segunda-feira, 16 de março de 2020

Crianças polacas vivendo como alemãs

Vítimas esquecidas: as crianças polacas raptadas pelos nazistas
Entre os numerosos crimes do nazismo está o sequestro de menores "racialmente valiosos" para serem germanizados à força. Com a infância destruída e a vida fragmentada, os sobreviventes não são reconhecidos como vítimas.

crianças polacas germanizadas - Foto: DW
Os genitores de Alodia Witaszek ainda estavam vivos quando ela foi levada embora. No outono de 1943, chegou com a irmã pequena ao "campo de cuidados juvenil" de Litzmannstadt, a cidade polaca de Łódź, onde ambas seriam "germanizadas", ficando proibidas de falar polaco.

As irmãs Witaszek foram apenas duas entre dezenas de milhares: o sequestro infantil organizado era parte da política de raças do nacional-socialismo, visando transformar em alemãs as crianças "racialmente superiores" das regiões anexadas no Oeste da Polônia.

Os juizados de menores registravam aqueles cuja aparência consideravam "ariana", representantes dos Departamentos de Saúde os submetiam a exames médicos, e os selecionados de "bom sangue" eram enviados a um lar para menores, onde tinham seus nomes germanizados e eram obrigados a aprender alemão.

Em seguida, a associação estatal Lebensborn, da milícia paramilitar SS, assumia a responsabilidade, entregando os mais jovens a famílias filiadas, e os maiores aos internatos denominados "deutsche Heimschulen" pelos nazistas. Privando as crianças de sua memória e sua identidade, elas eram "germanizadas".

O programa de sequestro infantil integrava os planos de reordenamento dos nazistas para a Europa ocupada. Em junho de 1941, o Reichsführer da SS Heinrich Himmler declarara a necessidade de arrebanhar as "crianças pequenas de raça especialmente boa das famílias polacas".

Contudo a política não foi aplicada só na Polônia: também em regiões ocupadas da União Soviética, Bielorrússia, Ucrânia e Eslovênia os filhos pequenos foram brutalmente subtraídos de suas famílias. Os filhos dos trabalhadores forçados eram afastados das mães, entregues a famílias alemãs ou maltratados nos internatos.

Na Reichsschule für Volksdeutsche (Escola do Reich para Alemães Étnicos) em Achern e no orfanato da Lebensborn de Steinhöring, ambos no sul da Alemanha, quem insistisse em falar a língua materna, em vez de alemão, era punido ficando sem refeições ou de castigo no porão.

Alodia Witaszek (esq.) ao lado memorial do antigo internato de menores em Łódź, Polônia
Mancha branca na história alemã
Passados 75 anos do fim da Segunda Guerra Mundial, o sequestro de crianças pelos nazistas praticamente não é abordado na Alemanha: trata-se de "uma mancha branca na historiografia", condena Artur Wróblewski, jurista polaco que escreve para o portal de internet Interia. E ele quer mudar isso, juntamente com seis outros jornalistas e historiadores.

O grupo foi atrás do destino de sobreviventes como Alodia, que sofreram no próprio corpo a destruição de sua infância e, muitas vezes, de toda a vida, pela megalomania racista dos nazistas.

O resultado das pesquisas foi lançado em livro na Polônia em 2018 e, em fevereiro de 2020, em alemão, pela editora Herder, sob o título Als wäre ich allein auf der Welt. Der nationalsozialistische Kinderraub in Polen (Como se eu estivesse sozinha no mundo. O sequestro nacional-socialista de crianças na Polônia).

Quase todas as testemunhas da época que lá tomam a palavra relatam sobre a repetida procura inútil por suas próprias famílias, sobre a, em geral dolorosa, repatriação após a guerra. E narram o trauma adicional de não serem reconhecidas como vítimas.

Aos 84 anos, Hermann "Romek" Lüdeking ainda luta pelo reconhecimento de seu destino de vítima
Jornalismo investigativo a serviço da justiça
A jornalista Monika Sieradzka, que trabalha para a mídia alemã e polaca, e sua colega Elisabeth Lehmann, da emissora MDR, foram um passo mais adiante no trabalho de investigação. Após anos de pesquisas, elas reuniram vítimas do sequestro estatal para contar diante de câmeras sobre suas vidas fragmentadas, no documentário Kinderraub der Nazis. Die vergessenen Opfer (Raptos infantis dos nazistas. As vítimas esquecidas), coproduzido pela Deutsche Welle.

Hermann Lüdeking é um dos protagonistas que nunca conseguiram reencontrar suas raízes, apesar de buscas incessantes. Aos seis anos de idade, ele foi colocado num internato, e mais tarde entregue à família Lüdeking, da SS, como "material valioso, do ponto de vista racial".

A única coisa que conseguiu descobrir, pesquisando tenazmente em arquivos e documentos, foi seu nome polaco original: Roman Roszatowski, apelidado "Romek". Crescido no Sul da Alemanha, onde ainda vive, há muito Lüdeking esqueceu o idioma materno.

A associação Geraubte Kinder – Vergessene Opfer (Crianças roubadas – vítimas esquecidas) o ajudou a investigar suas raízes. Os arquivos da Lebensborn foram destruídos após a Segunda Guerra, quando, durante os Processos de Nurembergue, a entidade foi classificada como benemerente. Os juizados de menores locais não dispunham de dados sobre as crianças raptadas.

Sozinho, aos 84 anos, Hermann Lüdeking ainda luta pelo reconhecimento, também moral, como vítima – até agora, em vão. "Os alemães não querem saber de nada disso, pois lhes custaria dinheiro", comenta, amargurado. "Até hoje, Hermann, aliás Romek, se sente um estranho em 'seu' país", constata Monika Sieradzka.

Texto: Sabine Peschel
Fonte: Radio Deutsche Welle

sexta-feira, 6 de março de 2020

Auschwitz: Livro com capa de pele humana

Um objeto histórico único, com certeza. Um álbum de fotos encadernado com uma capa feita de pele humana foi adicionado às coleções do Museu Estatal de Auschwitz, na cidade de Oświęcin, na Polônia. Pesquisas feitas por especialistas do Museu indicam que a capa pode ter sido confeccionado no Campo de Concentração Alemão, em Buchenwald, na Alemanha.

Foto: Marek Lach
As coleções do Museu já possuem outro objeto muito semelhante devido à técnica de execução. Graças a isso, testes comparativos com o uso da tecnologia FT-IR foram realizados. Com o espectrofotômetro disponível no Museum Conservation Studios, foi possível determinar a composição de ambas as capas.

"A análise comparativa mostrou o conteúdo da pele humana e quantidades muito semelhantes de poliamida 6 e poliamida 6.6. O conteúdo de polímeros utilizados para a produção de fibras sintéticas é importante porque foram inventados apenas em 1935. Essas informações nos permitem determinar o tempo de criação da capa. As poliamidas durante a Segunda Guerra Mundial foram uma novidade técnica e o acesso a elas foi limitado. No Reich, fibras artificiais foram usadas para fabricar pára-quedas", disse Elżbieta Cajzer, diretora das coleções do Museu de Auschwitz.

Resultado dos testes
Segundo relatos de prisioneiros do campo de concentração alemão em Buchenwald, a pele humana era tratada como material para a produção de objetos utilitários como encadernação de livros e carteiras de bolso.

Em seu relato, o ex-prisioneiro de Buchenwald, Karol Konieczny disse: "Coloquei tudo nas capas recebidas dos colegas da encadernação do campo. Obviamente, como você pode imaginar, as capas eram feitas de peles humanas, provenientes dos "recursos" da SS. Era sobre garantir documentos de bestialidade e genocídio nazistas".

Foto: Marek Kach
"Pesquisas indicam que, com uma probabilidade muito alta, podemos concluir que os dois coletores de pó, devido à tecnologia e composição, vieram da mesma oficina de encadernação. O uso da pele humana como material de produção está diretamente associado à pessoa Ilse Koch, que, juntamente com o marido, fez um histórico vergonhoso na história como carrasca do campo de Buchenwald", acrescentou Cajzer.

O campo alemão também é lembrado por ser onde Isle Koch, esposa do comandante Karl-Otto Koch realizava experiências artísticas. Ela é conhecida pelo estranho interesse em peles tatuadas, geralmente de homens, que eram assassinados para ela poder usar o tecido na produção de objetos de decoração e souvenirs.

A crueldade de Koch e o uso que fez de pele humana em livros, tampos de mesa, luminárias e dedos como botões nas luminárias, a mulher foi absolvida no tribunal de Nuremberg.

No álbum, que foi colocado novamente na sobrecapa, como evidenciado por dobras no papelão, cortes para caber na capa de papel, havia mais de 100 fotografias e cartões postais. As imagens mostram principalmente paisagens e panoramas.

Fotos sem nenhuma relação com os horrores nazistas
A partir de informações obtidas pelos funcionários do Museu, parece que o álbum e a capa pertenciam a uma família da Baviera que, durante a Segunda Guerra Mundial, administrava uma casa de hóspedes em uma cidade termal. Presumivelmente, a capa chegou às mãos dos proprietários como presente de um membro da da guarda nazista do campo de Buchenwald.

O item, que é indubitavelmente a evidência de um crime contra a humanidade, está agora na posse do museu, cortesia feita por um doador, o Sr. Paweł Krzaczkowski. Entramos em contato com ele graças à Fundação da Coleção Pine Family.

Fonte: Museu Estatal de Auschwitz
Tradução e adaptação para o português: Ulisses Iarochinski