segunda-feira, 17 de agosto de 2020

OS CEM ANOS DA GUERRA POLACA-RUSSA DE 1920


Batalha de Varsóvia é uma das mais importantes da história e também sobre de como a Polônia venceu um exército russo muito mais poderoso. 700 mil russos contra 300 mil polacos.

A vitória aconteceu em, 15 de agosto, coincidentemente dia da Assunção de Nossa Senhora. Data que para o fervoroso católico polaco é reconhecida como mais um dos milagres da padroeira Nossa Senhora de Częstochowa (pronuncia-se tchenstorróva).

Para muitos, a Polônia é um país com uma história trágica. E, claro, muito de sua história recente é brutal e dolorosa.

No entanto, há muito mais heroísmo da Polônia do que apenas a do papel de vítima dos impérios austro-húngaro, prussiano e russo no século XIX, ou dos nazistas alemães e russos soviéticos no século XX.

A Polônia também tem uma longa história de conquistas que se estende por mil anos. A nação foi a guardiã que manteve a civilização ocidental, por séculos, a salvo dos exércitos quase invencíveis de mongóis, tártaros e turco-otomanos.

As legiões de hussardos polacos, liderados pelo rei polaco marechal Jan III Sobieski, impediram o avanço dos exércitos muçulmanos após o cerco de Viena e fuga do imperador austríaco, em 1683.

Por esse feito, o Papa aclamou a Polônia como salvadora da cristandade ocidental. A vitória na Batalha de Varsóvia ou o Milagre no Vístula é mais um dos tantos episódios na história de luta do povo polaco para reafirmar sua existência.

Cartaz russo: Bolchevique atrás do magnata sarmata polaco

Em 1917, os bolcheviques derrubaram o Tzar na Rússia enquanto o mundo se debatia na Primeira Grande Guerra Mundial e a febre espanhola grassava no mundo.

Lenin ao retornar do exílio a São Petersburgo imediatamente convocou uma revolução europeia para todo o continente. Nos meses seguintes, os bolcheviques consolidaram seu poder internamente, com Trotski enfatizando repetidamente a necessidade de terror e violência para derrubar a velha ordem e garantir o sucesso da revolução. Como ele dizia, “precisamos organizar a violência no interesse do povo”. O Terror Vermelho varreu a Rússia Soviética enquanto a polícia secreta, a Tcheka, realizava matanças em massa. Logo depois, os soviéticos estabeleceram campos de concentração administrados pela Tcheka, que viria a ser o Gulag.

A nova ordem revolucionária pretendia trazer igualdade e liberdade ao povo russo. Em vez disso, trouxe terror, genocídios, campos de trabalho escravo e morte pela fome.

O país estava mergulhado em uma guerra civil, enquanto os pró-bolcheviques, também reconhecidos como “vermelhos” lutavam contra os antibolcheviques “brancos”. Nada muito diferente do longo período monárquico. De invasões e ocupações de territórios estrangeiros. Um deles, a Polônia que já tinha se tornado república em 1560.

Em 1920, os brancos estavam quase derrotados, Lenin, e principalmente Trotski, sentiu a chance de espalhar a Revolução para o resto da Europa. A Europa estava em frangalhos, cansada pela Primeira Guerra Mundial e, em muitos lugares, a atmosfera estava pronta para a revolução socialista europeia.

Cartaz russo: Lenin manda o povo à luta

Entretanto, no caminho para a Europa estava a velha Polônia, a primeira república do mundo pós-idade média e que havia recuperado sua independência. E confirmada pelo Tratado de Versalhes após 123 anos de invasão e ocupação de seu imenso território. Nos séculos 15, 16 e 17, a República Polaca foi o maior país do planeta.

Lenin acreditava que a invasão da Polônia levaria o proletariado polaco a se levantar e apoiar as tropas russas. Mas aconteceu justo, o contrário, todo o país se mobilizou para deter o avanço soviético. A forte fé católica dos polacos que os manteve protegidos das promessas do comunismo, ou talvez, o fato de um terço de seu país ter sido ocupado por mais de um século pelos russos significasse que eles não sabiam de nada, que apenas compreendiam a miséria, brutalidade que vinha do Oriente e o consequente êxodo de seus camponeses para o Brasil, Estados Unidos, Argentina, Peru e México.

Os soviéticos avançaram, com firmeza, liderados pelo general Mikhail Tukhachevsky, que planejava cercar a capital polaca. A propaganda bolchevique anunciava que a queda de Varsóvia era iminente e que as revoluções comunistas começariam na Alemanha e avançariam para outros países europeus.

O grande derrotado: Mikhail Tukhachevsky

Em uma ordem de 20 de julho, Tukhachevsky declarou: “Para o Oeste! Sobre o cadáver da Polônia está o caminho para a conflagração mundial. Avante para Berlin sobre o cadáver da Polônia!”

Nikolai Bukharin escreveu com entusiasmo sobre levar a guerra “até Londres e Paris”. Uma coisa era certa: os bolcheviques acreditavam que invadiriam a Europa depois da queda da Polônia.

Os polacos enfrentariam a grande ameaça mais uma vez sozinhos, sem aliados, e sabiam que a continuação de sua existência dependia da liderança do marechal Piłsudski. Foi ele quem organizou a contraofensiva e, no dia 15 de agosto, com sucesso e talvez até milagrosamente deteve o avanço dos soviéticos na Polônia.

A vitória foi surpreendente para muitos e como a batalha aconteceu no dia 15 de agosto, coincidiu com Festa Católica da Assunção de Maria, a vitória foi chamada de “Milagre no Vístula”.

Pode não ser coincidência que uma parte da vitória polaca tenha sido baseada no fato de que os decifradores polacos tornaram um dos receptores de rádio soviéticos inúteis ao transmitir o Livro de Gênesis sem parar durante vários dias cruciais, interrompendo a comunicação crucial para partes do Exército russo, mas de fato isso também aconteceu.

Os polacos se mantiveram firmes contra os soviéticos até a II Guerra Mundial, como tinham sido antes contra os Romanov. Eleições fraudulentas comandadas por Stalin selaram a sorte da Polônia com a cumplicidade do inglês Churchill e do americano Trumann, país que em 1949, voltou a ser tutelado pela Rússia, agora como um dos países satélites da União Soviética.

Após a derrota, Lenin admitiu que esta tinha sido uma “enorme derrota” para a Rússia Soviética, e abandonou os planos de Trotski de exportar a revolução comunista e se concentrou em consolidá-la internamente.

O historiador britânico Norman Davies, casado com uma polaca, talvez seja o intelectual do Ocidente que melhor entendeu a nacionalidade polaca e a Polônia. Em seu livro (dois volumes) de mais de mil páginas, “God’s Playground – a history of Poland” escreveu sobre a recuperação da independência da Polônia (p. 291 a 321) e a guerra de 1920. Davies relacionou algumas das opiniões da época:

Molotov chamou o país de Copérnico de “o bastardo monstruoso da Paz de Versalhes”, enquanto Stalin chamou a independência de “perdoe a expressão, um Estado”.

Outra frase famosa foi dita J.M. Keynes, o teórico do capitalismo moderno, que disse: “uma impossibilidade econômica cuja única indústria é a caça aos judeus”.

Lewis Namier chamou o caso da recuperação da Independência polaca de “patológica”.

Por sua vez, E.H. Carr chamou de "uma farsa".

David Lloyd George falou de "um fracasso histórico", e que a Polônia havia "conquistado sua liberdade não por seus próprios esforços, mas pelo sangue de outros", e também de um país que "impôs a outras nações a própria tirania" pela qual tinha suportou por anos. “A Polônia”, disse ele, “embriagou-se com o vinho novo da liberdade que lhe foi fornecido pelos Aliados”, e “fingiu-se de amante da resistência da Europa Central”.

Lord David Lloyd George

Em 1919, Lloyd George disse que não daria o território ocupado da Alta Silésia para a Polônia pois seria como “dar um relógio a um macaco”. Em 1939, George anunciou que a Polônia “mereceu seu destino”.

Adolf Hitler chamou a Polônia de “um Estado que surgiu do sangue de incontáveis ​​regimentos alemães”, e acrescentou ainda, “um Estado construído na força e governado pelos cassetetes da polícia e dos militares”. Além de frases jocosas como “um Estado ridículo onde… bestas sádicas dão vazão à perversidade de seus instintos”, “um Estado gerado artificialmente”, “o cão de estimação das democracias ocidentais que não pode ser considerada uma nação culta”, “um chamado Estado sem qualquer fundamento nacional, histórico, cultural e moral ”.

É de se perguntar: Que nacionalismo, que história, que cultura e que moral a quase “besta do apocalipse” podia se jactar.

Norman Davies retruca a cada uma daquelas alegações: “A coincidência desses sentimentos e de sua fraseologia é inconfundível. Raramente, ou nunca, um país recém-independente foi sujeito a abusos tão eloquentes e gratuitos. Raramente, ou nunca, os liberais britânicos foram tão descuidados com suas opiniões ou companhia”.

O historiador explica que “a República da Polônia surgiu, em novembro de 1918, por um processo que os teólogos poderiam chamar de partenogênese. Criou-se no vazio deixado pelo colapso de três potências invasoras. Apesar da afirmação de Molotov, o país não foi criado pela Paz de Versalhes, já que apenas confirmou o que já existia e cuja provisão territorial se limitava a definir a fronteira apenas com a Alemanha. Não era o Estado cliente que os governos aliados estavam se preparando para construir em 1917-18, em colaboração com o Comitê Nacional de Dmowski, em Paris. Não era um Estado que os bolcheviques esperavam construir como sua ponte vermelha com a Alemanha revolucionária. E não foi a Polônia o fantoche que a Rússia, a Alemanha e a Áustria propuseram de várias maneiras ao longo da Grande Guerra. Não devia sua procriação a ninguém, nem mesmo aos próprios polacos, que, lutando com distinção em todos os exércitos combatentes, foram obrigados a se neutralizar como força política”.

A reconquista de seu território que permaneceu ocupado desde 1793 e sob as influências nefastas da Prússia-Alemanha e da Rússia-URSS deveriam ser delimitadas pelas linhas dos rios Narew, Vístula e Bug.

Nem a recuperação da independência e nem a Cúpula de Versalhes deram a paz sonhada pela Polônia.

Entre os anos de 1919 a 1924, os polacos tiveram que travar outras guerras com nacionalidades que milenarmente viviam em seu território livre, monárquico e/ou republicano, e que agora também desejavam um Estado Independente.

A Polônia se envolveu nas guerras por definição de fronteiras com a Alemanha, com a Tchecoslováquia (recém criada), com a Lituânia, com a antiga Prússia-pomerana, com a Rutênia (que nascia com o nome de Ucrânia).

Os acordos de paz, em Riga, capital da Letônia não frearam as ideias de Trotski e Lênin a respeito da Polônia. Numa coisa coincidiam os bolcheviques e os monárquicos Romanov, a Polônia deveria permanecer um quintal da Rússia. Os russos nunca esqueceram que a Cidade-Estado de Moscou (antes da existência do Reino da Rússia) foi polaca durante o século 15. Aliás, foi da luta dos Romanov para expulsar a República da Polônia, que nasceu o Reino da Rússia.

Mesa de negociações em Riga

Mas de todas aquelas batalhas e guerras pela definição de seu território no século XX, a mais grave foi a Guerra com a URSS (também em formação), que por si só ameaçava a existência da República polaca. 

Aquela guerra pouco mencionada nos livros de história foi uma prova de fogo que deixou uma marca duradoura no coração dos polacos.

A guerra polaca-soviética teve implicações muito além daquelas que a maioria dos livros conta. Ela não estava relacionada à Guerra Civil Russa, que ocorreu simultaneamente em outras frentes. Também não foi travada pelos polacos como parte da Intervenção Aliada, na Rússia, e não pode ser descrita como “A Terceira Campanha da Entente”.

Para o governo do marechal Józef Piłsudski, que naturalmente, preferia os bolcheviques aos brancos da Rússia, a Polônia lutou para manter também a independência das áreas não-russas do antigo Império Tzarista.

Marechal Józed Piłsudski

Por sua vez, para o governo de Lenin aquela luta era necessária para recriar o Império. Mas, segundo ele, deveria ter uma aparência socialista e mais que tudo, era urgente espalhar a Revolução para os países capitalistas avançados da Europa Ocidental.

A causa da guerra também pode ser considerada pela retirada dos alemães da zona intermediária de ocupação, a chamada linha do rio Odra, em fevereiro de 1919, e que continuou sem interrupção até 12 de outubro de 1920. Para muitos, esta retirada foi que animou Trotski a invadir a Polônia, mais uma vez.

A Guerra Soviética contra a II República da Polônia também pode ser explicada pelo surgimento da uma primeira escaramuça, não planejada, que ocorreu em Bereza Kartuska, na Bielorrússia, em 14 de fevereiro de 1919.

Numa primeira fase, ainda em 1919, a iniciativa guerreira estava com os polacos. A cidade natal de Piłsudski, a polaca cidade de Vilno tinha sido recuperada, em abril, e a também polaca Minsk foi tomada em agosto. No entanto, no outono, apesar dos apelos urgentes da Entente, o apoio polaco ao avanço dos Brancos de Denikin contra Moscou foi expressamente negado. As negociações de paz fracassaram devido a suspeitas mútuas sobre o futuro da Ucrânia.

Cartaz polaco: "Mate Bolchevique

1920 marcaria o auge do confronto. As ações bélicas se expandiram dramaticamente. Mais de um milhão de homens foram colocados no front de movimento que se estendia desde a Letônia, no Norte, até a Romênia, no Sul.

A partir de janeiro, o Exército Vermelho sob a inspiração de Trotski estava armando uma enorme força de ataque com 700.000 homens, em Berezina.

Em 10 de março, o comando soviético, finalmente, deu ordens para uma grande ofensiva para o Oeste sob o comando do general Mikhail Tukchachesky, um jovem revolucionário de apenas 27 anos de idade.

Mas o polaco Piłsudski cortou esses preparativos pela raiz. Um forte ataque a Mozyrz, em março, e a ousada marcha sobre Kiev lançada em 24 de abril, além da feroz batalha de Berezyna, em maio, serviram para atrasar o avanço soviético.

Com a chegada do verão, a sorte mudou. O Primeiro Exército de Cavalaria de Budyonny abriu caminho por dentro das linhas polacas na Galícia (que havia sido província de ocupação austríaca) em junho e, em 4 de julho, Tukachevsky literalmente fugiu de Berezina.

"Para o Oeste!", era a ordem do dia que correu. “Sobre o cadáver da Polônia Branca está o caminho para a conflagração mundial”. No início de agosto, cinco exércitos soviéticos estavam se aproximando dos bairros da periferia de Varsóvia. A situação polaca era crítica. A intervenção diplomática aliada não conseguia produzir um armistício. A linha de fronteira proposta pelo governo britânico, a chamada Linha Curzon”, tinha sido rejeitada tanto pelos polacos quanto pelos soviéticos.

Os britânicos se recusaram a dar assistência militar à Polônia, apesar de sua clara obrigação de fazê-la. Os franceses se recusaram a reforçar sua pequena missão militar. Os créditos militares franceses para a Polônia foram encerrados. Uma campanha de propaganda vociferante, sob o slogan “Tirem as mãos da Rússia”, desorientou a opinião mundial, na época, em que a Rússia Soviética impunha violência à sua vizinha Polônia.

Cartaz russo: Os bolcheviques apresentaram a Polônia como um capanga da Liga das Nações. No pôster, a personificação da Liga dá armas aos polacos e aos bolcheviques sanções econômicas

Os diplomatas de Lenin pregavam a paz, enquanto seus generais praticavam a guerra. Os estivadores alemães em Gdańsk (ainda não tinha sido reconquistada pelos polacos) e os ferroviários tchecos, em Brno, planejaram atrasar os suprimentos estrangeiros, pelos quais a Polônia tinha pagado em dinheiro vivo. Em agosto, os “cossacos vermelhos” de Ghai cruzaram o Vístula a Oeste de Varsóvia.

O cenário na capital polaca estava estranhamente calmo. Embora a polícia tivesse feito várias prisões preventivas, suspeitando que setores da classe trabalhadora ou de pessoas de origem judaica pudessem nutrir simpatias comunistas, os habitantes não demostravam nenhuma inclinação para receber de volta os cruéis russos.

A antiga seção militar do PPS – Partido Polaco Socialista foi revivida e assumiu a liderança nas atividades do Conselho de Defesa da Capital (ROS) composto por todos os partidos. Diante do inimigo comum, as divisões partidárias foram esquecidas. Os Batalhões de Trabalhadores brandindo cajados e foices marcharam para se juntar ao exército na companhia de cidadãos da classe média que haviam desfilado anteriormente com barqueiros e aviadores.

Lord D'Abernon, o embaixador Britânico em Berlim, que testemunhou os preparativos “in loco”, ficou surpreso com a indiferença de uma cidade prestes a ser invadida e fez um relatório, dia após dias, daqueles momentos vividos em Varsóvia:

Ministro britânico Edgar Vincent D' Abernon

“- 26 de julho - Continuo a me maravilhar com a ausência de pânico, com a aparente diminuição de toda ansiedade. Se um sistema de defesa metódico fosse organizado, a confiança do público poderia ser compreendida, mas todas as melhores tropas estão sendo enviadas para Lwów, deixando Varsóvia desprotegida.
- 27 de julho - O primeiro-ministro, um camponês proprietário de terras saiu hoje para fazer sua colheita. Ninguém acha isso extraordinário.
- 2 de agosto - A despreocupação das pessoas aqui é inacreditável. Alguém poderia imaginar os bolcheviques a mil milhas de distância e o país sem perigo.
- 3 de agosto - Expedição subiu para a estrada de Ostrów ... Curiosamente, a maioria das pessoas que vi colocando arame farpado eram de origem judaica ....
- 7 de agosto - Visitei esta tarde a proposta de nova frente na direção de Minsk Mazowiecki. Um emaranhado de arame farpado triplo está sendo colocado ao redor de Varsóvia em um raio de 20 km, e um certo número de trincheiras foram cavadas ... 
 13 de agosto - Há poucos alarmes. As classes altas já deixaram a cidade, em muitos casos tendo colocado seus quadros e outros valores a cargo das autoridades do museu. Varsóvia tem sido tão frequentemente ocupada por tropas estrangeiras que o evento em si não causa nem o entusiasmo nem o alarme que seriam produzidos em uma cidade menos experiente”.

Por acaso, os piores temores de D’Abernon acabaram não se concretizando. Quando o inimigo vermelho estava pronto para desferir o golpe final, o Exército Polaco se transformou em uma manobra de ousada complexidade. Divisões exaustas foram retiradas da linha e transferidas para novas posições, a um, dois ou mesmo quatrocentos e oitenta e três quilômetros de distância. Uma força de assalto foi montada às pressas ao Sul do rio Wieprz.

Os polacos diante do excessivamente confiante Tukhachevsky não pressionaram aquela vantagem até 13 de agosto. Então, para surpresa do russo, as frágeis defesas de Varsóvia se transformaram. Embora o cerco de arame tenha sido perfurado pela primeira onda de entusiasmo em Radzymin, o ataque inicial à cabeça de ponte do rio Vístula foi repelido. A principal Força Soviética foi contida no Norte pelas habilidosas operações do Quinto Exército de Sikorski, em Wkra.

Em 16 de agosto, para consternação de Tukhachevsky, a força de assalto polaca cortou sua retaguarda, fechando todas as linhas de comunicação. Totalmente confuso, em 18 de agosto, o comandante russo percebeu que todo o seu exército estava cercado. A derrota soviética era completa. Cem mil russos foram feitos prisioneiros. Quarenta mil fugiram para a Prússia Oriental. Três exércitos soviéticos foram aniquilados. O resto lutou indo para o Leste em total desordem.

Esta foi a verdadeira batalha que ficaria reconhecida como o “Milagre do Vístula”.

Nas semanas seguintes, Piłsudski obteve sucesso após sucesso.

Em Komarów, perto de Zamość, em 31 de agosto, o Exército de Cavalaria do russo Budyonny foi pego com as mãos nos bolsos e quase foi aprisionado. As cargas e contra-ataques da cavalaria polaca e soviética, naquele dia, foram reivindicadas como a última grande batalha de cavalaria da história europeia. O jornalista Izaak Babel que cobria a retaguarda dos cossacos vermelhos de Budionny escreveu como os russos foram expulsos da Polônia na direção de onde tinham vindo:

“Chegamos a Sitanets pela manhã. Eu estava com Volkov, o intendente. Ele encontrou uma cabana nos arredores da aldeia. “Vinho”, disse à velha, “Vinho, carne e pão ”. “Não há nenhum aqui”, disse ela, “e não me lembro da época em que havia.”. Com isso, tirei alguns fósforos do bolso e coloquei fogo nos juncos do chão. As chamas arderam. A velha rolou no fogo e apagou. “O que está fazendo, senhor”, gritou ela, recuando de horror. “Vou queimar você, velha bruxa”. Eu rosnei, “junto com aquele seu caldo que você obviamente roubou”. “Espere”, ela disse. Ela correu para a passagem e trouxe uma jarra de leite e um pouco de pão. Não tínhamos comido metade dele quando as balas começaram a voar lá fora. Volkov foi ver o que estava acontecendo. “Selei o seu cavalo”, disse ele; “O meu foi baleado. Os polacos estão montando um posto de metralhadora a apenas cem passos de distância ”. Restava apenas um cavalo para nós dois. Subi na sela e Volkov agarrou-se atrás. “Perdemos a campanha”, murmurou Volkov. “Sim”, respondi.”

Bedyonny foi obrigado a se aposentar definitivamente.

No rio Niemen, no Norte, Tukhachevsky recebeu outra lição em táticas móveis. No final de setembro, o Exército Vermelho começou a se desintegrar. Motins eclodiram nas cidades-guarnição da Bielorrússia, tropas desordenadas e desertores corriam furiosamente entre os polacos de origem judaica e camponeses do campo. Os polacos pareciam prontos para marchar sobre Moscou sem nenhuma oposição.

De repente, Lenin pediu a paz.

Todas as maquinações anteriores foram abandonadas. Os polacos receberam a quantidade de território que eles desejavam ocupar nas fronteiras, com a condição de que o conflito fosse interrompido em dez dias.

Num compromisso que Piłsudski iria denunciar como “um ato de covardia”, o negociador polaco nas negociações de paz, Jan Dabski (1880-1931) fez a histórica barganha com seu homólogo soviético Adolf Loffe.

O armistício foi assinado em 12 de outubro e entrou em vigor no dia 18. Depois de muita discussão, os termos finais foram acordados e confirmados pelo Tratado de Riga, em 18 de março de 1921.

A importância da vitória polaca, em 1920, não foi compreendida pelos contemporâneos. Na Europa Ocidental, os sentimentos de muitas pessoas que soltaram um suspiro de alívio, na época, foram resumidos pelo Embaixador britânico em Berlim, Lord D’Abernon, em tons gibbonianos:

“Se Charles Martel não tivesse impedido a conquista sarracena na Batalha de Tours, a interpretação do Alcorão agora seria ensinada nas escolas de Oxford, e seus alunos poderiam demonstrar a um povo circuncisado a santidade e a verdade da revelação de Maomé. Se Piłsudski e Weygand não tivesse conseguido deter o avanço triunfante do Exército Soviético na Batalha de Varsóvia, não apenas o Cristianismo teria experimentado um reverso perigoso, mas a própria existência da civilização ocidental estaria em perigo. A Batalha de Tours salvou nossos ancestrais do Jugo do Alcorão; é provável que a Batalha de Varsóvia salvou a Europa Central e partes da Europa Ocidental de um perigo mais subversivo - a fanática tirania Soviética ”.

Do lado soviético, Lenin logo reconheceu a magnitude da derrota. Em conversa com a comunista alemã Clara Zetkin, ele admitiu abertamente seus erros:

A geada precoce da retirada do Exército Vermelho da Polônia arruinou o crescimento da flor revolucionária ... Eu descrevi a Lenin como isso afetou a vanguarda revolucionária da classe trabalhadora alemã ... quando os camaradas com a estrela soviética em seus bonés, em armaduras impossivelmente velhas de uniforme e roupas civis em sapatilhas e botas rasgadas, esporeou seus pequenos cavalos vigorosos até a fronteira alemã ... Lenin ficou sentado em silêncio por alguns minutos, mergulhado em reflexão. “Sim”, disse ele por fim, “então aconteceu na Polônia como talvez tivesse que acontecer ... No Exército Vermelho, os polacos não viam irmãos e libertadores, mas inimigos. Os polacos pensavam e agiam não como socialistas revolucionários, mas como nacionalistas, como imperialistas. O ato revolucionário com que contávamos na Polônia não aconteceu. Os trabalhadores e os camponeses defenderam seu inimigo de classe e deixaram nossos bravos soldados do Exército Vermelho morrerem de fome, os emboscaram e os espancaram até a morte ... Radek previu como isso iria acabar. Ele nos avisou. Fiquei muito zangado e acusei-o de derrotismo ... Mas ele estava certo em sua contenção de homem ... Não, a ideia de agonia de outra guerra de inverno seria insuportável. Tínhamos que fazer as pazes.”

Em nenhum desses conflitos iniciais as potências aliadas exerceram a autoridade que afirmavam ser deles. Seus esforços para arbitrar por meio de pregação distante foram desprezados por todas as partes envolvidas. Suas numerosas comissões e contingentes militares simbólicos eram impotentes para impor suas soluções preferidas. Dos três plebiscitos que tentaram organizar na Prússia Oriental, Silésia e Cieszyn, as duas primeiras foram disputadas e a última abandonada.

Durante a guerra polaco-soviética, seus escritórios foram rejeitados por ambos os lados, apesar das negociações contínuas. O general Weygand, quando chegou a Varsóvia, na crise de agosto de 1920, sem ser convidado, foi abertamente ignorado e não desempenhou nenhum papel significativo na surpreendente vitória polaca.

General Weigand

Para muitos, inclusive gente de esquerda, a conquista da Polônia foi a vitória do fascismo sobre o comunismo. Longe disto, soubessem que o significado da palavra vai muito além do gentílico, entenderiam que polaco é o mesmo que católico apostólico romano e patriota. Quando Lenin disse a Zetkin que os trabalhadores e camponeses polacos viam os russos como inimigos, ele certamente desconhecia esta acepção da palavra polaco. Ainda mais que o inimigo era ateu, ou ortodoxo. Não havia modo do polaco entender que o russo era tão trabalhador e camponês como ele. Simplesmente era o inimigo ateu e monárquico que o torturou por longos 123 anos.

De resto, até hoje, o Ocidente não entende o que é a Polônia e o que significou a vitória na batalha “milagrosa” do Vistula. Com um exército muito menor, os polacos expulsaram os russos das suas terras, não importando se eram bolcheviques, vermelhos ou brancos. Para os polacos eles eram os inimigos que por mais de século os trataram como escravos.


Texto: Ulisses Iarochinski