As principais vozes dos filmes na TV polaca
O estrangeiro que chega a Polônia e por curiosidade liga a televisão, mesmo sem entender o idioma, é surpreendido pela voz de um narrador nas emissões de filmes e telenovelas. É o chamado Lektor, ou leitor, traduzindo literalmente. Mas esta voz não é um simples leitor apenas. Na verdade, não só na Polônia, mas também em alguns vizinhos, o filme estrangeiro é adaptado, mantendo o som original em volume mais baixo e sobreposta a voz de um locutor (quase sempre uma voz masculina).
Este processo de “dublagem” é usado também na Itália, mas apenas em documentários. Nunca num filme de ficção com vários atores. Aí vale a fórmula brasileira, a qual também é utilizada na Espanha e na França. Os franceses por uma lei de proteção ao idioma traduzem inclusive os créditos dos filmes estrangeiros.
A fórmula brasileira, apenas para recordar, teve início no Rio de Janeiro, em 1938, nos estúdios da CineLab, no bairro de São Cristóvão. O filme “Branca de Neve e os Sete Anões” marcou o início das atividades da dublagem brasileira, seguido por outras produções de Walt Disney como “Pinóquio”, “Dumbo”, “Bambi”. Também na Polônia o primeiro filme dublado aconteceu em 1938. O filme „Królewna Śnieżka”, ou “Branca de Neve” teve como voz a atriz polaca Maria Modzelewska.
Mas o processo polaco, ao contrário destas dublagens brasileiras, não descompõe a trilha original dos filmes, séries e telenovelas em uma nova trilha sonora com vozes de dubladores. Assim o grande sucesso “Niewolnica Izaura” foi apresentada com a mesma banda sonora gravada pela TV Globo e Lucélia Santos e Rubens de Falco sempre foram ouvidos com suas próprias vozes na Polôna, apenas com o acompanhamento de um Lektor que falava os diálogos dos artistas brasileiros em idioma polaco.
Na Polônia, este “lektor”, ou locutor é a mesma voz tanto para homens e mulheres como para crianças. O efeito não chega a ser desagradável para quem entende a língua dos diálogos, e acaba depois de algum tempo por não se chatear quem se deixa guiar pela locução no idioma do “lektor”.
Para alguns críticos da dublagem feita no Brasil, França, Espanha e Itália, com elencos de atores e recomposição da trilha sonora original simplesmente destrói a música, os efeitos sonoros e os ruídos do ambiente criados para a versão original. "É um atentado á criatividade artística", dizem.
E é justamente este um dos motivos para que os polacos durante décadas tenham crescido assistindo filmes e telenovelas com a trilha sonora original dos filmes e telenovelas. A locução, ou dublagem de voz única (se é que se pode chamar assim), garante um lugar cativo entre os profissionais de televisão e para aqueles que possuem boa voz, sabem ler com desenvoltura, têm boa dicção, interpretam as “falas” dos artistas sem carregar na emoção. A regra básica é de que o telespectador não pode prestar atenção mais na voz do que na ação dramática dos filmes ou personagens. Por isto se requer do “lektor” que mantenha um padrão. Este “lektor” não é um narrador, já que faz vozes de vários personagens. Ele não “conta” e tampouco “narra” a fala do personagem, mas ele "fala" as “falas” dos personagens, sejam crianças, ou velhos, mulheres ou homens. E esta interpretação não pode ser dramática, nem teatral. Pois o que caracteriza um bom “lektor” é justamente sua capacidade de não atrair para si a atenção da audiência. O que convenhamos não é tarefa fácil.
Mas nem por isto, por esta capacidade de se omitir, de estar ali sem estar, de permitir o entendimento dos diálogos no idioma da audiência sem que se perca o idioma original dos atores do filme, este “lektor” deixa de ter seus fãs-clube, de serem reconhecidos pelo seu timbre de voz, de serem requisitados para os mais diferentes eventos, ou gravações de “spot” de TV, rádio e agora Internet.
E justamente nos portais e sítios da grande rede surgem a todo a dia páginas contando quem são aquelas vozes, que ao aparecer a palavra “Fim”, “The End”, dizem: “Tekst Agniezka Sokowska, czytal Stanisław Olejniczak”, ou traduzindo: “texto Agnieszka Sokowska, leu Stanisław Olejniczak.”. O texto que ele cita é a tradução dos diálogos do idioma original do filme para o idioma polaco. Um destes sítios na Internet começa com as seguintes perguntas: „Czy jest Wam wszystko jedno, który lektor czyta, czy może zwracacie uwagę na jego głos? Czy znacie nazwiska lektorów, macie ulubionych, a może są tacy, których głos Was irytuje?”, „É para Vocês tudo a mesma coisa, que o leitor leia, ou Vocês prestam atenção na sua voz? Tem algum significado o nome do leitor, tem seu preferido, ou tem aquela voz que os irrita?“„
Em seguida apresentam os “leitores” de filmes estrangeiros com pequena biografia, fotos e a relação dos títulos dos filmes que foram narrados por cada um deles. A lista não só é para ligar a voz do “lektor” aos filmes assistidos, mas também por que um filme que fez sucesso mundial nas bilheterias de cinema é “lido” pelos mais valorizados “lektorów” do mercado.
Alguns dos mais concorridos “lektorów” (plural de lektor) na Polônia são estes: Maciej Gudowski, Janusz Szydłowski, Jarosław Łukomski, Andrzej Matul, Stanisław Olejniczak, Piotr Borowiec, Janusz Kozioł, Jacek Brzostyński, Tomasz Knapik e Radosław Popłonikowski. Existem mais de 100 locutores trabalhando atualmente na Polônia, que possui sete canais de televisão abertas e dezenas de outros nas televisões a cabo e por satélite.
Quando se questiona o porque deste processo de locutor único, alguns alegam que é mais barato do que manter um elenco inteiro de vozes. Stanisław Wolny, um destes locutores, disse certa vez, quando esteve em Curitiba, Foz do Iguaçu e Rio de Janeiro produzindo um programa especial sobre o lançamento do meu livro "Saga dos Polacos" para a Telewizja Polska, que este processo começou junto com a introdução da televisão na Polônia nos anos 50. “Vem sendo utilizado desde então e nunca ninguém pensou em mudá-lo”.
Contudo alguns anos atrás, os desenhos animados e mesmo filmes da Disney Studios passaram a utilizar elenco de vozes como é nos quatro países já citados. Quando do sucesso do filme Harry Potter nas telas de cinema, alguém disse num artigo de jornal, que para as crianças é importante utilizar um elenco de vozes e seria uma transição do locutor único para os “elencos” de vozes. Porém, deve estar longe o dia em que a televisão polaca vai abdicar do “lektor”.
Uma amostra destas vozes pode ser conferida abaixo no vídeo abaixo, que traz também trechos de entrevistas com Stanisław Olejniczak, Henryk Pijanowski e Janusz Szydłowski, três das vozes mais famosas da Polônia :