Filme resgata vida de sindicalista que virou presidente. Da Polônia
Longa-metragem de Andrzej Wajda refaz trajetória de Lech Walesa em sua luta pela liberdade e pelos direitos dos trabalhadores
Texto: Xandra Stefanel
Passadas quase quatro três décadas desde quando os movimentos grevistas começaram a se espalhar pela Polônia, é de se espantar que ninguém, até então, tivesse feito um filme sobre Lech Wałęsa, o eletricista de origem humilde que se tornou o maior líder sindical do país e elegeu-se presidente.
Eis que, em abril de 2011, Andrzej Wadja – um dos mais importantes nomes do cinema político do mundo – declarou ao jornal inglês The Guardian que pretendia fazer um filme para “fazer brilhar uma nova luz” sobre o personagem que mudou os rumos da Polônia e do Leste Europeu. Wałęsa – O Homem de Esperança foi lançado em setembro do ano passado no Festival de Veneza e estreia nesta quinta-feira, 29, no Brasil.
O longa completa a trilogia do cineasta sobre o comunismo na Polônia, ao lado de O Homem de Mármore (1987) e O Homem de Ferro (1981). Todo o filme é construído a partir da entrevista que Wałęsa (Robert Wieckiewicz) concede à jornalista italiana Oriana Fallaci (Maria Rosaria Omaggio) na década de 1980, que é intercalada pelos fatos vivenciados por ele e pela agitação política de um país que clamava por liberdade.
Wajda resgata a história de Wałęsa desde o começo da década de 1970, período em que era eletricista no estaleiro naval Gdansk. Ele começa a organizar o sindicato Solidariedade quando a empresa passa a reprimir o movimento dos trabalhadores. Sua liderança naturalmente se destaca, ele ganha notoriedade frente à sociedade e acaba estimulando um movimento de greve geral no país. O ativismo faz com que ele perca constantemente seus empregos e seja perseguido pelo regime. E é aí que se apresenta o drama pessoal do eletricista.
Frequentemente desempregado e preso, resta à sua mulher, Danuta (brilhantemente interpretada por Agnieszka Grochowska) cuidar praticamente sozinha dos sete filhos e da casa, sempre cheia de militantes. Sua aparência frágil contrasta com sua energia, ela é o suporte emocional de Lech e aguenta firme os infortúnios pelos quais passa a família. Mesmo que o filme trate Wałęsa como um grande herói vindo do povo (a tradução do título original é Nós, o Povo), as entrelinhas também mostram suas fraquezas: o personalismo, uma certa arrogância e suas contradições não são o foco do diretor, mas trazê-los à tona dá um caráter humano ao mito que criou a primeira federação de sindicatos independentes do bloco comunista.
Wajda encerra a história de Wałęsa quando o líder recebe o Nobel da Paz, em 1983. Fica de fora o fato de o militante ter sido eleito, em 1990, o primeiro presidente da Polônia depois da derrocada do comunismo. Ao contornar essa fase da vida de Lech, o diretor evita tratar sobre sua atuação como presidente, muitas vezes considerada controversa e impopular. É compreensível que um filme não baste para contar a história de uma vida toda.
Partindo desse princípio, parece natural que o diretor tenha trazido ao público os fatos que realmente marcaram a história da Polônia e que impulsionaram importantes mudanças políticas no Leste Europeu, inclusive a queda do Muro de Berlim. O movimento polaco – primeira grande manifestação do Leste Europeu contra um regime fiel à herança stalinista naquele bloco desde a Primavera de Praga, uma década antes – teria peso importante para o que seria mais adiantes o fim da ex-URSS. E teria influenciado até a primeira eleição do polaco Karol Wojtyła, então denominado João Paulo II, em 1978, o primeiro papa não italiano desde 1522 – outro grande adversário do regime soviético que deixou claro seu lado na Guerra Fria.
Em entrevista o jornal The New York Times, Andrzej Friszke, historiador e consultor do filme afirmou: “Mesmo para aqueles que não são muito fãs de Lech Wałęsa, é impossível questionar a autenticidade de sua batalha contra o comunismo”.
Talvez este tenha sido o último longa de Andrzej Wajda. Do alto de seus 88 anos, o diretor resgatou boa parte da história de seu país, foi indicado três vezes ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e ganhou, em 2000, o Oscar honorário pela sua contribuição ao cinema. Com Wałęsa – O Homem de Esperança, ele apresenta ao público a importância da luta pela liberdade e pelo direito do trabalhador.
Sem no entanto, entrar no mérito se o regime capitalista que tomou assento era o sonhado pelos operários de Gdansk.
Fonte: Revista do Brasil