os dias, café pela manhã e chá pela tarde. Conhaque, vinho, limões e remédios foram de grande utilidade na travessia do Oceano Atlântico. Só não havia remédio para o cansaço da longa viagem.”

No ano seguinte, 1870:

- 04 janeiro 1870 - Nascimento de Julianna Gbur
- 29 agosto 1870 - Nascimento de Zofia Mocko
- 11 outubro 1870 - Falecimento de Jan Otto, filho de Szymon Otto.

No ano que chegou o segundo grupo algumas datas devem ser assinaladas:

- 26 abril 1871 - Nascimento de Piotr Purkot
- Julho 1871 - Transmigração de 34 famílias para Curitiba
- 30 de setembro de 1871 – Chegada a Curitiba.

Também deve ser ressaltado que foram estes polacos que trouxeram consigo os instrumentos para o que seria a base da atual indústria têxtil catarinense. Devendo, portanto, serem considerados os verdadeiros país da indústria têxtil catarinense.

Krieger Goulart registrou os nascimentos e óbitos dos primeiros polacos daqueles dois grupos nascidos em solo brasileiro:

“em 12 de novembro de 1869, nasceu Izabella Kokot na Colônia Príncipe Dom Pedro, em Brusque-SC. Izabella seria, portanto, a primeira polaca nascida no Brasil. No ano seguinte, em 04 de janeiro, nasceu a segunda polaca, Julianna Gbur, que morreu 53 dias depois. No mesmo ano, ainda em Brusque, nasceu a terceira polaca, Zofia Mocko. O primeiro menino polaco, Piotr Purkot, nasceu, em 26 de abril de 1871.”

Nos registros de óbitos da Igreja da Colônia Príncipe Dom Pedro e Itajahy estão os falecimentos de Jan Otto, com um ano e cinco meses, no dia 11 de outubro de 1870, filho de Szymon Otto e Rozalia; Małgorzata, filha de Ignacy Miłecki e Suzzana Kubiś, em 21 de dezembro de 1870. Já em 2 de Janeiro de 1871, faleceu a terceira polaca, Marianna Stempka; em 3 de janeiro, Jan Purkot; em 14 de janeiro, Małgorzata, filha de Jan Miłecki e em 26 de fevereiro, Julianna Gbur.

Todos foram enterrados no cemitério da colônia.

Os recém chegados polacos ao se defrontarem com a selva densa, coberta de robustos pinheiros, acreditaram ter chegado ao paraíso. A primeira atitude foi erguer suas casas com os troncos daquelas belas árvores.

A alegria se transformou em tristeza rapidamente. A inexperiência com a floresta sub-tropical, a desorientação agrícola, o abandono do governo brasileiro foram causa de profundas decepções e frustrações.

Toda a dor dos primeiros imigrantes foi relatada em cartas aos parentes da distante Polônia, infelizmente apreendidas e censuradas pelas autoridades prussas de ocupação.

O jovem polaco que havia chegado anos antes a Santa Catarina, Sebastian Wós, e que acrescentou ao seu nome Edmund Saporski encontrou um padre também polaco como ele, Antoni Zieliński, que tinha chegado antes ao Brasil e era pároco em Blumenau.

Os dois sensibilizados com as dificuldades daqueles polacos buscaram informações sobre outras terras. Souberam, então, alguma coisa sobre a província vizinha do Paraná. As intenções da mudança dos polacos correram logo pelas ruas de Blumenau, onde os chefes, alemães, viam a presença dos polacos como possibilidade de os transformar em escravos brancos.

Quando os dois líderes polacos solicitaram transferência para os campos de Curitiba, receberam sonoros e enérgicos: não!

Saporski não desanimou!

Viajou até o Paraná, acompanhado de sua mãe adotiva (uma senhora alemã que havia conhecido no navio a caminho do Brasil e Argentina). O jovem Sebastian queria conhecer a outra província e solicitar diretamente ao presidente (governador) do Paraná a transmigração de seus patrícios. Foi lhe oferecido, então, terras na vila de Palmeira.

Saporski não gostou das terras áridas do segundo planalto e pior, segundo ele, as terras eram muito longe da capital.

Voltando a Curitiba, Saporski conversou com o vice-presidente da Província, Ermelino de Leão, que,  no entanto, pouco pode fazer, pois o presidente Venâncio José de Oliveira Lisboa, ao contrário das expectativas, queria fundar uma colônia bem longe de Curitiba, em Assunguy.

Além disso, alguns habitantes da cidade quando souberam das pretenções do polaco, ficaram contra. Chamavam-no de forasteiro embusteiro.

Imigrantes alemães já estabelecidos no Pilarzinho, ciosos de sua cômoda posição e de seu privilegiado monopólio de serem os únicos fornecedores de produtos hortigranjeiros de Curitiba temiam a concorrência dos novos colonos e por isso se posicionaram contra.

Saporski voltou frustrado a Santa Catarina, mas nem por isso, menos esperançoso de seus propósitos. Ele tinha que tirar seus patrícios de perto do imigrantes alemães.

Meses depois, Saporski finalmente conseguiu a aprovação da transmigração. Não foi fácil, mas o governo da província acabou financiando parte das despesas de transporte e assentamento dos polacos de Brusque.

O transporte foi feito de navio até Paranaguá e em carros de boi pelo também imigrante João Hey. Por este feito e outros atos ao longo de sua vida, Saporski foi reconhecido como o Pai da Imigração Polaca no Brasil.

Aqueles polacos ao chegarem ao Paraná foram inicialmente alojados em algumas das chácaras existentes em Curitiba. Alguns ficaram na Chácara Holleben, outros na Chácara de B., Schmidt e Meister.

O governo do Paraná pagou 725 francos, enquanto Saporski outros 48 francos pelas despesas de transporte de Santa Catarina para o Paraná.

Não demorou muito para todos serem reassentados na Colônia do Pilarzinho, distante 5 km do centro da cidade. A cada família foi destinado um lote. Tudo feito de conformidade com a Lei e regulamentado pela Câmara Municipal. Naquela época não existia prefeitura, nem prefeito. O presidente da Câmara era a principal autoridade da cidade.

Aqueles imigrantes de cabelo louro, pele rosada e olhos claros e exóticos para os curitibanos foram os primeiros de milhares que no entender de Bento Munhoz da Rocha Netto, ex-governador do Paraná,  realmente mudaram a face da terra dos Pinheirais. Depois desta gente loira e corajosa, o Paraná nunca mais foi o mesmo:

“Em nosso planalto frio, de pinheiro, campo e erva-mate, está integrada, como uma realidade iniciada em 1871, a colonização polaca. A colônia polaca faz parte da paisagem com sua apresentação típica. Com a igreja, o cemitério ao lado e casa do vigário. O colono polaco adaptou-se. Teve problemas como sempre existem e seria impossível que não existissem na migração de um meio muito diferente do de origem. Por ser o Paraná, dos três Estados do Sul do Brasil, a região que atraiu, em maior número, o imigrante polaco, quando este Estado amanhecia e se expandia, esboçando e fazendo adivinhar a realidade futura, ainda longínqua, a colônia polaca plantou um marco na evolução desta terra. Não se pode pensar o Paraná sem a figura do imigrante polaco e as contribuições que ele trouxe. Houve, assim, uma identificação do polaco com o Paraná(...) Este Estado pensou ter o monopólio dessa imigração. De fato, o Paraná ficou dono do polaco. Podemos dizer aqui: o polaco é nosso. Confirmando a tese de Gilberto Freyre, da assimilação regional, como caminho para a assimilação nacional, criou o tipo específico do polono-paranaense, como integrante do continente cultural brasileiro. Ao contrário do resto do país, aqui o sobrenome polaco não soa estrangeiro. Apesar de sua frequente dificuldade de grafia, o sobrenome de origem polaca é uma versão que se compreende e da qual os paranaenses luso-brasileiros se habituaram e avaliam como sendo coisa genuinamente paranaense (...).”

Durante o período da imigração, o Paraná ficou bastante conhecido na Polônia. Os agentes de emigração apresentavam o Estado como tendo sido escolhido por Deus. Era tal a esperança pela Canaã brasileira que os polacos começaram a acreditar na lenda quase divina que dizia mais ou menos assim:

“O Paraná até então estava encoberto por névoas e que ninguém sabia de sua existência. Era uma terra em que corria leite e mel. Então a Virgem Maria, madrinha e protetora da Polônia, ouvindo os apelos que o sofrido camponês polaco lhe dirigia, dispersou o nevoeiro e predestinou-lhe o Paraná. Tal decisão a Virgem Maria comunicou ao Papa, o qual, sensibilizado pelo destino da cristandade polaca, convocou todos os reis e imperadores da terra, para sortear a posse de tal território.Por três vezes consecutivas foi tirada a sorte, e sempre o Papa era o contemplado. Então o papa solicitou ao Imperador brasileiro que distribuísse essas terras aos polacos, para que a tivessem à fartura e ali pudessem viver felizes, expandindo o seu cristianismo. (Folhetos de propaganda do governo Brasileiro na Polônia).”

Para o Paraná já tinham vindo imigrantes de outras nacionalidades. Eram argelinos, franceses, suíços, alemães, ingleses e irlandeses. Mas estes imigrantes logo se dispersaram e muitos voltaram para suas nações de origem. Somente a partir de 1871, com a chegada daqueles polacos a Curitiba, o processo de colonização com imigrantes europeus começou a dar resultado.

O Império trazia aqueles imigrantes de seus países de origem custeando a viagem da Europa ao Brasil e sustentava-os até que pudessem se manter com os frutos da terra.

O primeiro, a conscientemente, apostar nos polacos foi o presidente de Província, Adolfo Lamenha Lins (1875-1877) que oferecia as seguintes condições aos imigrantes:

“Medidos e demarcados os lotes de terras de cultura nos arredores da cidade, traçadas as estradas, entrega-se um lote a cada família, com uma casa provisória, regularmente construída. Ao colono maior de dez anos, dá-se como auxílio de estabelecimento vinte mil réis. Cada família recebe mais 20 mil réis para a compra de utensílios e sementes. Logo que o colono se estabelece é empregado na construção de estradas do núcleo, recebendo ferramenta necessária e cessa então a alimentação por conta do governo. Em cada núcleo, funda-se uma escola e edifica-se uma capela, com exceção daqueles que por muito próximo da cidade dispensam esta construção. Além do trabalho nas estradas do núcleo, encontra o colono, serviço nas obras públicas gerais. Estabelecidos por esta forma, ficam os colonos entregues à sua própria iniciativa e somente obrigados a pagar do regulamento de 1867, a sua dívida ao governo. Esta dívida, pelo que respeita aos gastos feitos desde a chegada do colono a esta Província, ainda não excedeu a 500 mil réis para cada família de 5 pessoas, termo médio, incluído preço das terras e está garantido pelo valor real do lote, casa e acessórios. Achando na cidade pronto mercado para o produto de sua lavoura e fácil consumo de lenha, hortaliças e pequenas indústrias, o colono pode em tempo breve libertar-se dessa dívida para com o Estado e habilitar-se a desenvolver a sua lavoura.”

Contudo, esta dívida nunca foi cobrada aos imigrantes.

O presidente da província acreditava que os descendentes destes imigrantes, seriam a mão-de-obra tão necessária para povoar os sertões do Paraná. Numa fase inicial, eles seriam assentados ao redor da Capital e formariam o chamado “cinturão verde” de abastecimento alimentício da população.

Lamenha Lins propunha e executava.

No curto período de seu governo conseguiu instalar com sucesso as colônias de Santa Cândida, Órleãs, Dom Pedro, Dom Augusto, Thomaz Coelho, Lamenha, Santo Inácio e Riviere.

O PILARZINHO
Com o fim da Guerra do Paraguai, a Câmara Municipal de Curitiba preocupada com os combatentes brasileiros que começaram a voltar, propôs, em 11 de agosto de 1870, a criação de uma Colônia Municipal no local chamado de Pilarzinho, com o intuito de conceder terras aos soldados do Império. Eis alguns de seus artigos:

"Art. 1º - É destinada uma área não inferior a meia légua quadrada nos terrenos do patrimônio da Câmara Municipal de Curitiba, no quarteirão do Pilarzinho, a margem esquerda do Bariguy, que terá por limites, por um lado - tomando como ponto de partida o mesmo rio Bariguy - a linha divisora entre os terrenos de patrimônio municipal e os de propriedade municipal e os de propriedades particular dos moradores da Caxoeira, para os colonos que quiserem nela fundar espontaneamente estabelecimentos agrícolas.
Art. 7º. - Os colonos que se estabelecerem na referida área ficam isentos do foro municipal dentro do primeiro ano, assim como dos emolumentos do título de aforamento perpétuo que se lhes conceder. As primeiras concessões de lotes foram feitas para 24 Voluntários da Pátria."

Em seguida, em 1871, os demais lotes foram doados para os 80 chefes de família de imigrantes polacos transferidos da província de Santa Catarina.

As idéias de Lamenha Lins de formar um “cinturão verde” em torno de Curitiba favoreceu a instalação das diversas colônias no decorrer dos anos seguintes. Por ordem cronológica, os polacos foram assentados nas colônias que atualmente são bairros da cidade:

- 1871 (novembro) - Pilarzinho,
- 1873 - Abranches,
- 1875 - Santa Cândida,
- 1876 - Nova Polônia (compreendia as colônias Lamenha, Santo Inácio, Órleãns, Dom Pedro, Mossunguê, Dom Augusto),
- 1877 - Rivière (hoje, Ferraria em Campo Largo),
- 1878 - Murici, Zacarias, Inspetor Carvalho e Coronel Accioly.

Também foram criadas as Colônias de Serrinha, em Contenda; Thomaz Coelho e Guajuvira, em Araucária.

PRIMEIRAS TERRAS
O documento que registra oficialmente a chegada daqueles famílias é um atestado da Câmara Municipal:

“Câmara Municipal da Cidade de Curitiba, attesta, a requerimento de Sebastian Edmund Saporski, o seguinte:
1.º que existem estabelecidas no rocio desta Capital as trinta e duas famílias polacas, constantes da relação apresentada, ocupando alguns lotes de terrenos da colônia Pilarzinho e outros terrenos que requereram a esta Câmara e obtiveram por carta e fóro;
2.º que as mesmas famílias polacas são dedicadas ao trabalho, excellentes lavradores e muito morigerados;
3.º que não consta a esta Câmara tivessem estas famílias recebido quaisquer favôres ou adiantamentos pecuniários do Gôverno para estabelecimento.
 
Paço da Câmara, 15 de outubro de 1873 Eu Ignácio Alves Corrêa, secretário o subscrevi. O presidente da Câmara municipal, ass. Antônio Augusto Ferreira dos Santos."

INIMIGOS
Os novos colonos, a princípio, foram rechaçados por pessoas que não aceitavam a presença deles. Para dar crédito às suas posições acusavam os polacos de arruaceiros e vagabundos.

O principal motivo, no entanto, era devido ao fato dos polacos terem recebido auxílio da Câmara Municipal e isto, foi considerado uma injustiça para com os antigos assentados, já que nunca tinham sido contemplados com as mesmas regalias.

Entretanto, parece, a causa principal da rejeição e das maledicências, eram conflitos ocorridos na Europa, pois os ataques partiam dos granjeiros germânicos já estabelecidos no bairro desde 1863.

A secular desavença polono-germânica aflorou mais uma vez, e desta vez, do outro lado do Atlântico. Os Schaffer, os Wolf e os Mueller temiam ameaça aos seus negócios de lenha, leite e verduras.

Os polacos sem o saberem já haviam sido convertidos em concorrentes dos saxônicos. Este desentendimento acabou produzindo até uma obra literária, publicada na Polônia com o título de “Bitwa Pilarzinho” (Guerra do Pilarzinho).

A situação somente melhorou quando, em 1875, começaram a chegar imigrantes italianos. Professando uma mesma religião católica, os polacos se aproximaram dos italianos, afastando-se ainda mais dos protestantes saxônicos.

PRIMEIRO POLACO CURITIBANO?
Sob o número 414, nos registros de nascimento da velha Igreja Matriz de Curitiba, está assinalado o que pode ter sido o nascimento do primeiro polaco nascido em solo curitibano:

“Aos vinte e oito dias do mês de Outubro de mil oitocentos e setenta e um, nésta Matriz de Curitiba, batizei e puz os santos oleos no inocente Jan, nascido a seis d’este mês, filho legítimo de Grzegorz Hylla e de Maria..., Polacos. Foram padrinhos Fabian Barcik e Rozalia Pampuch, também Polacos e fregueses desta Paróquia. Do que fiz este assento. O Vigário Agostinho M. de Lima.”

No mesmo livro, mais adiante, o registro 415 apontava:

“Nascimento de Ursula, a 27 de Outubro de mil oitocentos e setenta e um, filha legítima de Fabian Barcik e Edwirges Purkot, polacos...”

Junto a Jan e Ursula, Leopold filho de Filip e Eżbieta Purkot são os primeiros curitibanos etnicamente polacos.

A CURITIBA QUE EU SOU
Uma série de reportagens publicada no Jornal do Estado, em Curitiba, no período de 18 a 23 de agosto de 1987, pelo autor deste texto, tentava explicar as influências dos imigrantes e em particular dos polacos no comportamento curitibano:

PARTE 1
Curitiba da província. Curitiba da metrópole. Curitiba marcante...Curitiba arrogante...Curitiba sorriso. Dos campos de cerração de antes, aos campos industriais de agora. Uma Curitiba que cresce, que se transforma...mas que permanece. Dos olhos azuis das crianças das antigas colônias, ao breu dos esgotos das favelas de hoje. Dos vastos pinheirais que a circundavam aos imensos arranha-céus de concreto e aço que a inunda. Das antigas famílias imperiais, ao entrelaçamento das famílias raciais. Curitiba...dinamismo...serenidade. Curitiba...a busca da evolução com tranqüilidade.

A Curitiba que eu sou, pretende ser um painel de permanências e de mudanças e sobretudo desmistificar uma série de conceitos e preconceitos através de seus pensadores e sua gente. Viver em Curitiba é instigar aqueles que a constróem e irritar àqueles que não a conhecem.

“Quem uma vez viu o rosto da esperança, não o esquece jamais. Importa que esta Curitiba, de tantas manhãs de cerração, de duas ou três nevadas por século, consiga manter a boa qualidade de vida, neste Brasil tão nosso, dos imigrantes, filhos de polacos, italianos e alemães, semeadores, que aqui plantaram seus sonhos de esperança. Neste Paraná de todos os cantos do Brasil, que aqui definiu nossa vocação, pelo trabalho árduo, de celeiro da Nação(...) As cidades devem ser como espelhos. A gente olha o espelho e nele se reconhece. Há pessoas que podem não gostar da imagem que se reflete no espelho da cidade. Importa que todos se reconheçam na cidade que querem herdar e na cidade que vão deixar a seus filhos...quem já viu o rosto de Curitiba, cheia de esperanças, não vai esquecê-lo, vai lutar para que permaneça(...) Curitiba dos mineradores e tropeiros dos séculos dezessete e dezoito, começou a mudar por volta de 1870 quando começaram a chegar as levas de imigrantes europeus. O rosto da cidade mudou. Das antigas casas baixas aos sobrados alemães é um salto. A catedral de estilo português foi demolida e em seu lugar foi erguida a atual, de estilo alemão, construída totalmente pelos imigrantes que dominavam o comércio local. Já no início do século XX as feições da cidade não eram mais portuguesas, mas um misto de eslava-germânica-italiana”.

As palavras são do memorialista Rafael Greca de Macedo, que afirmava, "definir Curitiba implica em conhecer sua existência.” Para ele, declarar que Curitiba é diferente é explicar a razão e as causas desse caráter. Dessa forma, ele conta à sua maneira, a Curitiba da esperança:

“Com a fixação das colônias de imigrantes em volta da cidade, compôs-se um mosaico do mundo. Nos atuais bairros de Santa Cândida, Abranches, Barreirinha e Pilarzinho fixaram-se os polacos. Em Santa Felicidade e Colombo, os italianos. No Bigorrilho e Largo da Galícia, os rutenos. E assim por diante, os argelinos, franceses, suíços e outros vão sendo destinados a determinada região da cidade. O caso dos alemães difere um pouco dos demais imigrantes, porque sendo comerciantes e não agricultores, eles se fixaram no centro da cidade e começaram a influenciar o cultural da cidade muito antes que os outros. Como cada colônia possuía sua própria escola e igreja na língua de sua respectiva Nação, a integração se processava muito lentamente. A partir de 1940, com a Segunda Guerra, alemães e seus descendentes são perseguidos: a impressora Paranaense, no Batel, é destruída. Getúlio Vargas, por sua vez, proíbe as escolas e as igrejas das colônias de ensinarem e rezarem em seus idiomas. Os colonos iniciam a vinda para o centro da cidade. Seus filhos passam a freqüentar escolas de brasileiros. A cidade começa nova transformação.”

Segundo Rafael Greca é nesse momento, com a interação das diversas etnias que a cidade forma e solidifica seu comportamento “suis generis”. O badalado caráter tímido do curitibano nasce, segundo ele, quando “as mães polacas, italianas, ucranianas e alemãs passam a recomendar a seus filhos para terem cuidado com o que vão dizer lá fora. Acredito sinceramente que vem dessa recomendação materna, o caráter tímido e retraído dos curitibanos. Afinal, quase todo mundo aqui nasceu dentro de uma colônia.” 

Para Greca, a diferença entre nordestinos, cariocas, mineiros e curitibanos, reside justamente no fato de que, enquanto os demais brasileiros são de muito falar, de muito reivindicar, os curitibanos têm receio de reclamar, de solicitar, de pedir. A malfadada dificuldade de se estabelecer amizade com curitibano tem origem nesse caráter de gueto dos imigrantes e principalmente do polaco. O memorialista afirma que esse Brasil diferente nasceu sobretudo dos polacos. Porque sempre eles foram em maior número que as outras etnias.

Greca chega a afirmar que a característica mais forte da influência polaca é o trabalho. Ao ficarem em contato com a terra eles doaram esse comportamento diferente ao resto do país. Como para os brasileiros, de um modo geral, o trabalho não é nobre, ridiculariza-se a força de trabalho. “Pelo mesmo motivo que no Rio de Janeiro, as piadas são com os portugueses, em São Paulo com os italianos, em Santa Catarina com os alemães, aqui em Curitiba o anedotário é com o polaco. Tudo o que acontece de errado aqui é culpa de um polaco.”, sorri Greca.

Para ele, a massa trabalhadora sempre marca a característica de uma cidade e é por isso que Curitiba tem muito de sua identidade ligada aos polacos.

“Está claro que eu gosto de todas as etnias que compõem a cidade. Eu sou descendente de italianos com portugueses. Mas tenho um carinho especial pelos polacos”, diz Rafael para explicar que “quando os primeiros polacos vieram para o Brasil, eles não proviam de um Estado independente, porque este na realidade não existia. O que havia era somente a Nação. Nessa época, a Polônia estava dividida entre a Rússia, a Prússia e a Áustria. Enquanto as demais colônias tinham a quem recorrer, os polacos não tinham ninguém, sequer um consulado. Eles se sentiam desamparados numa terra inóspita, de costumes e língua diferentes. Por isso, sofreram muito. Demoram, pois, muito a se integrar. Mas, quando o fizeram, foi com tamanha força que transformaram o modo de ser da cidade e de seus habitantes.”

Na infinidade de costumes e hábitos que os imigrantes embutiram no espírito de Curitiba e exportaram para o restante do Brasil, Rafael Greca aponta algumas curiosidades:

“Muita gente não sabe, mas o costume de enfeitar pinheirinho de natal, nasceu aqui. Existe uma gravura datada de 1891, onde um grupo de mulheres enfeita uma árvore, onde está escrito: A árvore de Natal...o novo costume para celebrar a Natividade...que os alemães trazem a Curitiba. O próprio Papai Noel não era conhecido no Brasil. Bastou ele aterrissar seu trenó pela primeira vez neste país, em Curitiba, para que ele passasse a ser tradição nacional e isto não faz tanto tempo assim. Lá para cima, em Minas Gerais, Nordeste, a comemoração de Natal não existia. A única celebração no dia 25 era a missa do galo, porque festa mesmo, com presentes, era só em 6 de janeiro, Festa de Reis com direito a lapinhas e congadas. Outra coisa. Sabem porque o carnaval de Curitiba é tão sem graça? Porque aqui temos outras festas. A Hailka dos ucranianos, o Baile do Chope dos alemães, a Festa da Uva e do Vinho dos italianos e a Páscoa polaca - sem dúvida a maior das festas da cidade. As comemorações da Páscoa são mais fortes em Curitiba, que em qualquer outro lugar do Brasil. A Páscoa dos polacos é uma das festas mais belas desse país. Claro que há mais coisas em Curitiba que muito pouca gente sabe nesse país. Esse costume de comer ovos de chocolate, por exemplo, é genuinamente polaco. Coelho e ovos de Páscoa são costumes que nasceram em Curitiba e que o Brasil adotou. Como também muitas outras festas que não são conhecidas porque elas sempre viveram confinadas. O perfil curitibano não permite a divulgação de suas coisas... é o retraimento e a timidez que não deixa que as festas e sua gente se tornem mais conhecidas e populares no resto do país.”

Concluindo, Rafael Greca de Macedo faz questão de citar o ex-governador Bento Munhoz da Rocha Neto, é dele essa idéia de Paraná de todas as gentes. “Foi ele que impulsionou a fusão de todas as culturas, das colônias numa só identidade e que possibilitou essa feição européia de Curitiba”.

PRECONCEITUOSO
“O brasileiro é favorável a imigração, mas contra a pessoa do imigrante. Não acredito na existência de guetos. O curitibano sempre foi tímido”. A declaração é do professor Wilson Martins, autor do livro “Brasil Diferente”.

Para o escritor, o curitibano sempre foi um ressentido e isso em função do Paraná ser um Estado tardio. Historicamente, o curitibano sempre foi de baixa estatura, “agora todos são altos e por isso acredito que hoje a população desta cidade seja outra, que não aquela da história.” Segundo ele, na Curitiba de antes as pessoas andavam mais devagar, eram mais pacatas e por isso falavam mais pausadamente, pronunciando as vogais finais. “Somado a isso, tivemos a contribuição dos falares das várias etnias que acabaram por configurar um sotaque bastante distinguido do resto do país”, explica Martins.

Foi ele que pela primeira vez tratou de forma equânime as diversas colônias de imigrantes de Curitiba. “O que havia antes da publicação da primeira edição do meu livro, em 1955, era uma série de publicações sob o ponto de vista da respectiva etnia”.

Talvez por isso mesmo, o livro causou polêmica. Os que mais reclamaram foram os polacos por serem tratados de forma tão perjuriosa e injusta. Mas ele se defende dizendo “que culpa que eu tinha se em todos os jornais do início do século, onde pesquisei, encontrei apenas registros desabonadores da conduta dos primeiros imigrantes desta etnia?”

Segundo as pesquisas de Martins, eram corriqueiras as notas nas colunas policiais sobre embriaguez e arruaças promovidas por polacos. Mas Edwino Donato Tempski, autor do livro “Quem é o Polonês”, contesta Martins dizendo que em uma outra pesquisa bem mais criteriosa, pois foi através dos arquivos da Justiça do Paraná, para o mesmo período pesquisado por Martins, não havia nenhuma ação criminal contra os polacos.

Tempski afirma que sua pesquisa cobriu um período de 10 anos ao redor do período pesquisado por Martins. “O que esse senhor demonstrou foi um total despreparo enquanto pesquisador, foi leviano e de muita má-fé contra os polacos, denotando preconceito.”

Mais recentemente, outra etnia saiu em protesto contra o livro de Martins. Os ucranianos dizem que o livro não menciona a presença deles. “Mas realmente, nas estatísticas sobre a imigração que pesquisei, eles não existiam. Todos os ucranianos, russos, prussianos, austríacos e russos brancos entravam nos relatórios como sendo polacos”.

Talvez Martins desconhecesse o significado da palavra ruteno, e como elas se transformou em  ucraniano, pois esta denominação está presente nas estatísticas, sim.

Para Martins, a demora no protesto, talvez se deva ao fato de que os polacos passaram a ser depreciados e tratados como se fossem negros escravos que aqui se procriaram, “não dizem por aí, que polaco é preto do avesso. Pois bem, os ucranianos, para não receberem a mesma carga preconceituosa, trataram de não serem confundidos com os polacos e buscaram a distinção”.

Segundo o professor, esse preconceito não existe mais, entretanto, ele era muito forte no início da imigração. No entender dele, as antigas famílias, por serem donas da terra e terem a idéia da nobreza imperial, viam o imigrante como um ser inferior. A resposta dessas pessoas a tal tratamento foi cada vez mais o auto-isolamento.

Mas, para Martins esse isolamento não significa enquistamento, formação de gueto. O que houve, foi uma divisão da cidade por estratificação social, “ fossem imigrantes, descendentes de imigrantes, ou famílias tradicionais, os habitantes procuravam se reunir em diferentes bairros pelas posses e rendas que possuíam. Desta forma, o Batel era dos ricos, o Portão da classe média e a Vila Oficinas dos trabalhadores de baixa renda”.

Com relação a questão cultural, Martins acredita que o estigma da cidade deve muito à contribuição das etnias.

“Os alemães, por se fixarem na região urbana e se estabelecerem como comerciantes, começaram a interagir muito antes que as outras etnias. O visual da cidade mudou. De casas baixas, estilo português, passou-se para sobrados de arquitetura alemã. O fato de já virem de seu país de origem pertencendo a uma classe urbana e portanto com preocupações culturais, fez com que os alemães se destacassem na música, literatura e teatro. Outra etnia que muito contribuiu foi a italiana. Claro que muitos vieram como agricultores, mas uma parcela significativa veio composta por músicos, artistas e construtores, que trataram de difundir rapidamente seus costumes. A forte presença dos construtores italianos começa a ser notada muito cedo. O museu paranaense, que guarda muito da arquitetura renascentista foi obra de imigrante italiano”. (MARTINS, 1987).

Mais uma vez o escritor demonstra todo seu preconceito contra os imigrantes polacos. Martins desdenha a contribuição cultural polaca, dizendo:

“Já os polacos, pela sua condição agrícola, foram os últimos a se integrarem e por isso não acredito que possam ter contribuído culturalmente para a cidade. Com isso, gradativamente aquele provincianismo das primeiras famílias foi se extinguindo. Os curitibanos, com o movimento maior de pessoas e principalmente pelas viagens ao exterior foram se universalizando e percebendo que não eram superiores e tampouco inferiores aos imigrantes. Foi aí que aconteceu a homogeneização e o caráter particular da cidade. Mas isso era até 1960, ano em que fui para Nova Iorque. Depois disso passei a vir aqui apenas para as férias, por isso acredito que muita coisa tenha mudado. É só abrir os olhos e perceber”, finaliza Martins. (reportagem de página dupla publicada, em 18 de agosto de 1987, no Jornal do Estado, Curitiba - PR, Martins atualmente reside em Curitiba, cidade para onde retornou após se aposentar na Universidade de Nova Iorque).

A CURITIBA QUE EU SOU
PARTE II (trecho)
“A Mística imigrante do trabalho é o que condiciona todo o comportamento erótico do curitibano”, declara o poeta Paulo Leminski.

Segundo ele, o perfil comportamental do curitibano não muda é eterno, “É como o signo das pessoas. Uma vez nascido nele, não há como mudar. A cor dos olhos também não muda”.

Para Leminski a principal diferença entre o Brasil e Curitiba é a atitude em relação ao trabalho. “No Norte, o trabalho avilta; no Sul ele dignifica”. Isso é o que faz este indivíduo chamado curitibano ser tão diferente.

Na lógica leminskiana, essa atitude traz consequências que acabam definindo o comportamento curitibano. A principal delas é a amputação do erotismo. Quando perguntado se o número crescente de boates “for man” não estaria de certa forma modificando essa postura em relação ao erotismo, ele responde: “O curitibano é reprimido sexualmente por causa do trabalho. Ele sai de casa para o trabalho de manhã e só volta à noite para exercer seu erotismo. A culpa é da Curitiba conservadora que não permite evolução.” 

Para o poeta, “o erotismo curitibano não está solto nas ruas. Mas também, não é pelo fato de estar confinado que ele não exista. Ao contrário, é muito forte. Tanto que marca toda a sociedade”. Leminski insiste na sua tese do trabalho imigrante, “teve até um governador que usou como lema de sua gestão - Aqui se Trabalha - porque na verdade é isso mesmo que acontece, enquanto no Brasil eles cantam, o povo daqui trabalha”. 

Leminski cita o exemplo de vários adesivos que estão circulando nos pára-brisas dos carros: “Não me inveje, trabalhe!” A crença na própria tese é tanta, que ele diz estar preparando um livro, onde vai contar detalhadamente os aspectos que influenciaram este caráter. Leminski fala até numa proposta separatista: A República Trabalhista do Sul, “só assim nos livraremos do peso de ser Brasil e poderemos deixar a condição de subdesenvolvidos”.

Questionado se a migração interna que passou a ocorrer em Curitiba dos anos 80 não estaria forçando uma mudança de hábitos, ele reafirma sua opinião: “mesmo com o crescimento da cidade em termos populacionais ela não está se transformando”. Ironicamente ele afirma: “É o Brasil que está chegando nessa Europa Central aqui do Sul. O fato deles virem para cá não quer dizer nada. A cidade permanece a mesma. Ou esses cariocas, mineiros, nordestinos, paulistas e todo o resto entram na nossa ou vão acabar virando bandidos. Daí, meu caro, é caso de polícia e não de sociologia”. (reportagem publicada em 19 de agosto de 1987 - Paulo Leminski já faleceu).

A CURITIBA QUE EU SOU
PARTE IV (trechos)

O médico Edwino Donato Tempski é pesquisador e uma das pessoas mais estudiosas da imigração polaca no Brasil. Autor de alguns livros, inclusive um não publicado em parceria com Bronislau Ostoja Roguski.

Neste livro “Um século de colonização polonesa no Paraná” é possível detectar duas causas que motivaram os polacos a abandonarem suas terras e emigrarem para o Brasil. A primeira, foram as insurreições armadas que sacudiram a Polônia e as três partilhas. A segunda, foram as condições econômicas e sociais preponderantes que mantinham o povo rural no analfabetismo, na miséria e na constante fome de terra sob o jugo dos alemães (prussianos) russos e austríacos.

No mesmo livro ainda está assinalado que a presença polaca data de muito antes das primeiras levas de imigrantes do século passado. “O almirante Krzystow Arciszewski participou na qualidade de coronel de artilharia e perito engenheiro militar da expedição holandesa de 1629. Dirigiu a tomada das fortalezas do Arraial e de Nazaré e do assalto a Porto Calvo, em Pernambuco. Em 1634, ele escreveu a Elegia, na qual pela primeira vez em língua polaca é mencionado o Brasil. Em versos, ele narra os episódios das batalhas contra os espanhóis. Esse canto, desconhecido por muito tempo, foi publicado, em 1848, pela Biblioteca de Ossolinski, em Lwów”.

Sobre o comportamento arredio do polaco nas suas relações com a população curitibana, Tempski, afirma:

“o slogan do governo daquela época era - governar é povoar - e agindo assim fixaram as primeiras levas de imigrantes no interior, em locais inóspitos e sem qualquer comunicação com a cidade. Colocaram aqueles pobres em lugares sem um mínimo de apoio. Era como se dissessem - Já lhes demos a terra, agora se arranjem- . O governo não realizou obras que viabilizassem as conexões das colônias com os centros urbanos. Devido a isso, os imigrantes ficaram isolados, sem poder manter intercâmbio cultural com os brasileiros. Para citar apenas um exemplo desse desleixo, conto sobre a escola primária da Colônia Santo Inácio, bairro onde está hoje o Parque Barigui. Somente 50 anos após a fixação do primeiro polaco nesta colônia é que foi levantada a primeira escola. Numa total falta de consideração para com aqueles brasileiros que ali nasceram.”

No entanto, segundo o historiador, bastou a consecução do plano rodoviário paranaense na década de 50 para que a integração das colônias com os grandes centros se efetivasse de maneira imediata. Estava assim confirmado que os polacos só não se integraram antes porque não havia estradas. A expansão do rádio, TV, telecomunicações em geral uniu finalmente esses indivíduos, que já eram brasileiros, ao seu próprio país. 

“Como se percebe, muito do comportamento do imigrante foi imposto pelas condições em que foram fixados. Vale destacar também o fato de em sua origem, estes seres humanos terem vivido num sistema feudalista. Um sistema que impunha limites ao indivíduo. Para eles, o mundo compreendia a aldeia do suserano. Não havia, portanto, sentimento de nação. Tal isolamento foi transportado para as colônias no Brasil, junto com estes imigrantes, solidificando o comportamento isolacionista do imigrante polaco em relação aos habitantes da cidade.”

A tão criticada hospitalidade curitibana se deve as restrições motivadas por reminiscências de episódios históricos, de lutas e disputas que ocorreram entre as nações de origem dos imigrantes que compõem Curitiba. São fatos que aconteceram há séculos e que infelizmente continuam fomentando essas recíprocas restrições de entrelaçamento e influenciando toda a cidade.

“Essa situação de animosidade entre polacos e alemães decorre das lutas em solo europeu há séculos, Da mesma forma, entre polacos e ucranianos, o distanciamento aconteceu em função da expansão do cristianismo. Durante este período, as duas nações se colocaram um posições antagônicas, uma seguindo Roma e outra os Ortodoxos de Bizâncio. (...) Após um século de colonização polaca no Paraná, verifica-se que a contribuição dessa etnia no desenvolvimento econômico, cultural e social do Estado tem sido notável. As novas técnicas agrícolas trazidas pelos polacos e implantadas em solo paranaense - por eles desbravado e amainado, influíram decisivamente para o aprimoramento da agricultura estadual. O comércio e a indústria recebeu a parcela de colaboração dos polacos. Na igreja, João Falarz, Ladislau Kula, Isidoro Mikosz afirmaram a vocação religiosa na terra dos pinheirais. Na magistratura, Segismundo Gradowski e João Grabski resplandeceram a notável tendência dos descendentes pelas letras jurídicas. Na Medicina Szymon Kossobubzki e, enfim, em todas as atividades dinâmicas, o elemento de ascendência polaca se faz presente”. (Reportagem publicada em 21 de agosto de 1987. Ao todo foram 6 reportagem de páginas duplas inteiras sobre o perfil curitibano durante uma semana de agosto de 1987 - Tempski também já é falecido).

O PAPA POLACO EM CURITIBA
O Cardeal de Cracóvia, Karol Wojtyła e agora Papa João Paulo II, esteve em Curitiba em 5 de julho de 1980. Aqui, na terra dos pinheirais, ele se encontrou com os descendentes da sua querida Polônia. Em sua homília no Centro Cívico, para mais de um milhão de pessoas, ele disse diretamente aos corações dos polacos e descendentes:

“Alegro-me muito deste encontro de hoje com os meus patrícios na longínqua terra brasileira de Curitiba. E agradeço por isso a Deus. Para esse encontro tivestes o direito, vós aqui presentes e todos os quais a quem representais, tive para ele o direito também eu, como filho desta terra das margens do Vístula com a qual estamos unidos em diferentes graus de procedência com lanços de sangue e para este encontro tinha direito justamente esta terra nossa Pátria. Muitos de vós, com certeza, nunca viram talvez, a algum lugar que tenha dela e da sua história, uma noção um tanto opaca. Mas isto não muda o fato, de que lá descendem alguns, já procedem por muitas gerações, mas que lá estão as raízes, isto representa uma ligação, uma dentre muitas, mas no entanto, válidas, como um mistério ao vosso coração, isto é uma prova pessoal que não somente diz sobre o milenar passado, mas também sobre o que está em vós e que vos forma, o que de alguma maneira decide que sois e não outros, mas também é o vosso dever ser o que sois. O que precisa crescer e demarcar a linha de vossa vida, esta mais profunda realidade, está inscrita em vosso coração e é mistério da Cruz de Cristo. Estou aqui diante de vós como um conterrâneo, mas estou também como sucessor de São Pedro e pastor da igreja universal. Estou pois, como especial testemunha de cristo e sua Cruz. O mistério da Cruz e Ressurreição gravou-se profundamente na história de nossa Pátria, sabemos pois pela maravilhosa Providência Divina, entramos como nação na arena da História do mundo, justamente pelo Santo Batismo. (...) Desde o início, os acontecimentos passageiros da vossa Pátria e Nação teceram-se com a história da Salvação e esta é a chave desta história e do coração humano que compôs esta história e continua a compor.”

Após o retorno a Roma, o Papa concedeu entrevista ao mais importante jornal católico de Cracóvia, o Tygodnik Powszechny, onde respondeu a seguinte pergunta:

- Jornal: “Como em todos os países do mundo, também no Brasil, sobretudo em Curitiba, encontrou-se Vossa Santidade com gente da Polônia. De que modo olha o Papa desta Nação, para esta antiga comunidade de emigrados da Polônia para o Brasil?”
- Papa: “Sobre este assunto poderia falar muito e também dizer pouco. Primeiro é preciso admitir que eles são um dos grupos emigrados da Europa. Um dos grupos mais numerosos. Sobretudo em Curitiba, no Estado do Paraná. Teria sido oportuno os notar a todos. A todos dedicar especial atenção. Entre os grupos étnicos numerosos recordados, além dos polacos, nos lembramos dos italianos, dos alemães, dos ucranianos. No Brasil há ainda tantos outros e não provêm só do nosso continente. Há negros da África e asiáticos. (...) pelo que diz respeito aos que são originários da Polônia - ou melhor, aos brasileiros com essa origem - eles conservam de maneira bastante evidente sua própria identidade, a própria singularidade. Entre eles está viva a recordação do difícil princípio”.

NOVA POLÔNIA
A Câmara Municipal de Curitiba para facilitar a administração da zona agrícola que formava o cinturão verde da cidade, criou em 1892, o distrito Nova Polônia.

O distrito compreendia a região onde hoje são os bairros de Campo Comprido em Curitiba e Ferraria no município de Campo Largo.

A decisão de criar o distrito se deveu ao grande número de imigrantes polacos assentados nas colônias da região. No ano seguinte, 1893, em função do grande número de habitantes, inclusive imigrantes italianos, foi instalado um cartório na antiga Estrada do Mato Grosso (atual rua Eduardo Sprada (Edward Sprada - em polaco).

O distrito de Nova Polônia existiu durante 46 anos, sendo extinto em 1938.

Este Sesquicentenário, portanto, é tão somente a comemoração da chegada daqueles dois grupos de imigrantes Polacos, em 1871 em Curitiba. E não no Paraná, e também Não no Brasil.

A presença polaca no Brasil como assinalada vem de muito longe, vem desde o 22 de abril de 1500.

Vem da chegada de muitos agrupamentos em décadas anteriores em outras partes do país e que confirmam que os polacos já estavam em solo brasileiro há muito mais que 150 anos apenas, chegadas,  das quais são testemunhas Hieronim Durski, Sebastian Wos, Antoni Zieliński, Robert Trompowski, Santim Languski, Adrzej Przewodowski, Piotr Czerniewicz, Augustyn Lipiński, Józef Warszewicz, Florian Roswadowski, Karol Strtyński, Fedor Ochsz, Jan Sztolzmann, Karol Mikoszewski e o pioneiro de Castro: Edward Kacper Stepnowski.

Parabéns às comemorações, aos bravos imigrantes polacos, a Polônia, ao Brasil e a principalmente a Kurytyba, a única cidade latinoamericana que possui uma grafia em idioma polaco!

Texto: Ulisses Iarochinski (Jarosiński, em polaco)