John Simpson
Editor Internacional, BBC News
E até 18 de março, quando um grupo armado pró-Rússia atacou uma pequena base do Exército ucraniano em Simferopol – assassinando um oficial e ferindo outro –, a invasão vinha ocorrendo sem derramamento de sangue.
Durante boa parte do mês de fevereiro, milhares de soldados foram mandados silenciosamente para bases russas situadas na Crimeia com base em um tratado antigo entre Kiev e Moscou. "Voluntários" civis também foram levados para essas unidades. O plano foi executado secretamente e teve sucesso.
O primeiro sinal óbvio de que a Crimeia estava sendo tomada veio em 28 de fevereiro, quando barreiras de controle foram montadas em Armyasnk e Chongar – as duas maiores estradas que ligam a península à Ucrânia.
'Bem-vindo à Rússia'
Esses pontos eram controlados por homens que usavam uma grande variedade de uniformes: do Exército ucraniano, da polícia ucraniana e fardas camufladas sem a insígnia do país. Muitos usavam roupas civis.
Quando eu tentei passar por uma dessas barreiras em Armyansk no sábado, 1º de março, com um cinegrafista da BBC, esses homens foram hostis e ameaçadores.
Eles abriram o porta-malas do táxi e roubaram as malas onde estavam nossos coletes à prova de balas. Depois abriram nossas pastas agressivamente, jogando parte do que estava dentro na estrada. Eles pegaram nossa câmera e retiraram os cartões de memória e as baterias.
Eles sabiam exatamente o que procurar. Havia mais malas contendo coletes à prova de balas empilhadas ao lado da estrada – sinal de que outros jornalistas tentaram passar por lá antes de nós.
Os homens da barreira estavam parando todos, exceto os moradores locais.
Não entendi no início o que estava realmente acontecendo.
Foi apenas quando um deles, que usava roupas da polícia, disse "Bem-vindo à Rússia!" que eu entendi – seus uniformes podiam ser ucranianos, mas eles estavam isolando a Crimeia em nome de Moscou.
Bases cercadas
No dia seguinte, 2 de março, tudo já estava feito. Enquanto o mundo esperava que navios de guerra russos chegassem para tomar a Crimeia, isso já havia acontecido de forma discreta.
Em dois dias, as bases miliares ucranianas foram cercadas por soldados. Eles carregavam armas russas modernas, mas seus uniformes não tinham nem símbolos nacionais ou brevês de unidades – tampouco marcas de patentes.
Junto com eles estavam "voluntários" – normalmente homens mais velhos, muitos aparentemente vindos da Rússia.
Alguns deles usavam peças de uniformes ou roupas civis. Eles isolaram as bases ucranianas e impediam qualquer um de se aproximar.
Presumivelmente, eles eram reservistas russos. Eram duros e agressivos, mas obedeciam ordens de superiores. Alguns eram até beberrões e foram vistos claramente alcoolizados durante a noite.
No entanto, a disciplina era mantida.
Não houve notícias de pilhagens e, apesar de seu comportamento, eles não ameaçaram nem atacaram civis.
Infiltração
Nos dias seguintes, outros grupos apareceram. Eles eram voluntários genuínos, que vieram de Moscou para se juntar ao que entenderam como a liberação da Crimeia. Eu conversei com três membros de um grupo ultranacionalista cujos uniformes tinham as cores de uma organização monarquista.
Infiltração
Nos dias seguintes, outros grupos apareceram. Eles eram voluntários genuínos, que vieram de Moscou para se juntar ao que entenderam como a liberação da Crimeia. Eu conversei com três membros de um grupo ultranacionalista cujos uniformes tinham as cores de uma organização monarquista.
Eram todos de Moscou e planejavam ir da Crimeia para as cidades de Kharkiv e Donetsk, nas quais a Rússia exerce influência.
Por quê? Solidariedade, disseram.
Mais cedo eu havia falado com um grupo de sete ou oito motoqueiros que usavam roupas de couro e brevês com títulos como "presidente", "vice-presidente", etc. Eles também vieram de Moscou e planejavam se dirigir a Kharkiv e Donetsk. "É um grande dia", disse o que ostentava a patente de "presidente".
Mas esses eram apenas amadores que queriam se juntar ao processo.
Não havia absolutamente nenhum sinal de que o governo russo os havia mandado.
Em tempos modernos, Moscou protagonizou três grandes invasões: na Hungria, em novembro de 1956, e na Tchecoslováquia, em agosto de 1968, quando governos comunistas começaram a demonstrar tendências ocidentais; e no Afeganistão, em dezembro de 1979, quando um regime pró-comunista estava à beira do colapso.
Essas foram operações enormes e brutais, que envolveram um grande número de blindados e, às vezes, grande derramamento de sangue.
A tomada da Crimeia foi completamente diferente. Foi uma infiltração, não uma invasão.
Diferente de Hungria, Tchecoslováquia e Afeganistão, ela teria sido apoiada por uma grande parte da população local.
De acordo com um conhecido opositor ao presidente russo Vladimir Putin, a votação na Crimeia para unir a região à Federação Russa foi "um referendo na mira de Kalashnikovs". Mas não foi.
O resultado foi o que a vasta maioria de russo étnicos queria, e houve pouco uso para fuzis nas ruas. Aqueles que queriam manter a Crimeia como parte da Ucrânia estavam chocados e intimidados demais para resistir.
A operação toda foi bem planejada e executada. Mas não há absolutamente nenhuma dúvida sobre o que ela foi – um rápido e sem muito derramamento de sangue golpe de Estado.