terça-feira, 27 de janeiro de 2009
Aniversário da Braspol
A "violência" de Cracóvia
Sobre Gaza
Não é uma represália, não são os foguetes artesanais que voltaram a cair sobre o território israelense, mas uma campanha eleitoral que desencadeou o ataque.
Não é uma resposta ao fim de uma trégua, porque durante o tempo em que a trégua estava vigente, o exército israelense endureceu ainda mais o bloqueio sobre Gaza e não deixou de levar adiante mortíferas operações com a cínica justificativa de que seu objetivo era atingir membros do Hamas. Por acaso ser membro do Hamas tira a condição humana de um corpo desmembrado pelo impacto de um míssil e o suposto assassinato seletivo da condição de assassinato?
Não é uma violência que fugiu ao controle. É uma ofensiva planificada e anunciada pela potência invasora. Um passo a mais na estratégia de aniquilação da resistência da população palestina, submetida ao inferno cotidiano da ocupação da Cisjordânia e Gaza, assediada pela fome e cujo último episódio é esta carnificina que neste dias ocupa nossos televisores em meio a mensagens amáveis e festivas de ano novo.
Não é um fracasso da diplomacia internacional. É mais uma prova da cumplicidade com Israel. E não se trata somente dos Estados Unidos, que não é referência moral e nem política, mas sim parte de Israel neste conflito; trata-se da Europa, da decepcionante debilidade, ambigüidade e hipocrisia da diplomacia européia.
O mais escandaloso que se passa em Gaza é que tudo isto pode passar sem que nada de mais aconteça. Não se questiona a impunidade de Israel. A violação continuada das leis internacionais, dos termos da Convenção de Genebra e das normas mínimas de humanidade não têm conseqüências.
Mas, muito pelo contrário, tudo indica que se premia Israel, com acordos comerciais, como propostas para a sua entrada na OCSE, e que desta imoralidade resultam frases de alguns políticos dividindo as responsabilidades igualmente entre as partes, entre ocupante e ocupado, entre quem agride e quem é agredido, entre o carrasco e a vítima. Como é indecente esta pretendida eqüidistância, que equipara o oprimido com o opressor. Esta linguagem não é inocente. As palavras não matam, porém ajudam a justificar os crimes e a cometê-los.
Em Gaza está se cometendo um crime. E há tempos está sendo cometido ante os olhos do mundo. E ninguém poderá dizer, como em outros tempos se disse na Europa, que não sabíamos.
José Saramago, Laura Restrepo, Teresa Aranguren, Belén Gopegui, e outros.
“Tocou-lhes por azar uma época estranha.
O planeta havia sido dividido em distintos países, cada um dotado de lealdades, de queridas memórias, de um passado sem dúvida heróico, de direitos, de agravos, de uma mitologia singular, de próceres de bronze, de aniversários, de demagogos e de símbolos. Essa divisão, cara aos cartógrafos, propiciava guerras.
López nascera na cidade junto ao rio imóvel; Ward, nos arredores da cidade por onde andou Father Brown. Havia estudado castelhano para ler o Dom Quixote.
O outro professava a paixão por Conrad, que lhe havia sido revelado em uma aula na rua Viamonte.
Teriam sido amigos, mas só se viram uma vez, cara a cara, em umas ilhas por demais famosas, e cada um dos dois foi Caim, e cada um, Abel.
Foram enterrados juntos. A neve a corrupção os conhecem.
O caso que lhes conto ocorreu num tempo que não podemos entender”.
Às amizades de sempre
(BLACK-OUT. MÚSICA: NA BOCA DA NOITE, TOQUINHO. UM ATOR SENTADO NO PROSCÊNIO, ENFORCADO. LUZ VOLTA EM RESISTÊNCIA)
ULISSES: Apesar de todas as angústias e sofrimentos desta vida. Tudo vale a pena, como dizia Fernando Pessoa, poeta português, quando a alma não é pequena. E apesar da injustiça passear pelas ruas com os passos seguros, como dizia Bertold Brecht, poeta e dramaturgo alemão, nós preferimos a poesia.
(RETIRA A CORDA DO PESCOÇO)
Aos que vão nascer – Bertold Brecht
TODOS: REALMENTE EU VIVO NUM TEMPO SOMBRIO!
ULISSES: A inocente palavra é um despropósito! Uma fronte sem rugas demonstra insensibilidade.
TÂNIA: Quem está rindo, é porque não recebeu ainda a notícia terrível.
CLEY: Que tempo é este, em que uma conversa sobre árvores chega a ser uma falta, pois implica em silenciar sobre tantos crimes?
MARISE: Esse que vai cruzando a rua calmamente, então já não está ao alcance dos amigos necessitados?
TODOS: É VERDADE AINDA GANHO O MEU SUSTENTO!
RENE: Porém, acreditai-me: é mero acaso. Nada do que faço me dá direito a isso, de comer e fartar-me. Por acaso me poupam. Se minha sorte acaba, estou perdido.
CLEY: Dizem-me: vai comendo e bebendo! Alegra-te pelo que tens!
MARCOS: Mas como hei de comer e beber, se o que eu como é tirado a quem tem fome e o meu copo d’água falta a quem tem sede?
TODOS: NO ENTANTO EU COMO E BEBO!
ULISSES: Eu gostaria bem de ser um sábio. Nos velhos livros está o que é a sabedoria: Manter-se longe das lidas do mundo e o tempo breve deixar correr sem medo.
TODOS: NÃO POSSO NADA DISSE: REALMENTE, EU VIVO NUM TEMPO SOMBRIO!
SOLANGE: Às cidades cheguei em tempo de tumulto, com a fome imperando. Junto aos homens cheguei em tempo de desordem e me rebelei com ele.
FERNANDO: Vínhamos nós mudando mais de país do que de sapatos. Em meio às lutas de classes, desesperados, enquanto apenas injustiça havia e revolta, nenhuma.
MARISE: E entretanto sabíamos: também o ódio a baixeza endurece as feições, também a raiva contra a injustiça, torna mais rouca a voz. Ah!... e nós que pretendíamos preparar o terreno para a amizade, nem bons amigos, nós mesmos pudemos ser.
ULISSES: Mas vós, quando chegar a ocasião de ser o homem, um parceiro para o homem,
TODOS: PENSAI EM NÓS COM SIMPATIA!
FERNANDO: A injustiça passeia pelas ruas com passos seguros.
MARISE: Os dominadores se estabelecem por dez mil anos. Só a força os garante. Tudo ficará como está.
MARCOS: Nenhuma voz se levanta além da voz dos dominadores.
SOLANGE: Nos mercados da exploração se diz em voz alta: Agora acaba de começar! E entre os oprimidos, muitos dizem: Não se realizará jamais o que queremos!
ULISSES: O que ainda vive, não diga: jamais!
CLEY: O seguro não é seguro. Como está não ficará. Quando os dominadores falarem. Falarão também os dominados.
ULISSES: Quem se atreve a dizer: jamais? De quem depende a continuação desse domínio?
TODOS: DE NÓS!
ULISSES: De quem depende a sua destruição?
TODOS: IGUALMENTE DE NÓS!
RENE: Os caídos que se levantem! Os que estão perdidos que lutem! Quem reconhece a situação como pode se calar? Os vencidos de agora serão os vencedores de amanhã.
TODOS: E O HOJE NASCERÁ DO JAMAIS!
MARCOS: Bertold Brecht nasceu em Ausburgo, na Alemanha em 10 de fevereiro de 1898 e faleceu em Berlim em 14 de agosto de 1956. É o mais influente dramaturgo universal do século vinte. A violência em sua poesia é uma constante. Injustiça social, crimes, alcoolismo, nada foi esquecido por ele. Num de seus poemas ele diz: “Eu, Bertold Brecht, sou das negras florestas. Para a cidade minha mãe me trouxe no ventre ainda e o frio das florestas em mim se há de encontrar até eu morrer.” Hoje, podemos dizer que este frio transcendeu a sua morte.