quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Cruzada polaca contra UE podre de “vegetarianos e ciclistas”

Você pode começar o dia na Polônia sendo um patriota ou um traidor de acordo com o seu café da manhã e pelo seu meio de transporte ao sair de casa. Se comer salsichas e pegar o carro, tudo bem. Se optar pelos cereais e a bicicleta, péssimo.


Segundo o ministro das Relações Exteriores, Witold Waszczykowski, sua missão é acabar com "a Europa apodrecida de vegetarianos e ciclistas". Acrescentou a mistura de raças e culturas e as energias limpas. Preservar a identidade nacional polaca, entendida como os valores da tradição cristã, é uma prioridade do Executivo ultraconservador do Direito e Justiça (PiS), presidido por Beata Szydło e dirigido politicamente por Jarosław Kaczyński, o líder do partido. Trata-se do primeiro partido da história moderna da Polônia a conquistar a maioria absoluta, nas últimas eleições de outubro. Nessa cruzada é essencial controlar a imprensa para separar os polacos "bons" dos "maus".

“O Governo quer um Estado fascista, corporativo, de partido único”, diz Piotr Stasiński, vice-diretor da Gazeta Wyborcza, o maior jornal da Polônia, fundado em 1989 e referência progressista da democracia.


O último sinal de alarme é uma lei de polícia que amplia seu poder de vigilância na Internet, e-mails e celulares. Stasiński, preocupado, fumava sem parar na segunda-feira na janela de seu escritório, mesmo com a temperatura de sete graus abaixo de zero do lado de fora. O jornal, junto com outros veículos de oposição, encabeça a lista dos traidores da pátria.


Após o ataque contra o tribunal constitucional, com uma reforma que o neutraliza, a imprensa é o outro grande objetivo. “Os veículos públicos ignoram sua missão, ao invés de defender o interesse nacional, seus jornalistas frequentemente simpatizam com as opiniões negativas contra nosso país”, argumentou uma deputada do PiS, Elżbieta Kruk.


As formas impressionam: uma lei aprovada em tempo recorde às quatro da madrugada de 24 de dezembro causou uma limpeza na televisão e rádio públicas. No dia seguinte à ratificação foi despedido, por exemplo, Kamil Dąbrowa, diretor da Rádio 1. “Por infringir as novas normas éticas, por ir contra o espírito nacional”, explicou na terça-feira em sua casa. O que ele fez contra esse espírito foi ruidoso: colocar a cada hora o hino nacional, alternando-o com o da UE, como protesto pela nova lei.

Como ele, numerosos dirigentes, redatores e rostos muito conhecidos da televisão foram despedidos. É normal que a cada troca de Governo ocorram exonerações nos veículos públicos, mas dessa vez o que se viu foi uma onda de demissões, uma lei que permite evitar o filtro do conselho nacional de rádio e televisão e a nomeação a dedo, sem concurso, de jornalistas conservadores e de veículos católicos. E é só o começo. “Essa é a chamada pequena lei de imprensa, a grande virá em poucos meses, e prevê a transformação dos veículos públicos em Sociedades de Cultura Nacional. Todos os funcionários serão despedidos, 3.000 pessoas, e serão novamente contratados. Por enquanto é um período de verificação de obediência. Estão limpando o campo de manobra para tomar o controle do Estado”, comenta Dąbrowa. As duas redes de televisão públicas são as mais vistas da Polônia.

Seu novo presidente, Jacek Kurski, recusou na terça-feira conversar com o jornal espanhol EL PAÍS.

Uma das primeiras a cair foi Ewa Wanat, locutora da rádio pública RDC despedida em setembro, um mês antes das eleições. “A vitória do PiS era algo concreto e foi um sinal de colaboração para salvar outros”, contou na terça-feira em um café.
Wanat, muito popular, simboliza o que o PiS odeia. Tinha um programa bem-humorado dirigido à comunidade homossexual e transexual que começava dessa forma: “Olá bichinhas!”.
E um consultório sexual, algo incomum na Polônia. “Era muito atrevido. Aqui até mesmo os partidos progressistas são conservadores no social, por medo da Igreja”, explica. Em sua opinião, o país voltou à propaganda das leis marciais dos anos oitenta. Ela pediu um boicote aos veículos públicos, também de participação, “para não legitimar essa farsa”.

A imprensa privada também está sob ataque: os considerados hostis perderam sua assinatura de entidades públicas, a publicidade institucional e a de grandes empresas estatais. O Governo alega que a maior parte dos veículos está nas mãos de empresas estrangeiras, especialmente alemãs, o que é verdade. Um dirigente de um deles confessou privadamente na terça-feira que se espera algum tipo de medida hostil mediante impostos e a limitação de cotas de capital, como na Hungria e na Rússia.

A única saída é o protesto. “Mas vemos somente a mobilização de pessoas com mais de 30, 40 anos..., que se lembra da época comunista. Os jovens são uma geração do celular, que não lê a imprensa, não faz nada para mudar. Para eles a liberdade é óbvia, não acreditam que podem perdê-la. Precisam acordar”, alerta Dąbrowa. A próxima manifestação será no sábado.


Texto: ÍÑIGO DOMÍNGUEZ
(ENVIADO ESPECIAL),
Jornal El País, Madrid

quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Comissão Europeia abre processo contra a Polônia

A Comissão Europeia abriu nesta quarta-feira (13/01) a etapa inicial de um processo formal de revisão para verificar se a controversa reforma do Tribunal Constitucional da Polônia viola valores fundamentais da União Europeia (UE), anunciou o primeiro vice-presidente da Comissão, Frans Timmermans, em Bruxelas.
Frans Timmermans
É a primeira vez que esse procedimento será adotado. Ele foi introduzido em 2014, depois de a Comissão Europeia ter sido acusada de falhar em fazer o governo da Hungria respeitar os valores democráticos e o Estado de Direito. Caso as regras europeias não estejam sendo respeitadas, a Polônia pode ter suspensos seus direitos de voto na União Europeia.

Timmermans disse que a Comissão vai verificar também as denúncias de que o governo ultraconservador de Varsóvia está elevando o controle do governo sobre a imprensa estatal. O comissário afirmou que esta é uma questão séria. Ele disse que vai enviar uma carta ao governo em Varsóvia para iniciar o diálogo sobre a questão.

O ministro da Justiça da Polônia Zbigniew Ziobro, por sua vez, denunciou, ontem, terça-feira, "pressões" sobre um "Estado soberano", respondendo às críticas europeias sobre a nova lei polaca sobre o Tribunal Constitucional, numa carta aberta ao vice-presidente da Comissão Europeia, Frans Timmermans.

"Eu li a sua carta injustificada e tomei conhecimentos das suas primeiras conclusões inadmissíveis feitas à imprensa e por carta oficial. Cheguei à conclusão de que a sua carta é uma tentativa de pressão sobre um parlamento democraticamente eleito e sobre um Governo de um Estado soberano, que é a Polônia", refere o ministro da Justiça polaco, Zbigniew Ziobro.

Em outro trecho da carta Ziobro acusa Timmermans de ser de esquerda: "apesar das diferenças ideológicas que possam existir entre nós, sendo a sua persuasão de extrema-esquerda".

sábado, 2 de janeiro de 2016

Kaczyński contra a imprensa polaca

Jarosław Kaczyński - o líder da extrema-direita polac
O grupo conservador de extrema-direita que está no poder na Polônia, liderado pelo ex-primeiro-ministro Jarosław Kaczyński (pronuncia-se iaróssuaf catchinhsqui), aprovou nesta quinta-feira (30/12/2015) uma lei que, na prática, dá plenos poderes ao governo nas emissoras públicas do país, que passam a ser controladas pelo Ministro do Tesouro.

Esta é a segunda lei alterada em menos de uma semana com pouco ou nenhum debate no congresso e que é questionada pela Comissão Europeia. Para analistas, a Polônia vive um momento de ascensão autoritária.

O partido conservador Direito e Justiça (PiS), grande vencedor das eleições de maio (presidenciais) e outubro (parlamentares), já havia aprovado, na segunda-feira, a entrada em vigor de uma controversa reforma do Tribunal Constitucional, apesar das fortes reservas manifestadas pela Comissão Europeia e das críticas da oposição, que temem uma paralisia da corte. O novo poder polaco também prepara leis que modificam o funcionamento da administração, da polícia e do poder judiciário.

O texto da nova lei para a imprensa pública foi submetido às pressas ao parlamento e aprovado na quarta-feira pela Câmara, e no dia seguinte pelo senado. Ela dever ser sancionada pelo presidente Andrzej Duda, um aliado do PiS.

Diversas organizações da imprensa europeia exprimiram indignação com o que consideram intervenção indevida do Estado nos veículos públicos. As novas disposições encerram imediatamente os mandatos dos membros das direções e dos conselhos que regulam a televisão e a rádio pública (diretores e funcionários concursados).

A partir de agora, o ministro do Tesouro poder para fazer as nomeações, que antes eram feitas através de concursos. Justificativa: cortar custos.

A União Europeia de Radio e Televisão (UER/EBU), a Associação de Jornalistas Europeus (AEJ) e a ONG Repórteres Sem Fronteiras exprimiram “indignação” com as novas regras, “introduzidas às pressas, sem nenhuma discussão”, segundo estas entidades. Já o vice-presidente da Comissão Europeia, Frans Timmermans, fez um pedido de informação ao governo polaco sobre este projeto de lei.

Em uma carta ao ministro da Cultura da Polônia, a AEJ se diz “profundamente preocupada: “colocarão a televisão e a rádio pública sob controle direto do governo, implicando na demissão por razões políticas de jornalistas respeitados, e conduzirão a uma ingerência editorial sistemática do conteúdo dos programas, em favor do atual governo”, afirma a associação, uma ONG reconhecida pela Unesco e pelo Conselho da Europa.

O Partido Direito e Justiça (PiS) de Jarosław Kaczyński anunciou que as emissores públicas, assim como a agência nacional de informação PAP – que são atualmente sociedades de direito comercial controladas pelo Estado – serão transformadas em instituições culturais controladas por um Conselho de Mídia, que será criado pelo novo governo.

O PiS diz que as mudanças visam “racionalizar e baixar os custos de gestão das empresas públicas, assim como atingir níveis profissionais e éticos necessários”.

Texto: 
REUTERS/Paweł Kopczyński