terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Aniversário da Braspol


Ilha das Flores - Ancoradouro e hospedarias dos imigrantes - 1911

A Braspol - Representação Central da Comunidade Brasileiro-Polonesa No Brasil está comemorando nesta terça-feira, 19 anos de fundação. Para tanto estará acontecendo um jantar de Confraternização no Restaurante Veneza, Av. Manoel Ribas, nº 6860, no Bairro de Santa Felicidade em Curitiba. Também será dado início às comemorações dos 140 anos do grupo de imigrantes polacos que chegou a Brusque, Santa Catarina, em 1869.
Grupo considerado por alguns historiadores como o marco inicial da imigração polaca no Brasil, embora outros grupos significativos tenham chegado ao Brasil, bem antes, em 1853 e 1847, no Espírito Santo. 
Novos estudos e pesquisas apontam também que o marechal Krzysztof Arciszewski não teria sido o primeiro polaco a pisar em terras brasileiras em 1629, mas sim Kacper (conhecido como Gaspar da Gama, por ter trabalhado como intérprete nas expedições de Vasco da Gama) um polaco nascido em 1444, em Poznan, que era um dos três emissários intérpretes de Pedro Alvares Cabral a pisar nas areias de Porto Seguro para o primeiro contato com os indios no descobrimento do Brasil em 1500, os outros eram Nicolau Coelho e um africano por seus conhecimentos de vários idiomas.
As comemorações foram iniciadas no último domingo, com uma Missa em Ação de Graças na Igreja Santo Estanislau, na Rua Emiliano Perneta, 463 em Curitiba. A frente das comemorações Rízio Wachowicz, presidente da Braspol. Confirmações pelo telefone 41 3233-1032.

A "violência" de Cracóvia

Foto: Piotr R.

Cracóvia, como de resto as cidades polacas, em geral é muito calma e tranquila. A violência praticamente não existe. O policiamento é ostensivo através dos corpos da polícia e da guarda municipal.
Multas de trânsito, multa por falta de bilhetes nos ônibus e bondes;  multa por portar bebida alcólica nas ruas e praças são as mais comuns. Sendo polaco, a multa vai pelo correio. Sendo estrangeiro o pagamento da multa é no ato. Negar a pagar é meio caminho para a delegacia de polícia.
Nas noites de fim de semana quando as festas acontecem em vários bares e discotecas ao redor do Rynek e bairro do Kazimierz, as ruas ficam cheias de jovens alegres movidos pelo álcool e o desejo de conquista amorosa. Mas nada disso aparece nos jornais. Só quem frequenta bares e discotecas têm a percepção exata deste clima nas noitadas cracovianas.
Quando algo anormal ocorre, aí sim, ganha as páginas dos jornais e emissões de telejornais. Mas é tão raro, que o que aconteceu na noite de ontem, no bairro boêmio do Kazimierz está sendo tratado como uma notícia de grande violência.
Próximo da ulica Skawińska uma patrulha da policia notou a presença de três homens embriagados. Quando os policiais os abordaram, um dos "etílicos" começou a ofender com palavras a autoridade. Os policiais pediram que ele se contivesse. Porém, neste momento, saíram várias pessoas da discoteca em frente, que vendo a discussão entre policiais e bêbados, começaram a jogar garrafas contra os policiais.
Com a confusão estabelecida uma segunda patrulha chegou de reforço. Muitos dos atiradores de garrafas fugiram. Mas cinco foram detidos. São todos polacos moradores de Cracóvia, que têm entre 18 e 20 anos. Dois são estudantes e um é técnico formado. Foram colocados à disposição da Promotoria Regional e serão indiciados por atacarem os policiais. As penas em casos de agressão ocorridos nas ruas são de dois anos de prisão. 

Sobre Gaza

Escrito por José Saramago
e outros intelectuais



Não é uma guerra, não há exércitos se enfrentando. É uma matança.
Não é uma represália, não são os foguetes artesanais que voltaram a cair sobre o território israelense, mas uma campanha eleitoral que desencadeou o ataque.
Não é uma resposta ao fim de uma trégua, porque durante o tempo em que a trégua estava vigente, o exército israelense endureceu ainda mais o bloqueio sobre Gaza e não deixou de levar adiante mortíferas operações com a cínica justificativa de que seu objetivo era atingir membros do Hamas. Por acaso ser membro do Hamas tira a condição humana de um corpo desmembrado pelo impacto de um míssil e o suposto assassinato seletivo da condição de assassinato?
Não é uma violência que fugiu ao controle. É uma ofensiva planificada e anunciada pela potência invasora. Um passo a mais na estratégia de aniquilação da resistência da população palestina, submetida ao inferno cotidiano da ocupação da Cisjordânia e Gaza, assediada pela fome e cujo último episódio é esta carnificina que neste dias ocupa nossos televisores em meio a mensagens amáveis e festivas de ano novo.
Não é um fracasso da diplomacia internacional. É mais uma prova da cumplicidade com Israel. E não se trata somente dos Estados Unidos, que não é referência moral e nem política, mas sim parte de Israel neste conflito; trata-se da Europa, da decepcionante debilidade, ambigüidade e hipocrisia da diplomacia européia.
O mais escandaloso que se passa em Gaza é que tudo isto pode passar sem que nada de mais aconteça. Não se questiona a impunidade de Israel. A violação continuada das leis internacionais, dos termos da Convenção de Genebra e das normas mínimas de humanidade não têm conseqüências.
Mas, muito pelo contrário, tudo indica que se premia Israel, com acordos comerciais, como propostas para a sua entrada na OCSE, e que desta imoralidade resultam frases de alguns políticos dividindo as responsabilidades igualmente entre as partes, entre ocupante e ocupado, entre quem agride e quem é agredido, entre o carrasco e a vítima. Como é indecente esta pretendida eqüidistância, que equipara o oprimido com o opressor. Esta linguagem não é inocente. As palavras não matam, porém ajudam a justificar os crimes e a cometê-los.
Em Gaza está se cometendo um crime. E há tempos está sendo cometido ante os olhos do mundo. E ninguém poderá dizer, como em outros tempos se disse na Europa, que não sabíamos.


José Saramago, Laura Restrepo, Teresa Aranguren, Belén Gopegui, e outros.

Acreditando que a poesia ainda consegue ser lida, ouvida e entendida, Jorge Luiz Borges, o grande poeta argentino, escreveu um belo poema por ocasião da guerra das Malvinas. Fala de dois jovens, o argentino Juan López e o inglês John Ward, arrastados para a morte por “próceres de bronze”. Diante da brutalidade que se abate sobre a terra prometida, vale recitá-lo:

“Tocou-lhes por azar uma época estranha.
O planeta havia sido dividido em distintos países, cada um dotado de lealdades, de queridas memórias, de um passado sem dúvida heróico, de direitos, de agravos, de uma mitologia singular, de próceres de bronze, de aniversários, de demagogos e de símbolos. Essa divisão, cara aos cartógrafos, propiciava guerras.
López nascera na cidade junto ao rio imóvel; Ward, nos arredores da cidade por onde andou Father Brown. Havia estudado castelhano para ler o Dom Quixote.
O outro professava a paixão por Conrad, que lhe havia sido revelado em uma aula na rua Viamonte.
Teriam sido amigos, mas só se viram uma vez, cara a cara, em umas ilhas por demais famosas, e cada um dos dois foi Caim, e cada um, Abel.
Foram enterrados juntos. A neve a corrupção os conhecem.
O caso que lhes conto ocorreu num tempo que não podemos entender”.

Às amizades de sempre

Foto: Ulisses Iarochinski

Tenho notado um aumento considerável no número de pessoas, que inadvertidamente se deixam levar pela ânsia de violência. Pessoas que partilhavam as mesmas idéias, hoje estão distantes, já não pensam como antes.
Não, que evoluíram em seus conceitos rumo a fraternidade. Não!
Na verdade, estão voltando atrás. Mas não para aqueles tempos do comungar das idéias para um mundo melhor, longe das atrocidades e mentiras. Estão voltando para os tempos da bárbarie, dos tempos em que matar era um ato covarde de supremacia militar. Muitos parecem se esquecer, ou talvez nunca souberam realmente o que estava se passando, mas não há como negar a história, quando ela de fato aconteceu.
Assim, dialogar, tem se tornado um ato muito difícil de executar. Não se consegue dialogar com o amigo de ontem, quanto mais com o de hoje. O que não será com o de amanhã?
Acompanho diariamente o que jornalistas escrevem pelo mundo. Não só os jornalistas brasileiros, mas principalmente os polacos, os espanhois, os portugueses, os italianos, os franceses, os ingleses e aqueles tantos outros de diferentes línguas que são traduzidos para alguma destes idiomas citados.
A manipulação da informação, muitas vezes ditadas pela ignorância histórica, pela falta de compreensão da conjuntura e simplesmente porque não se concorda com o fato que se está relatando tem transformado as relações em completos abismos.
A crença de muitos de que a grande imprensa manipula a informação por interesses econômicos, políticos, geoestratégicos não impende que aceitem mentiras como verdades, que duvidem da sinceridade das amizades que apontam outros caminhos, amizades que relembram fatos, que traduzem bloqueios, censuras e preconceitos.
Se num mundo onde ainda os morteiros dos países vizinhos não se voltaram contra nós, as amizades estão se deteriorando por falta de diálogo, parceria e comunhão de idéias, imagine-se o que não pode estar acontecendo nas fronteiras de Gaza, Paquistão, Afeganistão, Sudão, Indonésia?
E quando já não restar mais sentimento será impossível resgatar a amizade. Pois nunca é possível reconstruir, seja o que for, a partir só do que ouve num determinado instante. Temos sempre de lembrar o contexto, e contexto distorcido, a ponto de se tornar irreconhecível é o que está acontecendo, por exemplo em Israel. É fácil dizer que Hamas, Talibãs, ETA, Chechenos, georgianos são terroristas, mas é extremamente díficil aceitar que constituições e exércitos de Espanha, Rússia, Israel, Grã-Bretanha, Estados Unidos são máquinas de matar das mais implacáveis que já existiram na história da humanidade. Estes países, principalmente, cometem terrorismo há décadas, mas nem por isto se ouve aqui e ali que são assassinos. Por que?
Espero poder estar contribuindo para a permanência do diálogo e que se divergir é necessário, também o é o entender.
O dramaturgo, músico e poeta alemão Bertold Brecht em sua luta contra a ascensão de Hitler escreveu um poema, que junto com amigos atores, sob a direção do ator José Maria Santos, encenamos nos palcos do Paraná. Os poemas "Aos que vão nascer" e "O hoje e o jamais" estão nesta sequência do espetáculo "Na Boca dos Poetas" . Os nomes dos "falantes" são aqueles atores da amizade perene:

(BLACK-OUT. MÚSICA: NA BOCA DA NOITE, TOQUINHO. UM ATOR SENTADO NO PROSCÊNIO, ENFORCADO. LUZ VOLTA EM RESISTÊNCIA)

ULISSES:      Apesar de todas as angústias e sofrimentos desta vida. Tudo vale a pena, como dizia Fernando Pessoa, poeta português, quando a alma não é pequena. E apesar da injustiça passear pelas ruas com os passos seguros, como dizia Bertold Brecht, poeta e dramaturgo alemão, nós preferimos a poesia.

(RETIRA A CORDA DO PESCOÇO)

Aos que vão nascer – Bertold Brecht

TODOS:  REALMENTE EU VIVO NUM TEMPO SOMBRIO!

ULISSES:      A inocente palavra é um despropósito! Uma fronte sem rugas demonstra                                           insensibilidade.

TÂNIA:          Quem está rindo, é porque não recebeu ainda a notícia terrível.

CLEY:            Que tempo é este, em que uma conversa sobre árvores chega a ser uma falta, pois implica em silenciar sobre tantos crimes?

MARISE:      Esse que vai cruzando a rua calmamente, então já não está ao alcance dos amigos necessitados?

TODOS:        É VERDADE AINDA GANHO O MEU SUSTENTO!

RENE:          Porém, acreditai-me: é mero acaso. Nada do que faço me dá direito a isso, de comer e fartar-me. Por acaso me poupam. Se minha sorte acaba, estou perdido.

CLEY:           Dizem-me: vai comendo e bebendo! Alegra-te pelo que tens!

MARCOS:    Mas como hei de comer e beber, se o que eu como é tirado a quem tem fome e o meu copo d’água falta a quem tem sede?

TODOS:       NO ENTANTO EU COMO E BEBO!

ULISSES:     Eu gostaria bem de ser um sábio. Nos velhos livros está o que é a sabedoria:    Manter-se longe das lidas do mundo e o tempo breve deixar correr sem medo.

CLEY:          Também saber passar sem violência, pagar o mal com o bem, os próprios desejos não realizar e sim esquecer, conta-se como sabedoria.

TODOS:      NÃO POSSO NADA DISSE: REALMENTE, EU VIVO NUM TEMPO SOMBRIO!

SOLANGE:    Às cidades cheguei em tempo de tumulto, com a fome imperando. Junto aos homens cheguei em tempo de desordem e me rebelei com ele.

 TODOS:       ASSIM, PASSOU-SE O TEMPO QUE SOBRE A TERRA ME FOI CONCEDIDO.

 TÂNIA:       Minha comida mastiguei entre as refregas. Para dormir, deitei-me entre assassinos. O amor eu exercia sem cuidado. E olhava sem paciência a natureza,

 TODOS:      ASSIM, PASSOU-SE O TEMPO QUE SOBRE A TERRA ME FOI CONCEDIDO.

 MARCOS:   As ruas do meu tempo iam dar no atoleiro. A fala, denunciava-me ao carrasco. Bem pouco podia eu. Mas os mandões sem mim se achavam mais seguros. Eu esperava.

 TODOS:      ASSIM, PASSOU-SE O TEMPO QUE SOBRE A TERRA ME FOI CONCEDIDO.

 SOLANGE:  Vós, que vireis na crista da maré em que nos afogamos, pensai quando falardes em nossas fraquezas, também no tempo sombrio a que escapastes.

FERNANDO:  Vínhamos nós mudando mais de país do que de sapatos. Em meio às lutas de classes, desesperados, enquanto apenas injustiça havia e revolta, nenhuma.

MARISE:        E entretanto sabíamos: também o ódio a baixeza endurece as feições, também a raiva contra a injustiça, torna mais rouca a voz. Ah!... e nós que pretendíamos preparar o terreno para a amizade, nem bons amigos, nós mesmos pudemos ser.

ULISSES:      Mas vós, quando chegar a ocasião de ser o homem, um parceiro para o homem,

TODOS:         PENSAI EM NÓS COM SIMPATIA!

                       O hoje e o jamais – Bertold Brecht

FERNANDO: A injustiça passeia pelas ruas com passos seguros.

MARISE:        Os dominadores se estabelecem por dez mil anos. Só a força os garante. Tudo ficará como está.

MARCOS:       Nenhuma voz se levanta além da voz dos dominadores.

SOLANGE:     Nos mercados da exploração se diz em voz alta: Agora acaba de começar!  E entre os oprimidos, muitos dizem: Não se realizará jamais o que queremos!

ULISSES:      O que ainda vive, não diga: jamais!

CLEY:            O seguro não é seguro. Como está não ficará. Quando os dominadores falarem. Falarão também os dominados.

ULISSES:       Quem se atreve a dizer: jamais? De quem depende a continuação desse domínio?

TODOS:         DE NÓS!

ULISSES:      De quem depende a sua destruição?

TODOS:        IGUALMENTE DE NÓS!

RENE:          Os caídos que se levantem! Os que estão perdidos que lutem! Quem reconhece a situação como pode se calar? Os vencidos de agora serão os vencedores de amanhã.

TODOS:        E O HOJE NASCERÁ DO JAMAIS!

MARCOS:     Bertold Brecht nasceu em Ausburgo, na Alemanha em 10 de fevereiro de 1898 e faleceu em Berlim em 14 de agosto de 1956. É o mais influente dramaturgo universal do século vinte. A violência em sua poesia é uma constante. Injustiça social, crimes, alcoolismo, nada foi esquecido por ele. Num de seus poemas ele diz: “Eu, Bertold Brecht, sou das negras florestas. Para a cidade minha mãe me trouxe no ventre ainda e o frio das florestas em mim se há de encontrar até eu morrer.” Hoje, podemos dizer que este frio transcendeu a sua morte.