terça-feira, 31 de janeiro de 2023

Governo fala em comoção sobre aborto de uma adolescente na Polônia

O governo polaco manifestou comoção nesta segunda-feira, dia 30 de janeiro de 2023, pelas dificuldades enfrentadas por uma adolescente para fazer aborto após sofrer agressão sexual.

Hospitais de da região Podlasie (Podláquia, Nordeste do país) recusaram-se a interromper a gravidez, apesar da menina de 14 anos ter sido vítima de estupro.



"Estamos chocados com este caso e nossa resposta é inequívoca", declarou o ministro da saúde, Adam Niedzielski.

Soou completamente falso o pronunciamento do Ministro da Saúde, quando instado pelo professor de direito da Universidade de Varsóvia e ouvidor da Câmara dos Deputado Marcin Wiącek, visto o histórico desta lei absurda. Isto se observarmos o histórico da Lei que criou este dispositivo: cláusula de consciência.

O ouvidor de Justiça da Câmara dos Deputados, Marcin Wiącek, havia consentido o procedimento, mesmo assim os médicos se recusaram a fazer o aborto.


Tradução: Os hospitais da Podláquia se recusaram ilegalmente a interromper a gravidez de uma menina de 14 anos estuprada. Graças à AJUDA da FEDERA, a menina já fez um aborto em Varsóvia.

A menina de 14 anos foi abusada sexualmente por seu tio, e acabou grávida. A jovem, que apresenta deficiência intelectual, não percebeu que estava grávida até que sua tia descobriu o ocorrido e passou a ajudá-la a fim de realizar o aborto.

A tia da jovem de 14 anos recorreu à FEDERA Federação para a Mulher e o Planeamento Familiar.


O ouvidor, Marcin Wiącek, reagiu às denúncias da Federação. Avaliou que a situação levou a uma violação do direito do paciente de obter um serviço de saúde; também indicando a existência de dificuldades práticas no acesso ao aborto devido ao médico invocar a cláusula de consciência.

A Ouvidoria interveio e questionou o Ministério da Saúde sobre as mudanças. Wiącek, dirigiu-se ao ministro da Saúde, Adam Niedzielski e ao presidente do Fundo Nacional de Saúde, Filip Nowak.

Wiącek lembrou que, de acordo com o padrão expresso na jurisprudência do Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH), "os Estados são obrigados a organizar o sistema de serviços de saúde de forma a garantir que o exercício efetivo do direito à liberdade de consciência dos profissionais de saúde em contexto profissional não impede o acesso dos doentes às prestações a que têm direito nos termos da legislação aplicável".

O TEDH argumenta que "a Convenção não pretende fornecer direitos teóricos ou ilusórios, mas direitos práticos e efetivos", diz a declaração de Wiącek.

"De acordo com o artigo 39 da Lei de 5 de dezembro de 1996 sobre as Profissões de Médico e Dentista, um médico pode abster-se de prestar serviços de saúde contrários à sua consciência, sujeito ao artigo 30 da Lei, mas é obrigado a registrar esse fato na documentação O médico em profissão com base em contrato de trabalho ou como parte do serviço também é obrigado a notificar previamente o supervisor por escrito, acrescentou. Até 2015, o médico que invocasse a cláusula de consciência era também obrigado a indicar a possibilidade real de obter serviços de saúde junto de outro médico ou entidade médica"

Marcin Wiącek perguntou ao Ministro da Saúde se ele via a necessidade de tomar medidas legislativas apropriadas. "A introdução de tais soluções, não apenas contribuirá para a melhoria do padrão de proteção dos direitos dos pacientes, mas também será de significativa importância para a avaliação da implementação pela Polônia dos acórdãos do TEDH indicados" .

O Ministro da Saúde Adam Niedzielski e Filip Nowak, têm 30 dias para responder. No entanto, o ministro da saúde foi questionado pela mídia sobre a recusa dos médicos em fazer um aborto em uma menina de 14 anos estuprada.

Estamos absolutamente chateados com isso. Tal comportamento é inaceitável", disse ele na ontem, em entrevista coletiva ,na Academia Mazowiecka, em Płock.

"A lei polaca estabelece claramente que, no caso de uma gravidez resultante de estupro, a paciente pode fazer um aborto. Não há o que discutir aqui."  disse ele nesta terça-feira (31 de janeiro).

"Ainda que um ou outro médico não quisesse realizar o procedimento, pautado na cláusula de consciência, o hospital era obrigado a indicar o local onde o paciente poderia se beneficiar de tal procedimento. O drama é que toda a situação envolveu uma criança que pode não entender muitas coisas. Uma criança requer um procedimento especial, um cuidado especial, e não estou falando estritamente do procedimento, mas do próprio procedimento com o pequeno paciente", completou o ministro.

Por sua vez, o deputado Władzisław Kosiniak-Kamysz, presidente do Partido PSL - Polskie Stronnictwo  Ludowe (Partido do Povo Polaco), que também é médico, disse que "Eu usaria a cláusula de consciência. Não se pode obrigar alguém a fazer algo que não quer, porque é ultrapassar os limites da liberdade”. Seu partido é conservador, agrário, neoliberal, centro-direita e cristão.

E completou:  "Não vamos culpar um ou outro médico, porque ele tem o direito de fazer uma escolha, aplicar a cláusula de consciência e recusar. Isso está de acordo com o Código de Ética Médica. Mas a responsabilidade do Estado, é a de ele que deve fornecer e indicar um Centro Médico, no qual o paciente deveria ser encaminhado é outra".

O caso desencadeou onda de indignação e pedidos para flexibilizar as leis referentes ao aborto neste país extremamente católico apostólico romano, que estão entre as mais rigorosas da Europa.



Desde janeiro de 2021, a Polônia só permite abortar em caso de agressão sexual ou se a vida ou a saúde da mulher estiver em perigo. No entanto, mesmo sob estas condições é difícil reivindicar seus direitos neste país membro da União Europeia.

"Nenhuma palavra de repulsa basta para definir tal comportamento (...) mas para nós, o mais importante foi ajudar a menina", disse o Federa.

Após a indignação provocada pelo caso, a oposição pediu que a lei seja modificada. "A cláusula de consciência é uma lei atroz e desumana (...) e deveria ser eliminada", declarou a deputada de esquerda Katarzyna Kotula.

Segundo Marcin Wiącek, o caso revela as deficiências da legislação porque os hospitais deveriam ter informado à menina sobre os centros onde ela poderia realizar o aborto. O que soa ridículo partindo de um defensor que deveria atender as aflições e demandas do povo que diz representar.

Abortar ficou praticamente impossível na Polônia, desde que o Tribunal Constitucional declarou, em 2020, que os abortos por má-formação fetal eram inconstitucionais.

O aborto emergiu como uma das questões mais polêmicas desde que o PiS assumiu o poder em 2015, prometendo aos polacos mais pobres e aos mais velhos um retorno a uma sociedade tradicional misturada com políticas de bem-estar generosas.

O Tribunal Constitucional, controlado por juízes próximos do partido governista, o ultraconservador Direito e Justiça (PiS), tinha decidido que considerava inconstitucional a interrupção da gravidez caso o feto apresentasse malformação ou doença irreversível.

Cerca de 97% dos 1.100 abortos praticados legalmente no país, aconteceram em 2019, um ano antes da decisão do tribunal.

A decisão se baseou em um pedido de um grupo de 119 deputados de direita e extrema-direita, em sua maioria do PiS, que haviam apresentaram pela segunda vez moção ante o Tribunal Constitucional.


Durante a leitura da sentença, a presidenta da corte, Julia Przyłębska, deu a eles a razão ao considerar que disposição que “legaliza as práticas eugenistas no campo do direito à vida de uma criança que vai nascer e faz com que seu direito à vida dependa de sua saúde, constituindo uma discriminação direta, (...) é inconsistente (...) com a Constituição”.

A Lei de Planejamento Familiar polaca, de 1993, já era uma das mais restritivas da Europa― atrás apenas das normas de Malta, San Marino e Andorra, onde o aborto não é legal em nenhuma situação ― e permitia essa prática, além do caso de malformação fetal, se a gravidez fosse fruto de um estupro ou incesto e quando a vida da mãe corria perigo.

A Federação Internacional de Planejamento Familiar na Europa (IPPF) destacou a gravidade da decisão. “Não se trata somente de direitos da mulher”, afirmou Irene Donadio, porta-voz da IPPF.

“Com essa decisão, estamos colocando em perigo a saúde e a vida das mulheres.” A entidade também denunciou que o acesso ao aborto nas outras duas situações, na prática, era muito mais complicado.

“É mais um passo rumo ao obscurantismo, em linha com o pedido feito por alguns deputados, meses atrás, de retirada da Polônia da Convenção de Istambul (a Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência Contra as Mulheres e a Violência Doméstica)”, diz.

No mesmo sentido se pronunciou Leah Hector, diretora regional para a Europa do Centro de Direitos Reprodutivos. Segundo ela, a sentença “viola as obrigações da Polônia segundo os tratados internacionais de direitos humanos de se abster de medidas que façam retroceder os direitos das mulheres na atenção da saúde sexual e reprodutiva.”

“Eliminar o fundamento de quase todos os abortos legais na Polônia equivale praticamente a proibi-los e viola os direitos humanos”, disse, em nota, a comissária para os Direitos Humanos do Conselho da Europa, Dunja Mijatovic. “Aquele foi um dia triste para os direitos das mulheres.”


A decisão do Tribunal Polaco, denunciaram as organizações civis, revela novamente a falta de independência dos juízes. Para Małgorzata Szuleka, advogada da Fundação Helsinki para os Direitos Humanos, do ponto de vista legal o principal problema é a composição do Tribunal Constitucional. “Entre os magistrados que decidiram aquele dia, três foram nomeados pelo Parlamento― controlado pelo PiS ― sem uma base legal válida”, afirmou.

Nos últimos anos, diz Szuleka, todos os casos politizados foram resolvidos em sintonia com a opinião do partido de extrema-direita que se mantém no Governo. Além disso, a imprensa apontou em diversas ocasiões a amizade existente entre a presidente do Tribunal e o líder do PiS, Jarosław Kaczyński.

As sucessivas reformas judiciais realizadas pelo Partido Direito e Justiça desde sua chegada a poder, em 2015, colocaram o Executivo contra a União Europeia (UE), que considera que as reformas colocam em perigo o Estado de Direito, no país, ao solapar a separação de poderes.

Para Marta Lempart, ativista e integrante do movimento Greve Nacional de Mulheres na Polônia, o posicionamento do Tribunal não foi nenhuma surpresa. Num organismo “politizado”, disse ela, a decisão serve para “desviar a atenção” quando o país atravessava o pior momento da pandemia de covid-19, com recorde de infecções diárias (12.017) e 168 mortos diariamente. Lempart também advertiu que o movimento,  prepara-se para lutar e continuará apoiando as mulheres que busquem interromper a gravidez.

“Quando toda a Europa caminha numa direção, a Polônia, dessa forma tão pouco democrática, seguiu em outra”, afirma Donadio, que defendeu uma solução comunitária para deter os rumos de seu país.

“Ontem foi a Polônia, mas amanhã pode ser qualquer outro membro da UE. Precisamos de um mecanismo muito mais forte para proteger os cidadãos”, diz ela, referindo-se à vinculação dos fundos europeus e do orçamento com o cumprimento do Estado de Direito.

Segundo uma pesquisa da empresa IBRiS divulgada pela Europa Press, cerca de 50% dos polacos apoiam a legislação atual sobre o aborto.

Num país onde mais de 97% dos 38 milhões de habitantes são católicos, quase 30% estariam a favor de uma flexibilização da lei, ao passo que 15% desejariam que o acesso à interrupção da gravidez fosse completamente proibido.


Fontes: AFP, Gazeta Wyborcza, CNN Brasil e El País