segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Judeu contra o governo de Israel


Em Abril de 1943 os judeus do Gueto de Varsóvia foram massacrados pela máquina militar do III Reich nazi. Em Dezembro de 2008 os palestinos do Gueto de Gaza são massacrados pela máquina militar do IV Reich nazi-sionista. Ambos os povos exerceram o seu direito inalienável à revolta contra a opressão. Foto: Instituto Judaico de Varsóvia.


O historiador francês de origem judaica André Noushci, ex-combatente antinazista da France Libre, de 86 anos, ex-professor da Universidade de Tunis e professor honorário da Universidade de Nice, mandou uma carta ao embaixador israelense em Paris durante os bombardeios na Faixa de Gaza dizendo o seguinte: 


3 de janeiro de 2009

Senhor Embaixador:

Para vós é shabat, que devia ser um dia de paz mas que é o da guerra. Para mim, e desde há vários anos, a colonização e o roubo israelense das terras palestinas exasperam-me. Escrevo-vos como francês, judeu de nascimento e artesão dos acordos entre a Universidade de Nice e a de Haifa.

Não é mais possível calar diante da política de assassinatos e de expansão imperialista de Israel.

Vós vos conduzis exatamente como Hitler se conduziu na Europa com a Áustria, a Tchecoslováquia (hoje República Tcheca e Eslováquia). Desprezais as resoluções da ONU tal como ele as da Sociedade das Nações e assassinais impunemente mulheres e crianças; não invoqueis os atentados, a Intifada. Tudo isso resulta da colonização ilegítima e ilegal; o que é roubo.
Vós vos conduzis como ladrões de terras e virais as costas às regras da moral judia. Vergonha para vós! vergonha para Israel!
Cavais a vossa tumba sem vos dar conta. Pois estais condenados a viver com os palestinos e os estados árabes.
Se vos falta esta inteligência política, então sois indigno de fazer política e vossos dirigentes deveriam ir para a cadeia.
Um país que assassina Rabin, que glorifica seu assassino, é um país sem moral e sem honra. Que o céu e que o vosso Deus leve à morte Sharon, o assassino.
Haveis sofrido derrota no Líbano em 2006. Sofrereis outras, espero, e enviais à morte os jovens israelenses porque não tendes a coragem de fazer a paz.
Como os judeus que tanto sofreram podem imitar os seus carrascos hitlerianos? Para mim, desde 1975, a colonização recorda-me velhas lembranças, aquelas do hitlerismo. Não vejo diferença entre vossos dirigentes e os da Alemanha nazi.
Pessoalmente, vou combater-vos com todas as minhas forças como o fiz entre 1938 e 1945 até que a Justiça dos homens destruísse o hitlerismo que está no coração do vosso país.
Vergonha a Israel!!
Espero que o vosso Deus lançará contra os seus dirigentes a vingança que eles merecem. Tenho vergonha como judeu, antigo combatente da II Guerra Mundial, por vós. Que o vosso Deus vos maldiga até o fim dos séculos!
Espero que sejais punidos!

Historiador, 86 anos, originário de Constantine (Argélia). Foi combatente da "France Libre" e é autor de um livro sobre o nível de vida das populações rurais de Constantine durante o período colonial até 1919 (PUF, 1961). Este livro foi saudado na época pelo ministro do Governo Provisório da República Argelina (GPRA) e historiador argelino Ahmed Tafiq al-Madanî como "a gota de água que se oferece ao viajante após a travessia do deserto". Foi professor na Universidade de Tunis e é professor honorário da Universidade de Nice, na França. Seu livro, "Iniciação às Ciências Históricas", foi traduzido para português e editado por Livraria Almedina, em 1986.

Segundo, o jornalista carioca de origem polaco-judaica Mário Augusto Jakobskind, "André Noushci certamente interpreta o sentimento de muitos cidadãos de origem judaica e não judaica que se indignam com a solução final contra os palestinos decretada por um governo extremista como o de Israel, que envergonha a quem tem um mínimo de consciência.".  Jakobskind tem sido alvo de emails e comentários raivosos por parte de judeus e não-judeus de extrema-direita pela sua posição antimassacre de palestinos. A tradução em português da carta de Noushci retirei do mais recente artigo de Jakobskind, "Recado aos fundamentalistas", publicado no sitio "Direto da Redação", mas também está no site francês "Le Post".  

"Opór" ou "Defiance" = Resistência

Foto: Karen Ballard

- Então? Já foi assistir "Opór"?
Perguntei a um jovem universitário polaco sobre o filme que entrou em cartaz nos cinemas da Polônia, na última sexta-feira, e que vem causando polêmica pelo menos há duas semanas por aqui. O filme estrelado pelo atual ator de James Bond - agente 007, Daniel Graig, conta a história de 4 irmãos polacos judeus que durante a Segunda Guerra Mundial defenderam centenas de judeus nas florestas da Polônia do Leste. Embora o filme sugira que ocorreu na Bielorrússia.
- Não, não fui e nem vou. Filme hollywoodiano mentiroso. Este judeu foi um bandido e não herói.
O estudante do curso de "Estudos Europeus", da Universidade Iaguielônia, reflete um pouco o que é a geração pós-comunismo sob o governo fascista de Kaczyński na Polônia. "Não vi, não quero ver e sou contra", parecem bradar a todo instante quando questionados sobre o passado. Não sofreram os horrores da hectacombe provocada pelos direitistas do nazismo, nem passaram pelos anos duros dos esquerdistas do comunismo. Muitos nasceram nos estertores finais da República Popular da Polônia e querem mais é consumir. 
A resposta sobre o filme, portanto, impediu o início de uma conversa cinematográfica-histórica-política. Queria ressaltar para ele, o que tinha assistido e sentido durante a projeção do filme, na sala 5 do Cinema City da Galeria Kazimierz, no último sábado.
Fui porque já tinha lido nos jornais polacos sobre esta produção de Hollywood com o ator do 007. Fui por que li se tratar de judeus combatentes. Fui porque Israel ataca sem piedade os palestinos na Faixa de Gaza. Mas fui principalmente porque gosto de cinema.
Fotografia impecável, atuações muito boas, atrizes muito bonitas. Embora a ação se passe o tempo todo num bosque da atual Lituânia sem grandes variações de cenário.
Fora os figurinos, armas, caminhões, carro e tanque da segunda guerra mundial dá para perceber que a produção não foi assim tão dispendiosa.
Roteiro com nuances de altos e baixos, com momentos de explosões entrecortados por uma calma angustiada.
Direção segura e competente que impele o expectador a vivenciar aqueles 90 minutos (ou mais) de projeção na grande tela da sala escura com muita emoção. Há momentos para risadas contidas, emoção suspendida e de lágrimas que teimam em cair, mesmo depois que as luzes se acendem e as portas se abrem indicando que a sessão terminou.
O filme tem criado polêmica na Polônia por tratar de uma questão que está inserida nas veias ainda quentes dos que morreram na segunda guerra mundial.
Nas minhas leituras antes da projeção, soube que se tratava dos guerrilheiros Bielski - quatro irmãos judeus - que viraram bandoleiros depois que polacos católicos colaboracionistas entregaram os pais deles para os alemães nazistas e se negaram a ir para os guetos e campos de concentração.
O filme já começa com uma patrulha noturna nos arredores de uma cidadezinha do que seria hoje a Bielorrússia (mas na época era Polônia). Os irmãos Bielski falavam polaco e iidich e ao emigrarem depois do fim da guerra, portavam passaportes polacos. Mas voltando á patrulha: Um grupo de polacos judeus conduzidos por um polaco católico é retido por um grupo de policiais polacos à serviço dos alemães nazistas. O policial que comanda a patrulha pergunta se fazem parte dos protegidos de Tewje Bielski. O guia diz não saber quem é este Bielski. Quando tudo parece que vai acabar mal, aparecem guerrilheiros polacos quase que do nada e impedem que o grupo seja detido.
Nas cenas seguintes, Tewje vai até uma casa e atira contra o velho policial da patrulha que estava jantando com a esposa e dois filhos. A esposa implora para ser morta, mas Tewje sai sem matá-la, como se fugisse de si mesmo. O polaco judeu finalmente estava vingando as mortes de seus pais, entregues que foram aos nazistas por aquele polaco católico colaboracionista.
No desenrolar do filme, sempre na mesma floresta, os quatro irmãos vão discutir, brigar entre si, mas sobretudo vão defender um número cada vez maior de judeus que chegam em número cada vez maior pedindo abrigo.
Os irmãos Bielski lutaram ao mesmo tempo contra tropas dos exércitos alemães e russos e contra guerrilheiros ucranianos e bielorussos, além dos polacos da Army Krajowej só para proteger familias polacas judias.
Durante a projeção, ri das ironias, emocionei-me, chorei... E saí do cinema ainda com os olhos lacrimejando. Tentava enxugar os olhos, mas as lágrimas teimavam em cair lendo as frases finais junto com as fotos dos verdadeiros irmãos Bielski. "Eles salvaram 1200 pessoas e nunca lhes foi dado crédito". 

Foto: Karen Ballard

Cinema sempre é uma obra de ficção, seja baseada em livro, fatos, depoimentos, história real. Não fosse ficção seria documentário, mas tem tantos documentários por aí que são pura ficção também, que a gente se pergunta se não está sendo sempre enganado.
Para parte da imprensa polaca, que assistiu o filme, que leu livros, que fez reportagens, considera os irmãos Bielski heróis.
Contudo, para aqueles que não assistiram, nem leram e quando muito, souberam alguma coisa da opinião dos investigadores do IPN - Instituto da Memória Nacional da Polônia de Kaczyński, os judeus Bielski foram apenas bandoleiros, verdadeiras carnificinas ambulantes e assassinos de polacos.
Nos jornais pude ler: "O mais importante é dizer claramente: os guerrilheiros Bielski atiraram nos polacos, mas não nos civis de Naliboków, somente contra os soldados da Armiej Krajowej". 
Em outro li, o que escreveu Piotr Zychowicz do jornal Rzeczpospolita, "o problema nisto é apenas um, o efeito causado pelos Bielski: eles salvaram 1200 pessoas contra 130 que mataram." O título do artigo de Zychowicz foi "Herói na escuridão do crime". Outras frases do jornalista no mesmo artigo puderam esclarecer melhor qual a opinião dele sobre os irmãos judeus:
- "Tewje bebeu, bateu e até matou, mas não violou, porque não foi obrigado."
- "Tewje Bielski bebeu continuamente, depois da vodca (particularmente à luz da lua) se fazia agressivo. Segundo depoimentos salvou muitos da morte - por pouca coisa - pelo menos um de seus agredidos: o especialista de sobrenome Połoniecki."
- "Teve três esposas e incontáveis amantes. No refúgio onde defendeu os seus, também se comportou de modo muito erótico, tendo se relacionado com várias das moças que ali estavam".
Estes comentários, entretanto, foram rebatidos por outro jornalista, mas do outro jornal importante da Polônia, o Gazeta Wyborcza. Marcin Kowalski que lançou um livro com o título de "Odwet. Prawdziwa historia braci Bielskich" (pode ser traduzido como Vingança, ou como Retaliação - a verdadeira história dos irmãos Bielski), fruto de dois anos de pesquisa e entrevistas na região onde a história real de fato aconteceu discorda dasd afirmações apressadas de seu colega de profissão. Kowalski entre outras coisas rebate a posição de amante inveterado colocada em Tewje, "Esta afirmação não é verdadeira, faltam fontes para que se afirme que estas relações amorosas ocorreram naquelas circunstâncias. É verdade que Bielski era jovem, bonito, verdadeira lenda-viva para aquelas mais de mil pessoas, entre homens e mulheres. Sua terceira esposa Lilka, naqueles bosques de Iwy, Lida e Nowogród, muito pouco tempo de carinho experimentou nos braços do Tewje." Sobre o rimão mais velho dos Bielski ter assassinado polacos, Kowalski também apresenta uma explicação: "pelo menos algumas dezenas de membros de Naliboków pertenceram ao mesmo tempo para o Exército Nacional (Army Krajowy) da Polônia, enquanto eram colaboracionistas dos alemães. À luz do dia defendiam a Polônia, na calada da noite entregavam companheiros para os nazistas. Foram estes que morreram nas mãos dos irmãos Bielski." 
No centro da polêmica, o prof. Krzysztof Jasiewicz deu entrevista para o Rzeczpospolita dizendo que "para nós este assunto não tem sentido, se eram guerrilheiros judeus e se pessoalmente os irmãos Bielski mataram muitos polacos em Naliboków, em 8 de maio de 1943, ou se também lutaram ao lado dos soviéticos, ou não." 
Ou seja, a Polônia, ainda não sabe lidar com seus fantasmas. Muitos não querem saber do passado, muitos não leem, muitos não discutem, muitos afirmam o que não sabem. Uma simples obra de ficção cinematográfica (embora baseada em fatos reais) consegue provocar reações quase sempre equivocadas, como as que se estão vendo na Polônia, nesta semana. Cinema é cinema, história é história. Agora falsear a história para dizer que o cinema é mentiroso é pior ainda.

Não sei que título o filme tem ou terá no Brasil, mas no título deste texto já coloquei nas três línguas o que sugere o nome para este filme, dirigido por Edward Zwicki, música original de James Newton Howard e com as participações de Liev Schreiber e Jamie Bell.