quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

O "sonho" também é polaco



Confesso que desde muito criança sempre gostei de sonhos...
Sim! Dos sonhos dos sonhos!
E também daqueles outros sonhos.
Gostava dos sonhos, que já crescidinho ouvia Maria Bethânia cantar “sonhar, mas um sonho impossível...é minha lei”, da música de Charles Chaplin.

Mas os sonhos que sempre gostei mesmo eram os sonhos de sonho. Sim!

Aqueles bolinhos fritos recheados com marmelada e pulverizados com açúcar de confeiteiro.

Passei minha infância toda me esbaldando com os sonhos que uma tia mineira fazia toda a semana. Ela fazia aquilo como uma espécie de ritual. Como sabia que eu gostava muito, bastava eu fazer uma mãnha, chorar, ficar triste para ela ir pra cozinha preparar sonhos.

Pelo fato dela ser mineira e, portanto, não ter nada de polaco (era tia materna), cresci pensando que sonho era mineiro, que era brasileiro, enfim que fazia parte da tradicional culinária portuguesa.



Chegando aqui na Polônia, um dia fui convidado por uma colega do curso de idioma polaco para irmos numa confeitaria. A colega Norte-americana, filha de mãe polaca com pai Norte-americano, durante o percurso ia só repetindo que dos doces da Polônia ela só gostava mesmo era de Pączki (pronuncia-se pontchqui). 

E eu só pensando, “o que será este pączki”. Arrehh! Devia ter visto no dicionário.”

Qual não foi minha surpresa quando a colega pediu o famoso pączek polaco à senhora do balcão. "Ora! Aquilo eu conhecia. Aquilo era um sonho, meu velho conhecido! Que história era aquela de que sonho é polaco?"

Inconformado. Telefonei para o Brasil. Tinha que perguntar a tia Maria Rita onde ela tinha aprendido a fazer sonhos. Se tinha sido em Botelhos, Minas Gerais, se era uma tradição da família de minha mãe, mineira de quatro costados.

- Que nada! Aprendi na Harmonia, em Monte Alegre. Com uma patroa polaca. Ela fazia todo sábado para a família. Quando chegava alguma visita, ela pedia para eu continuar fazendo os sonhos, enquanto ela conversava.

- Com uma patroa polaca? Então a senhora não fazia sonhos em Minas Gerais? (Perguntei).

- heheh! Em Minas não tinha sonho não....lá o doce era Romeu e Julieta. Marmelada com queijo mineiro. (Ela respondeu).

Então, minha tia tinha aprendido a fazer sonho com uma senhora polaca? humm!

Tempos depois acompanhando um professor português pelos pontos turísticos de Cracóvia, convidei-o a provar o sonho polaco.

“Sonho? O que é isto?”
Pensei comigo: "Mas como que este português não sabe o que é sonho?

Quando apresentei o famoso doce ao gajo, ele reagiu dizendo:

- “Mas são bolas de Berlim!”

- "Bolas de Berlim?"

Agora eu é que não estava entendendo mais nada.

"Como bolas de Berlim?”, perguntei.

O professor de etnicidade da Universidade de Lisboa respondeu:

“Não! Isto não é doce português, não! Isto é da culinária alemã. Não me pergunte como chegaram a Portugal. Mas são muito apreciados e Viana do Castelo é a cidade onde se pode comer as melhores bolas de Berlim do país.”

- “Não!”

Disse-me, mais tarde uma professora de tradição e cultura da Universidade Jagielloński.

“Não é doce alemão não, é doce polaco, com certeza. Durante a ocupação de 1795 a 1918, os alemães aprenderam muitas coisas na Polônia, inclusive a fazer pączek.”

Vendo que eu fazia cara de dúvida, ela então recomendou a leitura de um livro sobre história da culinária polaca.

Foi assim que descobri através de Jędrzej Kitowicz, que o pączek já existia na Polônia, quando o rei August III mandou vir cozinheiros da França para melhorar o cardápio do castelo.

Kitowicz escreveu: „Staroświeckim pączkiem trafiwszy w oko mógłby go podsinić, dziś pączek jest tak pulchny, tak lekki, że ścisnąwszy go w ręku znowu się rozciąga i pęcznieje do swojej objętości, a wiatr zdmuchnąłby go z półmiska’. (O sonho antigo só de olhar já podia jogá-lo na parede, hoje o sonho é tão gordinho, tão leve que, quando se aperta na mão, ele estica e de novo incha seu volume, de tal modo que o vento poderia expulsá-lo do prato).

Segundo Kitowicz, o rei já não suportava comer toda semana a mesma comida e tampouco aquele doce de massa tão dura, em que pese o recheio de geleia de broto de rosas.

A tradução de pączek para português é broto de rosa
A pronúncia de pączek é pontchék
A pronúncia de pączki é pontchki

Pączek está no singular
Pączki está no plural





























Chegando em Cracóvia, os cozinheiros franceses conheceram o antigo pączek, e claro, tinham que mostrar serviço sem ferir o orgulho pátrio dos colegas polacos. Assim, fizeram algumas alterações no modo de preparar. O doce duro polaco ficou mais claro, mais esponjoso, mais elástico, mais fácil de comer e saborear.

Assim do francês “beignet” (ou “fritos”) só ficou mesmo uma feição do rio Sena, pois mesmo com a roupagem parisiense, a essência se manteve polaca até os dias de hoje.
Mas o que importa mesmo é saber, que o sonho que conhecemos chegou aos três Estados do Sul pelas mãos das imigrantes polacas e não através das “bolas de Berlim” portuguesas, aliás também chamadas de "malasada". Mas não foi apenas o Brasil que conheceu o pączek pelas mãos das polacas.
Também os Estados Unidos foram influenciados, tanto que adotaram a Tłusty czwartek”, comemorada como “Fat Thursday”, ou “Quinta gorda” dos polacos.

Em Chicago, Detroit, Milwaukee, e South Bend, o dia é celebrado com o nome em polaco mesmo “Pączki Day”.
Hamtramck, distrito de Detroit, é conhecido por ser a única cidade Norte-americana a organizar o verdadeiro “Dia dos Pączki” com a tradicional parada americana, ou seja, desfiles de bandas e escolas pela avenida principal da localidade.

Neste dia, as confeitarias e padarias de Hamtramck ficam abertas 24 horas para vender o “Pączek”. Os confeiteiros concorrem ao melhor "sonho" do ano. Também em Toronto, no Canadá, é celebrado o dia do “sonho polaco”.
Na Polônia, o "dia do sonho", ou "quinta -feira gorda", ou Tłusty czwartek” é secularmente comemorado na primeira quinta-feira antes do início da quaresma.

Diz-se que se alguém na "quinta-feira gorda', não come um sonho, ele não terá sorte durante o ano inteiro. Neste dia, o polaco come em média 2 sonhos e meio.

Provando que a origem dos modernos judeus é a Polônia, também Israel importou o dia do “Pączek”, através dos judeus polacos que o chamavam em Yiddish: פּאָנטשקעס , pontshkes, passou a ser conhecido com o nome em hebráico de סופגניות, sufganiyot (no singular: סופגניה, sufganiyah).

Outros países também reconhecem o sonho como algo autenticamente polaco.

A culinária russa o chama de é"pyshki" (especialmente em São Petersburg) e "пончики", ponchiki. Os ucranianos chamam de "pampushky". Nos idiomas alemão e dinamarquês, eles são chamados de "Berliner". Na Áustria, são chamados "Krapfen". Na culinária lituana, eles são chamados "spurgos" e até no Hawai por influência dos imigrantes açorianos da Ilha de São Miguel, eles são chamados de "malasada".

E finalmente a última constatação de que "sonho" é polaco, está justamente nesta relação de desejo de ter sorte, presente na comemoração do "Dia dos Pączki", pois ao comê-los se está claramente "sonhando" que o futuro será melhor. Um futuro de sorte, de fortuna!

Portanto, o "sonho" brasileiro nada tem a ver com "bolas de Berlim", "Berliner", "Malasada", "beignet" ou seja, lá como chamem os outros povos. 

No Brasil, "sonho" só rima com "pączek"... de "sonho de polaco"!!!!








E agora a mais saborosa receita polaca de "pączek" – "Sonho":

Ingredientes
  • ¾ de litro de leite
  • 100 gramas de manteiga
  • 1 ½ kg de farinha de trigo
  • 6 a10 ovos
  • 5 colheres de açúcar,
  • Essência de baunilha
  • licor de vodca
  • 10 gramas de fermento de lêvedo
  • Essência de laranja
  • cascas de laranja
  • geléia de broto de rosas 
* (na falta da geléia tipicamente polaca de broto de rosa pode se usar geléia de ameixa, pêssego, creme de baunilha, doce de leite cremoso, ou marmelada para o recheio).

Modo de fazer

  • Ferver meio litro de leite com a manteiga.
  • Adicionar meio quilo de farinha de trigo e mexer até fazer papa.
  • Adicionar em seguida açúcar e essência de baunilha.
  • Em seguida colocar a essência de laranja, as cascas de laranja e o licor de vodca.
  • Adicionar os ovos com o restante da farinha e em seguida, cuidadosamente, o fermento de lêvedo dissolvido em ¼ de litro de leite frio.
  • Deixar descansar a massa por algum tempo em lugar morno.
  • Finalmente formar pequenas bolas, furando-as com os dedos para colocar o recheio da geléia de broto de rosas (ou de ameixa, pêssego ou marmelada).
  • Fechar e fritar em óleo bem quente.
  • Deixar esfriar por alguns momentos e pulverizar com o açúcar de confeiteiro.



Mostra de filme polaco em Porto Alegre

O projeto Memória Cultural Polonesa abre sua edição de 2008 com a exibição do filme "A ferro e fogo". Baseado na obra homônima do Nobel de literatura Henryk Sienkiewicz (autor de "Quo Vadis"), o filme narra a guerra travada entre a coroa polaca e os cossacos ucranianos ao longo do século 17. O pianista Tiago Halewicz comenta os fatos históricos mencionados no filme, bem como a relevância da obra de Sienkiewicz na literatura mundial. "A ferro e fogo" é uma rica produção polaca que teve trilha sonora, figurino e direção premiados na Europa. Direção de Jerzy Hoffman com Marek Kondrat, Izabella Scorupco, Michał Żebrowski, Zbigniew Zamachowski, Aleksander Domogarov, Andrzej Seweryn, Anna Majcher, Jerzy Bończak, Krzysztof Kowalewski e outros. Produção de 1999 com 180 minutos de duração. A apresentação será dia 29 de janeiro, terça-feira, no horário das 18 horas, no StudioClio, Rua José do Patrocínio, 698, Porto Alegre - RS. O projeto tem apoio do Consulado Geral da República da Polônia, em Curitiba-PR.

Cidade alemã discrimina polacos

Foto: DPolski
Pequena cidade alemã, na fronteira com a Polônia discrimina moradores polacos é a manchete dos jornais polacos de hoje. Löknitz a 11km da fronteira e a 18km da cidade polaca de Szczecin tem preconizado diversas ações contra os mais de 200 moradores polacos que ali passaram a residir desde 2005. A causa da imigração destes trabalhadores de Szczecin é que o aluguel de uma casa na cidadezinha alemã é muito mais barato. Enquanto uma casa de mesmas dimensões não sai por menos de 6 mil złotych em Löknitz, custa 3 mil złotych, em Szczecin, ou seja, a metade. Convertendo para real, significa dizer que os preços são 2.100,00 na cidadezinha alemã e 4.200,00 reais na capital da voivodia Zachodniopomorskie.
Porém, a vida não tem sido fácil para os polacos no lado alemão. Neste fim de semana, escolhidos a dedo, seis automóveis com placas da Polônia foram destruídos, em Löknitz, e seriam mais se alguém não tivesse acordado e avisado a polícia. Os carros com vidros quebrados e portas chutadas deram um prejuízo de mais de 8 mil euros a seus proprietários polacos. O jornal alemão "Nordkurier" entrevistou o policial Joachim Rosenfeld, que informou terem sido detidos dois jovens alemães vestidos de jeans e capuzes como suspeitos, mas que foram liberados por não portarem carteira de identidade. Os moradores polacos estão convictos de se tratar de uma ação antipolaca neonazista liderada pelo partido neofascista NPD. O prefeito de Löknitz, Lothar Meistring, reconhece a grave situação e culpa os 20% de desempregados da cidade. O prefeito não soube explicar porque até agora não apagou a frase, "Polen raus aus Löknitz" (polacos fora de Löknitz") que está pichada nas paredes de lojas e casas de polacos. Por sua vez, Tino Mueller, representante do partido NPD, na localidade vizinha de Pasewalk, ao ser procurado pela reportagem da TV polaca TVN respondeu não saber o que havia ocorrido em Löknitz. Com tudo a situação é tensa, o polaco Krzysztof Potocki, dono de uma pequena mercearia, diz que a atmosfera é cada vez pior. Os alemães não compram nada em seu mercadinho e o que parecia a principio um bom negócio será fechado e ele voltará a morar do outro lado da fronteira, ou seja, na sua Polônia. "E até na escola, nossas crianças estão sendo discriminadas pelos coleguinhas alemães. Fomos conversar com a direção, mas disseram que estamos fantasiando e que é normal as crianças terem tal comportamento. Nos disse uma professora: somos impelidos desde criança a rejeitar o que é estranho. Ou seja, nossas crianças são estranhos para os alemães e eles acham isso normal. Eu chamo isso de discriminação e de pensamento antipolaco." declarou uma mãe polaca que pediu para não ser identificada temendo maiores represálias.


Monumento antifascista em Löknitz construido durante o período comunista e ainda de pé na cidade.