quarta-feira, 4 de maio de 2022

Homenagem da Câmara de Curitiba

A manhã desta quarta-feira, 4 de maio de 2022 foi de muita felicidade para mim. Isto porque, a Câmara Municipal de Curitiba, prestou uma homenagem ao amor que dedico à Polônia e a etnia polaca do Brasil. Recebi um troféu e um diploma, onde se pode ler:


"A Câmara Municipal de Curitiba, Capital do Estado do Paraná, no uso de suas atribuições legais, em conformidade com o Decreto Legislativo nº 08/2020 de 17 de dezembro de 2020, outorga ao Senhor ULISSES IAROCHINSKI o Prêmio "Cultura e Divulgação de Curitiba", pelo destaque alcançado em sua área de atuação por iniciativa do Vereador Tito Zeglin. Palácio Rio Branco, em 29 de março de 2021. Assinado pelo Vereador Tito Zeglin - propositor e pelo presidente da Câmara Vereador Tico Kuzma."


Muito deste prêmio e diploma é por divulgar Curitiba como a terceira maior concentração da etnia polaca no Mundo. Há mais de 35 anos, seja como jornalista, como ator, como poeta, cineasta e escritor coloco os polacos curitibanos descendentes do maior fluxo imigratório do Estado do Paraná na ponta da língua, da caneta, do teclado, seja em reportagens históricas e culturais em jornais, revistas, rádios, televisões e mais recentemente em livros, poemas, declamações, vídeos, blogs, redes sociais, documentários tudo o que aprendo, leio, vejo, rumino e dissemino aos quatro cantos e ventos de forma individual e solitária, sem apoio de entidades, órgãos e autoridades daqui e de lá, pelo simples desejo de fazer conhecer a todos os que vivem neste Brasil de todas as raças e etnias, que os imigrantes da Polônia e seus descendentes também são responsáveis pelo desenvolvimento do país e da nação brasileira.

Vereador Tito Zeglin faz a entrega do troféu e diploma "Cultura e divulgação de Curitiba"

Um amigo artista, Gláucio Karas (Isidorio Duppa) criou a frase "Semo polaco não semo fraco" e a colocou em peças teatrais, livros, paródias musicais e eu a uso como resposta sempre quando me dizem: "Eita! lá vem o fanático pela Polônia. Para o Iarochinski tudo é polaco, tudo é Polônia".

Quando lancei meu primeiro livro de divulgação da cultura polaca, o "Saga dos Polacos - a Polônia e seus emigrantes no Brasil", a TVP-Telewizja Polska, a mais importante e de maior audiência da Polônia, enviou uma equipe a Curitiba para fazer um programa especial sobre o lançamento do meu livro. No final do programa eu disse emocionado para a câmera: "Moje Serca bije po polsku" (meu coração bate em polaco).


Hoje, na Câmara Municipal de Curitiba, uma outra equipe da TVP da Polônia esteve cobrindo a homenagem que recebi. Fui mais uma vez entrevistado e ao final repeti quase a mesma frase: "Jestem brazylijczykiem y też polakiem, teras mam obywatelstwo Polski oraz Moje Serca bije po polsku" (sou brasileiro e também polaco, agora tenho cidadania polaca e meu coração bate em polaco).

Bardzo dziękuje polaco Zeglin, dziękuje polaco Kusma.

"Jestem bardzo, ale bardzo jestem naprawdę szczęśliwy. Bardzo się cieszę za hołd i dziękuję za uznanie dla mojej pracy." ( Sou muito, mas muito estou, de verdade, feliz. Estou muito feliz pela homenagem e agradecido pelo vosso reconhecimento ao meu trabalho)

Foto com os vereadores Tito Zeglin, Indiara Barbosa e Herivelton Oliveira.

segunda-feira, 2 de maio de 2022

DIAS DA POLACADA NO PARANÁ

"Todo dia é dia de polaco" parafraseando os versos de Jorge Ben cantados por Baby Consuelo.
Pelo menos no Paraná, onde se concentra a maior etnia polaca da América Latina é.... Hoje, 2 de maio, e amanhã, 3 de maio, os polacos do Paraná comemoram datas importantes de sua história. 2 de maio é o dia da bandeira da Polônia e do Polaco do Paraná.



DIA ESTADUAL DO POLACO
Comemorado no Estado do Paraná, conforme Lei Nº 14381 de 30 de abril de 2004, autoria do Deputado Neivo Beraldin.

Casa de imigrantes polacos em São Mateus do Sul - PR

Os polacos trouxeram para o Paraná costumes, religiosidade, a casa de tábuas com sarrafos, lambrequins e cerca de ripa; o pierogi (pastéis cozidos), o bigos (sopa de repolho com carnes), o sernik (torta de ricota), chleb (broa) o gołąbki (charuto com folha de repolho ou couve), faworki (cueca virada), piwo domowe (cerveja caseira), zupa (sopa) de kapusta (repolho), ogórek (pepino), ziemniak (batata), grzyb (cogumelos); kapusta kwaśna (repolho azedo) e ogórek kwaśny (pepino azedo).

Trouxe a cultura representada por João Zako, Paulo Leminski e família Morozowicz;

Estátua do Semeador de João Zako, na praça Eufrazio Corrêa, em Curitiba

Na educação trouxe os dois fundadores da primeira universidade do país, Szymon Kossobudzki e Juliusz Szymanski, e na escola primária Zdzislau Zawadzki e Hieronim Durski.

Trouxe e formou descendentes engenheiros, advogados, médicos, cientistas, intelectuais, sacerdotes, atrizes, atores, bailarinos e poetas;

Trouxe também os revolucionários da agricultura com a carroça de roda de raios e puxada à cavalos, o arado e os criadores das primeiras cooperativas agrícolas do Brasil.

Carroção com toldo dos imigrantes polacos de Araucária - PR

Cabe a esta etnia a fundação da oftalmologia paranaense, a implantação da entomologia, geologia, silvicultura, ornitologia, cirurgia e valiosíssimas pesquisas nestas áreas, entre diversas outras contribuições.

DIA E SEMANA DA COLÔNIA POLACA
Comemorados em Curitiba, conforme Lei Municipal nº 11.785, de 01 de junho de 2006, de autoria do vereador Tito Zeglin, sancionada pelo prefeito Carlos Alberto Richa.

A semana da Colônia Polaca é comemorada anualmente na semana que coincida com o dia 2 de maio e passa a fazer parte do calendário escolar e das atividades culturais e turíticas do Município de Curitiba.

LEI ORDINÁRIA No 11.553 de 25 de outubro de 2005 publicada no DOM de 27/10/2005 "Institui o dia 2 de maio como o Dia Municipal da Imigração Polaca.", em Curitiba.


DIA MUNDIAL DOS DESCENDENTES
E DOS POLACOS NO ESTRANGEIRO
O governo da Polônia também comemora esta data de 2 de maio, em homenagem a todos que têm sangue polaco correndo em suas veias em todos os países do mundo, pela vigésima vez.

As descendentes de imigrantes polacos de Contenda-PR, Isabele Wojcik e Julianny Wojcik Haluc


DIA DA BANDEIRA DA POLÔNIA
A bandeira da Polônia foi criada oficialmente, em 8 de novembro de 1831, durante a Revolta de Novembro, quando Sejm (o primeiro parlamento republicano, criado em 1569, do mundo) decidiu que as cores nacionais da Polônia seriam o branco e vermelho.


A 1 de agosto de 1919, o Sejm da Polônia independente criou a bandeira da Polônia na sua forma atual. 

Desde 2004, no dia 2 de maio é celebrado, na Polônia, o Dia da Bandeira.

DIA DA CONSTITUIÇÃO

A primeira Constituição da Europa e a segunda do mundo foi outorgada em, 3 de maio de 1791, quando o general polaco Tadeusz Kościuszko, o herói de dois mundos, Polônia e Estados Unidos (ele comandou tropas na guerra da independência das 13 colônias americanas) e levou para a República da Polônia (a única da Europa de então) cópia da Constituição americana.


Fato que enfureceu as maiores monarquias (russa, austríaca e prussa-alemã) da época, que 4 anos depois invadiram a República da Polônia por 123 anos.

POLACOS NA GUERRA DO CONTESTADO
Os recém-assentados polacos nas colônias de Canoinhas, Lucena, União da Vitória e Cruz Machado foram envolvidos no mais sangrento episódio da história do Paraná - A Guerra do Contestado - onde os paranaenses lutaram contra o exército brasileiro para defender suas terras do norte-americano Percival Farquhar.

Na foto, é visível a cara do colono polaco, no trem que levou posseiros, indíos e imigrantes da zona do conflito para Ponta Grossa.


texto: Ulisses iarochinski

sábado, 23 de abril de 2022

Pisanki - ovos polacos de páscoa

A tradição polaca de fazer "pisanki", ou ovos de Páscoa, tem mais de mil anos. Existem dezenas de variedades regionais, e os exemplares mais destacados são exibidos em museus ou mantidos por colecionadores particulares.

O ovo de páscoa de mil anos
Uma caneta tradicional para fazer ovos de Páscoa - Foto: Wojciech Pacewicz / PAP

Os ovos de Páscoa são chamados de pisanki (pronuncia-se pissanqui), e o termo em idioma polaco vem do verbo pisać, (pissátch - escrever).

É um processo bastante antigo para fazer estes "objetos" coloridos e festivos, usa-se uma uma ponteira de metal de caneta tinteiro com o intuito de se "aplicar", ou escrever, ou desenhar com cera de abelha líquida. Algo como escrever sobre a casca de ovo de galinha (geralmente).

O etnógrafo Kazimierz Moszyński descreve o procedimento – chamado de técnica batik – em seu livro de 1967,  Kultura Ludowa Słowian (Cultura Popular Eslava):


Os ornamentos são desenhados na superfície incolor de um ovo com cera. Em seguida, o ovo que foi inscrito dessa maneira é colocado em uma solução (fria ou quente) de corante. Depois de um tempo, quando o corante tiver tingido bem a casca do ovo, o ovo é retirado e aquecido, para que a cera possa ser removida. Dessa forma, você obtém uma decoração leve em um fundo colorido.


A ponta da caneta, neste processo pode ser uma agulha ou alfinete comum. Também se pode usar um utensílio especial feito de uma pequena vara, com uma ponta estreita feita de uma agulheta de cadarço de metal.

Os corantes são tradicionalmente de origem vegetal: cascas de cebola são usadas para a cor vermelha, brotos de centeio para verde, suco de beterraba para rosa, casca de macieira para amarelo e assim por diante.

Exposições no Museu de Opole Silésia, na imagem você pode ver os ovos de Páscoa do site em Ostrówek
- Foto: Rafał Mielnik / AG


Embora a técnica do batik ainda seja praticada hoje, é a maneira mais antiga da Polônia de decorar os pisanki. Os primeiros ovos de Páscoa existentes decorados e tingidos desta forma – datados entre os séculos X e XIII – foram encontrados por arqueólogos no local da antiga fortaleza eslava medieval de Ostrówek. Os "ovos" deste local, no entanto, não eram de galinha, mas feitos de argila e calcário. Hoje, eles podem ser vistos no Museu de Opole, na Silésia.

Conservar um ovo de Páscoa?
Genowefa Sztukowska, artista folclórica e criadora de ovos de Páscoa, remove a cera de um ovo de Páscoa aquecendo-o
- Foto: Andrzej Sidor / Fórum

Pisanki são feitos de ovos de galinha, pato e ganso. Recentemente, começaram a aparecer os feitos de ovos de avestruz, mas são mais raros.

Os ovos podem ter cuidadosamente esvaziados seu conteúdo, deixando a casca intacta, ou serem cozidos.

Existem também outros ovos de Páscoa artificiais. Estes podem ser feitos de madeira decorada, ou outros materiais como isopor e feltro.

Mas para simplificar, vamos ficar com os ovos de Páscoa feitos de ovos de glinha. Existem várias maneiras tradicionais de decorar pisanki, enraizadas nas tradições folclóricas.

Além da técnica de batik, a técnica de decapagem que envolve o uso de cera. Nesse método, o ovo é primeiro colorido em uma solução e só depois é coberto com um padrão de cera. Depois, é colocado em um líquido de decapagem, que limpa o corante nas manchas deixadas descobertas pela cera. Dessa forma, após a remoção da cera, fica uma decoração colorida em um fundo claro. Tal como acontece com a técnica do batik, este processo pode ser repetido com o mesmo ovo e diferentes corantes para produzir uma pisanka única e multicolorida.

Kroszonka ou um ovo de Páscoa da Silésia feito com a técnica stylus -
foto Edwin Remsburg / VW Pics via Getty Images

Outra maneira de fazer um ovo de Páscoa é riscá-lo levemente com uma caneta:

O próximo grupo são ovos adornados com a técnica de caneta, a maioria dos quais vem da região de Opole Silésia, onde são chamados de 'kroszonki' ['chave-corvo-SHAWN']. Eles são primeiro tingidos […] e depois adornados com padrões meticulosos, geralmente florais, que são delicadamente esculpidos em sua superfície. Esses padrões são frequentemente complementados por inscrições especiais, como 'este ovo é um agradecimento pelo seu doce beijo', etc. 
Do site do Museu Nacional da Agricultura em Szreniawa,

Em torno da cidade de Łowicz, na Polônia Central, é costume colar recortes feitos de papel colorido em ovos esvaziados. Ostentando várias cores vivas, estes são mantidos no estilo decorativo folclórico local, com motivos estilizados de galos e flores.

A colagem também é empregada na região de Kurpie, que fica a cerca de uma hora de carro ao norte de Varsóvia. Nesta área, as partes internas do caule de um junco (branco), bem como os fios (vermelho e verde) são colados em uma casca de ovo para formar padrões ondulados e curvas.

Existe uma oficina de criação de ovos de Páscoa, no Museu da Cultura Popular da Pomerânia ,em Swołowo – colando um caule de junco em uma casca de ovo - Foto: Gerard / Repórter / East News

Perto da cidade de Chełm, no leste da Polônia, os ovos de Páscoa são frequentemente adornados com motivos em forma de palmeiras, ramos de abeto e cruzes – com amarelo, verde e rosa entre os tons mais populares. Então, novamente, os pisanki das regiões de Opoczno, na Polônia Central, geralmente exibem linhas retas ou onduladas, bem como moinhos de vento. Estes são mantidos em um esquema de cores duplas, com decorações claras em fundos escuros. Existem dezenas dessas variações regionais.

Claro, também existem métodos menos tradicionais de criar pisanki, como pintá-los com tinta acrílica. Outros optam por um visual mais elaborado, adornando seus ovos de Páscoa com joias de âmbar. Alguns sentem o desejo de usar a alta tecnologia e com uma broca de precisão fazem os ovos de Páscoa a céu aberto, meticulosamente trabalhados. O número de variedades só mostra a popularidade que os pisanki desfrutam na Polônia.

A árvore da Vida
Ovos de Páscoa estilo Łowicz - Foto: Michał Tuliński / Fórum

Curiosamente, as origens dos ovos de Páscoa são anteriores à própria Páscoa. Já nos tempos pré-cristãos, as pessoas tingiam ovos no início da primavera para celebrar o despertar da natureza após seu longo sono de inverno. O ovo, símbolo da vida futura, era adornado com decorações que lembravam a fertilidade da natureza, como motivos vegetais ou solares.

Com o tempo, a tradição antiga e sua estética, tornaram-se parte do feriado mais importante do cristianismo, girando em torno da superação da morte por Jesus.

Veja como o site Brama Grodzka – NN Theatre dedicado à cultura descreve os enfeites tradicionais de pisanki:

Notam-se motivos vegetais: ramos, pequenas árvores, flores, assim como representações astromórficas – estrelas, mas também várias formas de símbolos solares […]. Todos eles se baseiam em significados cosmogônicos (a árvore da vida) e apontam para o papel simbólico do ovo na restauração da vida após a fase de inverno da morte.

Certas propriedades mágicas também já foram atribuídas aos ovos de Páscoa. Por exemplo, acreditava-se que, lavar-se com a água em que foram fervidos, garantiria uma boa saúde. Uma pisanka também pode ser colocada na fundação de um edifício para o proteger contra as forças do mal.

Brincando com ovos pintados
"Chełmskie" de Oskar Kolberg, pt. 1 - Foto: reprodução Dagmara Smolna


A menção mais antiga de ovos de Páscoa na literatura polaca vem da Chronica Polonorum, uma História da Polônia, do século 13, escrita por Wincenty Kadłubek. O texto fala de um curioso jogo com pisanki – e também do caráter supostamente caprichoso dos próprios polacos:

Desde os tempos antigos, os polacos sempre foram invejosos e brincavam com seus senhores como se fossem ovos pintados.

O etnógrafo Oskar Kolberg explica a natureza deste jogo em seu livro de 1890,  Chełmskie (A região de Chełm):

À tarde, no dia da Páscoa, os meninos e as meninas passeiam pela aldeia, gabando-se da beleza dos seus ovos de Páscoa (estes são ovos cozidos em tinta e habilmente enfeitados com várias cores). Em seguida, eles os tiram dos bolsos e verificam qual ovo é mais forte. Eles batem um no outro, virando-os de cabeça para baixo, e o dono do ovo mais forte pode pegar o mais fraco e rachado.

Justyna Goleń apresentando seus ovos de Páscoa a céu aberto na cidade de Poniatowa.
- Foto: Wojciech Pacewicz / PAP

Considerando que o jogo descrito era coeducacional, a criação de ovos de páscoa era de domínio das mulheres. Para evitar dar azar, os homens não tinham permissão nem para entrar na sala onde os pisanki estavam sendo preparados. Quando uma moça encontrava um solteiro, em particular, digno de interesse, no entanto, ela o informava lhe dando um belo ovo pintado na segunda-feira de Páscoa.


Obras-primas em miniatura
Ovos de Páscoa adornados com joias de Jan Kaliński, de uma exposição na CH Manufaktura, Łódź.
Foto: Michał Kazmierczak / Fórum

No período entre as duas grandes guerras mundiais, os costumes e crenças deixaram de ser praticados. Mas isso não significa que os próprios pisanki foram esquecidos. A sua vivacidade persistente é evidenciada, entre outras coisas, pelo grande número de eventos culturais a que permanecem ligados na Polônia.

Em 2017, o Museu da Cultura Kurpie em Ostrołęka organizou uma Oficina sobre como fazer um ovo de Páscoa tradicional usando a técnica batik.

No mês que antecede a Páscoa, o Museu Nacional da Agricultura em Szreniawa hospeda uma exposição anual para mostrar sua impressionante coleção de 600 pisanki, a maioria tradicional.

Uma visão um pouco mais moderna sobre o assunto é apresentada, também anualmente antes do feriado de Páscoa, no centro comercial Manufaktura em Łódź. Pode-se ver exposições de ovos de Páscoa de avestruz criados por artistas famosos como a escultora Magdalena Abakanowicz ou Jan Kaliński, que adorna seus pisanki com joias retrô que fazem referência aos famosos ovos Fabergé.

A coleção de ovos de Páscoa de Danuta Kamińska - Foto: Romuald Kępa

Os ovos de Páscoa também podem ser encontrados em várias famílias polonesas, onde ajudam a criar uma atmosfera de férias. Alguns, como a empresária de Varsóvia, Danuta Kamińska, têm coleções inteiras, quase de nível de museu. Ela compartilha:

Todos os anos, antes das férias, são realizadas feiras de Páscoa e, a cada ano, não consigo me conter e compro novos itens para minha coleção. Tenho bem mais de 100 ovos de Páscoa, e não há dois iguais, embora as técnicas de decoração se repitam. A maioria deles são verdadeiras obras-primas em miniatura; eles são realmente lindos e exigem muito esforço para serem feitos – é por isso que eu os coleciono. Além disso, eles são muito delicados, já que a maioria deles são feitos de ovos estourados. Antes da Páscoa, coloco-os em pratos grandes e eles servem como parte da decoração natalina da casa.

Pisanki de Beata Mozolewska – Galeria de Imagens







A cada Páscoa, os pisanki complementam as mesas das casas no feriado Cristão em torno das quais muitas famílias polacas se reúnem. Não é apenas um elemento característico do feriado, os pisanki polacos fazem parte de uma longa tradição milenar – uma que só continua e cresce.

Autor: Marek Kepa
Tradução: Ulisses Iarochinski

terça-feira, 22 de março de 2022

A onda alegre de Lwów no entreguerras

Da esquerda: Kazimierz Wajda, Stanisław Sielański, Henryk Vogelfänger
Foto: domínio público 

Começa com uma banca de feira, repleta de lírios e amores-perfeitos. Atrás, um bando de homens de bonés e senhoras bem vestidas conversam. E então há alguns balidos folclóricos e esganiçados de um acordeão e dois cantores se pavoneiam no quadro; um com um acordeão, o outro – um pouco mais curto – dedilhando em um ukulele.

Esta cena do filme de 1939 Włóczęgi (Os Vagabundos), um dos últimos filmes a serem produzidos na Polônia antes da guerra, retrata uma versão do agora lendário sucesso da cidade de Lvovia (Lwów), Tylko we Lwowie (Somente em Lwów - em português: Leões) – uma música exaltando os benefícios da então cidade polaca em relação a outras metrópoles do mundo.

Escrita por Emanuel Schlechter e composta por Henryk Wars, rei polaco do jazz, a música se tornou um sucesso entre a população polaca e ainda hoje é muito lembrada. Durante a guerra, foi traduzida para o russo (executado por Eugeniusz Bodo com a Orquestra Tea-Jazz de Henryk Wars, em Lwów, em 1941) e, posteriormente, para o ucraniano.

Mas foi a versão original – e os cantores, a radiante dupla de quadrinhos Kazimierz Wajda e Henryk Vogelfänger – que captou em particular uma faceta única da cena cultural polaca do entreguerras. A música pode agora ser bem conhecida por sua evocação da vida cotidiana em Lwów e dos últimos dias da indústria cinematográfica pré-guerra, mas mais do que isso, marcou a crista de uma onda jovial da arte entre guerras da Lvovia – o apogeu da Onda Alegre de Lwów.

Rádio polaca em Lwów

Parte do pavilhão central da Feira de Comércio do Leste.
o fundo, a torre da destilaria de vodka, licor e rum Baczewski, Lwów, 1930
Foto: audiovis.nac.gov.pl (NAC)

Wajda e Vogelfänger, que primeiro interpretaram Tylko we Lwowie, eram na verdade mais conhecidos por seus nomes artísticos Szczepko e Tońko - que eles usavam para suas esquetes no programa de rádio Wesoła Lwowska Fala (A onda alegre de Lwów).

Lançado em 1933, era transmitido todos os domingos ela Rádio polaca Lwów. Apresentava uma mistura de música leve, comédia simples e esquetes sobre a subcultura batiar de Lvovia, o show foi apresentado principalmente por estrelas nascidas em Lwów e se tornou uma das transmissões mais populares da Polônia entre guerras. No seu auge, cerca de um sexto da população polaca sintoniza a transmissão.

Mas Wesoła Lwowska Fala não foi de forma alguma a primeira história de sucesso de rádio de Lvovia – ou polaca. A história da rádio polaca vem de 1925, com a transmissão regular lançada desde Varsóvia no ano seguinte. Em 1939, a Rádio Polaca operava um canal nacional e nove estações regionais em toda a Polônia.


Estação local da Rádio Polaca em 31 de agosto de 1939
Foto: Wikimedia Commons

A emissora de rádio em Lwów foi inaugurada em janeiro de 1930, durante a Feira de Comércio do Leste. O pavilhão central da feira – que antes era usado para anunciar a vodca Baczewski – foi entregue para uso das emissoras. No final daquele ano, uma nova emissora na ulica (rua) Batory estava em funcionamento, com programas que iam ao ar durante oito horas por dia. A estação aumentou seu poder de transmissão de forma constante ao longo da década de 1930, de 2 quilowatts inicialmente foi para 50 quilowatts em 1936, e com um alcance tão ao Sul quanto Stanisławów (atual Ivano-Frankivsk, em ucraniano), tão a leste quanto Brody, e quase tão ao norte quanto Łuck (atual Lutsk).

Além de música clássica e leve além de noticiários, os programas regulares incluíam destaques em cidades regionais e no campo, e transmissões da missa dominical de catedrais católicas romanas, evangélicas americanas e ortodoxas gregas. Havia também uma redação católica, liderada pelo padre Michał Rękas – cuja transmissão Rádio para os Doentes foi a primeira transmissão especialmente projetada para pessoas doentes na Polônia. Rękas também liderou uma campanha para arrecadar dinheiro para os pobres, com doações chegando a astronômicos 50.000 złoty em 1934 (mais de 675.376,00 reais hoje). Revendo o impacto da campanha, Michalina Grekowicz afirmou que os destituídos..

A estação de Lwów se tornou uma das estações de rádio mais populares na Polônia no entre guerras, perdendo audiência apenas para a emissora de Varsóvia.


Aréola! Polskie Radio Lwów, 1935
Foto: Polona.pl

A capa do prospecto da programação da Rádio Lwów Polaca de 1935, comemorando o aniversário de cinco anos do lançamento da estação, mostra um microfone elegante, com uma tampa plana e um cachecol em estilo batiar completo. No interior, um início adequadamente satírico deu lugar a reflexões sobre a natureza transitória da transmissão de rádio:

Um jubileu? Uma celebração? Acaba de ser lançado e já está completando cinco anos… uma farsa! Certamente, na literatura, na arte, no teatro ou na tela de cinema, comemorar cinco anos de atividade seria justamente considerado o cúmulo da megalomania. […] Há uma pequena diferença conosco. O povo do rádio sofre de uma doença misteriosa, desconhecida de outras profissões: o trabalho carece de qualquer forma tangível. No nosso teatro da imaginação, preparamos quase 100 estreias anualmente […] enchemos 6 a 8 horas por dia com música de vários gêneros. Mas tudo isso parece apenas tocar a superfície do interesse geral do público, e depois de um curto período de tempo vai afundar novamente em algum papel de seda etéreo envolvente. […] E é por isso que estamos tão ansiosos para procurar um espelho que possa refletir a forma do nosso trabalho anterior.

Um comprimento de onda de 385,1 metros...

O elenco da Rádio polaca Lwów
Foto: Wikimedia Commons

Mas o prospecto da programação celebrou particularmente as atividades de Wesoła Lwowska Fala, que – afirmou – era uma "commedia dell'arte" que proporcionava "um pouco de alegria" contra os desastres, crises e problemas da vida contemporânea. Também chamou a atenção para o fato de que o programa não foi projetado como uma visão maliciosa da subcultura lvoviana – mas sim para chegar o mais próximo possível de um retrato autêntico da vida batiar.

Wesoła Lwowska Fala foi uma ideia de Wiktor Budzyński, um advogado formado, que mais tarde se tornou apresentador de rádio e dramaturgo. Inspirado pela música e performances folclóricas nos cabarés estudantis da Lvovia de então, Budzyński decidiu lançar um show com alegria em seu coração; com humor leve em vez de críticas exacerbadas e canção popular como um antídoto para a melancolia da política polaca e europeia contemporânea.

Budzyński escreveu grande parte do conteúdo para as transmissões – incluindo centenas de músicas, diálogos, comédias e esquetes – com muitos apresentados no dialeto bałak (batiar) pré-guerra, que era uma mistura de alemão, ucraniano, iídiche e jargão de rua. Quando o programa foi lançado em 1932 – sob o nome de Wesołej Niedziela Lwowska (Domingos Felizes de Lwów) e dirigido por emissoras amadoras – pretendia ser exibido uma vez por mês. Mas sua popularidade superou todas as expectativas. A estação de rádio de Lwów foi contatada por estações em toda a Polônia e, finalmente, por Varsóvia, que convidou Budzyński para lançar uma transmissão nacional, todos os domingos, após os anúncios dos jornais da noite.

Todas as semanas, às nove horas da noite, aos domingos, todos os então super-heterodinos, todos os 'Philips' e 'Telefunkens', e todos os aparelhos de rádio tocando aqui e ali usando baterias e ânodos Daimon, eram sintonizados em um comprimento de onda média de 385,1 metros, que foi alugado no ar pela Rádio polaca Lwów. Todo o programa "A onda alegre de Lwów", era uma compilação de monólogos e esquetes, uma espécie de espelho que refletia a atmosfera específica de Lwów, esta cidade-buquê tecida de línguas, culturas e costumes multicoloridos, com o nariz empinado devido ao seu status de sua capital recente (a capital da Galícia, Lodomeria e Grão-Ducado de Cracóvia, ou seja – como costumavam dizer os nossos heróis do rádio – a capital de Golicji [Nakedia], Głodomerii [Hungryia] i wielkiego świństwa krakowskiego (a Grande Sujeira de Cracóvia)).

Pode ter parecido despreocupado e alegre – mas nos bastidores, as tensões eram altas a cada semana. Um programa lançado para o centésimo show, em 1935, descreveu os preparativos ansiosos para as transmissões ao vivo de domingo:

Domingo. Horário: 20h45. Estúdio, uma pequena lâmpada. Está vazio. O microfone é coberto com uma tampa. O clima é como em um bar noturno antes da chegada da primeira dançarina. […] O clima se intensifica minuto a minuto […] Atenção: aqui vamos nós! O sinal da estação do alto-falante, o anúncio da emissora, luz verde, luz vermelha e uma lâmpada. – 'Silêncio – microfones ativos'. Alguém está fazendo o sinal da cruz... Do grande silêncio nasce uma transmissão, primeiro devagar, depois cada vez mais rítmica e ousada. Às vezes, no estúdio, tenho a impressão de que é uma enorme locomotiva em movimento, que – inchada de vapor – apenas espera que um sinal se mova ritmicamente e, tendo desenvolvido velocidade máxima, cai na inércia da incerteza após uma hora de corrida. […] Não estou exagerando ao dizer que nos três anos de meu trabalho aqui, Eu não vi um único rosto sorridente após a transmissão. Todos os artistas, sem exceção, incluindo as mais destacadas atrizes e atores de teatro, bem como figuras populares da Onda Alegre, saem do estúdio… tristes. Por quê? A resposta simples: o cansaço e a falta de confirmação imediata dos resultados da façanha realizada em absoluto silêncio, na presença de um público tão enorme, e tão... quieto.

No entanto, a cada semana, centenas de cartas de elogios às transmissões chegavam à estação. E a transmissão mais tarde também teve sucesso no palco. Em 1934, a trupe fez apresentações no Nowości Theatre e no Grand Theatre em Lwów, e também em locais por toda a Galícia e mais longe, incluindo Lublin, Stanisławów (agora Ivano-Frankivsk), Borysław, Drohobycz, Łódź, Poznań, Katowice e Gdynia.

No entanto, houve algumas tensões. Em meados da década de 1930, à medida que a censura se generalizava, com repressão às publicações de oposição, as transmissões eram censuradas tanto em nível local quanto nacional – embora algumas piadas dirigidas ao governo ainda conseguissem escapar da rede.

Szczepko & Tońko: trovadores de Lwów

Lwów, 6 ulica Batory (atual ulica Kniazia Romana), antiga sede da Rádio Lwów
Foto: Wikimedia Commons

As principais estrelas de Wesoła Lwowska Fala incluíram:

  • Włada Majewska - cantor, conhecido como o 'rouxinol de Lwów', satirista, que satirizava o cinema contemporâneo de então.
  • Józef Wieszczek – tinha um talento único para imitar ruídos de animais e produzir estranhos efeitos sonoros com sua voz
  • Wilhelm Korabiowski – parodiava locutores de rádio famosos da época, mas ficou especialmente conhecido por seu papel como o conselheiro Strońcia.
  • Mieczysław Monderer e Adolf Fleischer - realizavam szmonces, ou monólogos humorísticos sobre a vida judaica, sob os pseudônimos Aprikosenkranz e Untenbaum

Mas de todas as estrelas, possivelmente as mais conhecidas foram Szczepko e Tońko.

Szczepko (Wajda) e Tońko (Vogelfänger) nasceram em Lwów, mas nenhum deles se formou em teatro – em vez disso, Wajda era engenheiro e Vogelfänger um advogado. Mas quando Wesoła Lwowska Fala foi lançado, Vogelfänger mostrou a Budzyński um esboço baseado em um filme recente, e ele imediatamente viu seu potencial. A dupla assumiu nomes inspirados nos locais de seu nascimento – Szczepko, da Igreja de Santa Isabel, que foi projetada para se parecer com a Catedral de Santo Estêvão (Szczepan) em Viena; e Tońko, da Igreja de Santo António.

Seus esboços consistiam em uma mistura de canções e diálogos cômicos. Os personagens nunca foram maliciosos ou violadores da lei, mas sim malandros de coração mole, que tomaram a Polônia de assalto.

No 45º aniversário da criação do espetáculo, o compositor Alfred Schütz – mais conhecido como o homem por trás da música militar Czerwone Maki do Monte Cassino – lembrou que:

Quando o autoconfiante Szczepko e o ingênuo e desafiador Tońko lançaram as pérolas de seu humor no mundo, não apenas todos os alto-falantes da Polônia caíram na gargalhada, mas todos nós no estúdio, juntamente com os convidados, explodimos em lágrimas.

A dupla era tão popular que, no final da década de 1930, protagonizou uma trilogia de longas-metragens sobre a vida batiar. A primeira, uma comédia de 90 minutos chamada Będzie Lepiej (Será Melhor), criada pelo aclamado diretor Michał Waszyński, sobre as façanhas da dupla em uma fábrica de bonecas foi elogiada na imprensa, inclusive por Bolesław Lewicki, na Gazeta Lwowska:

A era de ouro do cinema polaco: o glamour e o progresso dos filmes polacos entre guerras O cinema polaco era um mundo de prosperidade, que chegou a um fim abrupto e sombrio com o advento da Segunda Guerra Mundial. Mas os primeiros dias brilhantes do cinema polaco não podem ser esquecidos: eles moldaram o cinema do país para sempre e tiveram um impacto brilhante em todo o mundo.

O que antes era apenas o eco das conversas dos alto-falantes aos domingos à noite, tornou-se realidade. […] O filme foi premiado com aplausos, o que é raro nas salas de cinema.

No entanto, Lewicki acrescentou que o ato de Szczepko e Tońko era sobre comédia terrena – e não algo que deveria ser traduzido para a tela grande e para o estrelato global de celebridades:

Waszyński poderia fazer deles um Laurel e um Hardy polacos, mas não é isso que os favoritos de Lwów – e de toda a Polónia – pretendiam.

Seus outros filmes incluíam o já mencionado Włóczęgi – que retratava Szczepko e Tońko como guardiões acidentais de seu vizinho – bem como a parte final da trilogia, Serce Batiara (coração de Batiar). Serce Batiara foi anunciado em agosto de 1939, mas as bobinas foram infelizmente perdidas durante o bombardeio de Varsóvia em setembro. Apenas alguns tiros e a trilha sonora ainda existem hoje.

Uma onda, vazando e voltando…

A foto mostra a equipe por trás da transmissão.
Linha I (da esquerda): Adolf Fleischer, Mestre Mieczysław Monderer, Włada Majewska, Józef Wieszczek, Ewa Stojowska. Linha II: Stanisław Estecz, Alfred Kowalski, Teodozja Lisiewicz, Mestre Czesław Halski, Doutor Teodor Akrzyński.
Linha III: Love Short, Kazimierz Nabielec, Wilhelm Korabiowski, Ignacy Dąb, Stefania Zielińska
Foto: Polish Radio Archives, fb.com/ArchiwumPolskiegoRadia/

Com a censura de Wesoła Lwowska Fala aumentando no final da década de 1930, a transmissão do programa se tornou cada vez mais esporádica. O nome foi mudado para 'Ta Joj' – uma das frases mais amadas de Szczepko e Tońko em 1938 – e com um caráter diferente; a sátira menos nítida. Havia planos para reiniciar o show com seu nome original, e com seu sabor original, em meados de setembro de 1939 – embora isso, é claro, não tenha acontecido devido à eclosão da guerra.

Mas, surpreendentemente, esse não foi o fim da história. Em setembro de 1939, os funcionários da Rádio polaca Lwów que estavam ligados à Wesoła Lwowska Fala foram instruídos a deixar a cidade para Tatarów, mais ao Sul, onde poderiam continuar as transmissões remotamente. Mas após a invasão soviética, a trupe decidiu cruzar a fronteira para a Romênia, apoiada por pilotos lvovianos. Lá, eles começaram as transmissões novamente, sob um nome revisado, 'Lwowska Fala' - descartando o 'Alegre' devido às terríveis circunstâncias da guerra. Depois de ajudar no trabalho de caridade, a trupe uniu forças com o diretor da YMCA polaca, para criar shows regulares para animar os polacos no país. Em março de 1940, o grupo se mudou para a França; e depois, em junho, para a Escócia. Suas primeiras apresentações na Grã-Bretanha foram ao ar livre, sem decoração – e acompanhadas apenas de acordeões. Os artistas escreveram que:

Os escoceses estão rindo, embora entendam pouco, a sede de entretenimento nesta área remota significa que eles aceitam o programa com muita cordialidade.

Mais tarde, o grupo mudou-se para Bradford, antes de percorrer várias cidades inglesas, de Bedford a Liverpool, Nottingham a Faversham. Eles também começaram a produzir shows em dois idiomas, ou shows especificamente voltados para o público britânico. Algumas estrelas transmitiam programas na BBC, enquanto Wiktor Budzyński também criava programas sobre a história polaca. Uma apresentação também foi feita no Westminster Cathedral Hall em 1941. O Lwowska Fala se tornou o grupo artístico polaco mais antigo em solo estrangeiro na guerra, existindo de 14 de novembro de 1939 a 17 de novembro de 1946.

Michał Rękas, Rádio polaca Lwów, antes de 1939
Foto: Wikimedia Commons

Ambos Wajda e Vogelfänger sobreviveram à guerra. Wajda decidiu retornar a Varsóvia e continuou transmitindo. Vogelfänger se estabeleceu na Grã-Bretanha, onde adotou o nome de Henry Barker. Embora ele tenha se apresentado ocasionalmente no palco do Ognisko Polskie (Fogueira Polaca) em Londres, também seguiu a carreira de advogado.

Mas embora nenhum dos artistas tenha retornado a Lwów, o lugar onde eles se tornaram estrelas domésticas, e enquanto, no pós-guerra, as mudanças nas fronteiras da Europa Central significaram que Lwów se tornou parte das fronteiras territoriais ucranianas, sua Lwów vive em seus esboços, diálogos e – é claro – em seu hit de destaque, Tylko we Lwowie:

Onde há mais pessoas tão boas quanto aqui? Só em Lwów!


Wesoła Fala 1935 - ilustração da publicação „Hallo, Polskie Radio Lwów” 

 Escrito por Juliette Bretan
Traduçao de Ulisses iarochinski
Fontes: zeslaniec.pl ; muzeum-niepodleglosci.pl ; lwow.home.pl, 2 ; historiaradia.neostrada.pl.



Mais informações do editor do Blog Jarosiński do Brasil

1. Após o início das transmissões da Polskie Radio (Rádio Polaca) em 1925, apenas os habitantes da capital e seus arredores podiam ouvir a nova invenção. As exceções eram os entusiastas da engenharia de rádio, que podiam receber estações de rádio estrangeiras em seus próprios receptores. Em 1927,  o transmissor em Fort Mokotowskie permitiu aumentar a recepção do programa "Varsóvia I" para 90 km. Outro avanço foi o lançamento, no mesmo ano, das três primeiras emissoras regionais que retransmitiam o programa de Varsóvia. A Rádio Cracóvia foi lançada em janeiro e, em maio, o público ouviu a estação em Poznań e em dezembro em Katowice. Em janeiro de 1928, foi a vez da emissora ser ouvida em Vilno. Os preparativos estavam em andamento para lançar uma unidade de transmissão de alta potência em Raszyń, que cobriria quase todo o país. Até então, grandes extensões, inclusive as voivodias do Sudeste estavam fora do alcance dos transmissores.

EM LWÓW

2. Em 15 de janeiro de 1930, a estação da rádio Polaca em Lwów começou a transmitir em uma onda de 385,1 metros.

A potência do transmissor era de 1,4 kW e permitia a recepção em alguns quilômetros ao redor.  A nova estação de rádio foi chefiada por Witold Scazighino, um oficial de comunicações do exército austro-húngaro e depois do exército polaco na França durante a Primeira Guerra Mundial.

Na década de 1920, ele tinha sido um dos co-fundadores a Sociedade Polaca de Pesquisa de Rádio e a Associação de Engenheiros de Rádio Polacos. Ele foi associado à Rádio Polaca desde o momento da transmissão dos primeiros programas em 1925.

Entre os iniciadores do projeto da estação de rádio de Lwów estava Juliusz Petry, autor de muitos dramas de rádio. O nível musical da Rádio Lwów estava aos cuidados de Adam Sołtys, oficial do exército polaco, musicólogo do Conservatório de Lwów e compositor.

Outras celebridades da vida cultural da cidade também colaboraram com a emissora - o filósofo Kazimierz Ajdukiewicz, o especialista em arte Leon Chwistek, o escritor Teodor Parnicki e o poeta Henryk Zbierzchowski. Graças a eles, muitas leituras e colunas científicas populares apareceram no ar.

A CIDADE DE STANISŁAWÓW

3. Stanisławów foi fundada em 1654 pelo senhor feudal Jędrzej Potocki, em 1662, quando os judeus receberam o direito de assentamento permanente na cidade.

Durante o século XVIII, a população judaica prosperou, deslocando os armênios como a principal comunidade mercantil. Sob o domínio austríaco, os judeus desempenharam um papel bastante importante nos assuntos cívicos, de modo que de 1897 a 1919 Arthur Nemhein, um judeu assimilado, era o prefeito. Os judeus da cidade apoiavam uma variedade de organizações de caridade, administravam suas próprias instituições educacionais, incluindo a Or Hayyim Yeshiva, e apoiavam uma variedade de organizações políticas, incluindo a assimilacionista Shomer Israel e, a partir da década de 1880, os sionistas.

No início do século XX, a cidade era um importante centro de manufatura judaica, especialmente nos ramos de processamento de roupas e couro.

Em 1910 havia 15.253 judeus vivendo na cidade de uma população total de 33.280. De acordo com o censo de 1931, havia 24.825 judeus (em uma população total de 72.350).

No início da Segunda Guerra Mundial, provavelmente ainda havia cerca de 25.000 judeus vivendo em Stanisławów.

Mas quando Józef Stalin repassou aquela imensa região aos rutenos-ucranianos, a cidade que homenageava seu fundador, Stanisław Potocki, ela passou a se chamar Stanislav.

Em 1962, os rutenos-ucranianos resolveram renominar a tetracentenária cidade com o nome do poeta Ivan Franko.
  • 1650-1662: estabelecida a fortaleza dos Potocki, buscava o reconhecimento dos direitos de Magdeburg
  • 1662–1772: Stanisławów, República das Duas Nações Polaco-Lituana (dentro do território da Polônia ),
  • 1772–1815: Estanislau, Monarquia Austríaca (dentro da Província da Galícia e Lodoméria), 
  • 1815–1918: Stanislau, Império Austríaco, depois Áustria-Hungria, 
  • Novembro de 1918 – maio de 1919: Stanyslaviv, República Popular da Ucrânia Ocidental,
  • Maio de 1919 – setembro de 1939: Stanisławów, Polônia, sede da voivodia de Stanisławów,
  • Outubro de 1939 – junho de 1941: Stanyslaviv, República Socialista Soviética da Ucrânia,
  • Julho 1941 – agosto 1944: Stanislau, sede do Stanislau Kreis, Distrito da Galícia, Governo Geral,
  • Agosto de 1944 – 9 de novembro de 1962: Stanislav,
  • 9 de novembro de 1962: renomeada como Ivano-Frankivsk, sede oblast, SSR ucraniano,
  • Pós-1991: Ivano-Frankivsk, Ucrânia independente,
  • 11 de março de 2022: início do ataque russo ao oblast de Ivano-Frankivsk


BATIAR

4. Batiar (também às vezes escrito como baciar ), é um nome popular para uma certa classe de habitantes da cidade de Lwów.

É considerado como parte da subcultura da cidade, o estilo de vida "knajpa" (Bar) de Lwów (atualmente chamada em ucraniano de Lviv), e tornou-se um fenômeno no início do século XX, embora suas raízes remontem a meados do século XIX.

O termo quase sumiu de uso após a ocupação soviética do Leste da Polônia e sua anexação à União Soviética como parte da República Socialista Soviética da Ucrânia, em 1945.

As autoridades soviéticas expulsaram a maioria dos habitantes polacos (entre eles a família Jarosiński - do edtor deste blog) e suprimiram a cultura polaca local.

No entanto, o uso do termo continuou, e é um termo popular e carinhoso na Lviv dos dias de hoje. Desde 2008, Lviv celebra o "Dia Internacional do Batiar", iniciado pela empresa "Dik-Art" em cooperação com a Câmara Municipal de Lviv.

As origens do termo se acredita serem húngaras, já que no século XIX Lwów foi ocupada pelo Império Austro-Húngaro, e alguns de seus policiais eram húngaros e teriam trazido o termo para a língua polaca local de sua língua nativa.

Segundo a Encyclopædia Britannica: Betyar (plural: betyarok) era um salteador na Hungria do século XIX. A palavra é de origem iraniana e entrou na língua húngara via turco e servo-croata. Seu significado original era “jovem solteiro” ou “rapaz”.

Enquanto a maioria dos betyárok eram originalmente pastores, cuja posição na sociedade rural era marginal, muitos eram desertores do exército ou jovens fugindo do serviço militar obrigatório.
Eles são mencionados pela primeira vez em documentos legais por volta de 1800. Era o nome dos habitantes de classe baixa de Lwów (a "elite das ruas de Lwów").

Os Batiars falavam um versão distinta da língua polaca, que se chamava bałak e era uma variante do dialeto da cidade de Lwów. Um típico batiar no imaginário comum era geralmente desafiado financeiramente, mas um cidadão urbano honesto e generoso com um grande senso de humor.

Entre os batiars mais famosos, havia nomes como personalidades do rádio Kazimierz Wajda e Henryk Vogelfänger do popular programa de rádio Wesoła Lwowska Fala, bem como a estrela do futebol Michał Matyas, que jogou pelo Pogoń Lwów e pela seleção nacional da Polônia.

O nome ainda está em uso local, mas agora no idioma ucraniano. Agora, os batiars são os playboys do Piemonte ucraniano, como a Galícia Oriental às vezes é chamada, e são facilmente identificados por maneiras requintadas, trajes elegantes e um atributo obrigatório de todo batiar, a lyaska (bengala).


quarta-feira, 16 de março de 2022

Contos de fadas polacos raros

Wincenty Wodzinowski, "Bajka = Um conto", editora Salon Malarzy Polskich, Cracóvia 1907-1949
Foto: Biblioteka Narodowa Polona

Os mundos imaginados dos contos de fadas oferecem não apenas entretenimento para as crianças, mas também reflexões sobre a contemporaneidade. Escritores polacos como Henryk Sienkiewicz, Eliza Orzeszkowa, Bolesław Prus e Wladysław Reymont estavam cientes do poder narrativo dos contos de fadas e escreveram suas próprias histórias fantásticas amplamente negligenciadas.

Refletindo sobre a possibilidade de maravilha e magia na obra, Eliza Orzeszkowa observou em 1888,

Há águas que ressuscitam, árvores cantantes, pássaros que falam como homens e pessoas que amam como deuses; mas para ver e possuir tudo isso, é preciso atravessar os sete mares, sete montanhas, sete florestas e entrar na terra dos contos de fadas.

Em 2019, quando o Prêmio Nobel de Literatura foi concedido a Olga Tokarczuk, a laureada disse: "nos falta linguagem [...], metáforas, mitos e novos contos de fadas" para descrever o mundo contemporâneo. Embora Tokarczuk perceba que um retorno a tal narrativa é impossível hoje, ela reconhece a necessidade de encontrar outra maneira de falar sobre a realidade. Em seu discurso do Nobel, ela também mencionou os contos de fadas de Hans Christian Andersen, que quando criança ouvia com o rosto corado porque acreditava nas histórias de "objetos [que] têm seus próprios problemas, sentimentos e até um tipo de vida social" que são uma parábola do destino humano. Da mesma forma, ela viu animais, rios e corpos celestes como seres vivos.

Ilustração de Joanna Concejo para "The Lost Soul" de Olga Tokarczuk - Foto: Editora Format

Tokarczuk situa suas histórias entre o tangível e o real, o espiritual e o onírico. Motivos e símbolos de contos de fadas podem ser encontrados em seu romance de estreia, The Journey of the Book-People (A jornada do povo do livro), bem como em Primeval and Other Times (Primitivo e outros tempos), The Books of Jacob (Os livros de Jacó) e, finalmente, The Lost Soul (A Alma perdida) – um livro (não apenas) para crianças, ilustrado por Joanna Concejo.

Baseando-se em verdades populares, parábolas antigas e lendas, a ganhadora do Prêmio Nobel comenta o presente e olha para o futuro de forma equilibrada, sem gritos desnecessários. Graças a elementos retirados do mundo da magia, sua voz se torna mais audível, alcançando leitores de todos os cantos do planeta, criados em diferentes culturas. Esse universalismo dos contos de fadas também foi usado por outros vencedores do Prêmio Nobel polacos e escritores importantes, mesmo em uma época em que o realismo dominava a literatura popular.

Henryk Sienkiewicz: Quando a sabedoria popular se torna literatura

Série "Baśń Tatrzańska" (O Conto Tatranski), "Pocztówki" (Postais) de Eliasz Walery Radzikowski, 1908-1920
Foto: Biblioteka Narodowa Polona

À medida que os slogans positivistas de ciência, progresso e trabalho do final do século XIX foram desaparecendo lentamente, as pessoas começaram a se interessar pela metafísica e pelos fenômenos paranormais. Uma virada para a magia era visível na literatura antes mesmo dos modernistas ganharem proeminência. Nem todos se lembram de que Henryk Sienkiewicz, ganhador do Prêmio Nobel, que é principalmente associado à literatura que "eleva o coração", também escreveu contos de fadas, fábulas e lendas. Seus interesses incluíam esoterismo e religiões orientais.

Ele usou personagens e motivos de contos populares da região do rio Wisła (Vístula) e se referiu a hindus, egípcios, gregos e culturas fenícias para oferecer aos seus leitores valores atemporais. Ele quebrou o didatismo usual com linguagem colorida, tratou os limites do gênero com facilidade e as histórias, que hoje trataríamos como contos de fadas, em sua versão soavam mais como contos de fadas populares que você conta por uma fogueira do que ensinamentos moralizantes.

'Bajarz polski: Baśnie, Powieści i Gawędy Ludowe' (O Narrador Polaco: Contos de Fadas, Histórias e Histórias Folclóricas), 'Swarm' de Józef Gliński, Księgarnia Stow. Naucz. Polskiego, Warszawa, 1928,
foto: Biblioteka Narodowa Polona


Nos tempos incultos de hoje, às vezes se quer tanto fugir da barbárie para os templos gregos, e das curvas obscuras para as linhas retas, e finalmente, das pomposas e sombrias platitudes para o discurso claro e nobre – que um dia não aguentei mais. e fugiu, e disso nasceu o "Conto Ateniense".

O motivo da busca fútil dos mortais pela verdade, tornou-se para Sienkiewicz não tanto uma forma de fuga da modernidade quanto uma reação a ela. Ele mostra os valores que devem guiar uma pessoa na vida. Ele faz o mesmo em Bajka (O Conto) – uma história que não se refere à mitologia grega, mas ao conto de fadas de Charles Perrault, "A Bela Adormecida". A princesa de Sienkiewicz, ainda no berço, é visitada por fadas, cada uma dando-lhe um presente diferente: beleza, olhos brilhantes, uma figura esbelta e riqueza. A rainha das fadas desempenha o papel de uma moralista, descartando presentes perecíveis e oferecendo bondade à menina.

Série 'Baśń Tatrzańska' (Um Conto Tatranski), 'Pocztówki' (Postais) de Eliasz Walery Radzikowski, 1908-1920,
Foto: Biblioteka Narodowa Polona


Sabałowa Bajka (Conto de Fadas de Sabała), inspirado no folclore Podhale (região montanhosa da Polônia) e no vernáculo de Zakopane, acaba por ser menos enjoativo. Em vez de princesas e fadas, temos o verdadeiro highlander (montanhês) Sabała (apelido do cantor e contador de histórias Jan Krzeptowski) e o elenco do Ceifador nos papéis principais. Na primeira parte da história, o Ceifador, disfarçado de uma velha, é aniquilado por um esperto gazda (mestre). Na segunda, o Ceifador aprende uma valiosa e bastante brutal (ele é esbofeteado por Jesus) lição de misericórdia.

Talvez estes sejam dois contos de fadas separados e dobrados em um?
Sienkiewicz provavelmente escreveu Sabałowa Bajka no verão de 1889, em Czarny Staw Gąsienicowy, um lago em Zakopane.

Sienkiewicz estava ansioso para não deixar o colega artista de Zakopane, Stanisław Witkiewicz vencê-lo para imprimir com a história transmitida pelos montanheses: "Não se preocupe com isso, mas eu não sei por que Wit [kiewicz] deveria ter um monopólio, especialmente porque eu acho que eu posso escrever melhor do que ele'" Ele alertou os editores de revistas para não corrigirem a ortografia do dialeto. Dois manuscritos do conto sobreviveram: um na Biblioteca Nacional, o outro na Biblioteca Pública de Varsóvia. Eles diferem na duração da introdução e nuances estilísticas, o que confirma a opinião generalizada de que Sienkiewicz constantemente aprimorava suas obras.


Eliza Orzeszkowa e Bolesław Prus: Quando a magia flerta com o realismo

Radzikowski Eliasz Walery, "Baśń Tatrzańska", série "Pocztówki", 1908-1920,
Foto: Biblioteka Narodowa Polona


O que é um conto de fadas?
Eliza Orzeszkowa oferece uma resposta em seu Baśń (Conto de Fadas) de 1888:

É filha de memórias que jazem sob o esquecimento ensurdecedor na alma da memória, e premonições que conduzem a alma à distância azul, desconhecida, invisível, sobre os mares, sobre as montanhas, através das florestas...

Esta obra marca o início da última etapa da obra de Orzeszkowa, quando a autora de On the Niemen (No Niemen) finalmente perdeu o otimismo e a fé na possibilidade de resolver os problemas sociais. Ela se voltou para a metafísica e seus personagens começaram a escapar para um mundo imaginário. Mesmo Emilka, a mulher infeliz de seu Pamiętnik Wacławy (Diário de Wacławy) de 1871, vive com uma ilusão de amor ideal, que ela perde irremediavelmente. Em 1902, Orzeszkowa chegou à convenção dos contos de fadas, convidando o leitor para o mundo do romance ...I Pieśń Niech Zapłacze (... E Deixe a Canção Chorar). Ao apresentar os protagonistas, ela usa o motivo de dois irmãos – um sai para o mundo, o outro fica em casa – que está presente em muitos contos de fadas mágicos.

Józef Gliński, "Bajarz polski: baśnie, powieści i gawędy ludowe", "Rój": Księgarnia Stow. Naucz. Polskiego, Warszawa, 1928,
foto: Biblioteka Narodowa Polona

A coleção Baśnie Największych Pisarzy Polskich (Contos de Fadas dos Maiores Escritores Polacos) incluiu o trabalho de Orzeszkowa Źli Bracia i Dudka (Os Irmãos Maus e a Pena). O enredo é uma reminiscência do drama romântico Balladyna de Juliusz Słowacki. Por ordem do pai, os dois filhos sensatos e o terceiro, um tolo, vão à floresta colher frutas. Quem recolher mais será o primeiro a casar. Os irmãos ciumentos matam o menos esperto, enterram-no e plantam uma cerejeira em seu túmulo. Logo um homem passa e faz uma pena com o galho, que canta a história do menino assassinado em voz humana. É uma pequena parábola sobre justiça e verdade, que cedo ou tarde sempre vem à luz.

O romance de Orzeszkowa e Tadeusz Garbowski Ad Astra: Duet também se refere à poética dos contos de fadas. A floresta de Białowieża, que a escritora planejava visitar muitas vezes (ela conseguiu fazê-lo pela primeira vez em 1898), tornou-se o cenário literário de uma história polaco-lituana entrelaçada com lendas. A mudança de um pinhal para um misto é interpretada como a invasão da Polônia pelos invasores monárquicos vizinhos, os abetos têm casacos cavalheirescos, e a luz competindo com as trevas nada mais é do que a eterna luta entre o bem e o mal. A própria autora aponta para a convenção dessa história, e a frase "um conto de fadas – talvez não um conto de fadas" mostra sua atitude em relação ao gênero tratado não como pura fantasia, mas como contendo um grão de verdade.

Władysław Skoczylas, "Bajka", wydawnictwo Artystycznych Reprodukcyj "Podhale", 1912-1936,
foto: Biblioteka Narodowa Polona

O naturalismo de Orzeszkowa é mais evidente em Wesele Wiesiołka (O Casamento de Wiesiołek), um conto de fadas ambientado em um mundo de plantas e animais. Wiesiołek e Malwa estão se preparando para o casamento na floresta, mas os participantes da cerimônia começam um tumulto. Quando os conflitos são resolvidos, a cerimônia é interrompida por uma pessoa não convidada. Descrições meticulosas da natureza em uma camada metafórica se referem ao mundo humano. Tanto os personagens da história quanto os leitores são embalados pela linguagem um tanto sentimental e barroca desse conto de fadas. Orzeszkowa não era apenas uma escritora de contos de fadas, mas também uma amante do folclore e uma observadora sensível dos fenômenos culturais.

Bolesław Prus também tentou combinar realismo com fantasia, com bons resultados. Seu romance The Doll (A boneca) encontra seus personagens Izabela Łęcka e Stanisław Wokulski ouvindo um conto de fadas nas ruínas do castelo em Zasław.

A história, O Uśpionej Pannie i Zaklętych Skarbach na Dnie Potoku (Sobre uma donzela adormecida e tesouros encantados no fundo de um riacho), é uma óbvia alusão aos dois personagens principais do romance, embora também funcione fora das páginas do romance como um conto de fadas infantil. Na história mágica, um ferreiro tenta resgatar uma donzela adormecida presa em um baú no fundo de um riacho, mas sua missão falha. Da mesma forma, Wokulski, que está apaixonado, não consegue superar as adversidades – as diferenças sociais, a resistência de seu escolhido – embora seja capaz de sacrificar tudo pelo amor. A sabedoria popular, então, se reflete diretamente no romance realista como uma alegoria para os destinos dos heróis.


Władysław Reymont: Quando um conto de fadas é uma metáfora para a liberdade

O obecności elementów baśniowych w "Chłopach" (Sobre a presença de elementos de conto de fadas em "Camponeses"

Ninguém precisa estar convencido da presença de elementos de contos de fadas em Os Camponeses, de Władysław Reymont, vencedor do Prêmio Nobel. Basta olhar para Roch, que faz o papel de um contador de histórias folclórico no romance, contando histórias incríveis para os habitantes de Lipiec:


Rocho contou histórias de vários milagres e histórias de guerras ferozes, de montanhas onde exércitos encantados dormem [...], de enormes castelos com câmaras douradas onde princesas encantadas em guirlandas douradas lamentam em noites de lua e esperam seu salvador [...] , onde a profusão de tesouros é protegida por dragões do inferno [...].

 

Józef Gliński, "Bajarz polski: baśnie, powieści i gawędy ludowe", "Rój": Księgarnia Stow. Naucz. Polskiego, Warszawa, 1928, Foto: Biblioteka Narodowa Polona


Talvez seja mais interessante considerar Komurasaki, a história de uma marionete japonesa, pensando e sentindo, vivendo entre outras figuras animadas em um antiquário parisiense. Obviamente, Reymont não foi o único jovem escritor polaco a se engajar nas convenções do teatro de bonecos, mas devido à marginalidade da estilização do conto de fadas em sua escrita, este trabalho merece atenção especial. O conto de fadas modernista não dividia seu público em adultos e crianças. Ele se concentrava em uma mensagem universal e o final infeliz contrastava com a fórmula usual de "eles viveram felizes para sempre". Marionetistas de sombras polacas e turcas encenam as lojas de canela de Schulz Cinnamon Shops, baseado na prosa de Bruno Schulz, é um projeto colaborativo do Kubuś Puppet and Actor Theatre na cidade de Kielce e Cengiz Özek Shadow Theatre na Turquia. A performance vai estrear no dia 23 de outubro, como parte do 17º Festival Internacional de Teatros de Marionetes em Istambul.

A heroína de porcelana de Reymont é dotada de sensibilidade humana; ela experimenta solidão, amor, separação de seu amado, falta de aceitação e medo. O seu sentimento de alienação resulta do distanciamento do seu país, que vemos através da projeção de uma terra feliz onde "florescem cerejeiras" e "rios murmuram na areia dourada". A poética dos sonhos enfatiza ainda mais a atmosfera de conto de fadas da história, escrita a pedido do editor da Quimera, Jan Lemański, que também revisou o trabalho de Reymont para esta revista, observou que,

...o autor, como se um governante, depois de conquistar o mundo da realidade, respirasse, se permitisse um sétimo dia de criação, que ele preenchia com a adoração da beleza [...] […].

Reymont fez sua última tentativa de enfrentar o mundo da fantasia em 1924. Bunt (Revolta dos Animais) – identificado pelo autor no título com a palavra "conto de fadas" – retrata a luta que os heróis animais enfrentam com as pessoas que governam o mundo. Em meio a essa luta, surge uma boneca (que na verdade é uma princesa encantada). Oferecendo uma interpretação da representação da princesa encantada, Barbara Kosmowska sugere:

Este momento da trama pode ser lido como a visão de Reymont sobre a essência dos contos de fadas. A mensagem de que um conto de fadas, mesmo quando mata, protege da morte. [...] O mudo que cavalga para o desconhecido junto com a princesa resgatada é um símbolo da liberdade oferecida pelos contos de fadas, que é difícil de encontrar no mundo real de ameaça e violência. 

Texto: Agnieszka Warnke
Tradução para o português: Ulisses iarochinski