terça-feira, 18 de março de 2014

A falta de razão histórica para invasão da Crimeia


A fala do presidente Putin, nesta terça-feira, 18 de março de 2014, no Kremlin, em Moscou é discutível sob pontos de vista históricos e geopolíticos.
Numa história de mil anos, 127 anos, 40 anos, 5 anos de ocupações... São nada se tomados factualmente. Para se analisar a situação da Europa Central, no momento, é necessário ser mais conjuntural. Isto para não se validar crimes e aceitar como verdades situações momentâneas.
De maior potência e de maior território no final da idade média, a União das Duas Nações Polônia-Lituânia, iniciada em 1371 com o matrimônio da Rei da Polônia (Jadwiga - sim rei e não rainha) com o Duque Iaguelão da Lituânia se transformou em República Polônia-Lituânia em 1453.
Evoluiu para uma República Parlamentarista com Senado, Câmara de Deputados e eleição de reis (geralmente príncipes estrangeiros) em 1572. Culminou com a introdução da Constituição de 3 de maio de 1791 (a primeira da Europa) que derrubava o “Liberum Veto”.
O artigo da Lei acabou causando a criação da Confederação de Bar, onde um grupo de congressistas polacos se rebelou contra a queda do "liberum veto" existente desde 1572 e se aliou às potências estrangeiras para a ocupação da Polônia.
De 1793 a 1918, o Reino da Rússia, o Reino da Prússia (atual Alemanha) e o Império Austríaco ocuparam o território polaco e causaram as maiores atrocidades contra os povos da Polônia (polacos, rutenos, ciganos, judeus e tártaros).
Em ações conjuntas, os três invasores dizimaram grande parte da população polaca e introduziram nas terras colonos de suas respectivas nações.
O idioma polaco foi proibido nas três áreas invadidas; proibição dos padres polacos fazerem seus sermões e homilias em idioma polaco; despolonização dos nomes geográficos, ruas, praças e cidades; venda obrigatória das terras polacas para colonos estrangeiros, entre outras medidas, como a Kulturcamp preconizada por Von Bismarck, de eliminar qualquer traço da cultura polaca, substituindo pela cultura germânica; na parte ocupada pelos russos houve a imposição da fome e apreensão de toda colheita agrícola que era enviada para Moscou.
Com a derrota do Império Austríaco e germânico na primeira guerra mundial, a Polônia pode sair das trevas impostas pelos vizinhos poderosos e novamente hastear a bandeira branca e vermelha da águia branca e voltar a figurar no mapa do mundo.
Mas os comunistas que assumiram o poder na Rússia Monárquica em 1917, voltaram a invadir a Polônia e foram rechaçados por um exército polaco muito menor.
Em resposta às tentativas do presidente polaco Józef Pilsudski e do líder ruteno Symon Petliura de se criar um Estado para a Rutênia, os bolcheviques de Moscou se adiantaram e criaram em 1922, a República Socialista Soviética da Ucrânia, em território que havia sido da Polônia.
Os Rutenos que viviam há séculos na Polônia, viraram ucranianos comunistas e a Rutênia milenar se transformou na Ucrânia controlada por Moscou.
No final da Segunda Guerra Mundial, os líderes Ocidentais e a Rússia dividiram os territórios da Europa Central, sem ouvir a maior vítima da Guerra, a Polônia. O líder Soviético avançou mais sobre o território da Polônia, dando as terras para a Ucrânia Soviética. Comboios e mais comboios de polacos foram retirados de suas terras milenares do Leste e socados nos 312 mil Km quadrados de território que sobrou na divisão encetada por Stalin, Truman e Churchill na Reunião de Potsdam.
Os Estados Unidos então resolveu reconstruir os agressores alemães através do Plano Marshall e relegar à própria sorte a vitimada Polônia. Em troca, os Estados Unidos impuseram a permissão de instalar várias bases militares na Alemanha (Ocidental).
À Polônia destruída por alemães e soviéticos, restou lutar contra guerrilheiros ucranianos que invadiam o território destinado a Polônia, no intuito de aumentar o território da Ucrânia Soviética e assassinar mais polacos. Por 4 anos, a Polônia se viu sozinha e acossada por Stalin. Viu seu território ser invadido por civis russos que provocavam badernas e crimes.
Em 1949, da mesma forma que Putin fez agora na Crimeia, foi imposto um referendo aos polacos se desejavam ou não se tornarem comunistas como a Rússia.
As fraudes foram escandalosas pró-Rússia, como foi agora na Crimeia. Assim, mais uma vez a Polônia sofreu ocupação russa, agora de caráter comunista stalinista.
Como uma ilha católica apostólica romana na região, cercada por protestantes ao Norte, Oeste e Sul e por ortodoxos a Leste, a Polônia teve as portas de suas igrejas, por mando do comando soviético, em Moscou, fechadas.
Em 1953, o Cardeal Primaz da Polônia, Stefan Wiczynski foi preso pelas autoridades soviéticas. Foi libertado em 1956, quando as portas das igrejas foram abertas.
Não tomasse esta atitude, de liberação, os soviéticos teriam visto o comunismo acabar na Polônia, em 1956.
Os anos que se seguiram não foram fáceis para os polacos, levantes em 1960, 1963, 1968 e 1970 tornaram as relações Varsóvia-Moscou desastrosas.
Em 1981, foi preciso a instauração da Lei Marcial, para segundo o presidente polaco Jaruzelski impedir uma invasão do exército soviético, como havia acontecido na Tchecoslováquia e Hungria, uma década atrás.
Mas finalmente os operários dos estaleiros de Gdansk e os mineiros da minas de Katowice fizeram ruir o grande Império Soviético....e vários povos puderam se libertar de Moscou.
O chefe do Serviço Secreto Soviético assumiu o poder então na Rússia (vem se revezando no papel de primeiro-ministro e presidente) e vem tentando recompor o antigo Reino do Romanov e o Império dos Soviéticos.
Como estratégia tem levantado a ideia de defender povos de origem russa presentes nas repúblicas reinvadidas da Chechênia, das províncias da Geórgia (Ossétia do Norte e do Sul, e Abicássia). O oferecimento de cidadania e passaportes russos para todos os cidadãos de outras nações que nasceram no período soviético foi uma primeira medida.
A segunda medida foi invadir repúblicas e províncias estrangeiras com o véu de proteção.
Não foi nada mais do que isso, o que está acontecendo na Crimeia...e amanhã será Donestk e Kharkiv... e quem sabe num futuro não muito distante, Varsóvia... Isso para reconstituir não só Império Soviético de 1917 a 1989, mas também o Reino dos Romanov de 1793 a 1918.
Putin quer ser coroado Rei das Europa Central e do Leste.
Esse é o grande propósito, e o Ocidente como fez em 1793/95 e em 1949 vai deixar a Polônia relegada a sua própria sorte...
E pensar que os Estados Unidos receberam o maior contingente de imigrantes em sua história, não da Irlanda, ou da Inglaterra, mas justamente da Polônia, fossem católicos ou judeus. Foram os polacos judeus que transformaram Los Angeles em Hollywood.
A pergunta é: o que os Americanos descendentes de polacos católicos e de judeus têm feito ao longo do tempo para defender a Polônia?
O que a maioria dos cientistas americanos ganhadores do Prêmio Nobel (a maioria nascidos na Polônia) têm feito para defender a Polônia?
O que os israelenses descendentes de polacos judeus têm feito para defender a Polônia?

Texto:
*Ulisses Iarochinski
(mestre em cultura internacional e doutor em história pela Universidade Iaguielônica de Cracóvia)