terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Controvérsia nos mortos de Auschwitz

O número de vítimas nos campos de concentração de Auschwitz, localizados nas cidades polacas de Brzezinka e Oświęcin continuam gerando polêmica e controvérsia. Um artigo de Franciszek Piper e Fritjof Meyer, “Die Zahl der Opfer von Auschwitz. Neue Erkentnisse durch neue Archivfunde,” publicado em Osteuropa, 52, Jg., 5/2002, nas páginas de 631-641, e disponível no site do Museu Nacional de Auschwitz busca esclarecimentos sobre o assunto e chega a conclusão de que o número de mortos nos campos de concentração de Auschwitz foi de apenas 510.000 pessoas e não 1.500.000 como aceitos oficialmente.As diversas cifras já publicadas em milhares de publicações ao longo dos últimos 60 anos mais confundem que esclarecem. Piper e Meyer dizem que "Quando o exército soviético entrou no acampamento no dia 27 de janeiro de 1945, eles não acharam nenhum documento alemão que informasse com precisão quantas pessoas haviam morrido no campo de concentração. Todos os documentos como listas de transporte, notificações da chegada de transportes e/ou relatórios sobre o resultado de seleção tinham sido destruído antes de liberação. Em função disto, a Comissão soviética que investigou os crimes cometidos em Auschwitz foram obrigados a fazer não mais que estimativas.”
É conhecido o comunicado oficial da Comissão Soviética, publicado em Krasnaya Zvezda, em 8 de maio de 1945, com o número de 4 milhões de incinerados. Este número foi inclusive confirmado pelo comandante do campo Rudolf Höss em seu testemunho ante o Tribunal Militar Internacional em Nuremberg em 1946. O general nazista declarou que 3 milhões tinham morrido no acampamento e assumia que esta cifra só poderia ser aplicada ao período enquanto ele foi comandante, entre 1940 a 1943. Os investigadores de crime polacos e o Tribunal Nacional Supremo da Polônia, que processou os prisioneiros de Auschwitz também aceitaram os 4 milhões. Em função destas deliberações, durante muito tempo, a comunidade internacional aceitou como verdadeira esta estimativa.
Contudo, Piper e Meyer dizem que “Isto não significa que todos os investigadores concordaram com os 4 milhões. Pesquisadores judeus, em particular, sempre viram com reservas este número”. Pois como seria possível que somente em Auschwitz tenham morrido mais da metade de todos os judeus na II Guerra Mundial? Por causa disso, com o passar dos anos, o número maldito foi variando de autor para autor. Os mortos foram pelo menos 900.000 (Reitlinger), 1.000.000 judeus (Hilberg), 2.000.000 judeus (Gilbert), 2.500.000 judeus (Weiss), 3.500.000 e 4.500.000 para Kogon.
Para Piper e Meyer, “em uma coisa não pode haver dúvida alguma: ninguém soube ou poderia ter sabido o verdadeiro número de vítimas de Auschwitz na ocasião.” Segundo os dois pesquisadores, Georges Wellers foi o primeiro investigador a fazer uma análise detalhada deste assunto. Para Wellers foram deportadas 1.600.000 pessoas para Auschwitz pelo menos, e destas morreram 1.500.000. Wellers publicou o resultado de seus estudos no “Le Monde Juif” de 1983. Um dos investigadores do Holocausto mais reconhecidos em todo o mundo, Raul Hilberg, em sua obra “Auschwitz e a Solução Final” reafirmou que o número de 1.000.000 de vítimas em Auschwitz eram judias. Este 1.500.000 é o número aceito atualmente pelo Museu de Auschwitz, em Oświęcim.
Mas neste seu artigo, Fritjof Meyer, tenta provar que o número, na verdade, foi de meio milhão de pessoas. Provavelmente 510.000 (incluindo os 365.000 das câmaras de gás) teriam perecido em Auschwitz. Para tanto, ele se apóia em vários pontos de análise e documentos pesquisados. Um deles, crucial, para tais conclusões. Uma nota de 8 de setembro de 1942, do engenheiro inspetor Kurt Prüfer de und de Topf Söhne, da empresa que construiu os fornos do crematório de Auschwitz para a SS. Nesta nota, o engenheiro informava que a capacidade dos crematórios eram de 2.650 corpos por dia, ou seja, 250 no crematório I do campo principal, 800 em cada um dos crematórios II e III, e 400 corpos nos crematórios IV e V. O que soma 967.250 corpos cremados por ano (876.000 só Birkenau). Meyer também assume, com base no testemunho de Höss, que os crematórios funcionavam nove horas por dia. Calculando o número de dias em que os crematórios teriam funcionado desde 1941 até 1945, chega-se a que o crematório I funcionou durante 509 dias, os crematórios II e III durante 462 dias, os crematórios III e IV durante 50 dias e o crematório e V durante 309 dias. Além disso, era possível cremar apenas 3 corpos simultaneamente num forno durante uma hora e meia. Assim, multiplicando as capacidades diárias dos crematórios, Meyer concluiu que foram cremados 313.866 corpos nos crematórios do campo de concentração de Birkenau (Auschwitz II), 147.564 em fogueiras (107.000 de setembro de 1942 a março de 1943 e 40.564 judeus húngaros em outubro de 1944), além de 12.000 no crematório I, no campo principal de Auschwitz, de um total de 473.000 corpos cremados.
Parece que o estudo de Meyer faz muito sentido, mas desde já está provocando controvérsia, principalmente entre aqueles que preferem engordar as cifras como se isto também aumentasse os crimes perpetrados pelos alemães durante a II Guerra Mundial, principalmente por aqueles judeus que fizeram dos 6 milhões um número exclusivamente deles. Seja como for, tivesse sido apenas uma a pessoa assassinada naquele período terrível da humanidade já seria, como é um crime.


P.S. Com exceção da foto colorida que é de minha autoria, as em preto/branco são do Museu Nacional de Auschwitz.

O espírito polaco no Himalaia

Indicado pelo amigo Fabricio Vicroski, de Erechim, acessei o site da revista National Geografic, edição brasileira deste mês de janeiro. A principal reportagem é sobre alpinistas polacos. Não é o caso de reproduzir o texto todo da reportagem de Mark Jenkins com fotos de Tommy Heinrich, o que se pode fazer clicando aqui em National Geografic. Mas alguns trechos coloco aqui, pois pela primeira vez, vi na chamada grande imprensa do Brasil, um texto que reproduz muito do que é a história da Polônia e o espirito dos polacos de forma correta e verdadeira. Talvez por que não tenha sido escrito por um brasileiro, mas por um Norte-americano do Wyoming. Jenkins além de um jornalista viajante é autor de vários livros como “A Man’s Life: Dispatches From Dangerous Places”, "Off the Map: Bicycling Across Siberia, To Timbuktu: A Journey Down the Niger" e "The Hard Way: Stories of Danger, Survival, and the Soul of Adventure". São estes os trechos que reproduzem o espírito fênix dos polacos:
1 - "Mesmo nesse transe miserável, eles entendem e aceitam a situação. São poloneses, afinal de contas, e essa é uma típica façanha polonesa: o montanhismo invernal em grandes altitudes."
2 - "Nanga Parbat, a "Montanha Nua", é um dos mais cobiçados prêmios para os valentes montanhistas poloneses. Quatro equipes do país já tentaram a escalada, e todas falharam."
3 - "Os poloneses dariam qualquer coisa, inclusive alguns membros do corpo e a própria vida, para ter competido pela primazia na escalada do Nanga Parbat - coisa que lhes era interdita na época pelo governo comunista. A Polônia já havia perdido 1 milhão de vidas na Primeira Guerra. Nos anos 1940, assolada pela Segunda Guerra, um quinto da população polonesa pereceu - quase 6 milhões de pessoas, metade judeus."

É a primeira vez que leio na imprensa brasileira, o reconhecimento de que não foram 6 milhões de judeus, mas que esta cifra representa pessoas de todos os credos que foram assassinadas em território europeu. Segundo, o historiador polaco Czesław Madejczyk (autor de Polityka III Rzeszy w okupowanej Polsce - As Políticas do Terceiro Reich na Polônia Ocupada, foram 2 milhões e 700 mil os judeus (na maioria polacos) dizimados na II Guerra Mundial.

4 - "Nos anos da Guerra Fria, intelectuais, ativistas e quem quer que sustentasse suas opiniões eram manietados pela opressão soviética. Só mesmo com o surgimento de Lech Walesa e do sindicado livre Solidariedade, em 1981, em Gdansk, é que as primeiras fissuras começaram a aparecer no edifício petrificado do comunismo. Esse prolongado período de sofrimentos deixou sua marca na alma da nação. O povo polonês aprendeu a suportar as mais terríveis circunstâncias, demonstrando reconhecimento pelos heróis que lutam e são derrotados - nem por isso menos heróis. Pelo menos em cinco ocasiões, durante o milênio passado, conquistadores varreram a nação do mapa da Europa, dispostos a apagar sua memória. De algum modo, sempre, a identidade polonesa conseguiu sobreviver."
5 - "Muitos alpinistas ainda acreditavam que o montanhismo de inverno em grandes altitudes era suicídio. Mas Zawada sabia umas coisas que os outros desconheciam, pois os poloneses vinham treinando para isso havia duas gerações. Caráter, desejo, experiência, tudo isso, nos montanhistas do país, fora curtido no frio, no vento, na escuridão e no perigo. Em 17 de fevereiro de 1980, Leszek Cichy e Krzysztof Wielicki chegaram ao topo do Everest, na primeira conquista de inverno do cume de um pico de 8 mil metros."
6 - "O acampamento 1 é escavado na crista a 5 070 metros, em 12 de dezembro. Faz um frio de rachar, 25º negativos à noite. "Para um polonês", como diz Jawien, "dá para se virar bem com isso. Os ânimos estão elevados, há energia no ar frígido. Pouco importam as avalanches, a longa subida - a velha valentia polonesa está de volta."
7 - "Estávamos ansiosos naquela época", confessa Wielicki, "ansiosos por escrever nossa própria história." Para obter sucesso, eles tiveram de fazer algo inédito. "Ninguém havia escalado o Himalaia no inverno", diz ele. "Mas os poloneses conhecem o frio. O frio nos torna mais criativos. A escalada do Everest, em 1980, foi o início, um primeiro capítulo."
8 - "Nessa história de montanhas e homens, de inverno e força de vontade, de sofrimento e sobrevivência, oito capítulos já foram escritos. Faltam apenas seis - e não há dúvida de que os poloneses irão escrevê-los. Quem mais o faria?"