segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Um Da Vinci em Wawel

No castelo de Cracóvia, "A Dama e o Arminho" é hoje a estrela. Uma pintura tão bela que teve de ser recuperada pela Polônia aos nazis em 1945.
A Dama e o Arminho - Leonardo Da Vinci / Cracóvia
A pequena sala está meio escura, o habitual para proteger pinturas sensíveis, com séculos. Tirando o vigilante, ninguém por perto e todo o tempo do mundo para olhar A Dama e o Arminho, uma das obras-primas de Leonardo Da Vinci. Desde 2012, está no Castelo Real de Wawel, em Cracóvia. Por coincidência, numa chuvosa manhã de inverno, época de poucos visitantes, pôde ser vista sem centenas de turistas a tirar selfies à volta, como acontece no Louvre, onde está a Mona Lisa. Um verdadeiro luxo na antiga capital da Polônia, milagrosamente poupada à destruição durante a Segunda Guerra Mundial.

"A mais bela pintura da Polônia, no mais belo castelo da Polônia, na mais bela cidade da Polônia. Faz todo o sentido", diz Elżbieta Pytlarz, historiadora de arte e apaixonada pela cidade que a UNESCO considera patrimônio da humanidade.

A Dama e o Arminho voltará, porém, ao Museu Czartoryski, também em Cracóvia, assim que lá forem concluídas as obras de renovação. É um dos tesouros de uma coleção fundada há dois séculos por uma família magnata polaca e "tem uma história atribulada", como sublinha Pytlarz. No filme "Os Caçadores de Tesouros", com George Clooney, o quadro é uma das grandes obras roubadas pelos nazis.

O que torna esta pintura tão especial? Primeiro que tudo a beleza da figura feminina, que se acredita ser Cecília Gallerani, amante de Ludovico Sforza, Il Moro, duque de Milão. Depois o próprio animal no colo, que um estudo recente afirma ter sido acrescentado por Da Vinci num segundo momento. E além disso toda a fábula criada em redor do magistral óleo. Sabe-se que terá sido criado em 1490, durante o longo período em que o pintor italiano esteve ao serviço do nobre milanês. Pouco depois, Leonardo criará "A Última Ceia", ainda hoje visitável em Milão, na igreja de Santa Maria delle Grazie, e que com o quadro de Cracóvia e a Mona Lisa em Paris constituem a trilogia magna do pintor.

"Apenas vi o quadro de Leonardo da Vinci uma vez. Provocou-me uma sensação muito sensual antes ainda de eu ficar a conhecer o seu simbolismo escondido. Cecilia Gallerani e o príncipe Ludovico Sforza viveram um romance secreto em pleno oficialismo da vida da aristocracia do final do século XV. O que apaixona mais: a dinâmica corporal da jovem mulher que acaricia um animal pouco comum? A beleza do seu rosto? O fato de o animal no seu colo esconder a sua gravidez avançada, e já agora ser o arminho, um símbolo da maternidade? Não sei dizer. Um fato importante é que o quadro de Da Vinci pertence à família do príncipe Czartoryski, o que mostra o significado da contribuição da aristocracia na nossa herança cultural", afirma Bronisław Misztal, embaixador da Polônia em Lisboa e professor na Iaguelônica, uma universidade fundada no século XIV e outro dos tesouros de Cracóvia.

Tudo na história do quadro acrescenta ao seu poder de atração. Foi comprado em 1798 pelo príncipe Adam Jerzy Czartoryski, durante uma viagem a Itália. Serviu de oferta à mãe, Izabela, que na sua propriedade em Puławi, a sudeste de Varsóvia, se preparava para abrir o primeiro museu público na Polónia.

Catedral e Castelo Real de Wawel - Cracóvia
Uma história atribulada
De início não havia certeza de que era um Da Vinci e até a figura dava ensejo a especulações, chegando-se a pensar que seria uma amante de Francisco I de França. "Mas peritos polacos, há mais de cem anos, sugeriam já que fosse Cecília Gallerani e uma famosa pintura desaparecida", explica Pytlarz. Hoje, as dúvidas dissiparam-se e "A Dama e o Arminho" é reconhecida como uma das poucas pinturas de Da Vinci (15?) que chegaram até nós.

Com as atribulações políticas na Polônia, o quadro até foi transferido para uma mansão dos Czartoryski em Paris. Depois, com a agitação na França, regressou à Polônia, sendo exposto em Cracóvia a partir de 1876. Quando se iniciou a Primeira Guerra Mundial, e com Cracóvia parte do Império Austríaco, o quadro foi transferido para longe da linha da frente, para Dresden. Voltaria a Cracóvia, agora cidade de uma Polônia renascida das cinzas e novamente independente a partir de 1918. Mas a história não deixou de voltar a assombrar "A Dama e o Arminho", cobiçada por Hitler para o museu que pretendia construir na sua Linz natal. Depois de decorar os aposentos do governador nazista de Cracóvia, acabou na Alemanha, com a Polônia conseguindo recuperá-lo em 1945. Mas a propriedade pelos Czartoryski só seria reconhecida em 1991, já depois do fim do regime comunista.

Alojada no castelo vizinho da catedral onde repousam os monarcas do país, e logo (!) numa sala que foi aposento de uma Sforza rainha polaca, "A Dama e o Arminho" teve no ano passado 160 705 pessoas a comprar o bilhete para vê-la", segundo Sabina Potaczek, chefe de comunicação do Castelo de Wawel, o qual deve o nome à colina onde foi erguido, com vista para o Vístula, o rio que atravessa a Polônia e deságua no Báltico. Como o castelo recebeu milhão e meio de visitantes, isto significa que só um em dez por cento respondeu ao apelo de Da Vinci, se bem que, alerta Potaczek, "existe limite no número diário de visitas", pelo que no verão não só pode ser difícil ter uns minutos a sós com a pintura como nem ser possível vê-la.

Antes de se instalar no Wawel, "A Dama e o Arminho" foi exibida em Londres, Madrid e Berlim. A passagem pela Alemanha foi a mais polêmica, com setores da sociedade polaca a relembrar como os nazistas tinham tentado ficar com o quadro. E na verdade, desses tempos da Segunda Guerra Mundial, "faltou o Retrato de um Jovem, de Rafael", nota a historiadora de arte Pylartz. Também pertencia à coleção da família Czartoryski. Curiosamente, no filme de 2014, parece ser incendiado pelos alemães. Mas Frank Stokes, o militar americano encarnado por Clooney, surge quase no final, depois de mostrar a imagem de "A Dama e o Arminho", a exibir ao presidente Truman a foto da pintura de Rafael e a pedir autorização para procurá-la. Onde estará? "Ninguém sabe", lamenta Pytlarz.

Artista: Leonardo da Vinci
Dimensões: 54 cm x 39 cm
Material: Tinta a óleo
Período: Alta Renascença
Criação: 1489–1490
Localização: Castelo Real de Wawel, Museu Czartoryski

Texto: Leonídio Paulo Ferreira
Jornal Diário de Notícias, Lisboa

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

A Polônia do Partido Direito e Justiça

prof. Jan Zielonka

Para o acadêmico polaco Jan Zielonka, professor de Políticas Europeias em Oxford, o PiS de hoje é diferente daquele dos gêmeos Kaczyński, muito devido a líderes como Duda e Szydło.
A informação é do jornalista português Leonídio Paulo Ferreira, que entrevistou o professor para o jornal Diário de Notícias, de Lisboa.


A entrevista:

LPF - Como descreve a ideologia do Partido Direito e Justiça (PiS)? Faz sentido descrevê-lo como nacionalista, ou conservador, ou ainda populista? Ou na realidade é impossível descrevê-lo e estas etiquetas não se aplicam à força política que atualmente governa a Polônia?

JZ - Esses termos são demasiado vagos e imprecisos. Sobretudo não refletem a situação na Polônia. O PiS chama a si mesmo conservador e patriótico. Na realidade, é mais conservador no que diz respeitos aos assuntos morais e muito mais "progressista" no que se relaciona com os temas socioeconômicos.

LPF - O PiS de hoje é muito diferente do PiS que há uma década ganhou o governo e a presidência?

JZ - Sim, é um partido diferente. Há uma década, o PiS era liderado pelos gêmeos Kaczyński e agora é encabeçado apenas pelo gêmeo sobrevivente Jarosław Kaczyński e tem, agora, dois líderes mais jovens e provavelmente muito mais moderados: Andrzej Duda e Beata Szydło. Jarosław Kaczyński até pode ter o partido ainda debaixo do seu controle, mas Duda e Szydło têm os mandatos eleitorais e conseguem também resultados bem melhores nas pesquisas de opinião. Além disso, muitos dos líderes tradicionais do PiS morreram no acidente de avião em Smoleńsk, em 2010, que matou o presidente Lech Kaczyński, e foram substituídos por um novo grupo de políticos de qualidade e características mistas e incertas.

LPF - Qual é a força do sentimento pró-União Europeia entre os polacos passados quase 12 anos da sua adesão?

JZ - As pesquisas mostram sempre um forte apoio à União Europeia, mas não em questões importantes como a adesão ao euro, a moeda única ou o sistema de imigração.

LPF - O êxito da economia polaca nos últimos anos, com o país passando ao largo da crise financeira, tem servido para construir uma sociedade mais justa?

JZ - Deve-se sublinhar que as desigualdades na Polônia são menos pronunciadas do que, por exemplo, a dos países da Europa do Sul. Mas não deixam de ser importantes. E na realidade, uma das várias razões por trás do sucesso eleitoral do PiS tem que ver com a sua promessa de justiça social.

LPF - Têm sido feitas comparações entre a Polônia do PiS e a Hungria de Viktor Orban. Concorda? Vê algum padrão?

JZ - Kaczyński e Orban encontraram-se recentemente, mas os dois nunca foram amigos próximos nestes anos recentes, mais não seja por causa dos estreitos laços entre o líder húngaro e a Rússia de Vladimir Putin. Os políticos do PiS estudaram e ocasionalmente admiraram as políticas domésticas do Fidesz, mas a Polônia é um país muito diferente da Hungria. A Polônia, ao contrário da Hungria, não enfrentou uma crise econômica na última década. Em vez disso, a economia da Polônia cresceu mais de 20%. Também não há um partido fascista no Parlamento polaco semelhante ao húngaro Jobbik e os políticos polacos não fazem reivindicações territoriais como alguns dos seus colegas húngaros. Por último, mas não menos importante, a Polônia, ao contrário da Hungria, possui uma vibrante sociedade civil que tem exigido dos seus governantes respeito pelos princípios básicos de justiça e democracia.

LPF - Refere-se às recentes manifestações contra o PiS?

JZ - Sim, a recente vaga de protestos de rua um pouco por toda a Polônia comprova a força da sociedade civil.

Jan Zielonka
Nasceu em Czarnowąsy, na Polônia em 23 de fevereiro de 1955. Estudou Direito na Universidade de Wrocław, e obteve seu doutorado em Ciência Política da Universidade de Varsóvia. Como acadêmico, ele ocupou cargos na Universidade de Leiden, na Holanda, no Instituto Universitário Europeu, em Florença, Itália, no Instituto Holandês para a Estudos Avançados em Ciências Humanas e Sociais, e na universidade de Oxford.
Ele tem publicado muitas textos no campo da política comparada, principalmente na área Soviética e Estudos do Leste Europeu, a história da filosofia política, relações internacionais, direitos humano e segurança.
É professor de Política Europeia, na Universidade de Oxford, desde janeiro de 2004. E também na Ralf Dahrendorf Fellow, na faculdade St. Antony em Oxford.
Zielonka em suas publicações mais recentes têm detalhado sobre a natureza mutável da União Europeia, principalmente na ampliação da União em direção ao Leste, desde 2004, e as suas ramificações para a Europa no todo.
Zielonka em seus primeiros trabalhos reflete interesse particular na convulsão na Europa Oriental durante a Década de 1990, incluindo a investigação significativa na sua terra natal, a Polônia. Como um colega no Instituto de Estudos Avançados em Ciências Humanas e Sociais, na Holanda, ele fez estudos comparativos sobre a Polônia concentrando-se em três questões principais: a evolução do sistema político na Polônia, resistência social não violenta e consequências internacionais da crise na Polônia. A partir de suas pesquisas, Zielonka publicou o livro "1989 - Ideias Políticas na Polônia Contemporânea".


Fonte: Jornal Diário de Notícias, Lisboa.

P.S. texto adaptado para o português do Brasil.