Este "post", publicado originalmente no site http://www.ruajudaica.com/ , foi indicado pelo leitor Gerson Guelman, de Curitiba. Tomei a liberdade de substituir o termo gentílico utilizado pelo autor pela palavra polaco, polaca. No mais, espero que a republicação aqui possa contribuir para as pesquisas sobre as famílias que moravam naquela rua varsoviana de belas memórias, apesar de seu fim trágico na segunda guerra mundial que destruiu a cidade.
Até poucas semanas nunca tinha ouvido falar na Rua Dzielna, que se pronuncia djélna. Na realidade, nem sabia em que cidade ou país estava localizada ou até mesmo se existia – ou teria existido – uma rua com esse nome. Quem abriu meus olhos para a importância da Ulica (rua em polaco) Dzielna foi o Cirurgião e Artista Plástico brasileiro
Julio Hochberg, radicado há muitos anos nos Estados Unidos, durante uma agradável caminhada pelas movimentadas alamedas da Feira Internacional do Livro de Miami.
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Feira Internacional do Livro de Miami |
A mãe do meu interlocutor, Sra
Maria Sukkiennik, Z”L”, havia residido no número 27 da Dzielna, em Varsóvia, onde passou a infância e parte da adolescência. Os Sukiennik faziam parte de uma família que havia se dedicado, geração após geração, ao ramo das confecções, ao passo que os
Hochberg, sobrenome do futuro esposo de Maria Sukiennik, também por tradição familiar, ao dos calçados. Maria logo se destacou como talentosa modista em um estúdio de alta costura da capital polaca assim que concluiu o ginásio e começou a trabalhar.
Em um determinado dia de 1927, Maria Sukiennik, então com 16 anos e já requisitada pela melhor sociedade polaca em razão da originalidade e beleza de suas criações, chegou em casa esbaforida após um dia de intenso trabalho. Chamou os pais e quatro irmãos, inclusive o pequeno José, de apenas 3 anos e revelou-lhes um trágico pressentimento: -
Precisamos deixar a Polônia, pois algo de muito grave irá acontecer com os judeus daqui a exatos dez anos! Imaginem a cara de espanto de seus pais e irmãos mais velhos ante aquela súbita revelação, mas Maria, apesar de bastante jovem, já era respeitada por toda a família, por sua aguçada inteligência e conhecida dedicação às tarefas que lhe eram confiadas. Como dispunham de tempo, pois a profecia havia estabelecido um prazo de dez anos para os terríveis acontecimentos que estariam por vir, a família pode se preparar com calma para a longa viagem com destino ao Brasil, país escolhido como porto seguro para livrá-los da tragédia que iria se abater – como de fato aconteceu – sobre a sofrida coletividade judaica da Polônia. Três anos depois da revelação, os Sukiennik pegaram um navio rumo ao porto de Santos, onde desembarcaram no dia 26 de junho de 1930, uma quarta-feira. Parte da família se estabeleceu em São Paulo, outra no Rio e Maria, com seus pais, se dirigiu para o Rio Grande do Sul, onde casou, criou seus filhos e assistiu ao nascimento de uma penca de netos, bem distante do que previra acontecer na sua querida Varsóvia e, especialmente, na ulica Dzielna da sua adolescência.
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Ulica Dzielna |
Em setembro de 1939, as tropas nazistas invadiram a Polônia, dando início à Segunda Guerra e, quatorze meses depois, em novembro de 1940, começaram a confinar os israelitas no antigo bairro judaico da capital, que passou para a história como o tristemente conhecido Gu
eto de Varsóvia. A Dzielna, que acabou sendo incluída no gueto, formava um dos eixos residenciais e comerciais mais importantes da região e fazia esquina com a
Zamenhof, por onde circulava uma movimentada linha de bondes, ironicamente obrigados a ostentar, como seus passageiros, uma Estrela de David. Na Dzielna, famosa pela feira livre que atraía comerciantes e fregueses de diversas regiões de Varsóvia, funcionavam estabelecimentos bastante conhecidos, como a Biblioteca
Zycie, no número 4, a fábrica de espartilhos da
Sra. Zulkowa, no 5, a
Sinagoga Moriah, no 7 e o Salão de Cabeleireiros de
Estera Frenzel, entre tantos outros.
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Bonde trafegando pela ulica Zamenhof |
Quase em frente ao número 27, onde os Sukiennik haviam morado antes da providencial transferência para o Brasil, funcionaram, no número 34, as sedes dos movimentos juvenis
Ashomer Atzair e
Dror. Nesse histórico endereço foram estabelecidas as diretrizes para a resistência militar à planejada exterminação dos judeus da Polônia pelas tropas alemãs. Da tradicional Dzielna praticamente nada restou após os intensos combates entre os partisans judeus - precariamente armados e municiados - e as forças hitleristas, com exceção do muro e o portão do antigo presído Paw
iak. Mais tarde, findos os combates, o próprio muro dessa prisão acabou sendo implodido e, do portão, só restou uma pequena parte, que está lá até hoje, como testemunha muda do massacre perpetrado contra a indefesa população judaica do gueto.
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O Gueto em chamas |
Maria costumava contar aos filhos que, da janela de sua casa, no número 27, era possível avistar o portão de ferro da prisão, localizada no 24 e 26, do outro lado da rua. Esse fato aguçou a curiosidade do Dr. Júlio, um incansável pesquisador sobre a presença judaica na Polônia. Além de ter viajado várias vezes à terra natal de seus ancestrais, Júlio devorou grande parte da literatura referente aos habitantes do bairro judaico de Varsóvia, antes e depois da instalação do gueto, recolhendo informações a respeito de cada casa, de cada família, de cada estabelecimento existente na Rua Dzielna, desde o número 1, onde funcionou o
Teatro Eldorado, que sucedeu ao
Skala, até o 95, já na esquina da ulica
Okupowna, vizinha ao Cemitério Judaico.
MONTANDO O QUEBRA-CABEÇAS
Com auxílio de diferentes fontes, foi sendo possível descobrir o nome de cada uma das famílias que residiram nessa rua, muitas das quais não sobreviveram à barbárie hitlerista, mas, pela lista de sobrenomes e também os números das residências e estabelecimentos nela localizados o Dr. Júlio pretende reconstituir, nos mínimos detalhes, a vida da outrora movimentada e borbulhante Ulica Dzielna, onde sua família materna residiu em uma casa de cuja janela da sala era possível contemplar, do outro lado da rua, o portão de ferro da
Prisão Pawiak, como sua mãe, tantas vezes, lhe relatara.
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Ruínas do portão da prisão atualmente |
Ele conseguiu recuperar uma extensa lista de sobrenomes e de praticamente todos os números das casas e apartamentos onde essas pessoas residiram e agradece a colaboração dos leitores da Rua Judaica que puderem ajudá-lo a terminar a montagem desse verdadeiro quebra-cabeças comunitário. Qualquer informação sobre as famílias que moraram na Dzielna antes e depois da instalação do gueto será extremamente bem-vinda, pois irá auxiliá-lo em seu paciente e laborioso trabalho de reconstituição de um passado interrompido de forma brutal pelo ódio e a violência da máquina de guerra nazista.
Informe para:
nmenda@hotmail.com