terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Le Monde entrevista Lech Wałęsa

Ex-presidente polaco se mostra preocupado com a situação política na Europa e condena as acusações sobre seu passado.


Lech Wałęsa meio que vive dentro de seu próprio museu. Seus escritórios ficam no novíssimo Centro Europeu de Solidariedade, inaugurado em Gdańsk em 2014, que conta a história do Solidarność. Desde sua segunda derrota em uma eleição presidencial, em 2000, o ex-líder sindical, 72, se retirou da vida política, mas fala com frequência para a mídia polaca.

Em entrevista ao "Le Monde", realizada no dia 5 de fevereiro, ele fala sobre sua preocupação com a Europa e a Polônia desde que chegou ao poder o governo conservador do partido Direito e Justiça (PiS). Ele denuncia os vários ataques feitos pelos conservadores que o acusam de ter colaborado com a polícia política comunista.

Le Monde: Qual foi sua reação ao processo lançado pela Comissão Europeia contra a Polônia?

Lech Wałęsa: Nós pertencemos a um clube em que reinam certas regras que somos obrigados a respeitar. A crise que o continente vem atravessando é muito grave. Devemos entrar em um acordo quanto a um novo fundamento. Em uma época, tínhamos uma Europa cristã. Depois, tivemos as ideologias, comunista ou outras, e agora não há mais nada. Com quais valores criar seus filhos? A outra questão é: qual é a diferença hoje entre esquerda e direita? Houve uma época em que essa divisão era clara, mas não é mais o caso hoje.
Na França, a Frente Nacional chegou muito perto do poder e não é impossível que vença da próxima vez. Muitos países europeus estão atravessando uma crise de legitimidade de sua democracia. A Polônia, com sua bagagem histórica, vê essa crise do projeto europeu, e é por isso que ela está buscando sua própria via, mais à direita.
Quando não há boas soluções para os problemas, então os demônios despertam. Tem gente que sugere que se desconstrua a União Europeia. Se não encontrarmos uma resposta para a crise, é o que acontecerá. A rua dita suas leis, porque os políticos não têm soluções convincentes e estão com falta de argumentos. Os populismos e a demagogia estão chegando ao poder. No fundo, é bom que existam os Le Pen e os Kaczyński, pois eles nos obrigam a nos revisar, a inventar algo de novo.

Le Monde: Qual seria esse novo fundamento?

Lech Wałęsa: Por exemplo, uma pequena Constituição europeia, com dez mandamentos laicos. Um documento não muito grande, mas que não será contestado por ninguém. É preciso definir antes de tudo o que deve ser de competência europeia e o que não deve. É preciso melhorar a eficácia e a inteligência das instituições europeias.

Le Monde: O senhor teme que o governo polaco vá afastar a Polônia da Europa?

Lech Wałęsa: Não, os polacos superaram situações bem mais difíceis, e também nesse caso eles se sairão bem. Só é preciso notar que as massas populares estão descontentes com a situação atual, o que explica a vitória do PiS. Nem 50% dos polacos compareceram às urnas, mas por quê? Parte deles diz: o país está cada vez melhor, a situação está melhorando, não me interesso por política, não conheço nada. E é por causa dessa abstenção que chegamos a esse ponto. O PiS foi eleito por causa de um programa que não está colocando em prática. Eles esconderam todos os elementos mais radicais de que a população não gostava. Se eles tivessem dito logo de início que iriam controlar o Tribunal Constitucional, ninguém os teria eleito.

Le Monde: Ao mesmo tempo, muito poucas pessoas estão protestando...

Lech Wałęsa: Porque o PiS fez muitas promessas populistas. Redução da idade de aposentadoria, abonos familiares... as pessoas foram seduzidas. Mas se começar a faltar dinheiro para o governo, os problemas vão começar. O governo tem um pouco de margem de manobra porque o estado da economia está bom. Mas se a situação vier a piorar, os problemas do PiS começarão e as massas populares se juntarão aos que estão protestando. Por que não propor então um referendo para eleições antecipadas?

Le Monde: De onde vêm essas divisões tão profundas no país?

Lech Wałęsa: Para governar e se manter no poder, Jarosław Kaczyński precisa de um inimigo. É por isso que o pessoal do PiS está sempre fuçando no passado, caçando os "agentes" comunistas. Eles precisam disso para cimentar suas bases e alimentam a "guerra entre polacos".

Le Monde: O senhor é um desses inimigos?

Lech Wałęsa: Sim, eles precisam desse tipo de inimigos. Eles queriam colocar Lech Kaczyński, o ex-presidente polaco, morto no acidente de avião de Smoleńsk em 2010, no meu lugar e fazer dele o principal símbolo da luta contra o comunismo. Eles queriam fazer de mim um "agente", de preferência a serviço de Moscou.

Le Monde: Como o senhor responde às acusações de ter colaborado com o regime comunista feitas contra o senhor?

Lech Wałęsa: Eu subestimava essas vozes que me acusavam. Eu acreditava sinceramente que o Instituto da Memória Nacional queria saber a verdade sobre esse caso. O problema é que os comunistas destruíram muitos documentos. As agências de inteligência comunistas tinham quase cem volumes de acusações sobre mim e minha luta, que foram quase todos destruídos. O que restou foi o que convinha aos comunistas para minarem meu crédito.
Na época, havia duas abordagens que eram usadas contra os comunistas. A primeira os tratava como inimigos e bandidos com quem era impossível conversar. A segunda era a minha, que os via como doentes que precisavam de um médico, e era preciso conversar com eles, reparar seus erros. Essas duas concepções hoje são irreconciliáveis, e é por isso que meus inimigos não conseguem me perdoar por eu ter decidido conversar com os comunistas, e me acusam de ser um "agente". A verdade é que eu manipulava os serviços secretos comunistas bem mais do que eles me manipulavam.

Le Monde: Qual era o lugar dos irmãos Karczyński na época do Solidarność?

Lech Wałęsa: No início do Solidarność, eles tinham medo de se manifestar muito abertamente, uma vez que seu apoio no sindicato livre era limitado. Eles faziam parte daqueles que queriam lutar pelas vias legais contra o comunismo. Depois eles mudaram e se tornaram mais radicais. Quanto mais se aproximavam da vitória, mas sua coragem aumentava. E como eles eram dois, já acostumados a disputar o seio de sua mãe, eles sempre tinham mais chances de se defenderem mutuamente (risos).
Eles faziam um bom trabalho, mas sempre sob minhas ordens. Eles tinham qualidades que podíamos utilizar com critério, mas eles não eram atores de primeiro plano. Lech Kaczyński sempre foi bem próximo de mim. Quando eu me tornei presidente, fiz dele meu substituto no sindicato. Era muito mais fácil me entender com Lech do que com Jarosław Kaczyński. Eles eram bastante secundários no movimento, ficando à sombra de pessoas mais competentes. Eles apostaram em outras pessoas igualmente marginalizadas e frustradas dentro do Solidarność.
Eram o tipo de pessoas que, em condições normais, não deveriam ter nenhum papel político a exercer. Os Kaczyński representavam uma coalizão de frustrados da Solidarność. Atualmente, o PiS está muito determinado e unido.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Olbiński lançará livro de seus posters

Rafał Olbinski, Aurora dos Deuses, acrílico, óleo sobre tela, 60 x 90 cm
Um livro com os posters de Rafał Olbiński será lançado na próxima primavera do hemisfério Norte, em Nova Iorque.


"Posters não devem ser literais, mas metafóricos", disse Olbiński, pintor, ilustrador e designer de poster, durante encontro no Consulado polaco em Nova Iorque. O artista estava promovendo seu próximo livro - Paixão para com os Posters".

Rafał Olbiński, Tentação Acidental, acrílico, óleo sobre tela, 78 x 60 cm
O livro de 240 páginas inclui cerca de 300 posters de Olbiński, feitos em diferentes períodos de sua obra artística. O livro abre com os primeiros trabalhos do artista nos anos de 1970, quando ele ainda estava à procura de seu próprio estilo. Ele apresenta uma seleção de cartazes  de música, ópera, teatro, cinema, jazz, e de circo, bem como cartazes dedicados a temas sociais e políticos urgentes, como a guerra e a imigração.

Rafał Olbiński, Carmen, acrílico, óleo sobre tela, 45 x 37 cm
Richard Wilde, da School of Visual Arts em Nova Iorque, escreveu a introdução do livro, no qual descreve o artista como um mestre da surpresa, de obras sedutoras, misteriosas, provocantes e mágicas capaz de seduzir milhões de pessoas em todo o mundo. Independentemente do assunto, ele têm a capacidade de chocar e surpreender o público. Wilde acrescentou:

"Indefinição, ambiguidade, paráfrases de motivos, sobretons ao mesmo tempo ameaçador e tentador, referências sexuais, nuances, gosto pela forma feminina, composições clássicas e metamorfose de um objeto em outro, bem como referências para o surrealismo - tudo isso faz com que a demanda  a participação ativa do público pelos trabalhos de Olbiński".


Rafał
 Olbiński, Emulação de Mérito, acrílico, óleo sobre tela, 60 x 56 cm,
"Passion for Posters", é um livro de capa dura publicado pela Bosz em duas edições de idioma - polaco e inglês - será apresentado, em maio de 2016, durante a América BookExpo em Chicago. Supõe-se que se tornará leitura obrigatória na Escola de Artes Visuais, onde Olbiński ensina há 15 anos.

Durante o encontro no Consulado, o artista disse: "Em certo sentido, eu sou a terceira fase da Escola Polaca de Posters, ou pelo menos eu era um naquele início. Todo mundo que estava trabalhando em projeto gráfico industrial (incluindo a mim depois de se formar em arquitetura) queria fazer cartazes. Poster é a parte nobre da atividade de um designer".

Rafał Olbiński, Carta de um amante tímido II, acrílico, óleo sobre tela, 112 x 74 cm
Olbiński comparou os posters como sendo ideais para as grandes pinturas, dizendo que ambos revelam a percepção e o estilo individual do artista, e que eles compartilham uma capacidade similar para impactar o público. Ele acrescentou: Eu crio pinturas, que incluem elementos de posters. Como uma boa pintura, um bom cartaz é facilmente lembrado. Não é apenas uma exclamação. mas também um ponto de interrogação visual. Ele agarra a nossa atenção e, em seguida, faz-nos pensar e se envolver emocionalmente.

Segundo o artista, seus cartazes têm uma vida dupla - sem a mensagem verbal são pinturas. Mais ambivalente e matizado, eles só se tornam cartazes após a adição de legendas e tipografia - e isso é quando eles vendem um produto ou ideia específica.

Olbiński descreve seu próprio estilo como uma metáfora surreal-poético, pintura realista com a sua própria tipografia, que tem um duplo significado. O artista procura por metáforas e analogias que podem enriquecer a sensibilidade, a nossa compreensão de mundo, história e mitologia - uma tarefa bastante difícil, ele admite. De certa forma, ele percebe sua arte com um diálogo com os titãs da eras passadas.

Rafał Olbiński, ocultação de opiniões fixas, acrílico, óleo sobre tela, 29 x 57 cm,
Durante o encontro em Nova Iorque, Olbiński recordou o início de sua carreira artística nos Estados Unidos. Ele também falou da coleção de seus pequenos contos como "História de amor" e "Outros embaraços curiosos", bem como "Virtude da Ambiguidade", e uma retrospectiva de suas pinturas com ensaios de críticos de renome como Robert C. Morgan e Izabela Gabrielson.

Quem é
Rafał Olbiński, ou Józef Rafał Olbiński é o pseudônimo artístico de Józef Rafał Feliks Chałupka. Ele nasceu em 21 de fevereiro de 1943, em Kielce, Polônia.

Pintor polaco, artista gráfico e criador de cartazes é um dos representantes da chamada escola cartaz polaco.

Emigrou para os Estados Unidos em 1981, onde se tornou mundialmente conhecido.

Filho de Józef e Janina Chałupa, é o mais velho de sete irmãos. Estudou na Escola Stefan Żeromski, em Kielce. Após o ensino médio, cursou na Universidade de Tecnologia de Varsóvia, arquitetura, onde se formou em 1969.

Começou a trabalhar colaborando com a revista "Jazz Forum", onde atuou como editor gráfico. Em 1981, ele foi a Paris, onde um ano mais tarde, emigrou para Nova Iorque. A volta para seu país foi impedida ela introdução da lei marcial comunista.

Em 1985, ele aceitou emprego como professor na Escola de Artes Visuais de Nova Iorque. Os trabalhos Rafał Olbiński são exibidos em inúmeras galerias e museus. A Biblioteca do Congresso dos EUA, o Museu de Arte Moderna de Toyama e da Fundação Carnegie, em Nova Iorque, além do Poster Museum.

Seus cartazes fazem parte também de coleções de colecionadores particulares em todo o mundo. Ele também colabora com "The New York Times", "Newsweek", "BusinessWeek" e "Der Spiegel".

Seu trabalho é amplamente recompensado em várias competições internacionais. Em 1995, ele recebeu o primeiro prêmio no concurso "New York City Capital of the World” - um cartaz que promove Nova York como a capital do mundo. Em 1994, ele foi premiado com o chamado Oscar Internacional do cartaz na mais memorável competição "Prix Savignac" em Paris, e em 1976 o primeiro prêmio no concurso do Instituto de Direitos Humanos em Estrasburgo. Até meados dos anos 90, ele tinha acumulado mais de 100 prêmios.

Fonte: PAP - Polska Agencja Prasowa SA
Tradução Ulisses Iarochinski

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

75 anos da deportação polaca para a URSS

Deportações em massa de polacos para a União Soviética durante a Segunda Guerra Mundial foram planejadas e executadas pelas autoridades soviéticas.

A primeira deportação foi realizada na noite de 09 para 10 fevereiro de 1940. A quarta e última terminou apenas alguns dias antes do ataque alemão à União Soviética em junho de 1941.

No total para o Cazaquistão, Uzbequistão e Sibéria foram deportados para cerca de 330 mil cidadãos polacos - entre católicos, judeus, bielorrussos e ucranianos.

Muitos deportados, como resultado das condições precárias e dos maus-tratos das autoridades da URSS não sobreviveram à viagem ou seu exílio na Sibéria ou no Cazaquistão.

A União Soviética tinha deixado de reconhecer o Estado polaco no início da invasão nazista. Os russos detiveram e prenderam cerca de 500.000 polacos antes de Junho de 1941 (quando a Alemanha de Hitler invadiu a União Soviética), incluindo funcionários civis, militares e outros "inimigos do povo", como o clero e professores: cerca de um em cada homem adulto.

Grandes grupos de cidadãos polacos no pré-guerra, principalmente pessoas de origem judaica e, em menor medida, os camponeses ucranianos, pensaram que a invasão soviética era uma oportunidade para participar de atividade política e social comunista fora do seu ambiente étnico e cultural tradicional. O entusiasmo desvaneceu com o tempo, quando se tornou claro que as repressões soviéticas eram destinadas a todos os grupos de igual forma, independentemente de sua posição ideológica.

Estima-se que cerca de 150.000 cidadãos polacos morreram durante a ocupação soviética

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Um Da Vinci em Wawel

No castelo de Cracóvia, "A Dama e o Arminho" é hoje a estrela. Uma pintura tão bela que teve de ser recuperada pela Polônia aos nazis em 1945.
A Dama e o Arminho - Leonardo Da Vinci / Cracóvia
A pequena sala está meio escura, o habitual para proteger pinturas sensíveis, com séculos. Tirando o vigilante, ninguém por perto e todo o tempo do mundo para olhar A Dama e o Arminho, uma das obras-primas de Leonardo Da Vinci. Desde 2012, está no Castelo Real de Wawel, em Cracóvia. Por coincidência, numa chuvosa manhã de inverno, época de poucos visitantes, pôde ser vista sem centenas de turistas a tirar selfies à volta, como acontece no Louvre, onde está a Mona Lisa. Um verdadeiro luxo na antiga capital da Polônia, milagrosamente poupada à destruição durante a Segunda Guerra Mundial.

"A mais bela pintura da Polônia, no mais belo castelo da Polônia, na mais bela cidade da Polônia. Faz todo o sentido", diz Elżbieta Pytlarz, historiadora de arte e apaixonada pela cidade que a UNESCO considera patrimônio da humanidade.

A Dama e o Arminho voltará, porém, ao Museu Czartoryski, também em Cracóvia, assim que lá forem concluídas as obras de renovação. É um dos tesouros de uma coleção fundada há dois séculos por uma família magnata polaca e "tem uma história atribulada", como sublinha Pytlarz. No filme "Os Caçadores de Tesouros", com George Clooney, o quadro é uma das grandes obras roubadas pelos nazis.

O que torna esta pintura tão especial? Primeiro que tudo a beleza da figura feminina, que se acredita ser Cecília Gallerani, amante de Ludovico Sforza, Il Moro, duque de Milão. Depois o próprio animal no colo, que um estudo recente afirma ter sido acrescentado por Da Vinci num segundo momento. E além disso toda a fábula criada em redor do magistral óleo. Sabe-se que terá sido criado em 1490, durante o longo período em que o pintor italiano esteve ao serviço do nobre milanês. Pouco depois, Leonardo criará "A Última Ceia", ainda hoje visitável em Milão, na igreja de Santa Maria delle Grazie, e que com o quadro de Cracóvia e a Mona Lisa em Paris constituem a trilogia magna do pintor.

"Apenas vi o quadro de Leonardo da Vinci uma vez. Provocou-me uma sensação muito sensual antes ainda de eu ficar a conhecer o seu simbolismo escondido. Cecilia Gallerani e o príncipe Ludovico Sforza viveram um romance secreto em pleno oficialismo da vida da aristocracia do final do século XV. O que apaixona mais: a dinâmica corporal da jovem mulher que acaricia um animal pouco comum? A beleza do seu rosto? O fato de o animal no seu colo esconder a sua gravidez avançada, e já agora ser o arminho, um símbolo da maternidade? Não sei dizer. Um fato importante é que o quadro de Da Vinci pertence à família do príncipe Czartoryski, o que mostra o significado da contribuição da aristocracia na nossa herança cultural", afirma Bronisław Misztal, embaixador da Polônia em Lisboa e professor na Iaguelônica, uma universidade fundada no século XIV e outro dos tesouros de Cracóvia.

Tudo na história do quadro acrescenta ao seu poder de atração. Foi comprado em 1798 pelo príncipe Adam Jerzy Czartoryski, durante uma viagem a Itália. Serviu de oferta à mãe, Izabela, que na sua propriedade em Puławi, a sudeste de Varsóvia, se preparava para abrir o primeiro museu público na Polónia.

Catedral e Castelo Real de Wawel - Cracóvia
Uma história atribulada
De início não havia certeza de que era um Da Vinci e até a figura dava ensejo a especulações, chegando-se a pensar que seria uma amante de Francisco I de França. "Mas peritos polacos, há mais de cem anos, sugeriam já que fosse Cecília Gallerani e uma famosa pintura desaparecida", explica Pytlarz. Hoje, as dúvidas dissiparam-se e "A Dama e o Arminho" é reconhecida como uma das poucas pinturas de Da Vinci (15?) que chegaram até nós.

Com as atribulações políticas na Polônia, o quadro até foi transferido para uma mansão dos Czartoryski em Paris. Depois, com a agitação na França, regressou à Polônia, sendo exposto em Cracóvia a partir de 1876. Quando se iniciou a Primeira Guerra Mundial, e com Cracóvia parte do Império Austríaco, o quadro foi transferido para longe da linha da frente, para Dresden. Voltaria a Cracóvia, agora cidade de uma Polônia renascida das cinzas e novamente independente a partir de 1918. Mas a história não deixou de voltar a assombrar "A Dama e o Arminho", cobiçada por Hitler para o museu que pretendia construir na sua Linz natal. Depois de decorar os aposentos do governador nazista de Cracóvia, acabou na Alemanha, com a Polônia conseguindo recuperá-lo em 1945. Mas a propriedade pelos Czartoryski só seria reconhecida em 1991, já depois do fim do regime comunista.

Alojada no castelo vizinho da catedral onde repousam os monarcas do país, e logo (!) numa sala que foi aposento de uma Sforza rainha polaca, "A Dama e o Arminho" teve no ano passado 160 705 pessoas a comprar o bilhete para vê-la", segundo Sabina Potaczek, chefe de comunicação do Castelo de Wawel, o qual deve o nome à colina onde foi erguido, com vista para o Vístula, o rio que atravessa a Polônia e deságua no Báltico. Como o castelo recebeu milhão e meio de visitantes, isto significa que só um em dez por cento respondeu ao apelo de Da Vinci, se bem que, alerta Potaczek, "existe limite no número diário de visitas", pelo que no verão não só pode ser difícil ter uns minutos a sós com a pintura como nem ser possível vê-la.

Antes de se instalar no Wawel, "A Dama e o Arminho" foi exibida em Londres, Madrid e Berlim. A passagem pela Alemanha foi a mais polêmica, com setores da sociedade polaca a relembrar como os nazistas tinham tentado ficar com o quadro. E na verdade, desses tempos da Segunda Guerra Mundial, "faltou o Retrato de um Jovem, de Rafael", nota a historiadora de arte Pylartz. Também pertencia à coleção da família Czartoryski. Curiosamente, no filme de 2014, parece ser incendiado pelos alemães. Mas Frank Stokes, o militar americano encarnado por Clooney, surge quase no final, depois de mostrar a imagem de "A Dama e o Arminho", a exibir ao presidente Truman a foto da pintura de Rafael e a pedir autorização para procurá-la. Onde estará? "Ninguém sabe", lamenta Pytlarz.

Artista: Leonardo da Vinci
Dimensões: 54 cm x 39 cm
Material: Tinta a óleo
Período: Alta Renascença
Criação: 1489–1490
Localização: Castelo Real de Wawel, Museu Czartoryski

Texto: Leonídio Paulo Ferreira
Jornal Diário de Notícias, Lisboa

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

A Polônia do Partido Direito e Justiça

prof. Jan Zielonka

Para o acadêmico polaco Jan Zielonka, professor de Políticas Europeias em Oxford, o PiS de hoje é diferente daquele dos gêmeos Kaczyński, muito devido a líderes como Duda e Szydło.
A informação é do jornalista português Leonídio Paulo Ferreira, que entrevistou o professor para o jornal Diário de Notícias, de Lisboa.


A entrevista:

LPF - Como descreve a ideologia do Partido Direito e Justiça (PiS)? Faz sentido descrevê-lo como nacionalista, ou conservador, ou ainda populista? Ou na realidade é impossível descrevê-lo e estas etiquetas não se aplicam à força política que atualmente governa a Polônia?

JZ - Esses termos são demasiado vagos e imprecisos. Sobretudo não refletem a situação na Polônia. O PiS chama a si mesmo conservador e patriótico. Na realidade, é mais conservador no que diz respeitos aos assuntos morais e muito mais "progressista" no que se relaciona com os temas socioeconômicos.

LPF - O PiS de hoje é muito diferente do PiS que há uma década ganhou o governo e a presidência?

JZ - Sim, é um partido diferente. Há uma década, o PiS era liderado pelos gêmeos Kaczyński e agora é encabeçado apenas pelo gêmeo sobrevivente Jarosław Kaczyński e tem, agora, dois líderes mais jovens e provavelmente muito mais moderados: Andrzej Duda e Beata Szydło. Jarosław Kaczyński até pode ter o partido ainda debaixo do seu controle, mas Duda e Szydło têm os mandatos eleitorais e conseguem também resultados bem melhores nas pesquisas de opinião. Além disso, muitos dos líderes tradicionais do PiS morreram no acidente de avião em Smoleńsk, em 2010, que matou o presidente Lech Kaczyński, e foram substituídos por um novo grupo de políticos de qualidade e características mistas e incertas.

LPF - Qual é a força do sentimento pró-União Europeia entre os polacos passados quase 12 anos da sua adesão?

JZ - As pesquisas mostram sempre um forte apoio à União Europeia, mas não em questões importantes como a adesão ao euro, a moeda única ou o sistema de imigração.

LPF - O êxito da economia polaca nos últimos anos, com o país passando ao largo da crise financeira, tem servido para construir uma sociedade mais justa?

JZ - Deve-se sublinhar que as desigualdades na Polônia são menos pronunciadas do que, por exemplo, a dos países da Europa do Sul. Mas não deixam de ser importantes. E na realidade, uma das várias razões por trás do sucesso eleitoral do PiS tem que ver com a sua promessa de justiça social.

LPF - Têm sido feitas comparações entre a Polônia do PiS e a Hungria de Viktor Orban. Concorda? Vê algum padrão?

JZ - Kaczyński e Orban encontraram-se recentemente, mas os dois nunca foram amigos próximos nestes anos recentes, mais não seja por causa dos estreitos laços entre o líder húngaro e a Rússia de Vladimir Putin. Os políticos do PiS estudaram e ocasionalmente admiraram as políticas domésticas do Fidesz, mas a Polônia é um país muito diferente da Hungria. A Polônia, ao contrário da Hungria, não enfrentou uma crise econômica na última década. Em vez disso, a economia da Polônia cresceu mais de 20%. Também não há um partido fascista no Parlamento polaco semelhante ao húngaro Jobbik e os políticos polacos não fazem reivindicações territoriais como alguns dos seus colegas húngaros. Por último, mas não menos importante, a Polônia, ao contrário da Hungria, possui uma vibrante sociedade civil que tem exigido dos seus governantes respeito pelos princípios básicos de justiça e democracia.

LPF - Refere-se às recentes manifestações contra o PiS?

JZ - Sim, a recente vaga de protestos de rua um pouco por toda a Polônia comprova a força da sociedade civil.

Jan Zielonka
Nasceu em Czarnowąsy, na Polônia em 23 de fevereiro de 1955. Estudou Direito na Universidade de Wrocław, e obteve seu doutorado em Ciência Política da Universidade de Varsóvia. Como acadêmico, ele ocupou cargos na Universidade de Leiden, na Holanda, no Instituto Universitário Europeu, em Florença, Itália, no Instituto Holandês para a Estudos Avançados em Ciências Humanas e Sociais, e na universidade de Oxford.
Ele tem publicado muitas textos no campo da política comparada, principalmente na área Soviética e Estudos do Leste Europeu, a história da filosofia política, relações internacionais, direitos humano e segurança.
É professor de Política Europeia, na Universidade de Oxford, desde janeiro de 2004. E também na Ralf Dahrendorf Fellow, na faculdade St. Antony em Oxford.
Zielonka em suas publicações mais recentes têm detalhado sobre a natureza mutável da União Europeia, principalmente na ampliação da União em direção ao Leste, desde 2004, e as suas ramificações para a Europa no todo.
Zielonka em seus primeiros trabalhos reflete interesse particular na convulsão na Europa Oriental durante a Década de 1990, incluindo a investigação significativa na sua terra natal, a Polônia. Como um colega no Instituto de Estudos Avançados em Ciências Humanas e Sociais, na Holanda, ele fez estudos comparativos sobre a Polônia concentrando-se em três questões principais: a evolução do sistema político na Polônia, resistência social não violenta e consequências internacionais da crise na Polônia. A partir de suas pesquisas, Zielonka publicou o livro "1989 - Ideias Políticas na Polônia Contemporânea".


Fonte: Jornal Diário de Notícias, Lisboa.

P.S. texto adaptado para o português do Brasil.