quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023

Um Iarochinski foi herói da Polônia

Ludwik Jarosiński - ou Luiz Iarochinski, em português - nasceu em 1840, na vila rural de Wojciechowice, na cidade de Sandomierz e faleceu em 21 de agosto de 1862, em Varsóvia. Era membro da Organização Vermelha da Cidade de Varsóvia.

Ele foi o executor da tentativa de assassinato do governador do Reino da Polônia, o Grão-Duque Konstanty Mikołajewicz Romanow (irmão do rei russo Tzar Aleksander II), em 3 de julho de 1862.

 Em 1858, mudou-se para Varsóvia, onde trabalhou como alfaiate e jornaleiro. Na capital do Reino do Congresso (nome dado por Napoleão Bonaparte e consolidado pelo Reino da Rússia) ele se envolveu com um grupo pró-independência da República da Polônia.

Ludwik era ativo na Organização Vermelha da Cidade de Varsóvia. O executor do atentado fracassado contra o novo governador do Reino da Polônia, grão-duque Konstanty fazia sua segunda tentativa de assassinar o grão-duque.

No dia anterior com outro assassino, Edward Rodowicz, ele esperava a chegada de Konstanty na estação ferroviária de São Petersburgo, que vinha de Moscou, à caminho de Varsóvia. Mas decidiu não atirar devido à presença da esposa de Konstanty, princesa Aleksandra, que estava no último mês de gravidez.

A tentativa mal sucedida aconteceu em frente ao Grande Teatro de Varsóvia. O russo foi ferido no braço por disparo de revólver.

Jarosiński foi preso no 10.º Pavilhão da Fortaleza de Varsóvia. Condenado à morte pela Corte Marcial russa, foi executado por enforcamento nas encostas da fortaleza após seis semanas do atentado.

Xilogravura de Luiz, na Cela do 10.º Pavilhão. 

Na foto, a seguir, está uma reprodução fotográfica de um desenho, provavelmente, fortemente retocado. A foto está colada na base de papelão original.

No verso, há uma inscrição a lápis já desbotada que diz: "Jarosiński enforcado [...?]" , "Jarosiński 1861". 

Margens e verso manchados. ("A Revolta de Janeiro e os exílios siberianos. Catálogo de fotografias da coleção do Museu Histórico da Capital de Varsóvia", parte 1, editado por K. Lejko. Guerra. 2004, item 117) L. Jarosiński (1840-1862).

Ludwik era jornaleiro, alfaiate, membro da organização vermelha.

Em 3 de julho de 1862, fez uma tentativa frustrada contra o vice-rei do reino do congresso, duque Konstanty, que estava saindo do Grande Teatro. Após um julgamento público, ele foi executado nas encostas da Fortaleza em 21 de agosto de 1862.

O evento faz parte do Calendário da História das Forças Armadas da Polônia e faz parte do acervo do Muzeum Wojska Polskiego - Museu do Exército Polaco.

Tradução da legenda: Luiz Iarochinski. Enforcado em Varsóvia em 12 de agosto de 1862.

Nos arquivos está grafado Jaroszyński, uma das grafias dos cartórios e igrejas polacos para Jarosiński... assim como, o cartório da cidade de Castro - PR grafou o que ouviu e registrou: iarochinski.

O atentado de Luiz Iarochinski desembocou no Levante de 1863-1864, a revolta polaca mais duradoura pela independência da República na era pós-invasão, divisão e ocupação pelas três monarquias vizinhas.

Atraiu para a luta todas as camadas da sociedade, teve forte impacto nas relações internacionais contemporâneas e, finalmente, causou um enorme avanço social e ideológico na história nacional da Polônia.

Os voluntários vieram de pessoas urbanas, nobres, eclesiais, trabalhadores, intelectuais, alunos do ensino médio e universitários. Uma era de assassinatos, mas "sem sonhos".

O enfraquecimento da Rússia após a derrota na Guerra da Crimeia levou à liberalização da política interna do Império Russo.

As esperanças de concessões mais amplas foram interrompidas pelo Tsar Alexandre II, em 1856, com as palavras "sem sonhos".

No entanto, a sociedade polaca estava em tumultos frequentes e ficou claro que a direção do confronto tinha que vencer. As autoridades russas, temendo uma eclosão espontânea de combates, concordaram em aceitar uma petição exigindo uma mudança no sistema de governo, que Alexandre II descreveu como audaciosa, mas finalmente concordaram em designar Aleksander Wielopolski como diretor da Comissão de Denominações Religiosas e Esclarecimento Público.

Também anunciou a criação do Conselho de Estado e dos governos municipal e distrital. 

Essas mudanças, no entanto, não impediram as manifestações patrióticas e os numerosos ataques, cujo centro da revolta era Varsóvia.

Em 8 de abril de 1861, 200 pessoas foram mortas, cerca de 500 polacos feridos por balas russas.

A lei marcial foi introduzida em Varsóvia, repressões brutais começaram, os organizadores das manifestações, em Varsóvia e Vilno foram deportados para o interior da Rússia.

Os polacos passaram à clandestinidade e realizaram atividades de assassinato.

Foi quando em 3 de julho de 1862, Ludwik Jarosiński, em frente ao Grande Teatro de Varsóvia, fez a tentativa malsucedida contra o governador do Reino da Polônia, o grão-duque Konstanty Mikołajewicz, irmão do czar Alexandre II.

Iarochinski capturado e condenado à morte pelo Tribunal Militar.

Em 7 de agosto de 1862, em Plac Bankowy, em Varsóvia, em frente ao prédio da Comissão do Tesouro, foi feita uma tentativa malsucedida na cabeça do governo civil do Reino da Polônia, Aleksander Wielopolski.

As tentativas de matar o governador foram feitas por Ludwik Ryll e Jan Rzońca. Ambos os assassinos foram logo capturados e executados nas encostas da mesma Fortaleza de Varsóvia, em 26 de agosto de 1862.

Em 14 de agosto de 1862, Jarosław Dąbrowski - um dos líderes do Partido Vermelho que estava preparando um plano para a revolta na divisão russa - foi preso. Ele foi condenado a 15 anos de trabalhos forçados. Escapou durante a deportação para a Sibéria. Horas depois - 15 de agosto de 1862 - na Aleia Ujazdowskie, em Varsóvia, Jan Rzońca fez outra tentativa malsucedida de assassinar o chefe do governo civil do Reino da Polônia, Aleksander Wielopolski.

As autoridades tsaristas não podiam mais ignorar a resistência polaca. Para minimizá-la, em janeiro de 1863, decidiu-se transferir o prisioneiro para o exército russo, ao qual os polacos responderam com a eclosão da Revolta de janeiro.

Quadro do Levante de 1863

Varsóvia um centro político, mas não militar no final da primavera e no verão de 1863, até 35.000 polacos lutaram. Estes insurgentes, enfrentaram 145.000 russos. O Estado polaco na clandestinidade era administrado pelo governo nacional com sede, em Varsóvia.

O maior confronto na área ocorreu perto de Buda Zaborowska. Nesta batalha perto de Varsóvia, a unidade do Major Walery Remiszewski, com 240 insurgentes, foi derrotado por forças russas três vezes mais fortes do general Krüdner.

O major Remiszewski, comandante dos insurgentes, foi morto na batalha. Os remanescentes da unidade, que se concentravam perto de Kampinos, foram finalmente derrotados, em 18 de abril.

Outros grandes confrontos ocorreram mais longe de Varsóvia. Mais de 50.000 pessoas passaram pelas fileiras polacas pessoas.

Na área coberta pelo levante, de Prosna a Dźwina e Dniepro, nada menos que 1.200 batalhas e escaramuças foram travadas, quase 20.000 pessoas foram mortas.

Os russos executaram pelo menos 669 sentenças de morte, 38.000 polacos foram deportados para o exílio, sem contar os milhares de criminosos convocados para o exército, dos quais cerca de 20.000 foram para a Sibéria, incluindo 4.000 condenados a trabalhos forçados.

Cerca de 10.000 emigraram. Alguns dos insurgentes estabeleceram na província austríaca da Galícia (terras polacas ocupadas pelo Império Austríaco) depois de alguns anos.

O confisco de propriedades e as altas contribuições afetaram a pequena nobreza, especialmente na Lituânia.

A Revolta de Janeiro desencadeou uma onda de chauvinismo antipolaco na sociedade russa. Isso fortaleceu o curso de reação e repressão, a unificação administrativa do Reino do Congresso Polaco com o Império russo, a russificação das terras polacas e a supressão da vida política e social. Por outro lado, a tradição de 1863 foi seguida pelo renascimento do movimento de independência.

A Revolta de Janeiro teve grande influência na formação da consciência nacional das massas, bem como nas atitudes e programas políticos antes de 1918.

O lugar de memória mais importante da Revolta de Janeiro, em Varsóvia, é, claro, a Fortaleza. Há um cemitério simbólico de prisioneiros no Portão de Execução. Particularmente venerado ao longo dos anos é a seção C-13, onde foram enterradas as cinzas dos que morreram na Revolta de Janeiro e onde foram enterrados os veteranos ainda vivos de 1863.

Os monumentos e placas erguidos relembram a história da luta pela independência e o preço que se pagou por ela. Sessenta e oito (incluindo 8 desconhecidos) veteranos da revolta estão enterrados ali.

212 insurgentes que morreram nas prisões tsaristas foram homenageados na parede.

A revolta também tem sua marca na área editorial de Tygodnik Sąsiadów PASSA: no cemitério de Wilanów há uma placa na capela do cemitério em homenagem aos insurgentes Wincenty e Józef Biernacki e Kazimierz Olesiński. Eles foram executados em Powsinek, em 5 de dezembro de 1864, por lutar pela independência da Polônia.

Com toda justiça, Luiz Iarochinski faz parte da lista de heróis nacionais da Polônia.


terça-feira, 31 de janeiro de 2023

Governo fala em comoção sobre aborto de uma adolescente na Polônia

O governo polaco manifestou comoção nesta segunda-feira, dia 30 de janeiro de 2023, pelas dificuldades enfrentadas por uma adolescente para fazer aborto após sofrer agressão sexual.

Hospitais de da região Podlasie (Podláquia, Nordeste do país) recusaram-se a interromper a gravidez, apesar da menina de 14 anos ter sido vítima de estupro.



"Estamos chocados com este caso e nossa resposta é inequívoca", declarou o ministro da saúde, Adam Niedzielski.

Soou completamente falso o pronunciamento do Ministro da Saúde, quando instado pelo professor de direito da Universidade de Varsóvia e ouvidor da Câmara dos Deputado Marcin Wiącek, visto o histórico desta lei absurda. Isto se observarmos o histórico da Lei que criou este dispositivo: cláusula de consciência.

O ouvidor de Justiça da Câmara dos Deputados, Marcin Wiącek, havia consentido o procedimento, mesmo assim os médicos se recusaram a fazer o aborto.


Tradução: Os hospitais da Podláquia se recusaram ilegalmente a interromper a gravidez de uma menina de 14 anos estuprada. Graças à AJUDA da FEDERA, a menina já fez um aborto em Varsóvia.

A menina de 14 anos foi abusada sexualmente por seu tio, e acabou grávida. A jovem, que apresenta deficiência intelectual, não percebeu que estava grávida até que sua tia descobriu o ocorrido e passou a ajudá-la a fim de realizar o aborto.

A tia da jovem de 14 anos recorreu à FEDERA Federação para a Mulher e o Planeamento Familiar.


O ouvidor, Marcin Wiącek, reagiu às denúncias da Federação. Avaliou que a situação levou a uma violação do direito do paciente de obter um serviço de saúde; também indicando a existência de dificuldades práticas no acesso ao aborto devido ao médico invocar a cláusula de consciência.

A Ouvidoria interveio e questionou o Ministério da Saúde sobre as mudanças. Wiącek, dirigiu-se ao ministro da Saúde, Adam Niedzielski e ao presidente do Fundo Nacional de Saúde, Filip Nowak.

Wiącek lembrou que, de acordo com o padrão expresso na jurisprudência do Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH), "os Estados são obrigados a organizar o sistema de serviços de saúde de forma a garantir que o exercício efetivo do direito à liberdade de consciência dos profissionais de saúde em contexto profissional não impede o acesso dos doentes às prestações a que têm direito nos termos da legislação aplicável".

O TEDH argumenta que "a Convenção não pretende fornecer direitos teóricos ou ilusórios, mas direitos práticos e efetivos", diz a declaração de Wiącek.

"De acordo com o artigo 39 da Lei de 5 de dezembro de 1996 sobre as Profissões de Médico e Dentista, um médico pode abster-se de prestar serviços de saúde contrários à sua consciência, sujeito ao artigo 30 da Lei, mas é obrigado a registrar esse fato na documentação O médico em profissão com base em contrato de trabalho ou como parte do serviço também é obrigado a notificar previamente o supervisor por escrito, acrescentou. Até 2015, o médico que invocasse a cláusula de consciência era também obrigado a indicar a possibilidade real de obter serviços de saúde junto de outro médico ou entidade médica"

Marcin Wiącek perguntou ao Ministro da Saúde se ele via a necessidade de tomar medidas legislativas apropriadas. "A introdução de tais soluções, não apenas contribuirá para a melhoria do padrão de proteção dos direitos dos pacientes, mas também será de significativa importância para a avaliação da implementação pela Polônia dos acórdãos do TEDH indicados" .

O Ministro da Saúde Adam Niedzielski e Filip Nowak, têm 30 dias para responder. No entanto, o ministro da saúde foi questionado pela mídia sobre a recusa dos médicos em fazer um aborto em uma menina de 14 anos estuprada.

Estamos absolutamente chateados com isso. Tal comportamento é inaceitável", disse ele na ontem, em entrevista coletiva ,na Academia Mazowiecka, em Płock.

"A lei polaca estabelece claramente que, no caso de uma gravidez resultante de estupro, a paciente pode fazer um aborto. Não há o que discutir aqui."  disse ele nesta terça-feira (31 de janeiro).

"Ainda que um ou outro médico não quisesse realizar o procedimento, pautado na cláusula de consciência, o hospital era obrigado a indicar o local onde o paciente poderia se beneficiar de tal procedimento. O drama é que toda a situação envolveu uma criança que pode não entender muitas coisas. Uma criança requer um procedimento especial, um cuidado especial, e não estou falando estritamente do procedimento, mas do próprio procedimento com o pequeno paciente", completou o ministro.

Por sua vez, o deputado Władzisław Kosiniak-Kamysz, presidente do Partido PSL - Polskie Stronnictwo  Ludowe (Partido do Povo Polaco), que também é médico, disse que "Eu usaria a cláusula de consciência. Não se pode obrigar alguém a fazer algo que não quer, porque é ultrapassar os limites da liberdade”. Seu partido é conservador, agrário, neoliberal, centro-direita e cristão.

E completou:  "Não vamos culpar um ou outro médico, porque ele tem o direito de fazer uma escolha, aplicar a cláusula de consciência e recusar. Isso está de acordo com o Código de Ética Médica. Mas a responsabilidade do Estado, é a de ele que deve fornecer e indicar um Centro Médico, no qual o paciente deveria ser encaminhado é outra".

O caso desencadeou onda de indignação e pedidos para flexibilizar as leis referentes ao aborto neste país extremamente católico apostólico romano, que estão entre as mais rigorosas da Europa.



Desde janeiro de 2021, a Polônia só permite abortar em caso de agressão sexual ou se a vida ou a saúde da mulher estiver em perigo. No entanto, mesmo sob estas condições é difícil reivindicar seus direitos neste país membro da União Europeia.

"Nenhuma palavra de repulsa basta para definir tal comportamento (...) mas para nós, o mais importante foi ajudar a menina", disse o Federa.

Após a indignação provocada pelo caso, a oposição pediu que a lei seja modificada. "A cláusula de consciência é uma lei atroz e desumana (...) e deveria ser eliminada", declarou a deputada de esquerda Katarzyna Kotula.

Segundo Marcin Wiącek, o caso revela as deficiências da legislação porque os hospitais deveriam ter informado à menina sobre os centros onde ela poderia realizar o aborto. O que soa ridículo partindo de um defensor que deveria atender as aflições e demandas do povo que diz representar.

Abortar ficou praticamente impossível na Polônia, desde que o Tribunal Constitucional declarou, em 2020, que os abortos por má-formação fetal eram inconstitucionais.

O aborto emergiu como uma das questões mais polêmicas desde que o PiS assumiu o poder em 2015, prometendo aos polacos mais pobres e aos mais velhos um retorno a uma sociedade tradicional misturada com políticas de bem-estar generosas.

O Tribunal Constitucional, controlado por juízes próximos do partido governista, o ultraconservador Direito e Justiça (PiS), tinha decidido que considerava inconstitucional a interrupção da gravidez caso o feto apresentasse malformação ou doença irreversível.

Cerca de 97% dos 1.100 abortos praticados legalmente no país, aconteceram em 2019, um ano antes da decisão do tribunal.

A decisão se baseou em um pedido de um grupo de 119 deputados de direita e extrema-direita, em sua maioria do PiS, que haviam apresentaram pela segunda vez moção ante o Tribunal Constitucional.


Durante a leitura da sentença, a presidenta da corte, Julia Przyłębska, deu a eles a razão ao considerar que disposição que “legaliza as práticas eugenistas no campo do direito à vida de uma criança que vai nascer e faz com que seu direito à vida dependa de sua saúde, constituindo uma discriminação direta, (...) é inconsistente (...) com a Constituição”.

A Lei de Planejamento Familiar polaca, de 1993, já era uma das mais restritivas da Europa― atrás apenas das normas de Malta, San Marino e Andorra, onde o aborto não é legal em nenhuma situação ― e permitia essa prática, além do caso de malformação fetal, se a gravidez fosse fruto de um estupro ou incesto e quando a vida da mãe corria perigo.

A Federação Internacional de Planejamento Familiar na Europa (IPPF) destacou a gravidade da decisão. “Não se trata somente de direitos da mulher”, afirmou Irene Donadio, porta-voz da IPPF.

“Com essa decisão, estamos colocando em perigo a saúde e a vida das mulheres.” A entidade também denunciou que o acesso ao aborto nas outras duas situações, na prática, era muito mais complicado.

“É mais um passo rumo ao obscurantismo, em linha com o pedido feito por alguns deputados, meses atrás, de retirada da Polônia da Convenção de Istambul (a Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência Contra as Mulheres e a Violência Doméstica)”, diz.

No mesmo sentido se pronunciou Leah Hector, diretora regional para a Europa do Centro de Direitos Reprodutivos. Segundo ela, a sentença “viola as obrigações da Polônia segundo os tratados internacionais de direitos humanos de se abster de medidas que façam retroceder os direitos das mulheres na atenção da saúde sexual e reprodutiva.”

“Eliminar o fundamento de quase todos os abortos legais na Polônia equivale praticamente a proibi-los e viola os direitos humanos”, disse, em nota, a comissária para os Direitos Humanos do Conselho da Europa, Dunja Mijatovic. “Aquele foi um dia triste para os direitos das mulheres.”


A decisão do Tribunal Polaco, denunciaram as organizações civis, revela novamente a falta de independência dos juízes. Para Małgorzata Szuleka, advogada da Fundação Helsinki para os Direitos Humanos, do ponto de vista legal o principal problema é a composição do Tribunal Constitucional. “Entre os magistrados que decidiram aquele dia, três foram nomeados pelo Parlamento― controlado pelo PiS ― sem uma base legal válida”, afirmou.

Nos últimos anos, diz Szuleka, todos os casos politizados foram resolvidos em sintonia com a opinião do partido de extrema-direita que se mantém no Governo. Além disso, a imprensa apontou em diversas ocasiões a amizade existente entre a presidente do Tribunal e o líder do PiS, Jarosław Kaczyński.

As sucessivas reformas judiciais realizadas pelo Partido Direito e Justiça desde sua chegada a poder, em 2015, colocaram o Executivo contra a União Europeia (UE), que considera que as reformas colocam em perigo o Estado de Direito, no país, ao solapar a separação de poderes.

Para Marta Lempart, ativista e integrante do movimento Greve Nacional de Mulheres na Polônia, o posicionamento do Tribunal não foi nenhuma surpresa. Num organismo “politizado”, disse ela, a decisão serve para “desviar a atenção” quando o país atravessava o pior momento da pandemia de covid-19, com recorde de infecções diárias (12.017) e 168 mortos diariamente. Lempart também advertiu que o movimento,  prepara-se para lutar e continuará apoiando as mulheres que busquem interromper a gravidez.

“Quando toda a Europa caminha numa direção, a Polônia, dessa forma tão pouco democrática, seguiu em outra”, afirma Donadio, que defendeu uma solução comunitária para deter os rumos de seu país.

“Ontem foi a Polônia, mas amanhã pode ser qualquer outro membro da UE. Precisamos de um mecanismo muito mais forte para proteger os cidadãos”, diz ela, referindo-se à vinculação dos fundos europeus e do orçamento com o cumprimento do Estado de Direito.

Segundo uma pesquisa da empresa IBRiS divulgada pela Europa Press, cerca de 50% dos polacos apoiam a legislação atual sobre o aborto.

Num país onde mais de 97% dos 38 milhões de habitantes são católicos, quase 30% estariam a favor de uma flexibilização da lei, ao passo que 15% desejariam que o acesso à interrupção da gravidez fosse completamente proibido.


Fontes: AFP, Gazeta Wyborcza, CNN Brasil e El País

sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

Cultura Judaica ainda vive na Polônia


Festival dos Cantores de Varsóvia

Desde a virada política de 1989, um renascimento distinto da cultura judaica vem ocorrendo na Polônia. Hoje em dia, na Terra do Vístula, existem vários lugares onde se pode encontrar a cultura judaica – às vezes preservada desde os tempos antigos, às vezes novíssima e voltada para o futuro.

1. Kazimierz Dolny
Uma pequena e pitoresca cidade no rio Wisła, com vista para as ruínas de um antigo castelo e cercada por colinas. Na virada dos séculos 19 e 20, quase metade dos habitantes dessa localidade eram de polacos de origem judaica. Hoje, assim como no período entre guerras, Kazimierz Dolny é um refúgio de verão popular para os habitantes de Varsóvia e Lublin.


Orgulhosa de suas raízes judaicas, Kazimierz Dolny recebe anualmente no verão o Festival Pardes, que se concentra na herança multicultural desta cidade. Se fores a este belo lugar, talvez queira visitar o famoso restaurante U Fryzjera (no cabeleireiro), que serve especialidades judaicas.

2. Kazimierz de Cracóvia
Por mais complicado que pareça, há outro Kazimierz, na Polônia – o pitoresco bairro histórico judeu da cidade de Cracóvia. Este Kazimierz (pronuncia-se cájimiéje - tradução: Casimiro) tem uma história muito longa e é indiscutivelmente o bairro da cidade mais tipicamente judeu em toda a Polônia. Existem sete sinagogas no Kazimierz de Cracóvia e vários restaurantes judeus, como o Ariel.


Este bairro também é onde acontece o famoso Festival da Cultura Judaica, que se descreve como "a maior apresentação da cultura contemporânea criada pelos judeus em Israel e em toda a diáspora". Desde o seu início no ano de 1988, o evento atrai agora 30.000 participantes, que procedem de vários países só para se apresentar, assistir, ou para participar. O último concerto anual do festival, chamado Shalom na rua Szeroka, é uma apresentação massiva de sete horas de duração com músicas judaicas de várias partes do mundo.

Ulica Szeroka

Desde 2017, Cracóvia também abriga o FestivALT, um festival anual independente que também se concentra na cultura judaica, produzindo eventos desde apresentações ao vivo até passeios interativos. Segundo o site do festival:

Combinando teatro, arte visual, espetáculo, intervenção ativista e conversação comunitária, o FestivALT traz sagacidade, humor e um pouco de ousadia às complexidades da Polônia judaica contemporânea. Convidamos artistas emergentes e estabelecidos da Polônia e de todo o mundo para compartilhar trabalhos originais e empolgantes com o público de Cracóvia

Foto de exposição de fotos antigas

Em 2020, antes da pantemia, o Festival da Cultura Judaica ofereceu Prolog, sua interação mais longa, online.  Mais informações estão disponíveis no site do Festival. O FestivALT também oferecerá eventos online este ano. www.festivalt.com

3. Białystok


A cidade no Nordeste da Polônia está localizada perto das fronteiras da Bielorrússia e da Lituânia, Białystok é um lugar onde polacos de todas as origens, inclusive os judeus coexistiram harmoniosamente. Nesta cidade, encontram-se edifícios históricos judaicos como as sinagogas, o Palácio Trylling,  a casa da família de Ludwik Zamenhof, o criador da língua esperanto.

Casa da Família do criador do Esperanto

Białystok também é um ótimo lugar para entrar em contato com a cultura judaica por causa do Zachor – Festival Cultural Judaico de Cores e Som, realizado ali anualmente. Este evento apresenta um programa diversificado que inclui concertos e oficinas, entre outros eventos.

4. Tykocin


Esta pequena cidade localizada a apenas meia hora de carro do centro de Białystok costumava ter uma grande comunidade judaica. Graças aos numerosos edifícios históricos em Tykocin, pode-se ter uma ideia de como era um típico shtetl pré-guerra (um pequeno assentamento judaico-polaco).

Interior da Grande Sinagoga

Há uma Grande Sinagoga muito bem preservada, cujo interior é embelezado por pinturas murais verdadeiramente impressionantes. Na torre deste edifício encontram-se exposições que apresentam uma sala de rabino e uma mesa montada para o seder pascal.

5. Wrocław – O Bairro dos Quatro Templos
Há uma área na cidade de Wrocław, onde quatro locais de culto, cada um de uma denominação religiosa diferente, ficam próximos uns dos outros.

Um desses templos é uma sinagoga que, com a sede vizinha da Comunidade Judaica de Wrocław, abriga os principais eventos do Festival Anual de Cultura Judaica SIMCHA. Este festival decorre no verão e apresenta, entre outros concertos, projeções e palestras. As ofertas incluíram palestras sobre comida kosher e oficinas de dança judaica.

6. Łódź
Na virada dos séculos 19 e 20, Łódź (pronuncia-se uúdji - tradução: barco) era uma vibrante cidade industrial têxtil na qual polaco, judeus, russos e alemães coexistiam pacificamente.


A herança multicultural desta cidade é um ponto de referência para o Festival Anual Łódź das Quatro Culturas, que acontece na primavera. O programa do festival pode incluir, entre outros, concertos, espetáculos de teatro de rua e debates ligados às diversas raízes da cidade.

7. Varsóvia
Uma revisão do renascimento judaico na Polônia não poderia ser completa sem Varsóvia. Este antigo ponto de encontro da cultura judaica pré-guerra empreendeu recentemente esforços hercúleos para restaurar um sopro de vida judaica em suas ruas.

O cocheiro judeu mais velho de Varsóvia, Mojsze Dawid (nome dado a ele por seus colegas poloneses),
fotografia tirada por Menachem Kipnis, em 1924.

Em primeiro lugar, a Praça Grzybowski é imperdível. Localizada no antigo bairro judeu de Varsóvia, esta praça é a arena central do Festival Anual dos Cantores de Varsóvia, produzido pela Fundação Shalom.

Todos os anos, durante o verão, durante uma semana, a praça fervilha com vários eventos temáticos judaicos. Estes podem variar de apresentações de músicos renomados da Polônia e do exterior a espetáculos de teatro, visitas a museus e encontros literários.

O coração pulsante da vida judaica em Varsóvia, no entanto, é sem dúvida o Centro Comunitário Judaico. A organização está localizada no coração da capital da Polônia, na Rua Chmielna.

O JCC é um lugar onde se pode conhecer e co-criar a cultura judaica em um ambiente amigável. Se você deseja participar de uma oficina culinária de Hanukkah, ou talvez aprimorar suas habilidades artísticas sob a orientação de um tutor com um grupo de pessoas interessadas em arte com temática judaica, o Centro é o lugar certo. Aos domingos, você pode participar do boker tov, ou um café da manhã polaco-judaico especial. A ementa desta refeição semanal inclui, entre outros bagels, arenques e homus.

Museu Judaico de Varsóvia

Por último e certamente não menos importante, para conhecer a cultura e a história judaica na Polônia, não se pode deixar de fora o Museu POLIN de História dos Polacos de Origem Judaica de Varsóvia. Este museu ultramoderno foi inaugurado em 2013 e abriga uma exposição interativa que mostra os 1.000 anos de história da população judaica na Polônia.

Texto: Marek Kępa
Edição e tradução: Ulisses iarochinski

terça-feira, 24 de janeiro de 2023

A Polônia nem sempre falou só o idioma polaco

Google Tradutor: Polaco antigo para Iídiche  

Ao longo dos séculos, a Polônia foi povoada por diversos grupos étnicos e linguísticos, todos os quais deixaram a sua marca. Estas são algumas das línguas faladas nesta terra – e um pequeno manual de idiossincrasias linguísticas que muitas vezes envolveram questões complicadas de fundo social e até mesmo econômico.

A distribuição histórica de línguas e nações na Europa Central e Oriental revela muitas surpresas (algumas delas mostradas no mapa abaixo). Isso é menos desconcertante quando se considera que a maioria das terras mostradas já fez parte de um Estado multiétnico chamado Comunidade Polaco-Lituana.

Essa tradição de multiculturalismo continuou depois e apesar do fato de que o estado deixou de existir no final do século XVIII. Os espaços culturais continuaram a florescer no século XIX, cruzando as fronteiras políticas oficiais e muitas vezes se sobrepondo. Essa incrível diversidade linguística e cultural deixou de existir com a eclosão da Segunda Guerra Mundial.


Mapa dos lugares dos escritores



1. Macarrônico
No século dia 16, quando a Polônia fazia parte de um grande império chamado Comunidade Polaca-Lituana, frequentemente chamada de Idade de Ouro, nobres de língua polaca (nem todos necessariamente polacos - alguns lituanos, bielorrussos e etc.) começaram a desenvolver uma maneira de falar altamente peculiar que logo se tornou notória em toda a Europa. A Polônia, na época, tinha muitos falantes de latim fluentes e habilidosos, sendo a latina amplamente usada como língua franca.

Isso se devia, por um lado, ao fato de a nobreza polaca sempre ter admirado a Roma antiga e, por outro, à crença fantástica, mas difundida, proveniente de fontes romanas, de que os nobres polacos eram descendentes dos sármatas – uma tribo iraniana da século V d.C. Saber latim era considerado uma parte importante da cultura "sármata". Também era indispensável na vida pública da Comunidade das duas Nações, com muitos dos discursos políticos sendo proferidos em latim.

Isso levou ao surgimento de uma gíria inesperada através do que era conhecido como "makaronizowanie" (macaronização): uma mistura de polaco e latim, com o latim influenciando fortemente a estrutura das frases polacas e a ordem das palavras. Esta língua "macarrônica" era falada em comícios políticos, tribunais, mas também em escolas e castelos reais. Aqui está um exemplo desse texto de um dos mais interessantes escritores polacos do período barroco, Jan Chryzostom Pasek, que escreveu suas memórias no final do século XVII:

Ciężki to jest wprawdzie na chorągiew naszę klimakter*, dwóch razem tej matce tak dobrych pozbywać synów; ciężki i nieznośny ojczyźnie paroksyzm *, takich przez niedyskretne fata simul et semel* (destinos juntos e uma vez) uronić wojenników, którzy jej periculosissima incendia* hojnie swoją w kożdych okazyjach gasili krwią; przykra całej kompaniej iactura * tak dobrych, poufałych, nikomu nieuprzykrzonych, w kożdej z nieprzyjacielem utarczce podle boku pożądanych i do wytrzymania wszelkich insultów * doświadczonych postradać kawalerów. Ale, ponieważ sama litera święta taką całemu światu podaje paremią *: Metenda est seges, sic iubet necessitas*, dlategoż necessitatem ferre [potius], quam flere decet *, mając prae oculis * konstytucyją * umówionego ante saecula * ziemie z niebem pactum *, że nam tam deklarowano morte renasci *, że nam tam obiecują ad communem * powrócić societatem *. Veniet iterum, qui nos reponat in lucem, dies*.


Tradução: (É verdade que nosso climatério* é pesado para o padrão, para livrar essa mãe de dois filhos tão bons juntos; um paroxismo* pesado e insuportável para a pátria, tal, por indiscretos fata simul et semel, escapar aos guerreiros que generosamente extinguiam com o seu sangue a sua perigosíssima incendeia*(dispara) em todas as ocasiões; o desagrado de toda a companhia de iactura* (perdas)tão boa, familiar, não incomodando ninguém, em cada escaramuça com o inimigo, ao lado do desejado e capaz de resistir a todos os insultos* sofridos para perder solteiros. Mas como a própria letra sagrada dá tal parem ao mundo inteiro: Metenda est seges, sic iubet necessitas*(A colheita deve ser ceifada, assim manda a necessidade), portanto necessitatem ferre [potius], quam flere decet* (suportar a necessidade [em vez] de chorar), tendo prae oculis* (diante dos olhos) pela constituição* pactuada ante saecula* terras com céu pactum*,(da aliança* de séculos atrás)*, que lá fomos declarados morte renasci*, que nos foi prometido ad communem* retornar societatem* (renascer na morte). Venet iterum, qui nos reponat in lucem, dies*um pobre* comum sociedade*. Chegará novamente o dia que nos restaurará à luz..)
Nota: os fragmentos em negrito e itálico são frases latinas inteiras. Os asteriscos marcam todos os lugares que exigiriam uma nota de rodapé para falantes de polacos contemporâneos.

A influência latina na língua polaca provou ser muito forte – e foi preciso muito esforço por parte dos puristas linguísticos do Iluminismo para retificá-la. Hoje, o polaco ainda se destaca entre as outras línguas eslavas como aquela com maior carga de empréstimos latinos.

Quanto à própria linguagem macarrônica, sua influência continua a ressoar na literatura polaca contemporânea. A trilogia de Henryk Sienkiewicz, uma das obras mais importantes da literatura polaca, baseia-se fortemente na língua macarrônica e na cultura sármata do século XVII. Surpreendentemente, foi também o idioma macarrónico que serviu de grande inspiração para um dos livros polacos mais conhecidos do século XX, nomeadamente o "Transatlantyk" de Witold Gombrowicz. Gombrowicz muitas vezes enfatizou o papel formativo das memórias de Jan Chryzostom Pasek e Sienkiewicz para a língua polaca.

2. lituano

Vilno, a moderna capital da Lituânia, foi até 1939 uma cidade polaca multiétnica
habitada por polacos, judeus, russos, bielorrussos e lituanos.
Cartão postal de cerca de 1930, foto: Polona.pl

A história da Polônia é inseparável da Lituânia. Desde a União de Kreva, de 1385, e especialmente após a União de Lublin, de 1569, a Polônia e a Lituânia juntas formaram um dos maiores países da Europa, com cerca de 1.000.000 quilômetros quadrados e uma população multiétnica de 11 milhões, no início do século XVII. No entanto, esta Lituânia histórica não era equivalente à Lituânia de hoje. Simplificando, pode-se dizer que esta Lituânia histórica cobria um território muito mais amplo do que o atual país de mesmo nome – e não envolvia necessariamente falar lituano. Aqui está um exemplo de tal compreensão da Lituânia:

Lituânia, minha pátria!
Você é como a saúde;
O quanto você deve ser valorizado,
só vai descobrir
Aquele que te perdeu.



Páginas de rosto de "Pan Tadeusz" (Senhor Tadeu) de Adam Mickiewicz, edição de Paris de 1834, foto: Biblioteca Nacional da Polônia

Nestas primeiras linhas do épico nacional polaco Pan Tadeusz – conhecido de cor por praticamente todas as crianças em idade escolar na Polônia – Adam Mickiewicz fala da Lituânia em um sentido que essencialmente não tem relação com a Lituânia dos dias de hoje. Atualmente é um país báltico que conquistou a independência após a queda da União Soviética e é habitado por uma maioria de lituanos étnicos, todos os quais falam a língua lituana. A Lituânia nos dias de Mickiewicz era um vasto território que se estendia por grande parte da Bielorrússia, Polônia e Rutênia (Ucrânia desde 1922), e era habitado por polacos, bielorrussos, judeus, rutenos pequenos (atuais ucranianos),  além de lituanos.

Nesse sentido histórico, Mickiewicz era indubitavelmente lituano. Existem vários outros casos de proeminentes polacos étnicos (entre eles figuras famosas como Józef Piłsudski ou Czesław Miłosz) que se autodenominam orgulhosamente lituanos.

Durante séculos, a língua lituana foi falada principalmente no campo, enquanto grande parte da nobreza local era polonizada. Isso começou a mudar no século 19, quando um senso de identidade nacional começou a crescer. Isso também gerou um novo interesse pela língua lituana, uma língua indo-européia do grupo linguístico báltico – uma das línguas mais antigas do continente, com muitas semelhanças com línguas como o latim ou o sânscrito.

Curiosamente, muitos dos primeiros artistas e escritores lituanos no estágio inicial desse renascimento nacional lituano – como Antanas Klementas, Silvestras Valiunas, Simonas Stanevicius, Antanas Strazdas – estavam essencialmente criando uma obra bilíngue, escrevendo tanto em polaco quanto em lituano. O historiador lituano Aleksandravicius Egidijus diz que nesta primeira fase do renascimento nacional lituano, a literatura lituana foi consistentemente escrita em polaco e lituano.

Além disso, alguns escritores polacos da área não falavam uma palavra em lituano e ainda assim podem ser considerados patriotas lituanos. Teodor Narbutt – o autor da primeira história antiga do povo lituano, que se estende por nove volumes – é um desses exemplos. Embora o livro tenha sido escrito em polaco, teve um impacto significativo na intelectualidade lituana, e Narbutt considerava a Lituânia sua única pátria.

3. bielorrusso

Jan Czeczot, foto: Wikipedia

As idiossincrasias da fusão linguística da Europa Central e Oriental incluem situações em que não se pode determinar qual é a nacionalidade de um determinado escritor. Este é frequentemente o caso não apenas com o enigma lituano-polaco, mas também na situação polaca-bielorrussa. Vários escritores do século XIX, como Jan Czeczot ou Wincenty Dunin-Marcinkiewicz, escreveram tanto em polaco quanto em bielorrusso.

Jan Czeczot (bielorrusso: Ян Чачот) é geralmente considerado um dos primeiros etnógrafos do bielorrusso moderno por causa de seus esforços para reviver a língua após seu colapso no final do século XVII. Antes disso, o bielorrusso antigo (mais comumente chamado de ruteno) era uma língua de administração no Grão-Ducado da Lituânia e uma das primeiras línguas a ter sua própria tradução da Bíblia (traduzida por Franciszek Skaryna em 1517). Czeczot é conhecido por ter escrito uma coleção de canções folclóricas bielorrussas, que também incluía um pequeno glossário polaco-bielorrusso. Foi publicado pela primeira vez em Vilno, em 1836.


Capa e página de título de 'Poemas por Adam Mickiewicz:
Volume One', 2ª edição, 1822,
foto: Biblioteca Nacional da Polônia

Mas o interesse de Czeczot pela cultura folclórica bielorrussa foi ainda maior. Ele foi uma grande influência para Adam Mickiewicz em seus anos de formação antes da publicação de Ballady i Romanse (Baladas e Romances), em 1822, um livro de poesia que revolucionou a literatura polaca. Foi estabelecido que Czeczot influenciou o interesse de Mickiewicz pela cultura folclórica bielorrussa (ambos eram nativos da região e estudaram juntos), bem como seu gosto por baladas literárias (Ballady i Romanse é inspirado em contos contados no interior da Bielorrússia).

O caso do Checzot mostra que no campo da língua e da nacionalidade não há respostas fáceis, e que a verdade é muito mais complexa do que o polaco ser a língua da nobreza ou o bielorrusso a dos camponeses. No prefácio de seu livro, Czeczot diz que ainda se lembra do bielorrusso (Krewicki, como ele chama) sendo falado por seus avós.


Konstanty Kalinowski, fonte: Wikipedia

Figuras históricas, como um dos líderes da Revolta de Janeiro de 1863 e herói nacional da Bielorrússia Konstanty Kalinowski (blr. Kastuś Kalinoŭski), também desafiaram os estereótipos baseados na linguagem. Nascido em Mostowlany (hoje perto da fronteira polaca-bielorrussa), Kalinouski era filho do proprietário de uma pequena fábrica e um feroz defensor da abolição da servidão. Ele tinha apenas 26 anos quando foi executado pelas autoridades russas em Vilno, em 10 de março de 1864. Ainda jovem, ele já havia publicado o primeiro jornal em bielorrusso, Muzhytskaya Prauda, ​​e seu único poema existente (escrito em bielorrusso, apenas como suas Cartas sob a forca) sugere que ele era um poeta talentoso. Sob a forca, quando referido como um membro da nobreza, Kalinouski, de 26 anos, gritou para o oficial: "Não há nobreza".

4. Ruteno (Ucraniano)

Igreja de Santo André em Kiev, 1875,
foto: Biblioteca Nacional da Polônia

A situação linguística na atual Ucrânia não permite tais histórias de fraternidade. A literatura ucraniana moderna foi trazida à sua forma atual por um único homem: o poeta Taras Shevchenko, que até hoje continua sendo um exemplo de aguda consciência social. Isso é especialmente impressionante quando se compara sua obra com a dos poetas românticos polacos contemporâneos, como Mickiewicz e Juliusz Słowacki. Enquanto eles parecem preocupados com questões nacionais e com o desenvolvimento de ideologias místicas como o messianismo, Shevchenko adotou consistentemente uma perspectiva socioeconômica.

De acordo com Shevchenko, o ucraniano era a língua dos camponeses oprimidos pelos latifundiários (que também de fato possuíam pessoas). Shevchenko nasceu, em 1814, na Rutênia Central, perto de Kiev, e dos 47 anos de sua vida, ele ficou livre por apenas nove. Isso está em contraste marcante com os poetas polacos da época, que faziam parte da nobreza. Em sua poesia, Shevchenko firmemente encorajou seus compatriotas a se revoltarem contra a opressão de classe – seu patriotismo estava profundamente enraizado no conflito social causado pelo desumano sistema de escravidão.

Demorou muitos anos para que essa perspectiva fosse acolhida pelos leitores. Por exemplo, a perspectiva de classe adotada por Shevchenko em um de seus poemas mais famosos, Haydamaky – invocando os dias sombrios de Koliyivshchyna, uma revolta camponesa (Cossaca) de 1768 contra seus mestres polacos e proprietários judeus – não tem paralelo na literatura polaca. Shevchenko, com a força de sua voz cheia de humilhação e desespero, mas também ira e indignação, continua sendo uma das vozes mais importantes da poesia européia hoje.

5. iídiche

Mendele Moykher Sforim (zayn lebn un verk)', publicado por Sikora & Mylner, 1928, Varsóvia
foto: Biblioteca Nacional de Polônia

O século 19 também viu o surgimento de outra língua, ainda mais interregional. O iídiche – que é basicamente uma língua germânica, com grande parte do vocabulário influenciado pelas línguas eslavas da Europa Oriental, bem como pelo hebraico (e escrito em alfabeto hebraico) – era falado nessas terras desde o século 12, quando os judeus começaram a migrar da Alemanha. Considerado uma língua popular, o iídiche há muito não tinha o papel de um meio capaz de expressão literária.

O improvável renascimento e o fim repentino da literatura iídiche na Polônia

A literatura iídiche prosperou por séculos na Polônia. Apesar de muitos obstáculos, encontrou uma nova vida após os horrores da Segunda Guerra Mundial, mas seu fim veio repentina e inesperadamente – em março de 1968.

No século 19, no entanto, as terras da antiga Comunidade Polaca-Lituana, tornaram-se o berço da literatura iídiche moderna. Entre seus pais fundadores estavam Mendele Moykher Sforim (nascido em 1835 em Kopyl, na época Polônia, hoje centro da Bielorrússia), Sholem Aleichem (nascido, em 1859, em Pereyaslav, antes Polônia, hoje Ucrânia) e Yitskhok Leybush Peretz (nascido, em 1851, em Zamość, leste da Polônia). Todos eles nasceram no que era então ocupação do Império Russo, e o que às vezes é hoje descrito como 'Iídiche'.

Esse impressionante movimento da literatura iídiche atingiu seu ápice na Polônia entre guerras, quando Varsóvia se tornou o centro cultural judaico mais importante do mundo. Nesse ponto, aproximadamente 80% dos polacos de origem judaica falavam e liam em iídiche. A vida cultural judaica, em Varsóvia, estava crescendo: imprensa iídiche (jornais como Der Moment, revistas como Literarishe Bleter ou Globus), livrarias, teatros, literatura de vanguarda (o grupo Chaliastre foi formado, em Varsóvia, em 1922, por Uri Zwi Grinberg, Melekh Ravitsh e Peretz Markish) e uma próspera indústria cinematográfica (com o Dybbuk, entre outras obras-primas do cinema polaco-judaico).


YL Peretz, fonte: Wikipedia

Varsóvia serviu de lar para escritores iídiche famosos como YL Peretz ou Shalom Ash, bem como IY Singer e seu irmão, o último ganhador do Prêmio Nobel Isaac Bashevis Singer. Para muitos deles, a Polônia era a pátria e o polaco continuou a ser uma língua importante: IL Peretz escreveu os seus primeiros poemas em polaco, muito antes de se estrear como escritor iídiche, e escritores posteriores como Maurycy Szymel, Debora Vogel ou Rokhl Oyerbakh foram igualmente fluentes em ambas línguas.

Um dos escritores que se identificou com a Polônia foi Shalom Ash, que é famoso por ter dito que o rio Wisła falava iídiche com ele. Ele disse isso, em Kazimierz (iídiche: Kuzmir ), uma cidade antiga repleta de reminiscências do passado judaico, sendo a mais famosa delas a lenda de Esterke, a amante judia do rei polaco Kazimierz (Casimiro). A máxima de Ash foi posteriormente imortalizada pelo autor iídiche Shmuel Leyb Shneiderman em seu livro sobre sua infância em Kazimierz, intitulado Ven di Vaysl Hot Geredt Yidish (Quando o rio Vístula falou iídiche).


Kazimierz pintado por Menashe Seidenbeutel;
fonte: Instituto Histórico Judaico (disponível em Centralna Baza Judaików)

A florescente cultura iídiche, na Polônia, parou repentinamente com a eclosão da Segunda Guerra Mundial e foi quase completamente destruída durante o Holocausto. O iídiche, no entanto, sobreviveu na Polônia, após a Segunda Guerra Mundial, com escritores iídiche como Kalman Segal ou Hadasa Rubin e imprensa iídiche (como Folks-shtime). O último golpe contra a presença judaica e iídiche na Polônia foi desferido, em 1968, durante a repressão comunista, que levou dezenas de milhares de judeus a deixar o país.

Este vídeo mostra Isaac Bashevis Singer falando em iídiche de Varsóvia em seu discurso do Prêmio Nobel.




6. Hebraico
O iídiche também pode ser considerado o berço da literatura hebraica moderna, já que os primeiros falantes do hebraico moderno muitas vezes tinham o iídiche como língua nativa. Muitos dos primeiros expoentes da literatura hebraica moderna eram fluentes tanto em hebraico quanto em iídiche, como Uri Zwi Grinberg, o vencedor do Prêmio Nobel Shmuel Yosef Agnon ou Chaim Nachman Bialik, reconhecido como o poeta nacional de Israel.

7. Esperanto

Uma exibição no Centrum Esperanto, Białystok,
foto: Agnieszka Sadowska / AG

Talvez seja porque a Polônia era tão multilíngue que deu origem à linguagem artificial mais conhecida. Seu criador, Ludwik Zamenhof, nasceu em Białystok, em 1859, em uma família judia - sua primeira língua foi provavelmente o iídiche e, mais tarde na vida, ele falou principalmente em russo e polaco. Naquela época, Białystok era ocupada pelo Império Russo e, portanto, era uma cidade cada vez mais multicultural, com russo, iídiche, polaco e alemão falados nas ruas. Quando menino, Ludwik fantasiou sobre uma nova linguagem universal que acabaria com as brigas entre as nações - ele até escreveu um pequeno drama neste tópico, apropriadamente intitulado A Torre de Babel: Tragédia de Białystok.

Mais tarde na vida, Zamenhof conseguiu desenvolver tal linguagem. O primeiro manual do Esperanto, Unua Libro, foi publicado, em Varsóvia, em 26 de julho de 1887. O Esperanto usa palavras derivadas de muitas línguas diferentes, principalmente da Europa Ocidental. Até hoje, é considerada uma das línguas artificiais mais fáceis de aprender, e as estimativas atuais de falantes de esperanto variam de 100.000 a 2.000.000 de falantes ativos ou fluentes em todo o mundo. Desde 2012, o esperanto também é um dos idiomas disponíveis no Google Tradutor.


Texto: Mikołaj Gliński
Tradução para o português: Ulisses Iarochinski

segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

Polacos vão menos à missa de domingo

Polacas invadiram igrejas contra a lei que restringiu o aborto

O percentual de católicos que frequentam a missa dominical, na Polônia, caiu de 37% para 28% em dois anos, segundo os dados mais recentes do Instituto Estatístico da Igreja Católica (ISKK).

Os dados - que datam de 2021 - são certamente influenciados pelas restrições devido à pandemia. Mas a análise dos mesmos dados não esconde a influência de "fatores socioculturais" no preocupante declínio.

Embora a grande maioria dos polacos continue a se definir como católica, nos últimos anos a credibilidade da instituição eclesial foi prejudicada tanto pelo apoio dos bispos à decisão com a qual o Tribunal Constitucional restringiu severamente o acesso legal ao aborto (que se tornou lei em janeiro de 2021) − que provocou ondas de protestos de movimentos e organizações de mulheres em todo o país −, tanto pelas desconcertantes revelações sobre os abusos sexuais de menores por membros do clero e pela negligência e reticência com que os bispos enfrentaram a questão.

Desde 1980, a Igreja Católica na Polônia prepara um estudo anual sobre o número de participantes (que denominam de dominicantes), tendo também em conta o número de comunhões (comunicantes). Um domingo por ano, cada paróquia do país é solicitada a registrar os dados e enviá-los ao ISKK. O Instituto calcula então, ao nível nacional e ao longo do ano, o percentual de católicos que participaram da Missa.

Os dados mais recentes mostram que 28,3% assistiram à missa em 2021. Uma queda dramática em comparação com 36,9% de 2019 (a pesquisa foi suspensa, em 2020, devido à pandemia). Em 2011 o percentual era de 40%; em 2001 de 46,8%; em 1991 de 47,6% e em 1981 de 52,7% (cf. Notes from Poland, 14 de janeiro de 2023).

“Os números de 2021 foram influenciados pela situação da pandemia”, confirmou o vice-diretor do ISKK, Marcin Jewdokimow. “Deve-se recordar que, em 2020, devido às restrições da COVID-19, não foram recolhidos dados. Em 2021, coletamos os dados apesar de algumas restrições [ainda] em vigor."

De fato, os dados mais recentes foram coletados domingo, 26 de setembro de 2021, quando a entrada nas igrejas ainda era limitada a 50% da capacidade e os participantes ainda eram obrigados a usar máscaras. "Nos anos anteriores, o declínio de pessoas presentes foi constante. (…) Mas desta vez trata-se de um colapso. Por isso, acredito que no próximo ano vamos registrar uma recuperação na participação”, concluiu Jewdokimow.

Para Marcin Przeciszewski, editor-chefe da agência de notícias KAI - Katolickiej Agencji Informacyjnej (Agência Católica de Notícias), dos bispos polacos, o declínio na participação da Igreja se deve principalmente à pandemia de coronavírus. Mas ele admite que o escândalo de abuso sexual do clero, que atingiu a Polônia nos últimos anos, também acelerou o descontentamento com a Igreja Católica.

"No auge da pandemia, as igrejas ficaram fechadas por seis meses. Assim, muitos polacos compareceram às missas, pela Internet, TV, ou não compareceram. Perderam o hábito de ir à missa. O alto nível da prática religiosa na Polônia antes da pandemia se devia a um catolicismo que não era uma escolha pessoal, mas sim uma herança cultural. Então a pandemia, de certa forma, tirou essas pessoas do catolicismo, e só ficaram aqueles que fizeram disso uma escolha pessoal. Nesse sentido, nos encontramos em um momento histórico para o catolicismo na Polônia".

Segundo Przeciszewski, a população está geralmente dividida. Metade se identifica com o governo conservador, ora no poder, em todas as esferas. A outra metade está na oposição e em uma linha mais liberal. 

Outra questão abordada pelo editor da KAI é o que a mídia divulga, "dizem que a Igreja polaca está afiliada a esse poder político. E por causa disso, as pessoas que se opõem ao poder político tendem a rejeitar a Igreja Católica, a se distanciar dela. Isto é muito destrutivo para a fé dos polacos, que basicamente se perguntam: Posso pertencer a uma Igreja que não corresponde às minhas ideias políticas?"

Wojciech Polak, arcebispo de Gniezno e primaz da Polônia, definiu claramente o que agora é um declínio imparável na frequência dos jovens às missas. O arcebispo admite que a causa desse afastamento tem a ver com o fracasso da hierarquia católica em lidar com os abusos sexuais.


Polak em uma entrevista à agência oficial PAP destacou os dados desse declínio progressivo: praticamente apenas 25% dos jovens se dizem praticantes. No início da década de 1990, o número era de quase 70%. "Esses são números simplesmente devastadores." Questionado sobre se o fracasso em lidar com a pedofilia possa ter tido um papel neste declínio, o arcebispo confirmou que “sem dúvida, a negligência dos vértices que não se colocaram ao lado das vítimas minou nossa credibilidade como comunidade eclesial”.

Pesquisa revela que 47% dos jovens entre 18 e 29 anos têm visão negativa sobre a Igreja e 44% estão neutros. O instituto IBRiS realizou a pesquisa para o jornal Rzeczpospolita, perguntando aos cidadãos: Como você avalia sua impressão sobre a Igreja Católica na Polônia? 35% dos que responderam disseram que eles tiveram uma visão positiva da Igreja, 32% uma visão negativa e 31% das pessoas disseram que eles eram neutros.

Entre as pessoas de 18 a 29 anos, no entanto, as coisas diferiram: 47% dos entrevistados disseram terem uma visão negativa da Igreja, 44% neutros e apenas 9% avaliavam a instituição positivamente.

Embora 90% dos polacos sejam oficialmente católicos e mais de 80% das pessoas se identifiquem como crentes, a maioria católica no país está cada vez mais ameaçada à medida que uma lacuna crescente sobre a fé se abre entre as gerações mais velhas e mais novas.

Uma pesquisa do Pew Research Center de 2018 descobriu que “os jovens adultos na Polônia têm uma probabilidade consideravelmente menor do que os mais velhos de dizer que a religião é muito importante em suas vidas, de ir à igreja semanalmente ou orar diariamente”.

Dados publicados em março de 2020 pela agência governamental Statistics Poland confirmaram essa tendência, descobrindo que enquanto 51% das pessoas com mais de 75 anos e 41% entre 55 a 64 anos estavam forte ou moderadamente comprometidas com sua fé, o número de católicos comprometidos caiu para 17% das pessoas na faixa etária de 25 a 34 anos e 18% das pessoas entre 16 e 25 anos.