domingo, 26 de maio de 2024

Espiões russos estariam sabotando na Polônia

 
Cresce o medo do perigo que vem do Leste, na forma de desinformação, espionagem ou incêndios criminosos.
 
Primeiro-ministro polaco Donald Tusk manda erguer uma forte proteção na fronteira e instaura comissão para detectar "traidores".
 
Desde o início da invasão russa da Ucrânia, em 24 de fevereiro de 2022, a Polônia passou a ser um país de "front" para a União Europeia. Porém, só agora sua sociedade parece ter compreendido a extensão total da ameaça que vem do Leste.
 
Nos últimos tempos, diversos incêndios estão assustando a população. Até o momento, não há provas conclusivas, porém, muitos suspeitam que por trás deles esteja a ação de serviços secretos estrangeiros. "Não temos mais qualquer dúvida de que os serviços secretos russos – e os bielorussos, que cooperam de perto com eles – estão muito ativos na Polônia", comentou o primeiro-ministro, Donald Tusk, nesta semana que passou (21/05), após uma reunião de seu gabinete.
 
Donald Tusk discursa no Rynek (Praça Central) de Cracóvia
 
Nos últimos dias, o político centrista tem aproveitado toda oportunidade para alertar contra o perigo de sabotagem e a desinformação a partir da Rússia. Ele informou que, no momento, 12 indivíduos estão em prisão cautelar, acusados de participação em atos de sabotagem a mando da Rússia.
 
Além disso, os serviços secretos russos teriam provavelmente "algo a ver" com o incêndio do Shopping Center, na rua Marywilska, n.º 44, no norte de Varsóvia.
 
Shopping incendiado em Varsóvia

Em 12 de maio, o fogo destruiu cerca de 1.400 lojas: em poucas horas, milhares de comerciantes, sobretudo imigrantes e polacos de origem vietnamita (que vivem na Polônia desde os anos 70, refugiados da guerra do Vietnã), perderam todas as suas posses.
 
O fato de o incêndio ter começado, simultaneamente, em focos diferentes suscitou especulações exacerbadas. "Vamos investigar", prometeu Tusk.
 
Incidentes semelhantes têm se acumulado nas últimas semanas: um depósito de lixo, um prédio escolar durante um exame. A inesperada fuga do juiz polaco Tomasz Schmydt no início de maio para a Bielorrússia – de onde, agora, ele faz propaganda antipolaca sob ordens do presidente daquele país, Aleksander Lukaszenko – agravou ainda mais a insegurança nacional:
- Quem sabe há muito o ambicioso juiz fosse um espião de serviços secretos estrangeiros, repassando material altamente sensível?
 
Tusk anuncia um "Escudo Protetor no Leste" 
Diante dos perigos crescentes para a segurança nacional, Tusk decidiu partir para a contraofensiva: em meados de maio, apresentou um projeto de uma linha de defesa para os 600 quilômetros de fronteira com a Rússia e a Bielorrússia.
 
Dessa forma, além dos obstáculos naturais como rios, lagos, pântanos e florestas, haverá fortificações chamadas pelo chefe de governo de "Escudo Protetor Leste", erigidas com barricadas antitanques e muito equipamento eletrônico, inclusive unidades de reconhecimento.
 
Tusk espera que a União Europeia se disponha a assumir parte dos custos. Em 21 de maio, ele criou uma comissão para investigar a influência dos serviços secretos russos e bielorrussos sobre a política polaca. Sob direção de Jarosław Stróżyk, chefe do Serviço de Contrainteligência Militar (SKW), ele já deverá apresentar seu primeiro relatório antes do recesso do verão europeu.
 
Composta por especialistas, a comissão se reunirá a portas fechadas, sem ser filmada, a fim de analisar a política nacional, a partir de 2004, incluindo, portanto, também o governo do próprio partido de Tusk, a Plataforma Cívica (PO), entre 2007 a 2015.
 
Por mais que o primeiro-ministri se esforce para manter uma aparência de neutralidade, para todo observador político está claro que no centro da atenção dos peritos estará o partido populista de direita Direito e Justiça (PiS), do líder Jarosław Kaczyński.
 
Antoni Macierewicz
 
Nesse contexto, um nome é citado com especial frequência: Antoni Macierewicz. Após a guinada democrática, o antigo crítico do regime, que desde a década de 70 combatia o sistema comunista, aproximou-se cada vez mais da ala nacionalista-religiosa da oposição. A partir de 2006, em diversas funções no Ministério da Defesa, ele realizou purgações radicais no serviço secreto militar.
 
Críticos o acusaram de, dessa maneira, ter incapacitado o Exército Polaco. Como ministro da Defesa de 2015 a 2016, igualmente impediu a modernização das forças de combate, ao rescindir os contratos armamentistas com a França, entre outros.
 
Tusk: "Não sou um segundo McCarthy" 
"O laço das informações que estamos coletando vai se apertando em torno de Antoni Macierewicz", comentou Tusk. Em seus círculos teriam atuado indivíduos que desarmaram o Exército polaco e desativaram o serviço de informações. "Muitas decisões [de Macierewicz] foram em proveito da Rússia", confirmou na quarta-feira o chefe da Comissão Parlamentar para Controle dos Serviços Secretos, Marek Biernacki.
 
Em sua opinião, o PiS "não é um partido pró-russo, mas sim infiltrado pela Rússia".
 
"Não sou um [Joseph] McCarthy moderno", assegurou Tusk, em alusão ao senador que promoveu nos Estados Unidos uma caça às bruxas anticomunista, nas décadas de 40 e 50.
 
Contudo, na fase quente da campanha eleitoral para o Parlamento Europeu, em 9 de junho, o líder da maior legenda governista, o PO, tenta mobilizar seu eleitorado representando a votação como uma confrontação entre a Europa e a Rússia. "A Rússia já está aqui", diz seu clip eleitoral, controvertido também dentro do partido.
 
Os autores condenam o PiS por manter contatos com Rússia e a Bielorrússia, citando um discurso de Tusk no Parlamento em que ele classifica a extrema-direita polaca como "traidores pagos, lacaios da Rússia".
 
"Tusk precisa vencer, de qualquer modo, a fim de acelerar a tomada de controle sobre o Estado", explica o jornalista Michał Szułdrzyński no Jornal Rzeczpospolita. Apesar de revelados numerosos escândalos e casos de corrupção do governo anterior, permanece forte o apoio à sigla de Kaczyński.
 
As pesquisas de opinião antecipam uma corrida cabeça-a-cabeça entre o PO e o PiS. Uma décima vitória seguida dos populistas de extrema-direita representaria grave perda de prestígio para Tusk. Perante tal quadro, a mensagem que o político liberal, pró-UE Donald Tusk dirige a seus eleitores não poderia ser mais simples: "Putin quer desestabilizar a Europa. Se você quer paz, vá votar". 
 
Fonte: Radio Deustch Welle
Texto: Jacek Lepiarz