domingo, 28 de setembro de 2008

Polônia: primeira democracia do mundo moderno

Antiga sede do "Sejm" Congresso polaco em Varsóvia

Muito se fala na importância da Independência dos Estados Unidos da América do Norte em 1776 e da Revolução Francesa de 1789 para a consolidação dos ideais democráticos que viriam a transformar os sistemas políticos no mundo a partir do século 18. Mas pouco, ou quase nada se menciona sobre o papel precursor da Polônia para que estes dois citados acontecimentos pudessem ter acontecido. Antes de dizer qualquer coisa basta lembrar que três pontes em Nova Iorque levam o nome de dois polacos. A Ponte General Kazimierz Puławski rende homenagem a um dos heróis da Independência americana. Ele era polaco e servia ao herói de dois mundos general polaco Tadeusz Kościuszko (ou Andrzej Tadeusz Bonawentura Kościuszko), que foi preponderante nas batalhas contra a coroa britânica que comandou George Washington e depois na tentativa de impedir as partilhas da sua terra na década de noventa do século 18. Kościuszko é nome de outras duas pontes, uma em Latham na I-87 no Norte de Albany e a outra no Brooklyn Queens Expressway.
Durante o renascimento, a Polônia avançou bastante politicamente. Pela primeira vez no mundo desde a democracia ateniense foi dada voz ao indivíduo. A Polônia libertou a nobreza e estabeleceu o primeiro congresso parlamentar da Europa. O Sejm (Congresso) foi organizado já 1493 e se firmou como o primeiro parlamento pós-classismo em todo o mundo. Em 1505, o Sejm se fortaleceu através do sistema de duas casas constitucionalmente organizadas. Seu poder cresceu tanto que ao morrer o último rei da dinastia Iaguielônica, que não deixou herdeiros, em 1572, os parlamentares assumiram o governo da Nação.
Considerado como avanço político por um lado, o Sejm ficou mais conhecido internacionalmente pelos sérios desacertos e negociatas internacionais envolvendo o trono. Teoricamente, a nobreza era composta por apenas 10% da população, mas na prática representava um poder muito maior que sua expressão populacional. Esse poderio de poucos solidificou o status dos magnatas e debilitou o rei, deixando-o completamente dependente dos desmandos dos ricos. Sua condição de estrangeiro era também outro sério obstáculo. O poder dos magnatas era tanto que quando não queriam um rei forte, bastava eleger alguém fraco. Para se assegurarem do poder sobre o rei, os parlamentares elegiam insignificantes príncipes estrangeiros para ocupar o trono do reino. Procuravam sempre príncipes frágeis e submissos entre as cortes européias. Temiam que se elegessem um polaco, este em breve iria querer dominá-los. Um estrangeiro fraco nunca ousaria enfrentá-los, já que lhes devia a eleição. Da mesma forma como eram eleitos, também podiam ser destituídos a qualquer tempo. O rei era refém dos magnatas parlamentares que o tinham escolhido.
As barganhas políticas internacionais auferiam grandes lucros a estes nobres, que vendiam seu voto para as Cortes estrangeiras que oferecessem mais ouro e vantagens territoriais. Enquanto os magnatas enriqueciam, o reino definhava nas mãos de príncipes franceses, suecos e russos, transformados em reis da Polônia. A República que era uma idéia com a melhor das intenções, na prática conduziu à queda e a perda do próprio país. Foi nesta fase que a República assegurou a sobrevivência do Estado feudal e manteve o capitalismo cativo nas cidades dominadas principalmente por alemães e judeus. Outros fatores que debilitaram bastante a Polônia durante esta considerada Primeira República Polaca foram os abusos cometidos pelos representantes do Congresso em seu direito de veto. Como para serem aprovadas, as decisões precisavam ser unânimes, qualquer parlamentar podia vetar um ato do Sejm. A primeira vez que ocorreu um veto foi em 1652. O deputado divergente simplesmente saiu do plenário e a sessão terminou sem aprovação. Durante o período republicano reinou Stanisław August Poniatowski, parente da nobre família Czartoryski, ligada à Rainha da Rússia Catarina II. Ambicioso, Poniatowski quis realizar reformas para eliminar os atrasos culturais e econômicos do reino, mas pelas ligações familiares foi forçado a aceitar o protetorado russo. O Partido dos Czartoryski, maioria no Sejm, conseguiu criar duas comissões, uma do tesouro e outra militar. Estas comissões restringiram a liberdades dos magnatas e ao mesmo tempo permitiu o aumento da arrecadação de impostos.
Contudo, quando foi apresentado um projeto que pretendia colocar limites no “Liberum veto”, os aliados russos e prussianos exigiram a dissolução do Sejm. Pois a extinção do veto dificultaria a ação e os interesses destas potências. Era muito mais fácil corromper um parlamentar do que muitos, além do que, as despesas com a compra do veto seriam muito maiores. Os nobres interessados na desmobilização do exército nacional deixaram de pagar seus impostos e com isso colocaram em risco a segurança nacional. A democracia não trouxe progresso e bem estar aos polacos, ao contrário, os avanços alcançados sob a dinastia dos Iaguielões foram totalmente aniquilados. O Sejm se tornou um negócio à mercê de qualquer parlamentar. O poder central se fragmentou abrindo uma porta de entrada para os interesses dos impérios Prussiano-Alemão, Austro-Húngaro e Russo.
Assim a Polônia, que experimentou a primeira forma de governo representantivo do mundo moderno acabou sendo dividida pela primeira vez em 1772, quando a Rússia percebeu que seria mais fácil ceder terras à Áustria e à Prússia do que brigar por elas. O choque fez algum bem à Polônia e durante vinte anos o país retardou sua agônia. Neste período foi elaborada e implantada a primeira constituição republicana européia. A Lei, de 3 de maio de 1791, foi resultado de um compromisso firmado entre o rei Poniatowski, autor do projeto, e dos dirigentes do Partido Patriótico. A Constituição eliminou o “liberum veto” e a eleição livre dos reis, restabelecendo a hereditariedade da monarquia. Um dos artigos criou um gabinete de governo composto pelo rei e cinco ministros. Ao limitar o poder dos magnatas, ela aumentou o poder da burguesia e os transformou em servos protegidos pela Constituição e pelo Rei. Em síntese, a grande dieta de 1791 assinalou:
1. O trono polaco não seria mais motivo de disputas eleitorais entre nações européias e sim hereditário.
2. O poder legislativo seria exercido pelas assembléias.
3. O Senado teria direito a sustar as resoluções até sua próxima reunião.
4. Foi cancelado o “liberum veto”.
5. O poder executivo apesar de concentrado nas mãos do Rei teria a assessoria de um conselho de ministros.
6. Vários privilégios foram concedidos à burguesia, permitindo-a participar do governo.
7. Extinção do monopólio dos cargos públicos. O acesso aos títulos nobiliários e os postos mais altos da hierarquia militar ficaram obstruídos.
8. Tolerância religiosa e a oficialização do catolicismo romano.
9. O Poder Judiciário foi conferido a juízes eleitos.
10. A nobreza conservou sua jurisdição territorial.
Os reinos vizinhos não ficaram satisfeitos com a nova ordem política e com o quinhão de terras que perderam. Para complicar, um grupo de nobres descontentes viajou até Leningrado para apresentar a Catarina II, um projeto de derrubada da Constituição de Maio e o restabelecimento do antigo sistema. Encorajados pelos russos, estes nobres voltaram ao país e formaram na cidade de Targowica uma confederação. Reconhecendo a si próprios como governantes de um novo Estado, imediatamente solicitaram ajuda militar russa para invadir a Polônia e acabar com a democracia de Stanisław August. Assim entre 1793 e 1795, os russos ocuparam os territórios polacos e a Polônia como entidade política e geográfica deixou de existir. Numa primeira partilha em 1793, a Prússia anexou Gdańsk, Toruń, Polônia Maior, parte da Mazovia e Kujavia (57 mil km²) e a Rússia ocupou quase toda a Ucrânia e Bielorússia (250 mil km²). A partilha foi completada em 1795, quando a Áustria também reclamou direitos sobre as terras polacas. A nova divisão acabou assim: a Áustria ficou com 47 mil km² na parte meridional, a Prússia com 48 mil km² no Noroeste e a Rússia com os restantes 120 mil km². Era 25 de novembro de 1795, quando Stanisław August Poniatowski abdicou do trono em favor das potências estrangeiras. Poniatowski morreu logo após, em 1798, em São Petersburgo, Rússia. O que se seguiu foi triste: deportações, revoltas, massacres de populações que se rebelavam. Nada, porém, faria modificar a situação, nem mesmo as transformações que ocorriam pelo restante da Europa. Na Suíça, a nação passou de um Estado feudal diretamente à democracia. Na Holanda, surgiu a República Democrática através dos Tratados de Westphalia. Na Inglaterra, logo após a revolução gloriosa, o filósofo John Lock produziu o Tratado sobre o Governo Civil e as Cartas de Tolerância. Na França, emergiu a revolução de Danton, Robespierre e Marat que transformaram todo o sistema político Ocidental.
P.S. Tem muito livro de história no Brasil que precisa urgentemente ser reescrito, pois simplesmente desconhecer a Polônia e render tributo as 13 colônias do Leste Norte-americano é no mínimo ignorância.Justificar