A Polônia é constantemente vista com indiferência.
Sim! Indiferença, desconhecimento, ou apagamento intencional.
Pois, quem não se lembra da famosa “Mesa Redonda” de Gdańsk de Lech Wałęsa, dos operários e mineiros da Polônia que deram um cheque-mate em Moscou?
O mundo prefere anunciar o fim da URSS como decorrente da queda do muro de Berlim. Nada mais cabotino.
Olhassem com mais atenção para a Polônia, notariam que últimas três décadas, o país vem se transformando no que alguns especialistas chamam de a próxima grande superpotência do continente europeu. Antes da pandemia, a economia polaca vinha crescendo inabalavelmente por 28 anos consecutivamente, segundo dados apresentados pelo jornal inglês Financial Times, em 2019, sobre a situação financeira do país.
E outro jornal inglês, o The Telegraph, publicou num artigo agora no mês de maio último, que “em nenhum outro lugar do império soviético, o poder popular prevaleceu de forma tão triunfante quanto na Polônia. A terra das causas perdidas, tornou-se a vanguarda da liberdade e da prosperidade.”
Não bastasse isso, economia da Polônia emergiu fortemente, após o auge da pandemia da covid-19, de acordo com dados da London School of Economics.
Há poucos dias, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE divulgou a lista com os 34 países de maior crescimento do PIB - Produto Interno Bruto no primeiro trimeste de 2023.
Na lista, em primeiro lugar apareceu a Polônia com um crescimento de 3,90%. Superou a China que cresceu 2,2% e o Brasil, em terceiro, com uma subida de 1,90%, no período entre janeiro e março.
Alguns atentos economistas dizem que “A Polônia é a garota-propaganda de uma transição bem-sucedida”, como Beata Javorcik, economista-chefe do Banco Europeu para Reconstrução e Desenvolvimento. Ela, acrescentou ainda que “em 30 anos, a Polônia passou de um país que sofria escassez, em quase todos os setores, para um que está entrando no clube dos países ricos”.
Mesmo assim, ainda não foi convidada para fazer parte do G7, nem do G20. Outro observador atento do crescimento polaco é o o líder do Partido Trabalhista britânico, Keir Starmer, que usando dados do Banco Mundial, previu que, com seu crescimento médio anual de 3,6%, a economia da Polônia vai ultrapassar a da Grã-Bretanha, até o final da década, conforme relatado pela “Sky News”, em fevereiro de 2023.
O jornalista Daniel Johnson do “The Telegraph” escreveu, agora em maio, que:
“Em seu caminho atual, a Polônia está a caminho de se tornar mais rica que a Grã-Bretanha até 2030, graças a um milagre econômico pós-comunista. O país se tornou um foco para indústrias voltadas para o futuro, como fabricação de baterias e tecnologia.Varsóvia está usando essa força econômica para transformar o país em uma formidável força de combate para se proteger contra o lobo russo à porta. Sua disposição de enfrentar Moscou também conquistou aliados entre muitos países vizinhos. Enquanto a Alemanha e a França se confundem em relação à sua resposta à guerra na Ucrânia, a estrela da Polônia está em ascensão.”
Não é só na área econômica e de investimentos que a Polônia tem crescido. A sociedade polaca que, desde 2015 vem dando suporte ao PiS - Partido Direito e Justiça do líder Stanisław Kaczyński, de extrema-direita, que comanda a Presidência da República e a Chancelaria do Primeiro-Ministro, tornou-se um país xenófobo e intolerante. Chegou ao ponto de várias cidades proibir a entrada e a moradia de pessoas LGBT+ em seus municípios. No período da pandemia da Covid-19, o arcebispo de Cracóvia, desobedecendo as recomendações da OMS - Organização Mundial da Saúde, organizou procissões durante a semana santa sem máscaras. “Deus há de nos proteger”, teria dito e escrito o arcebispo da mesma Cúria, onde o Papa João Paulo II foi um dia o cardeal metropolitano.
Ainda esta semana, o Tribunal de Justiça da União Europeia - TJUE condenou a Polônia, num acórdão em que se pronunciou sobre um processo movido pela Comissão Europeia contra o Estado-membro por fazer uma reforma da justiça, em 2019, que viola o direito da UE.
Segundo a Comissão Europeia, o sistema judicial polaco implantado pelo governo do PiS, viola diversas disposições do direito da UE. O governo da Polônia em sua defesa alegou que a reforma era necessária para eliminar as influências da era comunista e combater a corrupção.
A reforma judicial condenada pela UE aumenta os poderes da seção disciplinar do Supremo Tribunal para punir magistrados em função do conteúdo dos seus vereditos. As sanções incluem a redução do salário, a suspensão temporária das funções e o cancelamento da imunidade para permitir o início de um processo penal contra o juiz em causa.
O TJUE anunciou claramente que "as medidas adotadas pelo legislador polaco são incompatíveis com as garantias de acesso a um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecidas por lei", dando razão ao órgão executivo da UE.
Mas, ao lado de abrigar milhões de refugiados ucranianos que fugiram desde a invasão da Ucrânia pela Rússia, a Polônia está se tornando uma das maiores forças bélicas da Europa, prestes a superar Grã-Bretanha, França e Alemanha. Também “a Polônia liderou o esforço de impor duras sanções contra a Rússia e apoiar a Ucrânia com forte assistência política, econômica e militar”, escreveu Arndt Freytag Von Loringhoven, em artigo para o Jornal Politico.
Żeleński e Morawiecki |
Na iminência da guerra se estender ao seu território, a Polônia quer armar um exército imbatível. “O exército polaco deve ser tão poderoso que não precise lutar apenas devido à sua força”, disse o primeiro-ministro Mateusz Morawiecki, na véspera do dia da independência da Polônia, ano passado.
A invasão da Ucrânia fez o governo da Polônia estabelecer a meta de aumentar suas forças armadas de 150 mil para 300 mil soldados, até 2035. Comparando com sua vizinha a Oeste, a Alemanha que possui 170 mil soldados.
Estimulado pela guerra vizinha e pelo medo crescente de que a Polônia um dia possa estar na mira de um Kremlin que busca retornar aos dias em que o império russo se estendia até o rio Vístula, o governo polaco está determinado a se armar - e rápido.
A Polônia passou a gastar algo próximo a US$ 10 bilhões em sistemas de artilharia Himars fabricados nos EUA, que se mostraram eficazes no conflito ucraniano-russo. Isto, só para dar apenas um exemplo dos planos de investimento bélicos.
Além disso, a Polônia está comprando uma frota de aeronaves F-35 Lightning II e 116 tanques Abrams, para substituir os caças MiG da era soviética e os tanques T-72 que o governo polaco decidiu doar à Ucrânia.
Os gastos com defesa subiram para 4% do PIB este ano. Era 2,5% no ano passado. Estes valores são mais do que o dobro daqueles dispendidos pela França, Alemanha, Itália e Espanha, e significativamente maiores do que os da Grã-Bretanha, que planeja atingir apenas 2,5%, em 2030.
A Polônia fez pedidos de 1.000 tanques de batalha K2 da Coréia do Sul e 250 novos tanques M1A2 SEPv3 Abram dos EUA. Isso transformará a Polônia no proprietário da maior força de tanques da Europa, superando a frota da Grã-Bretanha de 227.
Sua artilharia será reforçada pela chegada de 600 K9s, 18 lançadores HIMARS com 9.000 foguetes e 288 sistemas K239 Chunmoo MRL da Coreia do Sul.
Mais de 1.000 veículos de combate de infantaria Borsuk fabricados na Polônia transportarão tropas polacas para a batalha, enquanto a cobertura aérea virá de 96 helicópteros AH-64E Apache comprados dos EUA e 48 aeronaves de combate FA-50 agora encomendadas da Coréia do Sul.
Também estão em andamento conversas sobre a construção de uma "enorme fábrica de armas" em colaboração com a Inglaterra, para ajudar a produzir e consertar equipamentos e armas destinados à Ucrânia.
“É de fundamental importância aumentar os níveis de segurança o mais rápido possível para a Polônia. Só podemos fazer isso criando um exército forte. Forte o suficiente para impedir qualquer agressor em potencial de decidir atacar”, disse Mariusz Blaszczak, ministro da Defesa polaco.
A Polônia planeja gastar cerca de 85 bilhões de libras esterlinas até 2035 em armas, e o orçamento de defesa, deste ano, alcança um recorde de 97 bilhões de złotych (18 bilhões de libras esterlinas) e mais 24 bilhões de libras esterlinas fora do orçamento que estão incluídos.
As pretensões polacas não visam apenas dissuadir a Rússia, que compartilha uma fronteira terrestre em Kaliningrado, mas também pressiona a Alemanha a aumentar seu peso na aliança.
A fronteira russa-polaca fortemente armada e fortificada em Kaliningrado, é um alerta de como essa terrível história terminou, há 78 anos. Este pedaço russificado foi recentemente reforçado com armas nucleares. Ali, é o lar da frota russa no inverno e que existe para ficar de guarda no Báltico, principalmente, contra a Polônia.
O presidente polaco Andrzej Duda lançou no início deste mês o que chamou de “ofensiva diplomática”. Quer visitar líderes ocidentais para “aumentar a conscientização em vários cantos do mundo sobre o que está acontecendo aqui, em nossa região, sobre a natureza da bárbara agressão russa”.
Por outro lado, é visível o papel da educação nos resultados polacos. O sistema de ensino polaco está entre os cinco ou seis primeiros entre 38 países da OCDE em leitura, matemática e ciências, bem acima de países mais ricos, como Grã-Bretanha, França ou Alemanha. Isso estabelece as bases para um crescimento econômico forte e continuo no futuro.
O sucesso de hoje tem sua origem, em grande parte, nas reformas de livre mercado do ministro da economia Leszek Balcerowicz durante o período imediatamente pós-1989. Balcerowicz era o homem com um plano – um novo tipo de plano – para abolir a economia planificada dos últimos 40 anos imposta por Moscou.
O Plano Balcerowicz foi um choque acelerado de alto risco que abriu os negócios polacos para o mercado global. Até o início da pandemia, a Polônia ostentava o maior período de crescimento ininterrupto do mundo: 28 anos.
Outra forma que poderia explicar esta mudança espantosa na Polônia é o viés histórico.
Os alemães assassinaram 2,7 milhões de polacos de origem judaica na Segunda Grande Guerra Mundial, além outros 3 milhões de polacos católicos, protestantes e ciganos que também foram mortos. Uma grande parte da população foi deslocada durante e após a Segunda Guerra Mundial por decisão de Józef Stalin e os líderes ocidentais.
No último sábado, 4 de junho, data que comemora as primeiras eleições livres da Polônia desde a década de 30, marcou uma nova fase na vida da nação polaca. O país parece estar dividido neste momento. Mais de meio milhão de pessoas saíram às ruas das cidades da Polônia para protestar contra o partido que está há 8 anos no poder e quer se manter ali. O partido governante Direito e Justiça (PiS), está contando fortemente com os eleitores rurais em sua tentativa de ser reeleito para um terceiro mandato consecutivo no próximo outono.
As previsões para se tornar uma grande potência mundial pode sofrer um revés por causa da política nacional. Acusações de minar o estado de direito e supressão do debate público foram levantadas no partido de extrema-direita, enquanto um ar de paranóia paira sobre a política do país há algum tempo. A oposição liberal, liderada por Donald Tusk, o ex-presidente do Conselho Europeu e ex-primeiro ministro da Polônia, e seu partido PO - Plataforma Cívica consideram o PiS meramente a cabala católica reacionária de Kaczyński, hostil à União Europeia e às instituições da democracia polaca, incluindo o judiciário independente e a imprensa livre.
A ironia de que o estado de direito polaco está ameaçado sob um partido que se autodenomina Direito e Justiça não passa despercebida a muitos cidadãos polacos. A confiança no atual governo é de apenas 34,2%. O que foi comprovado nas manifestações do dia 4 de junho.
Apesar de sua história conturbada, a Polônia, hoje, é uma democracia vigorosa. Os polacos têm razão em se orgulhar de sua república e de suas forças armadas. Mas não deve haver lugar para paranóia. Os polacos não necessitam ver a Polônia como vítima ou como mártir.
Qualquer que seja o caminho da política polaca é difícil ignorar o fato de que Varsóvia é a força que está batendo às portas da Europa e do mundo e, por isso, não pode ser escondida, silenciada, ou passar desapercebida pela mídia mundial.
Está na hora das televisões brasileiras pararem de falar sobre o mundo sob a visão exclusiva de seus correspondentes de Nova Iorque e Londres. O mundo está querendo ver “in loco”, o que se passa na Europa Central, sem o filtro da OTAN, UE e Washington.
Texto: Ulisses Iarochinski
Fontes: Gazeta Wyborcza, The Telegraph, Daily Digest e outras