quinta-feira, 8 de novembro de 2018

Que Independência de 100 anos, a Polônia está comemorando?

11 de novembro de 1918, o comandante das legiões polacas e o marechal Józef Piłsudski são recebidos com um desfile em frente ao Hotel Bristol em Varsóvia - reprodução de imagem: Piotr Mecik/FORUM
Em 11 de novembro de 1918, a Polônia recuperou sua independência após 123 anos de divisão de seu território pelas invasões do Reino da Rússia, Reino da Prússia (atual Alemanha) e Império da Áustria.

SUBITAMENTE
Mas o que realmente aconteceu naquele dia histórico?
Dia em que também se comemora o fim da Primeira Grande Guerra Mundial.
17 de novembro de 1918, o Grande Desfile Nacional na (Rua) Ulica Krakowskie Przedmieście
Foto: PAP/CAF-ARCHIWUM
Como um grande país como a Polônia do entre-guerras reapareceu no mapa da Europa Central?
O que precisou acontecer em um determinado dia para torná-lo "Dia da Independência?"

Uma resposta um tanto bem-humorada a essa pergunta foi dada pelo próprio marechal Józef Piłsudski, o célebre líder polaco, que estava entre os que mais acreditavam em ganhar de volta a liberdade da Polônia:

Senhoras e senhores, em 1918 - assim como na música legionária - "de repente houve uma nova Polônia".

Embora jocosa, a citação aponta para duas questões importantes.

Em primeiro lugar, que o dia 11 é uma data arbitrária e, como tal, é um pouco "fora da cazinha". Claro, foi um dia excepcionalmente importante para a independência da Polônia, mas não se pode concordar que a independência realmente tenha sido restabelecida em um único dia. É um processo que levou muito tempo. Aconteceram muitas revoltas, como as de 1831 e a de 1863 para citar apenas duas.

E essa é a segunda questão que a citação aponta, mencionando as Legiões Polacas: forças armadas polacas na Primeira Guerra Mundial sendo lideradas por Piłsudski. A posição pró-independência das Legiões (originalmente criada pelos austro-húngaros para fortalecer suas próprias fileiras) levou muitos polacos a acreditar que uma Polônia livre era viável. As legiões lutaram por muitos anos sob mando de potências estrangeiras, antes da Polônia reaparecer no dia 11 de novembro de 1918, no mapa do mundo.

Congratulando com boas vindas a Józef Piłsudski, na estação de trem, em seu retorno a Varsóvia, após prisão em Magdeburg Reprodução de imagem: Piotr Mecik/FORUM
Em novembro de 1918, a Grande Guerra estava chegando ao fim com os poderes da divisão  imposta a Polônia por mais de um século enfraquecidos. A Polônia já desfrutava de soberania parcial: o Conselho Regêncial, um órgão temporário do governo polaco, estava funcionando em Varsóvia e estabelecendo as bases para a independência.

Mas ainda havia tropas alemãs na cidade, que os historiadores estimam em cerca de 30.000 soldados.

Em 10 de novembro de 1918, Piłsudski chegou em Varsóvia, libertado que foi de Magdeburgo pelos alemães. O general tinha sido preso depois de se recusar a lutar pela Alemanha - ed.]. No dia 11, ele assume o controle dos militares. No dia 14, ele recebe poder total. A discussão sobre qual data reconhecer como a recuperação formal da independência foi longa. Fonte: entrevista com Wiesław Wysocki, presidente do Instituto Piłsudski, publicada no periódico Niepodległość, 2017
Apesar do longo debate, apenas um ano depois, em 1919, é que o 11 de novembro começou a ser comemorado como o dia em que a Polônia recuperou sua independência. Mas a data só ganhou status de feriado nacional em 1937.


DEIXE-OS SAIR
Palácio Presidencial em Varsóvia - Foto: Marcin Białek /
Formalmente, Piłsudski tornou-se comandante-em-chefe do exército polaco no dia 11, por decisão do Conselho Regêncial. O primeiro passo do marechal foi obter o controle de Varsóvia, a ex e futura capital de uma Polônia Independente.

Isto foi conseguido através da tomada de lugares estratégicos como o quartel da polícia e os armazéns de armas das tropas alemãs. Tal operação seria arriscada e poderia facilmente levar a uma batalha a mais. Para evitar derramamento de sangue, Piłsudski se dirigiu a um comitê de soldados alemães naquela manhã em frente ao Palácio Presidencial na (Rua) Ulica Krakowskie Przedmieście.
Ele garantiu aos alemães segurança e evacuação pacífica. Em troca, pediu-lhes que entregassem o controle dos materiais sob sua guarda, abaixassem os braços e não provocassem os polacos. No mesmo dia, o Centro de Comando do POW (organização militar clandestina polaca, pró-independência) emitiu a seguinte ordem: "Evite lutas sangrentas com os soldados alemães. Ataques em guarnições estão fora de questão. Deixe-os em paz para seguirem para seu país depois de entregarem as armas e materiais técnicos às unidades da organização. Fonte: Quem desarmou os alemães em novembro, por Mirosław Maciorowski, Gazeta Wyborcza, 2016
Na tarde daquele mesmo dia, as tropas polacas começaram a assumir os pontos estratégicos da cidade. Compreensivelmente a excitação entre os cidadãos era enorme e até civis comuns ajudavam os soldados.

Milagrosamente, toda a operação foi realizada de forma relativamente pacífica - havia apenas um punhado de baixas em ambos os lados - impensável se comparado a como as coisas tinham sido até então. No final do dia, a maioria dos postos-chave estava em mãos polacas, embora os alemães ainda permanecessem na Cidadela do bairro de Żoliborz.

Nesse mesmo dia, a Alemanha assinou o Tratado de Paz com a Tríplice Entente (Rússia, França e Grã-Bretanha), encerrando assim a Primeira Guerra Mundial.

INDIVÍDUOS COMUNS PRETENSIOSOS
Desarmamento das tropas alemãs em Varsóvia - Foto: National Digital Archives, audiovis.nac.gov.pl (NAC)
A maneira pacífica como os polacoss assumiram o controle de Varsóvia foi, em grande medida, um efeito das ações de Piłsudski. Ele queria evitar um confronto com as numerosas tropas alemãs, um conflito que poderia potencialmente levar a baixas em massa.

De fato, foi precisamente a autoridade de Piłsudski entre os polacos e sua capacidade de conter o caos causado nos territórios polacos pelo fim da guerra, a razão principal dele ter sido libertado de Magdeburgo .

Mas para entender completamente por que os alemães se renderam em Varsóvia tão prontamente no dia 11, é preciso voltar no tempo. No dia 10, Piłsudski chegou à cidade em um trem pela manhã bem cedo. Depois de uma reunião com Zdzisław Lubomirski, membro do Conselho Regencial, ele foi para a (rua) ulica Moniuszki, nº 2 (que não existe mais), onde ficou por dois dias dormindo e tomando café da manhã em um dos apartamentos.

No estabelecimento, dirigido por Wanda, Halina e Maria Romanówna - três irmãs conspiradoras do POW (organização militar clandestina polaca, pró-independência) -  na verdade, prisioneiros de guerra, outras reuniões aconteceram, pois havia muitos assuntos prementes. Entre aqueles que eram recebidos por Piłsudski estava o jovem militar Józef Jęczkowiak.

O marechal contou a ele a inquietação que havia presenciado na Alemanha, onde soldados exaustos pela guerra se amotinavam e criavam comissões que defendiam a libertação do dever, um evento que os historiadores agora chamam de Revolução Alemã. Por essas situações é que Piłsudski queria enviar Jęczkowiak em uma missão para enfraquecer o moral das tropas alemãs em Varsóvia. Passando-se por um soldado alemão, Jęczkowiak juntamente com seus companheiros, rapidamente visitou um dos dormitórios do exército alemão e se dirigiu aos que ali estavam:

(...) Eu estava na mesa e em voz alta comecei a contar sobre a revolução na Alemanha e sobre o que eu ouvira de Piłsudski (…). As pessoas começaram a gritar, primeiro apenas algumas, mais tarde muitas delas: "faremos a mesma coisa", "viva a revolução". Eu não ouvi ninguém se opondo (...). Żródło:Był Czyn i Chwała! Wspomnienia Harcerza 1913-1918 by Józef Jęczkowiak, 2015. (Fonte: Ação e Glória! Memórias do Escoteiro de 1913-1918 por Józef Jęczkowiak, 2015)
Desarmamento das tropas alemãs em Varsóvia - Foto: National Digital Archives, audiovis.nac.gov.pl (NAC)
Os soldados alemães estacionados em Varsóvia também tiveram tempo suficiente da guerra e estavam mais do que ansiosos para ir para casa. Depois do discurso de Jęczkowiak, eles estabeleceram seu próprio comitê (aquele dirigido em frente ao Palácio Presidencial) que trabalhou com Piłsudski para a evacuação da cidade. O desarmamento já havia começado no dia 10, mas a maior parte ocorreu no dia seguinte. Como o moral dos soldados alemães havia sido minado com sucesso, a esposa do príncipe Zdzisław Lubomirski, a princesa Maria, pode escrever em suas memórias no dia 11:
Estamos livres! Nós conseguimos nos governar! Isso realmente aconteceu e de maneira tão inesperada (...) Os alemães estão estupefatos, resistem esporadicamente, mas se deixam desarmar não apenas pelos militares, mas também por caçadores civis comuns ... Coisas estranhas em nossa capital! Żródło:Pamiętnik Księżnej Marii Zdzisławowej Lubomirskiej 1914-1918 (The Memoirs of Countess Maria Zdzisławowa Lubomirska), 1997 (Fonte: Diário da Princesa Maria Zdzisławowa Lubomirska 1914-1918 (As Memórias da Condessa Maria Zdzisławowa Lubomirska), 1997)
INESQUECÍVEL E PLENO DE FELICIDADE
Maria Dąbrowska em seu apartamento - Foto: Lucjan Fogiel/East News
Outra descrição de uma testemunha dos acontecimentos daquele dia é da escritora Maria Dąbrowska.  Além de ressaltar que o tempo era "absolutamente lindo", ela também escreveu o seguinte em seu Dzienniki 1914-1945 (Memórias de 1914-1945), publicado em 2009:
De manhã cedo, oficiais alemães estão sendo desarmados em todas as esquinas. Mas a milícia não só está a desarmá-los como também a máfia (…) Ao longo do dia, os bens militares e as autoridades civis estão a ser retirados dos alemães. Durante todo o dia, as ruas estão cheias. Os bondes estão funcionando normalmente. Há carros com nossos soldados em todo lugar (…). No meio de tudo isso, a Polônia está crescendo. E ninguém pode ver como é lindo. Ninguém percebe nessa comoção. 
Talvez, devido a toda a empolgação, a beleza do clima e do Estado recém-renascido tenha realmente faltado uma maior atenção de alguns observadores. Sem dúvida, foi a independência da ocupação a qual a maioria das pessoas estava reagindo. O entusiasmo do momento foi muito bem expresso nas memórias acima mencionadas de Maria Lubomirska:
O presente é histórico, inesquecível, cheio de alegria e triunfante!
Retrato de Józef Piłsudski, criação de Stefan Norblin, em 1939, óleo sobre tela - Foto: Museu Nacional de Varsóvia

No entanto, a Polônia definitivamente seria notada por muitas pessoas em breve, não apenas no país, mas também em todo o mundo. A evacuação de Varsóvia e de outros territórios polacos geralmente estava indo bem - em questão de dias, todos os soldados alemães deixaram a capital. No dia 16, Piłsudski enviou um telegrama aos governantes dos EUA, Grã-Bretanha, Alemanha e outros países:

Como Comandante-em-Chefe do Exército Polaco, notifico governos e nações neutros e em guerra sobre a existência de um Estado Polaco Independente, abrangendo todas as terras da Polônia unificada. (…) O Estado polaco surge da vontade de toda a nação e deve basear-se em princípios democráticos. Do livro "11 de novembro - Dia Nacional da Independência", publicado pelo Clube Central de Soldados Polacos em 2012
A forma das fronteiras do país que reapareciam ainda precisariam ser determinadas, mas depois de recuperar sua capital e centro político no dia 11, não havia dúvida de que um Estado Polaco Independente passava a existir a partir daquele momento histórico. Depois de 123 anos de partilhas de território por nações estrangeiras invasoras, a Polônia estava livre novamente.

Fonte: Culture.pl
Texto: Marek Kępa
Tradução do idioma polaco para o português: Ulisses Iarochinski