segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Katyń: para entender a Polônia de hoje

Finalmente pude assistir ao aguardado filme de Andrzej Wajda (andjei vaida) sobre o massacre de Katyń. Antes de qualquer comentário cinematográfico, ou histórico preciso dizer que muitas de minhas perguntas sem resposta foram, em parte, satisfeitas após a projeção. Perguntas, que sempre fiz aos polacos desde que cheguei a Polônia, há cinco anos. Perguntas sobre o período comunista, sobre a rejeição aos russos e a indiferença aos alemães, sobre a coexistência da igreja católica com o Estado ateu, sobre como foi adaptar-se ao regime capitalista tendo vivido tantos anos sob o socialismo ... E tantas outras. Assim como os polacos, também o Ocidente anticomunista passou décadas desconhecendo esta tragédia que Wajda recorda com seu filme. Quem sabe se o senador Norte-americano Joseph Raymond McCarthy, do alto de sua arrogância, em sua caçada aos comunistas de Hollywood, na década de cinqüenta, fosse suficientemente informado, o que ele não teria usado Katyń como propaganda anticomunista? E como teria se desenrolado nos anos seguintes a Guerra-Fria? Mas o Ocidente fez vistas grossas, ou melhor tinha em Stalin, um parceiro para juntos controlarem o mundo. A hipocrisia de estadunidenses, ingleses, franceses e outros foi usada sempre em detrimento da Polônia. O filme começa com uma cena simbólica para a Polônia daquele início de Segunda Guerra Mundial. Uma ponte de aço, sobre um rio qualquer no Leste do país, tem em cada ponta uma massa de fugitivos. Uns querem fugir dos nazistas que invadiram a nação pelo Ocidente. Outros, aos gritos, alertam para que voltem atrás, pois do Oriente estão vindo os soviéticos, que em sua fúria assassina destroem tudo. A ponte de Wajda, não é apenas um signo metafórico da cena, signo semiótico do diretor, ou do filme, mas é um signo que representa toda a milenar história do povo polaco, marcada por invasões do Oeste, do Leste, do Sul e do Norte. Como uma ilha Católica Apostólica Romana em meio a protestantes, ortodoxos, mulçumanos, a Polônia sofreu ao longo dos séculos ataque de todos os lados. A cena da ponte, embora de poucos minutos, responde à uma série de perguntas sobre o caráter e a índole do povo polaco. Um povo que nunca se entrega, um povo que sofre, mas tem esperança quando canta “Jeszcze Polska nie zginęła, kiedy my żyjemy” (jecztche polsca nie zguineua, quiedi mi jiiemi – ainda a Polônia não desaparecerá, enquanto vivermos), que como Fênix renasce das cinzas.

Quem esperava por um filme de guerra, no melhor estilo hollywoodiano se decepciona, quem esperava por um documentário histórico se frustra, pois apesar de contar a verdade sobre uma mentira calada por mais de 50 anos, Wajda é suficientemente genial para se distanciar das bombas e explosões de artefatos e se aproximar das explosões contidas de emoção de seus personagens. O grupo de atores selecionado pelo diretor está entre as caras mais conhecidas da arte de representar da Polônia dos últimos anos. Populares, mas nem por isso “canastrões”. Ao contrário, representam com uma densidade dramática pouco vista nos filmes do resto do mundo. Em seus minutos de atuação, os atores que interpretam os oficiais assassinados pelos russos mereceriam todos, o prêmio de melhor coadjuvante. Já Maja Ostaszewska, atriz de família cracoviana, no papel de Anna, esposa de um dos generais assassinados, comporta-se com uma qualidade artística impressionante. Desde já uma candidata seriíssima aos troféus Palma de Ouro, Urso de Ouro, Leão de Ouro, Globo de Ouro e Oscar de melhor atriz. Não há uma única cena em que ela exagere, ou faça de menos. Tudo nela é preciso e requintado. Ostaszweska esteve entre outros, em “Lista de Schindler” e “Pianista”. A crítica polaca tem feito muitos elogios também a Maja Komorowska (presente em “O Homem de Mármore”) por seu desempenho como a mãe do personagem Oficial Artur. A densidade dramática do filme é conduzida pela música de Krzysztof Penderecki e pela magnífica direção de fotografia de Paweł Edelman. Mas é nos cenários, objetos de cena, figurinos, que o filme transporta a imaginação para a Cracóvia daqueles dias de guerra. A cidade é a mesma de hoje, mas o clima e o cenário são de mais de 60 anos atrás. Perfeito, envolvente. Sobre as respostas buscadas, neste período de Polônia, é necessário dizer que com este filme de Wajda, entende-se a repulsa que os polacos, de hoje, sentem pelos russos. Enquanto inimigos declarados, os alemães foram as piores bestas da civilização humana, mas os falsos russos não ficaram atrás. Pior! (Se é que pode existir coisa pior) Não destruíram e assassinaram polacos apenas em Katyń e no resto da Segunda Guerra Mundial, não! Continuaram destruindo e matando nas décadas seguintes com a imposição do sistema comunista. Transformando suas antigas vítimas em algozes do próprio povo polaco. O personagem do oficial que escapa da morte em Katyń, mas se suicida em plena rua da Cracóvia comunista, após uma série de encontros com familiares que ainda tinham esperanças de que os oficiais retornassem do front de guerra na Rússia, é a resposta a muitas das minhas perguntas. Mas os russos estão atormentando os polacos não apenas nos últimos 60 e tantos anos, não! Os reis, nobres e povo russo ocuparam a Polônia de 1795 a 1918. Caída a Dinastia Romanov, assumiu as rédeas Lenin, Trostki e seus bolcheviques. Estes, iguais aos reis, não tardam em voltar seus olhos para a Polônia. Os comunistas atacaram a Polônia em 1920, mas foram rechaçados espetacularmente pelo marechal Józef Pilsudski. A Polônia é a única nação a infringir derrota aos russos. Ninguém chegou tão longe como Pilsudski. O marechal polaco com suas tropas chegou às portas de Moscou. Uma ousadia que não foi esquecida com certeza. Stalin, após tirar o poder de Lenin e assassinar Trotski volta a sonhar com as planícies polacas. O acordo Ribbentrop-Molotov cela o destino da Polônia. Atacada pelos dois lado, mais uma vez, pelas mais potentes forças armadas da época (alemãs e russas), a Polônia tenta resistir. Realmente a sobrevivência da Polônia e dos polacos, talvez, seja caso único de um povo que se nega a desaparecer. E as perguntas que tanto fiz sobre o modo de agir para sobreviver de uns, o de se deixar aprisionar de outros, ou ainda, de morrer pelo ideal de um Polônia Livre estão também retratadas nesta obra de Wajda. Muitos, submissos à prepotência das forças armadas, da polícia e dos agentes de segurança calaram. Outros enfrentando as determinações do Kremlin estiveram sempre em posição de rebeldia. Assim os Polacos, que sofreram os horrores soviéticos e nazistas, foram divididos e transformados, uns em espiões e dedos-duros e outros em mudos e cegos da realidade. A cena do padre negando a colocação da lápide do piloto assassinado em Katyń, na igreja, responde porquê num Estado ateu e comunista de “esquerda”, muitos polacos, hoje, são conservadores e de direita. As cenas de arquivo (foram filmadas pelos nazistas na época e desacreditadas pelos soviéticos) são suaves se comparadas com o realismo das cenas de assassinatos dos oficiais polacos nos campos de Katyń por Wajda e Edelman. A crueldade do nazista Mengeli, ou a loucura do general alemão, governador de Cracóvia, personagem do filme de Spilberg é equiparada por aqueles soldados russos que disparavam, com pausa para uma baforada, nas cabeças dos soldados polacos à beira da vala comum. Talvez esta seja a cena mais chocante da narrativa "wajdiana"!!!! Ali, na cena, não era Stalin que estava disparando, mas um absurdo e idiota soldado vermelho. Evidentemente que cumprindo ordens do georgiano Josef Vissarionovich Dzhugashvili, ou simplesmente Josef Stalin - o soviético. Mas que aquele soldado estava executando vidas. Isto estava! O soviético Stalin, cultuado por boa parte da esquerda mundial, não fica nada a dever aos horrores perpetrados pelo nazista Hilter. Curiosamente nem um dos dois nasceu nos países que comandaram. Enquanto Hitler nasceu na Áustria e se assenhorou da Alemanha, Stalin saiu da Georgia para cometer os maiores crimes contra a humanidade a partir da Rússia. Tomara este filme possa ser visto em todos os países e em todas as línguas, pois embora não chegue a ser extraordinário e tampouco lembre momentos épicos da cinematografia de Wajda, como “Kanał”, “Homem de Mármore”, “Homem de Ferro”, “Danton” e “Terra Prometida” ele é extremamente poderoso para desmentir meio século de mentiras e opressão. Um passo para isso já foi dado, pois além de sua estréia em todos os cinemas da Polônia, o Ministério da Cultura e o Comitê Nacional de Seleção escolheu, entre 16 filmes produzidos no país, o “Katyń” de Andrzej Wajda, para representar a Polônia no Oscar 2008 de melhor filme estrangeiro.

P.S. Faltaram ainda muitas outras respostas. Mas fica mais evidente que o mundo não pode ser dividido dialeticamente apenas entre esquerda e direita, conservadores e progressistas, bem e mal, céu e inferno. Definitivamente o mundo não é só isso que nos impingem as cartilhas religiosas.

"Sztuczki" vence Festival de Gdynia

Andrzej Jakimowski com o troféu de ouro "Lwami" pelo filme "Sztuczki". Ao seu lado, a rvelação de 11 anos, Damian Ul z Wałbrzycha. O longa-metragem recebeu também o troféu de produtor. foto: Kamil Gozdan / AG

"Sztuczki" (chtuchqui - artimanhas) de Andrzej Jakimowski (andjei iaquimovsqui) mostra uma nova cara do cinema polaco. Um novo tom, mais quente, com um humor irônico, distanciamento e desejos mais próximos da realidade. De todos os filmes participantes, apenas dois são lembranças do estilo social que marcou por décadas o cinema polaco. Fora"Korowodzie" Jerzy Stuhr e "Benku" de Robert Gliński, todos parecem seguir uma tendência para a comédia romântica, thriller, brincadeiras filozóficas e parábolas sobre o bem e o mal. Longe, portanto, dos preceitos da crítica. Tanto que os favoritos dos críticos eram "Ogród Luizy" (ogrud luisi - jardim de Luisa) de Maciej Wojtyszki (matchiei voitychqui), no qual o gangster é um honrado político, e "Wszystko będzie dobrze" (vchistco bendjie dobje - tudo será bom) de Tomasz Wiszniewski (tomach vichnievsqui) sobre pelegrinos que crêem em milagre, que não levaram nada. Assim a vitória do filme e produção de Andrzej Jakimowski surpreende pelo novo estilo ,que mistura o tom pessoal com o universal, que é direto e refinado ao mesmo tempo. O filme é sobre um menino que tenta dirigir a própria realidade, dominar os incidentes, trazer para casa o pai que abandonou a família.
Fonte: jornal Gazeta Wyborcza

Começou o Outono

Nas margens do rio Wisła (vissua - Vistula) e ao fundo a ponte de ferro do Bairro do Kazimierz (cajimieje- Casimiro). É tempo de chuvas e ventos. Sem eles as folhas amareladas pelo verão não cairiam. O espetáculo de cores começa no vermelho do guarda-chuva e vai se abrindo nos dias ensolarados para todos os espectros. (poético, não?)