"Nie żyje", no idioma polaco a expressão quer dizer que a pessoa faleceu. E foi isso que aconteceu nesta quarta-feira, dia 27 de março, em Cracóvia. A cientista Anita Dolly Panek deixou este plano de vida.
Polaca de origem judaica asquenaze, Anita Haubenstock, nasceu em Cracóvia em 1.º de setembro de 1930. Viveu no Brasil desde 1940, quando não pode voltar para Cracóvia por causa da Segunda Guerra Mundial.
Ela e seus pais estavam na França, iriam retornar para a ulica (rua) Batorego, n.º 17, no centro histórico de Cracóvia, no dia 1.º de setembro.
Seus pais, Emil e Waleria Regina devido a esta decisão forçada, abandonaram todos seus bens e pertences, na Polônia.
Os familiares que não viajaram para a França com a menina Anita, Emil e Waleria foram aprisionados nos Campos de Concentração e Extermínio Alemão, nas cidades de Oświęcin e Brzezinka, os famosos Auschwitz e Birkenau. Uma dessas pessoas era a avó materna, Franciszka.
Aquela situação era desesperadora, as notícias de bombardeios e escaramuças de guerra na terra natal, imobilizava-os. Para piorar ainda mais a situação foram forçados a fugirem dali, em junho de 1940, quando os alemães tomaram Paris e os franceses capitularam.
A família de polacos de origem judaica não tinha mais abrigo naquele mundo enfurecido pelo ódio humanitário. Os Haubenstock fugiram à noite, a pé, pela fronteira com a Espanha. O dinheiro tinha acabado e as joias ficaram em Cracóvia.
Afinal, seriam apenas uns dias de descanso nas praias francesas.
Quem pensaria que o mundo estaria em guerra alguns dias depois
e que o alvo principal dos nazistas, naqueles primeiros momentos, era justo a Polônia?
Quando tentavam conseguir visto de saída, os Haubenstock souberam que a quota para judeus emigrarem aos Estados Unidos estava esgotada. As únicas possibilidades eram Haiti e Brasil.
Anita contava que, “chegamos ao Rio no último navio que saiu da Europa, o Serpa Pinto. Para as passagens de segunda classe, Helena Rubinstein, prima de minha mãe, conseguiu nos enviar emprestados 250 dólares.”
No Brasil, aqueles três cracovianos, passaram a viver no Rio de Janeiro. Onde, no final dos anos 1940, ingressou no curso de Química da então Universidade do Brasil (UFRJ). Diplomou-se em 1954 em Química Industrial e em 1955, tornou-se Instrutora de Ensino na Cadeira de Microbiologia Industrial e Tecnologia das Fermentações da mesma instituição.
Casou-se com o polaco Józef Panek com quem teve a filha Ana Cristina.
Em 1962 obteve seu doutorado em ciências pela mesma universidade, seguindo da livre-docência em Microbiologia Industrial. Em 1976, virou professora titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro e em 1995 foi proclamada Professora Emérita.
Criou um laboratório que acabou sendo mundialmente reconhecido. Publicou mais de 170 trabalhos em revistas especializadas. Orientou 50 alunos em cursos de pós-graduação.
Membro da Sociedade Brasileira de Bioquímica e Biologia Molecular e da Academia Brasileira de Ciências, membro também da American Society for Biochemistry and Molecular Biology. Recebeu, em 1996, a medalha da Ordem Nacional do Mérito Científico da Presidência da República do Brasil.
Não bastasse toda a angústia dos primeiros anos de vida, da fuga forçada pela segunda guerra mundial, as dificuldades dos trópicos, dos estudos, da vida dividida entre duas nações (Brasil e Polônia), Anita levou uma rasteira das mais absurdas aos 85 anos de vida.
Os crimes contra Anita aconteceram quando ida de seu neto Carlos, filho de Ana Cristina e Pedro para estudar na Polônia.
Anita então, por causa do neto estar vivendo em sua terra natal, finalmente decidiu retornar à Cracóvia.
Ela gostou tanto, que passou a frequentar a cidade, através da ponte aérea São Paulo-Cracóvia. Suas contas bancárias e seu salário de professora aposentada haviam sido bloqueadas. Seu advogado de muitos anos, de quem fora fiadora, não havia pagado suas dívidas, que acabou recaindo sobre Anita.
O desgosto foi muito grande e assim aos 85 anos, a brasileira naturalizada, decidiu passar o resto de sua vida, na sua amada rainha do rio Vístula: Cracóvia. Morou nos últimos anos no bairro judeu da Cracóvia, o Kazimierz.
Anita Dolly Panek aos 93 anos deixa a filha Ana Cristina, o genro Pedro, os netos Carlos e Antonia e os bisnetos Anthony e Logan.