domingo, 30 de setembro de 2018

Lech Wałesa faz 75 anos e se diz contra Trump e Kaczyński

Lech Wałesa continua o mesmo de sempre. O mesmo ímpeto para mover multidões, que se hoje, não o escuta como há três décadas, pelo menos mantém o respeito pelo homem que mudou a face política do mundo. Foi ele que derrubou com a ajuda de operários dos estaleiros da sua Gdańsk e os mineiros de Katowice a União Soviética Stalinista e não os alemães do Muro do Berlim. O muro foi apenas consequência e não causa.

Nas linhas abaixo a última entrevista que o líder do Solidariedade deu a uma rádio estrangeira:

Com óculos a la Bono - Foto:©Jacek Smarz
O ex-presidente polaco Lech Wałesa, que fez 75 anos neste sábado (29/09), nasceu em condições muito pobres. Seu pai morreu em decorrência da tortura sofrida num campo de trabalhos forçados alemão, e ele teve que cuidar desde muito cedo de si mesmo e da família.

Ele se formou em uma escola vocacional e trabalhou como eletricista desde 1967 no estaleiro de Gdańsk. Em dezembro de 1970, ele foi um dos líderes da mais famosa greve da história da Polônia sob o jugo soviético. Naquela década de 70, ele foi detido no estaleiro e interrogado pelo Serviço de Segurança e libertado.

Em agosto de 1980, ele se juntou à uma nova greve no estaleiro e liderou o comitê de greve. Em 31 de agosto, ele assinou um acordo com a delegação do governo. Após a fundação do Sindicato Independente Autônomo, o Solidarność, do qual se tornou seu primeiro presidente.

Este grande movimento sindical de 1980 contribuiu decisivamente para a derrocada do comunismo e do Muro de Berlim. Em 1983 recebeu o Prêmio Nobel da Paz e, em 1990, se tornou o primeiro presidente eleito livremente na Polônia do pós-Guerra, posição na qual ele negociou a retirada do Exército Vermelho do país, há quase 25 anos.

Em entrevista à rádio internacional alemã Deutsche Welle, o ex-sindicalista ressaltou que populistas de direita como o americano Donald Trump ou o polaco Jarosław Kaczyński, líder do partido governista Direito e Justiça (PiS), servem de motivação para que ele continue atuando na política. "Estou velho, cansado, mas não gosto do que está acontecendo", afirmou.

Deutsche Welle: Com uma vida de tantas conquistas, o senhor ainda sente falta de alguma coisa que possa completar a sua carreira?

Lech Walesa: Na verdade, tudo o que sonhei e que pretendi para minha vida, eu consegui. Mas meu plano ia até a recuperação da liberdade. Recuperar a liberdade e introduzir a democracia eram meus objetivos. Eu pensava: "Se conseguirmos a democracia, então tudo vai para frente". Só que não estávamos preparados para a democracia, nos faltavam boas pessoas e bons programas. Os problemas começaram e, entre outras coisas, foi por isso que perdi a eleição na época. Mas a Polônia se desenvolveu bem, e não estávamos mal. Mas agora eu começo a me perguntar: "Para que serve a vitória se não sabemos o que fazer com ela?" Esse é o meu problema: estou velho, cansado, mas não gosto do que está acontecendo. Porque a política do atual governo não é boa. Eu acho que o diagnóstico dele é bom, mas a terapia é ruim. Por outro lado, casos como Kaczyński ou Trump também me motivam. Eles nos convocam a encontrar soluções. Eles nos inspiram. E, embora o diagnóstico deles esteja correto, por exemplo, "devemos melhorar o trabalho dos tribunais", as soluções escolhidas são ruins.

Deutsche Welle: No momento, o governo polaco tem uma imagem ruim no Ocidente. Há até os que dizem que a Polônia está se movendo em direção a uma ditadura. Isso é verdade?

Lech Wałesa: Estamos lidando com pessoas inaptas, que não passaram por um exame médico, pessoas mesquinhas, complexadas, que chegaram ao poder por acaso. Essa é a nossa desgraça. Eu avisei a sociedade, porque eu já os conhecia de antigamente. O problema atual é como podemos combatê-los, pois somos democratas, não queremos violência, enquanto aqueles que estão no poder adotam leis úteis para si mesmos, sem levar em conta o povo e a Constituição. É difícil combater através de manifestações, porque há, hoje em dia, muito poucas pessoas ativas. Precisamos pensar em algo que nos faça avançar. Atualmente, usamos os procedimentos da UE, pedimos apoio à UE, à Alemanha e a outros países da UE, porque até a eleição ainda há um longo tempo. Isso pode nos arruinar, porque os governantes manipulam as leis e vão nos enganar. Então, precisamos hoje da solidariedade global.

Deutsche Welle: E como o senhor avalia o fato de que atualmente os governantes na Polônia usem estereótipos antialemães?

Lech Wałesa: Eles abrem velhas feridas, abusam da complicada e trágica história entre nossos povos, jogam com ressentimentos. Eles lançam mão da demagogia, semeiam o conflito e colocam as pessoas umas contra as outras. Eles questionam nossas conquistas, nossas vitórias. Eles fazem de Wałesa e outros "agentes" para que possam ganhar. Eles não se importam com o dano que estão causando com isso, contanto que consigam vencer. É por isso que me pergunto se eles são inimigos da Polônia, traidores, agentes ou perfeitos idiotas. Há apenas estas duas possibilidades: ou eles são traidores ou são idiotas completos.

Deutsche Welle: E como os alemães devem se comportar nessa situação?

Lech Wałesa: Eles devem continuar fazendo o que fizeram até agora: resistir e, ao mesmo tempo, pensar em como podem nos ajudar, para que o que já alcançamos em nosso relacionamento pós-Guerra não seja destruído.

Deutsche Welle: Crescem na Polônia as vozes que cobram da Alemanha o pagamento de reparações de guerra. As reivindicações são justificadas?

Lech Wałesa: Os alemães são ricos, nós não somos, e isso por causa de sua agressão e da guerra. As pessoas devem falar sobre isso, mas não exigir, porque é tarde demais. Não é com ataque ou confrontação, mas com discussões e convicções. Deve-se apresentar evidências factuais de que o problema não foi resolvido definitivamente. Demandas e confrontações certamente são um método ruim para se resolver o problema.

Deutsche Welle: O senhor é um católico praticante. Qual o papel da Igreja e da fé cristã em sua vida e em suas ações?

Lech Wałesa: Um papel crucial. Eu não sou religioso. Minha fé não é antiquada ou medieval, ela é um computador da mais nova geração. Eu sei que existe Deus, eu posso encontrá-lo. Eu caio, mas, graças a ele, eu me levanto de novo. Sem fé, tudo que faço seria inútil. Mas eu continuo porque minha fé me diz: "Se você não continuar, terá que responder por isso". Então tenho que fazer o máximo que posso.