27 de janeiro de 1945, prisioneiros são libertados do Campo de Auschwitz |
Na sala, vó Raquel escuta, entre suspiros, “Iídiche Mame” no toca-discos. Quando a música termina, olha para a neta e conta, mais uma vez, sua história – da fuga da Polônia entre as duas grandes guerras, da família e amigos que ficaram por lá e morreram nas câmaras de gás dos campos de extermínio nazista, da chegada ao Brasil. Encerra a conversa pedindo que a neta, caso tenha uma filha, dê seu nome, para que ela nunca seja esquecida.
Não esquecer é uma lembrança que acompanha as vítimas de guerras, ditaduras, genocídios e imigrações forçadas, pelo mundo. No nosso caso, judias e judeus, o jamais esquecer é recordado ainda mais fortemente no Dia de Lembrança do Holocausto, mesma data em que se homenageia o Levante do Gueto de Varsóvia, e no 27 de janeiro, Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto (ou como chamamos, Shoah). Lembramos do crime contra a humanidade que levou ao extermínio de milhões de judeus, ciganos, homoafetivos, comunistas, opositores ao nazismo, negros, deficientes e outros “indesejáveis”. Foi nesse dia, em 1945, que as tropas soviéticas (integrantes dos países Aliados, origem das Nações Unidas), libertaram o maior campo de concentração e extermínio alemão nazista, Auschwitz-Birkenau, nas cidades de Oświęcin e Brzeżinka, na Polônia.
Lembrar para jamais esquecer. E a cada ano, perguntamo-nos:
- Quem irá nos lembrar desse horror, quando os sobreviventes não estiverem mais por aqui?
Trago em mim, neta da vó Raquel, uma resposta: nós, descendentes de imigrantes e sobreviventes da Segunda Guerra Mundial. Nós somos herdeiros dessa história, trazemos impregnado em nossos genes os horrores que nossos antepassados viveram, os medos, as despedidas, as saudades. No meu caso, também pesadelos com campos de concentração.
Apesar disso, passados 74 anos do final da guerra, muitos desconhecem o que foi o Holocausto, tornando a lembrança ainda mais necessária, especialmente no momento em que se ignora a história e o conhecimento em nome de uma guerra ideológica e do ataque a quem é “indesejável” ao governo. O desconhecimento é preenchido com falsas informações e polêmicas. Nesse contexto de vale tudo, mais que esquecida, a Shoah vem sendo desrespeitada e ultrajada, assim como a história de dezenas de milhões de vítimas do nazismo, entre elas seis milhões de judeus. Tentar reescrever a história, inventando um “nazismo de esquerda” como inimigo a ser odiado – como os judeus para os nazistas -, perdoar uma dor que não lhe pertence e que não tem como ser perdoada, divulgar a homenagem a um soldado alemão que serviu ao exército nazista, apresentando-o como “sobrevivente” de guerra. Um insulto à memória das vítimas e dos verdadeiros sobreviventes!
Mas nós, que trazemos essas lembranças para que jamais esqueçamos a que ponto a humanidade pode chegar, também herdamos a esperança de que esses crimes não se repitam, seja com que população for. Por isso, é imperdoável que se deturpe, banalize ou minimize um dos maiores crimes da história em nome de um projeto de poder. E mesmo que tentem contar a história de outra maneira, não muda como ela aconteceu.
Não deveria ser humano apoiar ou desejar extermínio, mais desumano ainda é planejar para que horrores desse tipo aconteçam. Por isso, precisamos lembrar para jamais esquecer. Honrar e respeitar as vítimas, os sobreviventes, aprender com a história e, acima de tudo, estarmos alertas para que não se repita.
Fonte: Jornal do Brasil
Texto: Clarisse Goldberg
Psicóloga, integrante da Coordenação do Observatório Judaico dos Direitos Humanos no Brasil