sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Wałęsa é exibido no Rio de Janeiro

Matéria publicada no jornal Folha de S.Paulo, por ocasião do Festival de Veneza 2013...o enviado especial entrevistou Lech Wałęsa, que esteve presente no festival italiano de cinema:

Adeus, Lênin!
RODRIGO SALEM

RESUMO

Parte da vida do ex-eletricista Lech Wałęsa  cujo bigode se impôs como símbolo dos trabalhadores na Polônia comunista dos anos 1980, virou filme nas mãos do amigo Andrzej Wajda. Em "Wałęsa: Człowiek z Nadziei", o cineasta faz um retrato edulcorado do Nobel que perdeu a mão na presidência e fez declarações contra gays.

* O Festival de Veneza é o mais tranquilo do trio de grandes eventos cinematográficos europeus que se fecha com Berlim e Cannes. Na pequena ilha do Lido, convidados, executivos, jornalistas, moradores e público visitante se esbarram com naturalidade. Mas no dia 5 de setembro, uma quinta-feira, os "carabinieri" fecharam a entrada principal do Palazzo del Festival, espalhando-se pelas ruelas charmosas e floridas ao redor do Cassino, onde funciona a organização do evento.

Não era George Clooney (ele já tinha ido embora), nem James Franco (que perambula pelos quatro cantos do mundo sem muito alarde) e muito menos Scarlett Johansson, cujo filme havia sido vaiado dois dias antes. Naquela noite, Lech Wałęsa fazia uma de suas raras aparições fora da Polônia, país onde nasceu e vive. País que ele mudou para sempre.

Wałęsa, aos 69 anos, ainda ostenta seu simpático e simbólico bigodão -agora totalmente branco. Um bigode que talvez não represente muito para a geração que não viu o simples eletricista de Gdańsk fundar o partido Solidariedade, que, por meio de greves e protestos adotados por milhões no início dos anos 1980, pôs um fim ao regime totalitário comunista e serviu de estopim para a derrocada de toda a União Soviética, em 1991.

Um bigode que ganhou o Nobel da Paz, em 1983. Um bigode que virou símbolo da luta pelos direitos dos trabalhadores. Foi para manter esse bigode "vivo" que o diretor Andrzej Wajda, nome fundamental do cinema polaco, decidiu filmar "WałęsaCzłowiek z Nadziei" (Wałęsa: homem da esperança), biografia ficcional daquele que chama "amigo" há mais de três décadas.

"Acho que a nova geração está procurando o herói do tempo atual e quis mostrar o que fizemos 30 anos atrás", conta Wajda, 87, ganhador de um Oscar honorário em 2000 e indicado quatro vezes para o prêmio da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas na categoria de melhor filme estrangeiro -por "Terra Prometida" (1975), "As Senhoritas de Wilko" (1979), "O Homem de Ferro" (1981) e "Katyn" (2007). "A nova geração está perdida, sem um líder, sem uma referência. Talvez esse filme mostre uma luz."

Exibido na penúltima noite de Veneza, "WałęsaCzłowiek z Nadziei"  é claramente um atestado de idolatria. Usando a entrevista do sindicalista à italiana Oriana Fallaci (1929-2006), uma das mais conhecidas jornalistas dos anos 1970, interpretada por Maria Rosaria Omaggio ("Para Roma, com Amor"), o cineasta restringe o período de tempo coberto pelo filme na vida de seu retratado.

Viaja para 1978, quando mostra Wałęsa (Robert Wieckiewicz) assinando um contrato de "informante" para o governo comunista em troca de liberdade, até sua liderança ao unir os principais sindicatos do país, em 1980. Apesar de mostrar o descaso do político em relação à mulher, Danuta Gołoś (Agnieszka Grochowska) e aos filhos, o longa exclui seu controvertido e criticado período como presidente da Polônia (1990-95).

Da mesma forma, nem passa perto de retratar os posicionamentos de Wałęsa contra o aborto e casamento entre pessoas do mesmo sexo. E ignora sua retumbante declaração contra o partido gay polaco - no início do ano, Wałęsa falou que os representantes da minoria deveriam ficar no fundo do Congresso ou fora dele.

"O ataque ao filme vai ser grande quando ele estrear na Polônia, em outubro", admite Wajda. "Mas a responsabilidade é toda minha." O próprio Wałęsa mostrou-se menos cioso em Veneza: falando à Folha, não se esquivou dos assuntos polêmicos. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

* Folha - O senhor carrega algum ódio no coração?

Lech Wałęsa - Sinto raiva, mas diferente. É um rancor sobre o que está acontecendo na Síria. Por 20 anos eu tenho falado para a Nações Unidas e para todo mundo que precisamos reorganizar o planeta, porque precisa haver um sistema político-econômico novo. Mas ninguém ouve. Não é o comunismo nem o neocapitalismo. Temos três pessoas em escritórios decidindo regras e dizendo como devemos nos comportar, mas ninguém está fazendo nada. Os EUA não sabem o que fazer, porque não tem uma contrapartida financeira. Se os EUA não conseguem resolver, passem para os polacos, que nós fazemos isso. E se há outro ponto pelo qual sinto raiva, é porque minha mulher não está aqui comigo.

O que significa esse símbolo em sua lapela?

É a Ave Maria. No início dos anos 1980, um grupo de peregrinos me forçou a usar. Eu falei: "Enquanto eu estiver combatendo governos, eu sempre usarei o broche". Desde então, nunca deixei de usá-lo. Mantive minha promessa até hoje. Sempre tenho um terço comigo, porque sou católico e vou à igreja todos os domingos, mas isso é outra coisa. Não gosto de demonstrações explícitas de religiosidade.

Como foi se ver no filme, com outra pessoa o interpretando?

Não pensei muito nisso. O mais importante para mim, quanto ao filme, é ver que nossa vitória está conservada para sempre, que podemos dar o exemplo para uma nova geração. Uma luta não é vencida completamente se você não fala sobre ela para os outros. O filme de Wajda tem uma mensagem sobre lutar pelas causas em que você acredita. Como sou uma pessoa meio conhecida, essa mensagem poderá ser "lida" pelo mundo. Lutas ainda são importantes e, se conseguirmos reformar o mundo e obter melhores salários para os trabalhadores, eu terei alguns monumentos erguidos em minha homenagem (risos).

O senhor se envolveu diretamente com as filmagens do longa?

Eu fugi dele. Estava curioso sobre a visão de Wajda e sobre como ele representaria, no cinema, esse período difícil. Minha presença seria uma interferência, e eu queria que esse grande artista que é Wajda apresentasse a história da maneira dele. Um filme é como um dominó: se você derrubar uma peça, ele cai inteiro.

No filme, podemos ver que foram tempos difíceis para sua mulher. Como foi reviver isso na tela?

Eu e minha mulher fomos criados de maneira conservadora. A mulher é responsável por tudo relacionado à casa e aos filhos. E o marido precisa prover o dinheiro. Eu tentava fazer o simples, que era trazer o dinheiro para casa, mas precisei me sacrificar por inteiro pela política, e ela sofreu com isso, porque tínhamos seis filhos. Eu não falava nada sobre política com ela, não pedia conselho e nem a informava. As decisões eram todas minhas. Hoje vejo que talvez não tenha sido a melhor decisão. Ela soube do Nobel pelo rádio e ficou surpresa [depois ela iria a Oslo receber o prêmio em nome de Wałęsa . Então, eu não tenho direito a ser líder nenhum (risos).

Recentemente o sr. ocupou o noticiário devido a declarações contra a presença de representantes de minorias gays no Congresso polaco. O sr. tem a dimensão de quanto isso pode ter manchado sua imagem de defensor da liberdade?

Não foi bem isso que eu falei na televisão [que as minorias devem ficar na última fileira do Congresso ou até fora dele], mas tenho uma visão clara sobre a política de hoje: a sociedade precisa se refletir nas eleições democráticas, que têm de mostrar como ela é dividida. E essas frações significam que os partidos menores têm menos espaço no Congresso. Essa é minha opinião, mas eu não estava tentando eliminar ninguém.

Então, o senhor não acha que os gays deviam ser presos?

Não, claro que não. Isso foi um mal-entendido. Eu sei que Deus criou essas pessoas e sei que precisamos compreendê-las. Mas não vou deixar que elas me dominem.

O que o sr. acha do casamento gay?

Deveria haver uma nova regra baseada no casamento tradicional para permitir aos gays se unirem. Casamento é diferente, porque é entre um homem e uma mulher e envolve procriação. Precisamos de uma nova regra, para que todos sejam respeitados.

P.S.
a pronúncia correta dos nomes é:
Lech Wałęsa (atente para os sinais nas letras) é lérrreehh vaúensa
Andrzej Wajda é andjei vaida
O jornalista da Folha, parece ter se informado à respeito do líder polaco apenas por informes das agências internacionais de notícias, pois o tom de seu texto demonstra um certo preconceito contra a figura de Wałęsa e por Wajda não ter apresentado o homem criticado pelos partidos políticos de oposição.