sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

Polônia lança versão crítica de "Mein Kampf"

O livro é acima de tudo "um aviso de que é possível desmantelar facilmente a democracia e caminhar para um regime totalitário quase invisível', avalia o diretor da editora Bellona.

Uma edição crítica, a segunda no mundo, da obra panfletária Mein Kampf de Adolf Hitler é publicada esta semana na Polônia como uma "homenagem às vítimas do sistema criminoso e um aviso para as gerações futuras", de acordo com o historiador que o escreveu.

"Para os seus críticos, esta publicação constitui uma ofensa à memória das vítimas do nacional-socialismo. Na minha opinião, é absolutamente o contrário", afirma o professor especialista do período nazista Eugeniusz Krol, que trabalhou quase três anos nesta edição. Edição crítica de "Mein Kampf'" vende 85 mil exemplares em um ano

No mercado polaco existem versões piratas de Mein Kampf (Minha luta, em português), abreviadas, a maioria traduzida do inglês e sem um foco crítico adicional, com um "efeito negativo", disse à AFP.

A edição acadêmica polaca de 'Mein Kampf' tem o título Moja Walka

Foto: Wojtek Radwanski / AFP

Em sua opinião, sua edição, “que mostra o original, essa fonte histórica em um contexto mais amplo”, “não pode ser explorada por forças extremistas”.

A edição crítica polaca, a segunda do mundo, é composta por mil páginas, metade delas de anotações. A edição alemã, primeira publicada no mundo em 2016, tem 2.000 páginas e vendeu mais de 100.000 exemplares.

O diretor do museu Auschwitz-Birkenau, Piotr Cywinski, disse ao jornal Rzeczypospolita que "a percebe" como uma edição para fins científicos, mas adverte contra a campanha promocional "que pode estar em conflito" com a legislação que proíbe a promoção do fascismo, com pena de dois anos de prisão.

Zbigniew Czerwinski, diretor da editora Bellona, especializada em textos históricos, procura dissipar esses temores.

A primeira tiragem será de 3.000 exemplares e nenhuma campanha publicitária está planejada. O livro também custa cerca de 150 złotys (33 euros, quase 40 dólares, 217,50 reais), um preço muito alto na Polônia.

“Não queremos que esta publicação seja facilmente acessível e estamos considerando que parte das receitas, se houver, seja doada à Fundação ou ao museu de Auschwitz”, enfatiza.

"Pode ser algo positivo"

Escrito pelo ditador nazista entre 1924 e 1925, enquanto estava preso após um golpe fracassado, este texto fundador do nazismo e do projeto para exterminar os judeus foi publicado sob seu reinado de terror com 11,5 milhões de exemplares.

Na Polônia, onde seis milhões de habitantes, quase metade deles de origem judaica, morreram durante a guerra nas mãos dos nazistas, esta publicação é "importante e necessária", diz Czerwinski.

Havia edições piratas no início de 2000, incluindo a de 2005 a pedido do governo da Baviera (Alemanha), que detinha os direitos antes que se tornassem de domínio público no final de 2015.

Para Czerwinski, o livro é acima de tudo “um aviso de que é possível desmantelar facilmente a democracia e caminhar para um regime totalitário quase invisível”.

“O que aconteceu depois de 1933 na Alemanha pode acontecer hoje, amanhã, depois de amanhã em várias partes do mundo. Os sinais são facilmente perceptíveis”, acrescenta.

Krol destaca, por sua vez, essa "acusação às elites da época", que subestimou Hitler.

Para o rabino-chefe da Polônia, Michael Schudrich, a questão de publicar ou não Mein Kampf "realmente surgiu 20 anos atrás, mas podemos encontrar tudo isso na internet hoje."

“Uma edição crítica bem feita pode ajudar a compreender de forma muito mais completa e profunda os perigos do nazismo, da mentira e do totalitarismo”, considera. "Na minha opinião, pode ser algo positivo".

"É importante que os cientistas leiam o que Hitler escreveu em Mein Kampf (...). O que ele disse antes de assumir o poder foi exatamente o que fez depois", disse ele.

Para ele, quem quer o livro em versão anotada e quem se opõe a ele procuram, na verdade, a mesma coisa: "Acabar com o fascismo".


Texto: Bernard Osser
Fonte: AFP - Agência France Press