terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

A marcha pela vida de David Lorber Rolnik

Texto Blima R. Lorber

Eu, Blima, e meu irmão, Szyja, ficamos muito emocionados e surpresos com uma publicação que data de 22 de janeiro de 1940, de Genebra, feita pela JTA — Jewish Telegraph Agency — à qual tivemos acesso dias atrás, que relata a Marcha da Morte de Chełm, Polônia, realizada pelos nazistas em 1° de dezembro de 1939.
Esta fatídica marcha (de Chełm, Hrubieszów a Sokał e Belz na fronteira russa) custou a vida de muitos e teve poucos sobreviventes, entre eles, por milagre, nosso querido pai – David Lorber Rolnik Z’L. O texto divulgado naquela época pela JTA apresenta, com mínimas variações, o que nosso pai nos contou a respeito dessa terrível ação nazista.
A narrativa de David é um dos principais capítulos do livro “As catorze vidas de David — o menino que tinha nome de rei”, de autoria minha e de meu irmão, homenageando o homem maravilhoso que ele foi e que enfrentou tantos perigos sem nunca ter desistido da vida. A divulgação dos fatos já naquela época mostra que o mundo sabia o que estava ocorrendo, mas cruzou os braços diante da barbárie. Foram milhões de mortes antes que alguma ação fosse tomada para combater a loucura assassina da Alemanha nazista.
Meus agradecimentos a Aaron Bitterman, amigo e companheiro de pesquisas, por este precioso documento que será incluído na segunda edição do livro.
O livro "As catorze vidas de David - o menino que tinha nome de rei", para quem tiver interesse, e ainda não o leu, tem prefácio da Profa. Maria Luíza Tucci Carneiro e pode ser encontrado nas principais livrarias do país (Cultura, Saraiva, Curitiba, Martins Fontes, Sefer) ou nos seus respectivos endereços eletrônicos. Seguem o link do texto original e sua tradução.


1.900 judeus assassinados pelos nazistas em 4 dias de marcha até a fronteira soviética; 'revolta' é a versão da DnB.* 22 de janeiro de 1940 GENEBRA (21 de janeiro)

Detalhes completamente autênticos do massacre de um número de judeus estimado em 1.900 que viviam em Chełm e Hrubiaszów**, na província de Lublin, na Polônia ocupada pelos nazistas, próxima à fronteira soviética foram recebidos aqui hoje. O massacre ocorreu durante uma marcha forçada de quatro dias de milhares de judeus em direção ao rio Bug, que divide a Polônia entre os alemães e soviéticos naquele ponto.
A DNB, agência de notícias oficial alemã, emitiu apenas este relatório sobre o massacre: "Uma tentativa de revolta dos judeus nos distritos de Chełm e Hrubiaszów foi impiedosamente reprimida”. Os acontecimentos reais foram os seguintes: Na quinta-feira à noite, 30 de novembro, as autoridades nazistas em Chełm ordenaram que todos os judeus entre as idades de 15 e 60 comparecessem às 8h30 horas da manhã seguinte na praça do mercado, Praça Luczkowski, na rua principal, Lubelsulica.
Não foi dado qualquer motivo para esta ordem. Para assegurar o seu cumprimento, os nazistas fizeram reféns 20 judeus proeminentes. Muitos judeus, temendo o pior, fugiram na quinta-feira à noite e sexta pela manhã.
Mas, a maioria dos judeus apareceu no horário especificado. Quando cerca de 2.000 judeus estavam reunidos, foram cercados pela polícia auxiliar nazista, guarda de elite e um pequeno destacamento de soldados armados com metralhadoras. Um oficial da Gestapo se dirigiu a eles informando-os que os judeus de Chełm haviam sido condenados a ser privados de seus direitos civis e expulsos da cidade. Os judeus foram, então, ordenados a cantar canções judaicas e mantidos na praça até às 12:30.
Suas esposas, mães e irmãs que, entretanto, tinham se aglomerado nas ruas adjacentes, foram repetidamente dispersas pela polícia e muitas espancadas. Seus gritos de desespero para o retorno de seus entes queridos foram ignorados. Às 12:30, os judeus foram obrigados a se alinhar em formação militar. Foram cercados por soldados nazistas em caminhões e motocicletas e foram levados para fora da estrada em direção a Hrubieszów.
As mulheres foram proibidas de segui-los e as desobedientes rechaçadas. A poucos quilômetros de Chełm, perto de um hospital militar situado na floresta, a marcha foi interrompida e foi dito que 20 homens seriam executados. Vinte homens foram então escolhidos e levados para dentro da floresta, de onde logo foram ouvidos tiros, acompanhados de gritos. 600 corpos contados O resto do grupo foi, então, levado novamente a marchar em ritmo rápido. Aqueles que caiam de exaustão foram mortos a tiros no local.
Os corpos das pessoas executadas foram, mais tarde, encontrados espalhados ao longo da estrada. Dois camponeses polacos, contratados por uma mulher judia de Chełm para seguir o grupo e verificar o destino de seu marido, contaram mais de 600 corpos entre a floresta, onde a primeira execução ocorreu, e o município de Sialopol***, a 36 km de Chełm, na estrada para Hrubiaszów.
Na sexta-feira à noite, o restante do grupo de Chelm chegou a uma aldeia a dois quilômetros de Hrubieszów e foi obrigado a acampar no campo, que foi iluminado com holofotes para evitar qualquer fuga. Enquanto isso, os nazistas em Hrubieszów emitiram uma ordem semelhante aos homens judeus locais, com idades entre 15 e 60, a comparecer na manhã de sábado em um determinado lugar fora da cidade.
Sem saber do destino dos judeus de Chełm, mais de 2.000 judeus de Hrubieszów reuniram-se entre as sete e às nove horas na manhã de sábado. Quatrocentos foram libertados e foram orientados a voltar para casa. Os outros foram alinhados e informados de que haviam sido condenados à expulsão. Seus documentos e objetos de valor foram confiscados e informados que seriam levados para a fronteira soviética.
Às 9:30, os judeus remanescentes de Chełm chegaram e se juntaram a eles. Estimou-se que o grupo agora estava constituído de 1.100 judeus de Chełm e 850 de Hrubiaszów. Antes de serem levados, foram informados de que aqueles que retornassem seriam tratados como espiões e executados. Embora a fronteira fosse apenas a 4 km de distância, os nazistas levaram os judeus por uma rota alternativa, que abrange mais de 50 quilômetros, a prosseguir através de campos, bosques e pântanos de Hrubiaszów para Mieniany, Cuchoburze e Dolbyszów.
Execuções a cada 5 minutos A cada 5 minutos, os nazistas ordenavam aos que estavam cansados e incapazes de continuar para ficar de lado. Estes foram mortos a tiros e seus corpos deixados nos campos. Durante a marcha, os judeus não receberam comida ou bebida e aqueles que tentaram deixar a formação para pegar a água de valas foram executados a tiros.
Quando alcançaram Dolbyszów, os sobreviventes foram divididos em dois grupos, um de cerca de 550 e o outro com cerca de 400. Assim, 1.700 foram mortos entre Chełm e Hrubiaszów e entre Hrubiaszów e Dolbyszów. O maior grupo, o de 550, foi levado em direção à cidade de fronteira de Sokał, e o grupo de 400 para Belzy****.
Do menor grupo, apenas alguns foram mortos a tiros antes de alcançar a ponte sobre o rio Bug, mas do grupo maior 250 foram mortos a tiros. Assim, durante os quatro dias da marcha um total de 1.950 foram assassinados. Os dois grupos chegaram a Sokał e Belzy, respectivamente, na segunda-feira, 4 de dezembro.
Na ponte de Sokał, os 300 sobreviventes do grupo de 550 foram contados e informados de que se alguém não conseguisse atravessar o rio, ou sobre a ponte ou a nado, em 20 minutos seria baleado. Antes de cruzar, os judeus foram autorizados a ter uma refeição de pão seco e água trazida por cristãos de Sokał.
Ao chegar ao lado soviético, os judeus tiveram que esperar por três horas e depois foi lhes dada a decisão das autoridades soviéticas de que tinham de regressar ao território alemão. Apesar da resistência desesperada, foram levados pelos guardas soviéticos e entregues aos alemães.
Às 7 horas da noite, os judeus foram informados pelos nazistas que seriam mortos, a menos que cruzassem o rio novamente, a seu próprio risco, às 6 horas da manhã seguinte. Um número deles nadou e conseguiu entrar em território soviético sem ser detectado. Os demais foram presos pelas autoridades soviéticas, mas não foram enviados de volta.
Alguns encontraram refúgio nas aldeias vizinhas do lado alemão. Alguns morreram afogados na travessia do rio Os 400 levados a Belzy atravessaram para o território soviético, embora eles não tivessem sido admitidos no início. Um número de judeus, tanto em Sokał quanto em Belzy, afogou-se ao tentar nadar através do rio. Muitos dos que conseguiram a travessia foram levados para hospitais soviéticos, onde vários morreram.
Durante os quatro dias de marcha, aos judeus foi dado apenas um pão por dia para cada 30 homens. Uma média de um judeu a cada cinco minutos foi executado a tiros. Ouviu-se de um guarda nazista: "Eu mesmo já liquidei 76", e recebeu a resposta de outro guarda, "Eu só matei 63". Entre os assassinados estava Isaac Lewenfuss, 55 anos, que tinha sido o contador do Banco do Povo de Hrubiaszow.
Ele estava completamente exausto e incapaz de continuar depois de 15 km de Hrubiazów. Quando recebeu a ordem de se deitar, que foi a introdução para a execução, seu filho de 20 anos de idade, Mendel, ofereceu-se para morrer em seu lugar, mas a oferta foi recusada.
O jovem, em seguida, declarou: "Mate-me, juntamente com o meu pai". Um soldado da tropa de choque disse: "Oh, você está oferecendo-se para morrer. Muito bem, é muito bonito da sua parte”. Pai e filho foram, então, executados juntos enquanto se abraçavam. Entre outros executados estavam três membros da família Lewenstein, muito conhecida em Chełm.

Notas: * DNB - Deutsches Nachrichtenbüro, agência de notícias da Alemanha nazista. ** Hrubieszów – No relato de 1940 o nome da cidade às vezes aparece como sendo Hrubieszów e outras Hrubiaszów. O nome correto é Hrubieszów. *** Sialopol – Provavelemnte refere-se à cidade de Białopole. **** Belzy ou Belz (iídiche) – Cidadezinha (shtetl) que ganhou fama graças à canção popular judaica Mein Shtetale Belz.