terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Le Monde entrevista Lech Wałęsa

Ex-presidente polaco se mostra preocupado com a situação política na Europa e condena as acusações sobre seu passado.


Lech Wałęsa meio que vive dentro de seu próprio museu. Seus escritórios ficam no novíssimo Centro Europeu de Solidariedade, inaugurado em Gdańsk em 2014, que conta a história do Solidarność. Desde sua segunda derrota em uma eleição presidencial, em 2000, o ex-líder sindical, 72, se retirou da vida política, mas fala com frequência para a mídia polaca.

Em entrevista ao "Le Monde", realizada no dia 5 de fevereiro, ele fala sobre sua preocupação com a Europa e a Polônia desde que chegou ao poder o governo conservador do partido Direito e Justiça (PiS). Ele denuncia os vários ataques feitos pelos conservadores que o acusam de ter colaborado com a polícia política comunista.

Le Monde: Qual foi sua reação ao processo lançado pela Comissão Europeia contra a Polônia?

Lech Wałęsa: Nós pertencemos a um clube em que reinam certas regras que somos obrigados a respeitar. A crise que o continente vem atravessando é muito grave. Devemos entrar em um acordo quanto a um novo fundamento. Em uma época, tínhamos uma Europa cristã. Depois, tivemos as ideologias, comunista ou outras, e agora não há mais nada. Com quais valores criar seus filhos? A outra questão é: qual é a diferença hoje entre esquerda e direita? Houve uma época em que essa divisão era clara, mas não é mais o caso hoje.
Na França, a Frente Nacional chegou muito perto do poder e não é impossível que vença da próxima vez. Muitos países europeus estão atravessando uma crise de legitimidade de sua democracia. A Polônia, com sua bagagem histórica, vê essa crise do projeto europeu, e é por isso que ela está buscando sua própria via, mais à direita.
Quando não há boas soluções para os problemas, então os demônios despertam. Tem gente que sugere que se desconstrua a União Europeia. Se não encontrarmos uma resposta para a crise, é o que acontecerá. A rua dita suas leis, porque os políticos não têm soluções convincentes e estão com falta de argumentos. Os populismos e a demagogia estão chegando ao poder. No fundo, é bom que existam os Le Pen e os Kaczyński, pois eles nos obrigam a nos revisar, a inventar algo de novo.

Le Monde: Qual seria esse novo fundamento?

Lech Wałęsa: Por exemplo, uma pequena Constituição europeia, com dez mandamentos laicos. Um documento não muito grande, mas que não será contestado por ninguém. É preciso definir antes de tudo o que deve ser de competência europeia e o que não deve. É preciso melhorar a eficácia e a inteligência das instituições europeias.

Le Monde: O senhor teme que o governo polaco vá afastar a Polônia da Europa?

Lech Wałęsa: Não, os polacos superaram situações bem mais difíceis, e também nesse caso eles se sairão bem. Só é preciso notar que as massas populares estão descontentes com a situação atual, o que explica a vitória do PiS. Nem 50% dos polacos compareceram às urnas, mas por quê? Parte deles diz: o país está cada vez melhor, a situação está melhorando, não me interesso por política, não conheço nada. E é por causa dessa abstenção que chegamos a esse ponto. O PiS foi eleito por causa de um programa que não está colocando em prática. Eles esconderam todos os elementos mais radicais de que a população não gostava. Se eles tivessem dito logo de início que iriam controlar o Tribunal Constitucional, ninguém os teria eleito.

Le Monde: Ao mesmo tempo, muito poucas pessoas estão protestando...

Lech Wałęsa: Porque o PiS fez muitas promessas populistas. Redução da idade de aposentadoria, abonos familiares... as pessoas foram seduzidas. Mas se começar a faltar dinheiro para o governo, os problemas vão começar. O governo tem um pouco de margem de manobra porque o estado da economia está bom. Mas se a situação vier a piorar, os problemas do PiS começarão e as massas populares se juntarão aos que estão protestando. Por que não propor então um referendo para eleições antecipadas?

Le Monde: De onde vêm essas divisões tão profundas no país?

Lech Wałęsa: Para governar e se manter no poder, Jarosław Kaczyński precisa de um inimigo. É por isso que o pessoal do PiS está sempre fuçando no passado, caçando os "agentes" comunistas. Eles precisam disso para cimentar suas bases e alimentam a "guerra entre polacos".

Le Monde: O senhor é um desses inimigos?

Lech Wałęsa: Sim, eles precisam desse tipo de inimigos. Eles queriam colocar Lech Kaczyński, o ex-presidente polaco, morto no acidente de avião de Smoleńsk em 2010, no meu lugar e fazer dele o principal símbolo da luta contra o comunismo. Eles queriam fazer de mim um "agente", de preferência a serviço de Moscou.

Le Monde: Como o senhor responde às acusações de ter colaborado com o regime comunista feitas contra o senhor?

Lech Wałęsa: Eu subestimava essas vozes que me acusavam. Eu acreditava sinceramente que o Instituto da Memória Nacional queria saber a verdade sobre esse caso. O problema é que os comunistas destruíram muitos documentos. As agências de inteligência comunistas tinham quase cem volumes de acusações sobre mim e minha luta, que foram quase todos destruídos. O que restou foi o que convinha aos comunistas para minarem meu crédito.
Na época, havia duas abordagens que eram usadas contra os comunistas. A primeira os tratava como inimigos e bandidos com quem era impossível conversar. A segunda era a minha, que os via como doentes que precisavam de um médico, e era preciso conversar com eles, reparar seus erros. Essas duas concepções hoje são irreconciliáveis, e é por isso que meus inimigos não conseguem me perdoar por eu ter decidido conversar com os comunistas, e me acusam de ser um "agente". A verdade é que eu manipulava os serviços secretos comunistas bem mais do que eles me manipulavam.

Le Monde: Qual era o lugar dos irmãos Karczyński na época do Solidarność?

Lech Wałęsa: No início do Solidarność, eles tinham medo de se manifestar muito abertamente, uma vez que seu apoio no sindicato livre era limitado. Eles faziam parte daqueles que queriam lutar pelas vias legais contra o comunismo. Depois eles mudaram e se tornaram mais radicais. Quanto mais se aproximavam da vitória, mas sua coragem aumentava. E como eles eram dois, já acostumados a disputar o seio de sua mãe, eles sempre tinham mais chances de se defenderem mutuamente (risos).
Eles faziam um bom trabalho, mas sempre sob minhas ordens. Eles tinham qualidades que podíamos utilizar com critério, mas eles não eram atores de primeiro plano. Lech Kaczyński sempre foi bem próximo de mim. Quando eu me tornei presidente, fiz dele meu substituto no sindicato. Era muito mais fácil me entender com Lech do que com Jarosław Kaczyński. Eles eram bastante secundários no movimento, ficando à sombra de pessoas mais competentes. Eles apostaram em outras pessoas igualmente marginalizadas e frustradas dentro do Solidarność.
Eram o tipo de pessoas que, em condições normais, não deveriam ter nenhum papel político a exercer. Os Kaczyński representavam uma coalizão de frustrados da Solidarność. Atualmente, o PiS está muito determinado e unido.

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