"É um poema ajudado não apenas pelas músicas, mas pela incrível fotografia e delicadeza de imagens e sentimentos".
Rubens Ewald Filho
Luiz Carlos Merten, O Estado de S. Paulo
Foi no fim do ano passado. Quando conversou com o Estado, pelo telefone, o diretor polaco Paweł Pawlikowski estava em Los Angeles para promover "Guerra Fria" entre os votantes da Academia.
Indicado pela Polônia, o longa – em cartaz nos cinemas – terminou entre os cinco indicados que disputam na categoria de melhor filme em língua estrangeira, na premiação de domingo, dia 24.
Pawlikowski, que já venceu o Oscar por "Ida", concorre pela segunda vez. É sinal de prestígio, mas, dessa vez, trombando com "Roma", do mexicano Alfonso Cuarón, que também está na disputa, será mais difícil.
É curioso que ambos estejam concorrendo não apenas com filmes pessoais, mas autobiográficos.
“A história de um casal que não consegue viver junto nem separado já é antiga no meu imaginário. Me persegue há muitos anos e, na verdade, é a história de meus pais. E porque mexe com coisas que são muito profundas e até dolorosas para mim, eu queria, mas não sabia como abordar um tema tão pessoal. Foi uma longa caminhada. Cada filme me aproximava do meu objetivo. E creio que a solução veio com Ida, com sua narrativa elíptica. Deixei de pensar num roteiro construído como encadeamento de causas e efeitos, mas como uma sucessão de momentos fortes, emotivos e plásticos, com o mínimo de palavras e o máximo de ambientação. Atirei-me com paixão, a paixão de meus pais, mas nunca me senti tão inseguro num set. O tempo todo me perguntava se daria certo. Estava assumindo um risco.”
Há alguns anos, Pawlikowski quase contou essa história, mas disfarçada. “Seria um filme sobre os poetas Sylvia Plath e Ted Hughes. Eles também se amavam, e brigavam, e Sylvia se matou quando Ted a abandonou. Era uma história parecida com a de meus pais, mas seria uma grande produção hollywoodiana, com astros e estrelas, e eu senti que não teria espaço para o tipo de intimismo que queria criar. Desisti. Veja que, no filme, dei os nomes de meus pais aos personagens, Wiktor e Zula, diminutivo de Zuzanna. O problema é que, quanto mais me aprofundava na história, menos entendia as motivações de meus pais. O que ajudou foi o contexto histórico, o stalinismo, o folclore. O background deu consistência e coerência à dupla.”
A música vira personagem. “Demorei meses pesquisando as músicas do filme. São canções folclóricas em versões de jazz. O próprio jazz tem um significado. Era sinônimo de decadência no stalinismo, e por isso mesmo foi sempre associado, na Polônia, a contestação e resistência.” O plano-sequência, na cena do check-point, não é só tecnicamente brilhante.
“Como todo o filme, foi muito pensado. Metaforiza a dificuldade de decidir. Filmei em seis meses, que é muito tempo. Achava a história pesada. Foi na hora, no set, ao filmar o fim, que tive o insight de fazer Zula dizer aquela frase. Faz toda a diferença na relação do filme com o público. E prova que improvisar também pode ser bom.”
Guerra Fria (Cold War)
Polônia, França, Inglaterra, 2018.
Direção de Paweł Pawlikowski.
Roteiro e direção de Paweł, colaboração de Janusz Głowacki e Piotr Borkowski.
Atores: Joanna Kulig, Tomasz Kot, Borys Szyc, Agata Kulesza, Cédric Kahn, Jeanne Balibar.
Rubens Ewald Filho
Este é um dos filmes mais premiados deste ano, em todo o mundo. Este romance foi nomeado para 12 Eagle Awards (incluindo melhor diretor e filme) e também o European Awards (5 prêmios).
O romance após guerra é uma coprodução entre França, Polônia e Inglaterra. Este ano no Oscar, ele foi indicado a concorrer como melhor filme estrangeiro, melhor diretor e fotografia. Sem esquecer quatro indicações para o BAFTA britânico.
A história é baseada na vida dos pais do diretor do filme Pawlikowski e foi todo rodado em preto e branco, ou monocromático, o que o torna mais romântico e trágico o complicado romance entre músico (Tomasz Kot) e sua musa (Joanna Kulig).
Pawlikowski foi também premiado como melhor diretor no Festival de Cannes.
Dados importantes: o romance entre os principais personagens foi inspirado na vida real de seus pais, que romperam o casamento algumas vezes chegando a se mudarem de uns pais para outro. O filme é dedicado a esses seus “pais”, inclusive usando os nomes reais dos protagonistas.
Este foi o primeiro filme de língua polaca desde 1990 a ser exibido no Festival de Cannes (bem depois de outros polacos como Polański e Kieślowski). O sucesso foi tão grande que teve uma ovação de 18 minutos.
Importante: os personagens principais foram baseados na vida real de uma famosa escola e grupo folclórico polaco que se chamava Zespól Pieśni i Tanca Mazowasze (no filme o sobrenome foi mudado para Mazurek).
Foi assim que Tadeusz e Mira se casaram e depois da guerra se mudaram para o interior onde procuraram cantores e dançarinos folclóricos. Eles também compuseram a canção Dwa Serduzka, Cztery Oczky são as que servem de motivação para o filme.
Joanna Kulig fez antes também um papel de cantora em outro filme de Paweł Pawlikowski , chamado "Ida". A influência dela foi tentar ficar parecida com a atriz americana Lauren Bacall.
Outra informação importante: Paweł chamou para o grupo dançarinos do grupo Mazowsze (que ainda estava ativo até hoje) que ilustrava a sociedade e polaca da época.
O Mazowsze além de um grupo folclórico de canto e dança também é uma escola. E está para as danças folclóricas de todo o mundo, como o Bolshoi russo está para as danças clássicas. Os estudantes moram na própria escola, numa cidadezinha nos arredores de Varsóvia.
O filme era para ser feito a cores (se reparar bem, apenas a cena em que a Joanna canta há certo tom de cores). Todos os números de Jazz foram executados por Marcin Masecki. Este foi o único filme do Oscar deste ano que foi indicado como melhor diretor e não apenas filme.
Conclusão artística: tantos elogios, tanta repercussão para um filme musical e de amor. Só que é muito mais. Certamente é um dos poucos filmes recentes da Polônia corajoso o suficiente para questionar o passado e colocar o amor mais importante do que se sacrificar pelo comunismo stalinista. É um poema ajudado não apenas pelas músicas, mas pela incrível fotografia e delicadeza de imagens e sentimentos. Não perca.
"Guerra Fria" fala de paixão sob o stalinismoPaweł Pawlikowski - Foto: Mario Anzuoni/Reuters |
Luiz Carlos Merten, O Estado de S. Paulo
Foi no fim do ano passado. Quando conversou com o Estado, pelo telefone, o diretor polaco Paweł Pawlikowski estava em Los Angeles para promover "Guerra Fria" entre os votantes da Academia.
Indicado pela Polônia, o longa – em cartaz nos cinemas – terminou entre os cinco indicados que disputam na categoria de melhor filme em língua estrangeira, na premiação de domingo, dia 24.
Pawlikowski, que já venceu o Oscar por "Ida", concorre pela segunda vez. É sinal de prestígio, mas, dessa vez, trombando com "Roma", do mexicano Alfonso Cuarón, que também está na disputa, será mais difícil.
É curioso que ambos estejam concorrendo não apenas com filmes pessoais, mas autobiográficos.
“A história de um casal que não consegue viver junto nem separado já é antiga no meu imaginário. Me persegue há muitos anos e, na verdade, é a história de meus pais. E porque mexe com coisas que são muito profundas e até dolorosas para mim, eu queria, mas não sabia como abordar um tema tão pessoal. Foi uma longa caminhada. Cada filme me aproximava do meu objetivo. E creio que a solução veio com Ida, com sua narrativa elíptica. Deixei de pensar num roteiro construído como encadeamento de causas e efeitos, mas como uma sucessão de momentos fortes, emotivos e plásticos, com o mínimo de palavras e o máximo de ambientação. Atirei-me com paixão, a paixão de meus pais, mas nunca me senti tão inseguro num set. O tempo todo me perguntava se daria certo. Estava assumindo um risco.”
Há alguns anos, Pawlikowski quase contou essa história, mas disfarçada. “Seria um filme sobre os poetas Sylvia Plath e Ted Hughes. Eles também se amavam, e brigavam, e Sylvia se matou quando Ted a abandonou. Era uma história parecida com a de meus pais, mas seria uma grande produção hollywoodiana, com astros e estrelas, e eu senti que não teria espaço para o tipo de intimismo que queria criar. Desisti. Veja que, no filme, dei os nomes de meus pais aos personagens, Wiktor e Zula, diminutivo de Zuzanna. O problema é que, quanto mais me aprofundava na história, menos entendia as motivações de meus pais. O que ajudou foi o contexto histórico, o stalinismo, o folclore. O background deu consistência e coerência à dupla.”
A música vira personagem. “Demorei meses pesquisando as músicas do filme. São canções folclóricas em versões de jazz. O próprio jazz tem um significado. Era sinônimo de decadência no stalinismo, e por isso mesmo foi sempre associado, na Polônia, a contestação e resistência.” O plano-sequência, na cena do check-point, não é só tecnicamente brilhante.
“Como todo o filme, foi muito pensado. Metaforiza a dificuldade de decidir. Filmei em seis meses, que é muito tempo. Achava a história pesada. Foi na hora, no set, ao filmar o fim, que tive o insight de fazer Zula dizer aquela frase. Faz toda a diferença na relação do filme com o público. E prova que improvisar também pode ser bom.”
Polônia, França, Inglaterra, 2018.
Direção de Paweł Pawlikowski.
Roteiro e direção de Paweł, colaboração de Janusz Głowacki e Piotr Borkowski.
Atores: Joanna Kulig, Tomasz Kot, Borys Szyc, Agata Kulesza, Cédric Kahn, Jeanne Balibar.
O filme está em cartaz em Curitiba, esta semana, numa das salas do Cinema Itaú Cultural, do Shopping Cristal, nos horários de 15h40, 17h40 e 21h40.