domingo, 2 de março de 2014

Polacos na Guerra do Contestado

A Guerra do Contestado aconteceu no Paraná e só no Paraná entre 1912 e 1916. A área dos conflitos se estendeu, apenas, no território do Estado do Paraná. Somente em 1917, após o governador do Paraná, Afonso Alves de Camargo, ceder aquelas terras ao Estado vizinho é que elas passaram a ser Santa Catarina.
Embora muitos eventos tenham se realizado em 2012, ainda está se rememorando o mais sangrento conflito social do Brasil de todos os tempos: A Guerra do Contestado.
O Livro "Revelando o Contestado" é uma publicação da Imprensa Oficial do Paraná, com a coordenação editorial de um polaco, Ulisses Iarochinski, e um ucraniano, Jorge Narozniak.

Capa: Luiz Solda / Destacando um imigrante polaco (à direita) sendo levado a Ponta Grossa 
Quando me foram mostradas as fotos inéditas do sueco Klas (Claro) Gustav Jansson para o projeto “Revelando o Contestado”, a primeira coisa que me saltou aos olhos foram as casas de madeira do interior do Estado do Paraná.
Retratadas em primeiro ou segundo plano, elas imediatamente remetiam a ideia de Paraná e também de Polônia. Imagens como as que revelam as tropas do coronel curitibano João Gualberto entrando em Canoinhas, Porto União, Três Barras, Calmon e Irani. Enquanto desfilavam por aquelas ruas de chão batido, os policiais tinham diante de si edificações muito diferentes daquela arquitetura típica portuguesa de paredes de taipa caiadas de Florianópolis e do enxaimel alemão de Blumenau.

Foto: Claro Jansson / Canoinhas
Aquelas casas de madeira ali, no sertão do Paraná, construídas com tábuas e sarrafos na vertical, eram reproduções de seculares moradias do Leste da Polônia. O modelo simples da carpintaria polaca foi a solução encontrada pelos imigrantes da região de Lublin, quando foram assentados nas colônias das bacias dos rios Iguaçu, Negro, Peixe e Chapecó. Terra abundante em araucárias, perobas, angicos e imbuias.
Ainda sob o impacto das imagens e da qualidade técnica de Jansson, notei a foto de uma casa com a bandeira do Paraná. No detalhe dos lambrequins dos beirais, vi outro testemunho da presença polaca na região conflagrada. Na nota feita pelo fotógrafo Claro Jansson no negativo em vidro estava escrito: “Força Pública do Paraná no Contestado. Três Barras provavelmente”. Aí, encontro evidência de outra ordem.
Mais do que um registro fotográfico, uma prova documental, de que antes dos soldados entrarem no conflito, foram os policiais paranaenses que enfrentaram os revoltados posseiros e colonos daquelas paragens. A capa deste livro é outra marca indelével de que, além da pele morena, mulata, mestiça do povo do Paraná, também a branca das estepes da Europa Central esteve envolvida. São evidentes os olhos azuis do polaco, à direita.
A zona conflagrada de Guerra foi totalmente no Paraná.
Muito se escreveu sobre o conflito paranaense nestes cem anos. Mas muito poucos estudos (ou quase nada) falaram da presença de imigrantes polacos na Guerra do Contestado.
Mas nem por isso, entre peludos e pelados, pode-se negar a participação dos imigrantes polacos. Foi a partir das colônias e vilas paranaenses de Cruz Machado, Fluviópolis, General Carneiro, Mallet, Nova Galícia, Rio Azul, Rio Claro, São Mateus do Sul e Vera Guarani, que os polacos cruzaram o Iguaçu, o Negro, o Timbó e o Canoinhas, fincando raízes na região do Contestado.
Dessas localidades partiram estes colonos de pele clara e cabelos loiros e castanhos claros para outros rincões, espalhando-se por Bela Vista do Toldo, Irineópolis, Major Vieira, Monte Castelo e Três Barras.
Muitos filhos destes imigrantes nasceram no Paraná e, por força na nova configuração geográfica de 1917, foram transformados compulsoriamente em catarinenses de carteirinha.
Consistem até hoje, em grande parte dos casos, na maioria da população rural de origem eslava do atual Estado de Santa Catarina.
Aqueles polacos dispersos pelos ervais encontraram, nos vales entre os rios Iguaçu e Uruguai, seus meios de subsistência. À medida que se tornavam ervateiros, incursionavam nas florestas encimadas por imponentes pinheirais e de milhões de árvores da Ilex paraguariensis.
Ali, construíram suas casas e constituíram suas famílias. Viviam da coleta da erva-mate e de lavouras sazonais. Chegou-se ao ponto de polacos do Rio Iguaçu exportarem a erva-mate paranaense para Cracóvia, na Polônia, no final do século XIX, através do porto de São Mateus do Sul.
Na luta pela defesa da terra e dos direitos espoliados, os nativos da terra contestada não estiveram sozinhos ao cerrarem espingardas e facões diante da tirania do capital estrangeiro, do coronelismo, da ausência da Igreja, da generalizada ineficácia do governo.
No mesmo processo de assimilação e adaptação social e cultural, os polacos acaboclados também guerrearam. Alguns, ao lado dos revoltados, outros, das forças militares.
Homens de briga ou vaqueanos. Todos faziam parte de excluídos em seu país de origem e assim iniciaram uma prometida vida de liberdade em terras onde corria leite e mel. Fizeram isto, no mesmo estrato social brasileiro em que estavam inseridos antes da grande aventura além-hemisfério. Foram colocados à mercê da própria sorte num dos muitos rincões do país que lhes haviam prometido imensas dádivas.
Para o catarinense de origem polono-paranaense Fernando Tokarski, a guerra foi em território paranaense e sua ocupação tinha sido determinada pelo governo do Paraná, permanecendo até hoje a influência cultural e social deste Estado na antiga região do Contestada.

“Sucessivas análises apontam que essa porção catarinense tem laços diretos com as correntes migratórias colonizadoras europeias intermediadas pelo Paraná. Nítida até hoje, essa influência se sobrepõe à catarinense, que apenas se fez notar por meio dos germânicos provenientes de São Bento do Sul e Joinville. Reiteradas vezes dissemos que, afora as divisas políticoadministrativas, as duas regiões separadas entre o Paraná e Santa Catarina em todos os aspectos são exatamente iguais, favorecendo as incursões colonizadoras.” (1999, p. 65).

Quando a Brazil Railway Co. criou sua subsidiária, Southern Brazil Lumber and Colonization Company, invadiu literalmente a região do Contestado paranaense, muitos polacos abandonaram seus lotes coloniais e ofereceram-se como mão-de-obra nos trabalhos ferroviários e de serraria. Os ingleses tinham compromissos contratuais com o governo brasileiro para também promover programas de colonização.
Nesse sentido, muitos assentamentos coloniais de imigrantes europeus foram atingidos pela ferrovia. Portanto, não eram apenas os antigos proprietários e posseiros os únicos atingidos pelo empreendimento.
Piotr Jarosinski
Meus dois bisavôs, Piotr Jarosiński e Wiktorio Hazelski, imigrantes polacos do Leste da Polônia, deixaram filhos e filhas aos cuidados de minhas bisavós Anna Filip e Anna Baniński e foram trabalhar em trechos que cruzavam o Estado do Paraná, desde Marcelino Ramos, nas margens do Rio Uruguai, até Sengés, na divisa com São Paulo.
Piotr tinha chegado com a mulher e dois casais de filhos em 1911 (Wiktoria, Bolesław, Józef e Maria), e foi assentado na colônia do Tronco, em Castro, enquanto à Wiktorio foi designado pedaço de terra na Colônia Papagaios Novos, em Palmeira.
Muitos de meus tios e tias foram nascendo em Matos Costa, Palmeira, Ponta Grossa, Castro, Piraí do Sul, Jaguariaíva, Sengés, Rio Vermelho e Itapeva

Não tenho dúvida alguma que a participação dos polacos na Guerra do Contestado tem origem na secular luta empreendida por eles contra a tríplice ocupação austríaca, prussiana e russa de 127 anos, na Polônia.
Os polacos, portanto, estavam acostumados a combater sistemas de opressão e não foi difícil entender que sua “Ziemia obiecana”(Terra prometida) corria perigo.
Foto: Claro Jansson - Cinema da Lumber com muita criança polaca
Nilson Thomé e Paulo Pinheiro Machado encontraram no Ministério do Exército listas de nomes dos revoltosos que se entregaram às autoridades militares da Coluna Leste, na cidade de Rio Negro, na vila de Papanduva e nas localidades de Major Vieira e Lajeadinho. Também conseguiram listas de alguns vaqueanos da Coluna Norte.
Destas listas, dos 520 nomes entre revoltosos e vaqueanos, 67 homens, ou 12,8%, eram polacos. Destes, 53, ou 79,1%, lutaram como revoltosos.
Outros 14, ou 20,9%, foram vaqueanos.
Do total de 1.093 revoltosos que se entregaram àquela coluna, 15,6% eram polacos. De 1.688 prisioneiros da lista do Ministério, 1.018 eram mulheres e crianças.
Foto: Claro Jansson
São estes alguns dos nomes presentes na lista de revoltosos:
Adão Bednarski (Adam, mais a esposa Paulina Jankowska e sete filhos), Adão (Adam) Bimarski, Adão (Adam) Kauski, Adão (Adam) Szoczek, Alexandre (Aleksander) Galeski (mulher e sete filhos), Alexandre (Aleksander) Gapski, Alexandre (Aleksander) Króliczowski, Alberto (Albert) Bigas (Bigaś mais a mulher Antonina Mackiewicz e dois filhos), Alberto (Albert) Jankowski, Alberto (Albert) Mainozowicz  (Majorowicz mais a mulher e um filho), Alexandre (Aleksander) Krenikeski (Krenikewski), André Boreck (Andrzej Borecki mais a mulher Filomena Bigaś e seis filhos), André Smartcz (Andrzej Smarcz mais a mulher e quatro filhos), Antônio Woidella (Antoni Wojdela) e esposa, Antônio Wojciechowski (Antoni mais a mulher Josefa e três filhos), Domingos Karwat (Dominik mais mulher e seis filhos), Ernesto (Ernest) Szwarowski, Estanislau Bigas (Stanisław) e esposa Teresa Kauwa (Kałwa), Estanislau Boreck (Stanisław Borecki), Estanislau Gauloski (Stanisław Gaulowski), Estefano Lewczak (Stefan mais a mulher Antonina Kocziński e filho), Ernesto Cznawski (Ernest Czawski), Estefano Wiekiewicz (Stefan) ou Wieczorkiewicz (1889-1948), Francisco (Franciszek) Bigas, conhecido por “Martin Polaco” (1857-1926), e sua mulher Agnes (Agnieszka), Martinho (Marcin) Niedzelski (mulher Antonina e nove filhos), Martinho (Marcin) Mackiewicz, Miguel Boreck e sua mulher Ana (Anna) Kalemach, Miguel (Michał) Nowack (mulher Franciszka e seis filhos), Miguel (Michał) Sentak, Miguel (Michał) Szczygiel e Miguel (Michał) Wozniak (mulher e cinco filhos).

Nas forças militares estavam André (Andrzej) Króliczowski, Antonio (Antoni) Czislowicz (Czysłowicz) (1899-1951), Basílio Pickek (Bazyli Pick), Pedro (Piotr) Terakik, Ricardo Boreck (Ryszard Borecki) e Teobaldo (Teobald) Wandrekowski, que integravam o piquete de vaqueanos sob o comando do coronel Leocádio Pacheco dos Santos Lima, de Três Barras.
Alexandre (Aleksander) Króliczowski, que aparece na lista dos revoltosos, também consta como um dos vaqueanos de Leocádio Pacheco. Entre os vaqueanos de Pedro Leão de Carvalho, o “Pedro Ruivo”, de Canoinhas, estavam Inácio Witek (Ignacy), João (Jan) Maliszewski, João (Jan) Rutęski, Manoel Stavas e Nicolau Jaroczewski (Mikołaj 1910-1948). O pai deste, Bernardo (Bernard) Jaroczewski (1870-1951), também foi vaqueano.

Para concluir, na Batalha do Irani, travada em 22 de outubro de 1912, que conste que foi ferido no confronto o soldado Teodoro (Teodor) Selerowski, que acabaria morrendo em Curitiba em 06 de março de 1913. Além dele, também o cabo de esquadra João (Jan) Matecki recebeu um tiro no cotovelo direito. Este lutava à direita e bem próximo do coronel João Gualberto Gomes de Sá Filho, quando o comandante paranaense recebeu um tiro no peito e depois foi trucidado com golpes de facão (Rosa Filho 1999:30).

No Contestado paranaense, os imigrantes polacos e seus filhos brasileirinhos estiveram envolvidos de todas as formas e por todos os lados e, portanto, devem ser resgatados e lembrados como personagens reais do mais sangrento conflito social do Paraná.

P.S. entre parentes de em negrito estão as grafias corretas em idioma polaco.