terça-feira, 3 de novembro de 2015

Também tu, Polônia? — ou os riscos dos radicais à deriva

Edifício da Câmara dos Deputados - SEJM - em Varsóvia
O fato político mais relevante dos últimos tempos é obviamente a situação política saída das eleições polacas. E que só será ultrapassado pelo resultado das eleições espanholas do Natal que, a julgar pelas sondagens mais recentes, se traduz num empate entre o PP, o PSOE e o Ciudadanos.
As eleições na Polônia trazem duas grandes novidades: pela primeira vez, um só partido foi capaz de obter uma maioria absoluta de lugares nas duas câmaras do parlamento e, pela primeira vez, não há qualquer força de esquerda no Sejm. A primeira novidade interessa mais à política interna, a segunda interessa, e de sobremaneira, à política europeia e à política comparada.
A vitória com maioria absoluta dos conservadores, de pendor eurocéptico e nacionalista, do partido Direito e Justiça (PiS) é causa de desconfiança nos foruns europeus. Na sua experiência anterior de governo (2005-2007), liderada pelos gêmeos Kaczyński, a tensão com a União Europeia e com a Federação Russa foi especialmente visível.
A linha política dominante foi então de conservadorismo popular ou populista, profundamente antiliberal, muito nacionalista e com laivos de fundamentalismo católico e moralista, cujo “braço armado” era (e continua a ser…) a omnipresente Radio Maryja.
A verdade é que, no novo contexto político-eleitoral, o PiS, sem mudar de liderança – que continua nas mãos do gémeo sobrevivente, Jarosław Kaczyński –, levou a cabo uma profunda renovação dos protagonistas políticos. E assim fez eleger nas presidenciais o seu candidato, claramente mais moderado e menos radical, Andrzej Duda. E apresentou como candidata ao lugar de Primeira-Ministra, a chefe de campanha deste último, Beata Szydło, com um perfil mais temperado e menos histriônico.
Não falta quem diga que Kaczyński acabará por tirar o tapete à sua herdeira e por vir, mais tarde ou mais cedo, a ser de novo entronizado como Primeiro-Ministro. Para já, um tal temor não passa de simples especulação.
A grande dúvida é, por conseguinte, a de saber se o caminho que o PiS vai querer trilhar é a via húngara da “orbanização” do regime – sugerida pela linha dura dos anos 2005-2007 – ou a via conservadora “à inglesa”, já que o Partido Conservador é o seu mais importante parceiro europeu – via esta indiciada pela escolha de novos rostos moderados.
O caminho da “orbanização” – sustentado pela admiração nutrida pelo carisma de Viktor Orban e pela aproximação nacionalista dos restantes países do grupo de Visegrado (Polônia, Hungria, Eslováquia e República Tcheca) – consubstanciar-se-ia na tentativa de domesticação do sistema judicial e do mundo mediático, numa maior estatização da economia, num reforço das políticas sociais de distribuição, num dogmatismo moral de cariz religioso e num nacionalismo exacerbado de matiz xenófoba.
Só se distinguiria do trilho húngaro na relação com a Rússia de Putin, que, ao invés do caso magiar, seria e será decerto muito tensa e hostil. A via conservadora britânica, que tenho como mais provável, virar-se-ia essencialmente para um distanciamento da Europa, apoiando a reivindicação de uma alteração dos tratados e de uma renacionalização das políticas comuns e execrando qualquer política de acolhimento de refugiados ou migrantes de fora da Europa.
A divergência com a linha britânica surgirá decerto na questão maior da liberdade de circulação dos cidadãos da União, por causa da enorme quantidade de trabalhadores polacos emigrados no Reino Unido.
Esta linha democrática conservadora, apesar das promessas eleitorais de sinal estatizante e social, acabaria por dar sequência à política econômica de sucesso dos governos da Plataforma Cívica, agora derrotada, para poder tirar proveito do mercado interno europeu e do forte investimento estrangeiro presente em território polaco.
Estas promessas de reforço das políticas sociais (mais abono de família, diminuição da idade de aposentadoria, etc.) tiraram espaço à Esquerda, que foi varrida do mapa político.
O espectro parlamentar fica pois dividido entre o centro-direita e a direita “pura”, quando não radical. E tal como no caso húngaro, sobeja o risco de o centro e a direita moderada se radicalizarem por terem de competir, apenas e só, com forças populistas e extremistas de direita.
O apagamento dos partidos de esquerda e de centro-esquerda é, por isso, motivo de séria e profunda preocupação. É, por isso, que, também por cá, estranho que tantos estranhem a genuína inquietação que tenho revelado com a deriva radical do PS. Estou seriamente preocupado com a apropriação do PS (Partido Socialista) pela extrema-esquerda. Não augura nada de bom. Nem para o país, nem para o sistema político. Todos vamos pagar, nos sentidos literal e metafórico de “pagar”, essa deriva. E ela pode acabar num varrimento do PS. É aí, e não no lado direito e central do espectro político, que mora o risco de “pasokização”.

Fonte: jornal "Público"
Texto: Paulo Rangel

sábado, 24 de outubro de 2015

Gêmeo Kaczyński de volta ao poder

Nos últimos meses, o partido populista de direita PiS (Direito e Justiça) suavizou o discurso, mas a sua linha programática permanece igual: é antiEuropa, xenófobo e pelos valores católicos.
Jarosław Kaczyński
As eleições legislativas de domingo, na Polônia devem acrescentar mais um país à mancha nacionalista que se alastra no centro e Norte da Europa, com o regresso ao poder do partido populista de direita "Direito e Justiça" (PiS) e, com ele, de Jarosław Kaczyński, um dos mais controversos políticos polacos.
Kaczyński, que já foi primeiro-ministro (2006/07), não é desta vez o candidato a chefiar o governo. Esse papel caberá à líder do partido, Beata Szydło, escolhida porque o “líder” sabe que é uma figura controversa que pode alienar eleitorado, explica o jornal Financial Times.
Mas os analistas dizem que será ele o grande vencedor — e o detentor do poder real —, uma vez que regressará depois de duas grandes derrotas e quando muitos consideravam que a era da dupla Kaczyński chegara ao fim, após a morte de um dos gêmeos, Lech, quando era Presidente a República, num acidente de avião na Rússia, e das duas derrotas eleitorais de Jarosław em dez anos. Perdeu umas legislativas para Donald Tusk, e umas presidenciais, se bem que em maio um dos seus, Andrzej Duda, chegou à chefia do Estado.
O Direito e Justiça, dizem as sondagens, está dez pontos à frente da Plataforma Cívica da atual primeira-ministra, Ewa Kopacz — de centro-direita —, e fragilizado por vários escândalos de corrupção e pela estagnação do nível de vida. E se nos últimos meses Kaczyński baixou o tom da retórica nacionalista, não se esperam mudanças radicais na sua linha programática: é um partido antiEuropa e xenófobo, que quando esteve no poder abriu conflitos com Bruxelas, com a Alemanha, com a Rússia.
As sondagens também dizem que o Direito e Justiça não conseguirá a maioria necessária para governar sozinho. Deve ser obrigado a fazer uma aliança ou coligação com um pequeno partido. Mas Kaczyński, de 66 anos, tentou até ao último momento mobilizar o seu eleitorado de base — a direita tradicional e a população católica — para tentar chegar aos 230 deputados de que necessita (o Parlamento tem 460 lugares), suplantando em votos o eleitorado moderado e progressista que considera o PiS uma força de bloqueio às reforças sociais e à aproximação do país ao Ocidente.
Kaczyński e Beata Szydło fizeram muitas promessas populistas nas últimas semanas: baixar os impostos, descer a idade da reforma, aumentar os subsídios às famílias e impedir a entrada em massa de imigrantes e refugiados. Durante as semanas de campanha, Kaczyński defendeu que os refugiados deveriam ser submetidos a inspecções, pois podem transportar “doenças e parasitas” perigosos para a Europa.
A AFP diz que, nos últimos comícios, o ambiente de euforia à volta do PiS cresceu, com os apoiantes a gritarem “damy rade” (nós podemos fazer) à proposta do partido de pedir votos pela “mudança boa” e pela rejeição do “caos”. A candidata a primeira-ministra, diz a agência francesa, mostrava aos apoiantes um dossier azul com um programa de governo para os primeiros cem dias, os necessários para fazer a tal “mudança boa”.
Os opositores optaram por sublinhar os perigos de um regresso de Kaczyński ao poder: uma nova ruptura com a União Europeia, a influência da Igreja Católica Conservadora e o risco das restrições ao aborto serem ainda maiores, a possibilidade de ser proibida a reprodução artificial, o reforço do catolicismo na Educação. Ewa Kopacz disse, num comício, que a Polônia corre o risco de se tornar uma “república confessional”.
Segundo as sondagens, foi a chegada de novos partidos à cena política que retirou votos (ou intenções de voto) dos dois grandes partidos. A coligação Esquerda Unificada, o partido antissistema do músico de rock Paweł Kukiz que “apareceu do nada” nas presidenciais de maio, o partido neoliberal Nowoczesna (Moderno) do eurodeputado Janusz Korwin-Mikke e o Partido Camponês estão todos na marca dos 5% que asseguram a eleição de um deputado. Os aliados naturais do PiS são o movimento Kukiz’15 e o Partido Camponês.

Fonte: Jornal "Público" - Lisboa
autor: ANA GOMES FERREIRA

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Nove ícones arquitetônicos da Polônia comunista

As realizações arquitetônicas do temido regime comunista, que já foram símbolos de injustiça para muitos, feitos de de tijolo e argamassa, agora tendem cada vez mais a serem encarados como clássicos da modernidade.

O antigo Palácio Joseph Stalin ou o edifício do Conselho Distrital Sindicatos do Trabalho estão entre aqueles prédios exoticamente nomeados que hoje podem ser considerados ícones, apesar de originários dos tempos sombrios do comunismo.

Cinema Kosmos
Foto: Dariusz Gorajski / AG
O nome deste antigo cinema construído em 1959, em Szczecin, é Cosmos. E isso provavelmente significava o quão longe as pessoas da Polônia comunista estavam assistindo filmes, na esperança de para serem transferidas para a tela.
O prédio foi desenhado por Andrzej Korzeniowski, que lhe deu um olhar simplista e aparência de monumento. A forma minimalista contrasta bem com o maravilhoso mosaico colorido feito pelo artista plástico Emanuel Messner que adorna a fachada.
A estrutura está atualmente em reforma, mas, como é edifício protegido pelo patrimônio, vai manter sua aparência original. Quando as obras estiverem concluídas, o edifício de Korzeniowski abrigará um moderno cinema moderno e sala de teatro, bem como espaços para conferências e de exposições.

Okrąglak
Foto: Łukasz Cynalewski / AG
Rotunda, rotatório ou ainda "redondo" é o edifício projetado por Marek Leykam concluído, em 1955, e é amplamente reconhecida como um exemplo do modernismo na cidade de Poznań.
No momento da sua inauguração foi considerada uma construção de vanguarda, a primeira em Poznań a ter um sistema de aquecimento no teto. Seu formato cilíndrico tem como referência o edifício arredondado Sugar Industry Bank que estava em seu lugar antes da Segunda Guerra Mundial.
O banco foi destruído durante a guerra e nunca reconstruído. Nos tempos comunistas, quando a escassez de todos os tipos de mercadorias eram uma norma, o Okrąglak serviu como uma loja de departamentos e, como tal, tinha uma reputação de ser um particularmente bem abastecido. O edifício, classificado como monumento, foi renovado com bom gosto na década de 2010 e atualmente abriga escritórios.

Edifício do Conselho Distrital do Sindicato do Trabalho
Foto: Marek Maruszak / Forum
Este edifício foi projetado por Henryk Buszko, Aleksander Franta e Jerzy Gottfried de acordo com o realismo socialista, a doutrina estética oficial dos comunistas.
Ele foi construído na primeira metade da década de 1950, em Katowice, e é um pouco semelhante a um outro edifício ícone do realismo socialista daquele período, a sede do Partido Comunista em Varsóvia.
Na Polônia comunista, o edifício de Katowice serviu como sede de várias organizações sindicais, como o Conselho de Mineiros do Sindicato dos Trabalhadores.
Hoje, é a Sede da Voivodia (Estado) da Silésia e é o local de trabalho dos funcionários administrativos do governo da Silésia.
O falecido Henryk Buszko, considerado um grande arquiteto, disse uma vez sobre a sua estrutura em Katowice: "Foi um dos poucos edifícios do realismo socialista na Polônia que não era uma caricatura."

Dworzec Centralny
Foto: Jan Bielecki / East News
Levou 1.100 dias para se construir esta estrutura. O nome se traduz simplesmente como Estação Ferroviária Central.
A construção foi inicialmente prevista para levar muito mais tempo para ser concluída, mas foi acelerada drasticamente para que ficasse pronta antes da visita a Varsóvia do líder da União Soviética Leonid Brezhnev, prevista para o final de 1975.
A estação tinha tido sempre a intenção de ser ultra-moderna e mostrar as capacidades da Polônia comunista. Não mostrá-lo para um convidado tão importante teria sido uma oportunidade perdida de se dar uma grande impressão. A missão foi de fato cumprida: Brezhnev, juntamente com o líder norte-coreano Kim Ir Sen e líder polaco Edward Gierek, puderam ver a estação dois dias depois que fora inaugurada em 5 de dezembro de 1975.
Não demorou muito para que os defeitos decorrentes da pressa dos construtores aparecessem e tivessem que ser corrigidos. Hoje, muitos consideram a modernista estação projetada por Arseniusz Romanowicz e Piotr Szymaniak um edifício clássico de Varsóvia.

Hotel Forum
Foto: Beata Zawrzeł / East News
Ao contrário da Dworzec Centralny, este edifício em Cracóvia levou um tempo excepcionalmente longo para ser construído.
A construção no Hotel Forum começou em 1975 e terminou treze anos depois, em 1988.
Uma das razões para ter tomando tanto tempo foi a crise econômica que atingiu Polônia após 1976. O edifício serviu como hotel de 1989 até 2002, quando foi esvaziado quase que completamente.
Atualmente, apenas funciona um café no piso térreo. O resto do interior do hotel está totalmente desocupado.
O edifício do final do modernismo foi desenhado por um grupo de arquitetos liderados por Janusz Ingarden e foi chamado por alguns de "um lugar lendário".
As pessoas elogiam a estrutura que se harmoniza com a linha da margem do rio onde ele está localizado, e também por sua aparência dinâmica. Isso tem se confirmado por ser um dos locais regulares do aclamado Unsound Festival.

Spodek
Foto: Michał Łuczak / Forum
Traduzido como "O Disco Voador", o Spodek é uma arena multiuso em Katowice.
Foi inaugurado, em 1971, com um grande concerto para 12.000 pessoas que caiu no gosto da cantora Anna German.
O nome não é incidental, pois a forma realmente traz à mente um disco voador. Este projeto intrigante é trabalho dos arquitetos Maciej Gintowt e Maciej Krasiński.
A montagem do Spodek necessitou de cerca de 30 mil toneladas de terra que teve de ser substituída, a fim de estabilizar e preparar adequadamente o local escolhido para a construção.
Desde a sua conclusão, o Spodek tem sido um símbolo bastante reconhecido de Katowice. É usado regularmente para grandes eventos, tais como as finais dos campeonatos mundiais de vôlei.

O Palácio da Cultura e Ciência

Sem dúvida, um dos edifícios mais controversos na Polônia, - o Palácio da Cultura e Ciência - foi um "presente da nação soviética para a nação polaca" que os polacos não puderam recusar.
Não era de admirar que muitas pessoas tenham problemas com ele - já que já foi chamado de Palácio Joseph Stalin. Felizmente este nome deixou de ser utilizado em 1956, um ano depois que foi construído no coração de Varsóvia.
O local escolhido para o arranha-céu monumental, como sugerido pelos soviéticos, foi verdadeiramente diabólico - parece que não se pode virar a cabeça para qualquer lado de Varsóvia sem que não se veja a "coisa".
É considerado frequentemente um símbolo desprezível da opressão comunista, mas não há dúvida de que é um marco da capital. Seus admiradores salientam que o arranha-céu do realismo socialista projetado pelo arquiteto soviético Lev Rudnev é uma visão mais-que-interessante e que, ironicamente, é bastante semelhante ao icônico Empire State Building.
De qualquer maneira, a 237 metros de altura, o palácio ainda é o ponto mais alto da Polônia e abriga toda uma gama de coisas, incluindo piscina, cinema, quatro teatros, dois museus e muitos espaços para escritórios.

Smolna 8
Foto: Franciszek Mazur / AG

O Smolna 8 foi o primeiro arranha-céu construído na Polônia na década de 1960. Projetado por Jan Bogusławski e Bohdan Gniewiewski, foi construído em Varsóvia no local de um antigo hospital oftalmológico destruído durante a Segunda Guerra Mundial.
Apesar dos planos iniciais de servir como um hotel para os polacos que viviam no exterior ao visitarem Varsóvia, tornou-se um edifício residencial de alto padrão com um bar café de dois andares no terraço chamado Akropol (infelizmente extinto).
Apesar do incomum formato de "mandíbula", a construção no topo, e uma das coisas interessantes do edifício, é também um dos lugares mais macabros da cidade, por já ter sido um local popular para suicídios.
Ah! sim...chama-se Smona 8, por estar situado no nrº 8 da ulica (rua) Smolna.

Nowa Huta

Localizado no ponto mais oriental da cidade, Nowa Huta é o bairro de Cracóvia que não tem nada a ver como o resto da cidade. Construído na década de 1950, tornou-se uma espécie de cidade dentro da cidade, e nunca foi realmente concluída, embora seja agora considerado uma obra-prima do realismo socialista polaco - o próprio nome lembra o período, Nowa Huta se traduz como "Nova Siderúrgica".
O arquiteto Tadeusz Ptaszycki e sua equipe projetaram absolutamente tudo, desde os edifícios e às próprias ruas, escadas, pisos, calçadas em uma tentativa de criar espaços que incentivassem as relações amistosas da vizinhança.
Claro, na forma típica comunista, muitos blocos de apartamentos foram construídos rapidamente para fornecer aos metalúrgicos um lugar para se viver, mas as visões utópicas dos arquitetos nunca se materializaram.
No entanto, a área tornou-se lendária e há provavelmente mais histórias sobre Nowa Huta que a maioria dos castelos medievais.
Notável, ele foi o local do premiadíssimo filme de Andrzej Wajda, "O Homem de Mármore".