A Polônia foi o único país europeu que não entrou em recessão desde 2008. Sua receita anticrise? Apostou num modelo voltado para as exportações.
Texto de Guilherme Manechini, de Revista Exame
São Paulo - Em 2004, quando a Polônia entrou na União Europeia, o sonho de consumo da maioria dos habitantes do país era ter euros na carteira. Na época, mais de 60% da população polaca se dizia favorável à união monetária e pronta a abrir mão do złoty, a moeda oficial do país.
A ânsia em adotar o euro era sinal da pouquíssima confiança que os polacos tinham na própria economia, já que quase 20% da força de trabalho estava ociosa. Os resquícios dos tempos de um Estado socialista, sob influência da antiga União Soviética, ainda eram visíveis, com regiões inteiras do país vivendo na miséria.
Apesar da rápida abertura depois da queda da cortina de ferro, o país estava longe de cumprir os requisitos para entrar no clube do euro. Bom, sorte dos polacos. Passados quase dez anos, a população do país não quer nem ouvir falar em adotar a moeda comum. Desde 2008, o país foi o único europeu que não entrou em recessão.
Nos últimos cinco anos, o PIB polaco cresceu, em média, 3,5% por ano, enquanto na União Europeia o resultado foi de -0,2%. Destino de investimentos de grandes multinacionais, a economia polaca é tida como uma das mais dinâmicas da Europa. E tudo isso tem muito a ver com o złoty.
Desde a eclosão da crise, a desvalorização da moeda polaca foi de 30%. Segundo o último relatório de custos trabalhistas da Eurostat, a hora de um empregado polaco custa o equivalente a 7,4 euros — um quarto do valor pago a um trabalhador alemão.
Com essa vantagem comparativa, a Polônia consolidou-se como um polo de atração para empresas interessadas em montar no país estruturas industriais voltadas para a exportação. Em 2002, as exportações respondiam por 28% do PIB, número que saltou para 46% em 2012.
Com a economia da zona do euro em um lento processo de recuperação, os investimentos estrangeiros continuam chegando à Polônia. A americana Amazon, maior empresa de varejo eletrônico no mundo, oficializou a construção de três centros de distribuição. Ao custo de 150 milhões de euros, a alemã Basf está construindo uma fábrica para produzir autopeças.
Embora seja inegável que o câmbio tenha tido papel determinante na história de sucesso da Polônia, o bom momento do país também deve-se a uma sólida base. Em 1997, o país instituiu um teto de 60% do PIB para o endividamento público. Em 2012, a dívida pública ficou em 55,6% do PIB, ante a média de 85% dos países da União Europeia.
Ainda no fim dos anos 90, a Polônia também deu maior autonomia ao banco central, além de estabelecer a adoção do sistema de metas de inflação e maior controle sobre o crédito no país. Em seguida, adotou o regime de câmbio flutuante.
“As medidas implementadas no fim dos anos 90 permitiram ao país adotar uma política anticíclica durante a crise, o que foi fundamental para a Polônia continuar crescendo”, diz Agata Urbanska-Giner, economista do banco HSBC para o Leste Europeu. Em 2004, pouco antes de entrar na União Europeia, o país promoveu uma rodada de corte de impostos.
Com a ajuda do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, tratou de arrumar sua infraestrutura. Foram investidos 101 bilhões de euros em estradas, portos e aeroportos de 2007 a 2013. Outra rodada de 160 bilhões de euros será aplicada até 2020.
Em sua longa lista de conquistas, uma das que mais se destacam é a da área de educação. Em 2003, no primeiro ano do teste de matemática do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa, na sigla em inglês), a Polônia ficou em 23º lugar. Em 2013, aparece na 14ª posição, superando países como Alemanha, França e Inglaterra (o Brasil, no mesmo intervalo, passou de 30º para 58º).
Os progressos destes dez anos na área da educação já se fazem sentir no mercado de trabalho. Somente em 2012 a produtividade por hora cresceu 2,2%, o segundo melhor resultado do bloco. Levando em conta a estrutura demográfica, a Polônia também tem uma vantagem na comparação com a maioria dos vizinhos. É uma das nações na Europa com a maior proporção de jovens com idade entre 15 e 24 anos.
Quanto vai durar?
Parte dos economistas se pergunta se o modelo baseado nas exportações é sustentável no longo prazo. Essa dúvida aumentou recentemente com a diminuição das vendas para os países da União Europeia por causa da redução da demanda.
Essa queda de desempenho fez com que o primeiro-ministro, Donald Tusk, considerado um dos melhores líderes que a Polônia teve desde o fim do comunismo, demitisse no fim de novembro sete ministros — inclusive Jacek Rostowski, à frente das Finanças, a quem é creditada a boa performance do país.
“As mudanças são uma tentativa de fortalecer a popularidade do governo, que está atento às eleições parlamentares de 2015”, diz Magdalena Polań, economista do banco Goldman Sachs. Os economistas mais otimistas argumentam que o perfil da economia polaca está mudando.
Muitas multinacionais que chegaram atraídas pelos custos baixos e pela localização estratégica agora estão descobrindo que o país tem um mercado consumidor promissor. Segundo a consultoria inglesa Euromonitor, os polacos gastaram quase 300 bilhões de dólares em produtos de consumo em 2012.
Entre os dez maiores países emergentes, são os polacos que gastam mais — em média, 7.700 dólares por ano. As vendas de carro, por exemplo, devem crescer 5% em 2013 — ante uma previsão de queda de 2% na Alemanha.
Segundo a agência de classificação de risco Moody’s, a retomada da economia da zona do euro e o aumento do consumo interno deverão permitir um crescimento do PIB acima de 2,5% em 2014, um dos quatro melhores entre os 28 países da União Europeia.
Num país onde ninguém sabe o que é recessão há 22 anos, os cafés de Varsóvia continuam cheios e os consumidores seguem comprando em złotys.