Cartas escritas por imigrantes polacos revelam saudade e esperança
Marielise Ferreira| marielise.ferreira@zerohora
“QUERIDOS PAIS E AMADA ESPOSA”
Cartas escritas por imigrantes polacos revelam saudade e esperança
As letras correm desenhadas sobre o papel, expressando novidades, angústias, saudade. Enfrentando a distância e a separação da pátria mãe, imigrantes polacos que buscavam no Brasil uma nova vida, depositavam nas cartas aos seus familiares, a esperança de revê-los. Muitas delas jamais chegaram ao destino, interceptadas pelo governo russo, que tomara a Polônia no final do século.
No museu João Modtkowski, em Áurea, no norte do Estado, onde mais de 90% da população descende de polacos, as cartas fazem parte do acervo que conta a história dos imigrantes, junto a objetos utilizados nas colônias, documentos e passaportes que permitiram a chegada ao Brasil. De gente como o bisavô do curador do museu, o professor Artêmio Adão Modtkowski, que chegou ao Brasil em 1889 e mudou-se para Áurea no natal de 1911, junto com outras 12 famílias.
- As cartas eram a forma de manter vivos os laços entre os familiares _ conta Modtkowski.
Nos Anais da Comunidade Polonesa publicados em 1977 em Curitiba (PR), uma série de cartas enviadas pelos imigrantes entre 1890 e 1891 são verdadeiro relato histórico da saga destas famílias. As viagens desde Bremen ao Rio de Janeiro, cruzando o oceano por 18 dias e novamente de barco outros 12 dias para chegar a Porto Alegre, eram finalizadas com semanas viajando no lombo de burros ou em carroças puxadas por bois até chegar às colônias.
Quem escolheu ficar no Rio de Janeiro e em São Paulo, nem sempre teve o melhor destino. O imigrante J. Gasiorowski de São Paulo, conta em carta que profissões como carpinteiro, marceneiro e celeiro eram bem remuneradas. Mas trabalhadores sem conhecimento específico acabavam construindo estradas para o governo e quem não tinha vontade de trabalhar, passava fome.
”Os que não trabalham passam fome e andam maltrapilhos. Outros venderam suas esposas aos pretos, obtiveram grande lucro e se retiraram. Ninguém sabe para onde foram. Outros maridos deixaram as mulheres com crianças e fugiram para outras regiões. As mães e as crianças andam pelas ruas, esmolando um pedaço de pão ou ingressam na vida fácil. Outros ainda transformaram suas casas, em públicas, onde trabalham as mulheres e filhas. Várias coisas acontecem que é difícil de descrever” relata em carta.
Quem chegou da Polônia e optou pelos estados do sul do país, ingressou numa aventura desbravadora. Receberam grandes extensões de terra que deviam desmatar e sobre ela cultivar seus víveres. Entre estes não houve fome, nem miséria, ganharam casas do Governo brasileiro, e sustento até a primeira colheita. As cartas contam da abundância encontrada no Brasil e fazem um apelo aos familiares que ficaram para trás, como o registro de João Jaras, escrito de São Feliciano para a esposa que ficara em Zyrardow:
”Agora imploro-te a fim de te preparares para chegar o mais depressa ao Brasil. Querida esposa informo que ganhei muita terra que nem sei quantos eitos podem ser e ainda existem algumas tiras de mato, para completar”.
A miséria que ficou para trás e as novas perspectivas de vida no Brasil, só não suplantavam as perdas. As mortes registradas ainda durante a viagem de navio e outras tantas já em solo brasileiro, minavam as forças dos imigrantes, como no relato de João Wietrzykowski de Caxias do Sul aos pais que ficaram na Polônia:
”Queridos pais. Uma coisa me corrói. Faleceram os meus filhos. Marta morreu no primeiro entreposto, faleceu de sarampo. Boleslaw e Olga morreram em Caxias, atingidos por uma espécie de varíola. Os dois foram sepultados no mesmo túmulo. Isto me aborrece bastante. Também morreram muitas crianças dos meus conhecidos. Os médicos não ajudaram a ninguém”.
-João Baginski de São Feliciano, Rio Grande do Sul à família, em 1/01/1891.
”Saúdo-vos querida família inteira. Estamos aqui vivos e todos com saúde, toda a família. Descrevo a viagem toda, de Bremen a Rio de Janeiro. Levamos 18 dias até Rio de Janeiro; nesta cidade ficamos de quarentena, durante 12 dias; em outro navio viajamos durante 12 dias até Porto Alegre navegamos três horas até a ilha. Nesta ficamos 12 dias e partimos de trem, viajando três horas. Da ilha cavalgamos em bois e viajamos com carretas de duas rodas, tiradas por cinco parelhas e viajamos durante sete dias. Chegamos a colônia São Feliciano, onde nos estabelecemos. Até agora não recebemos colônias e não sabemos quando nos darão, mas esperamos que ganharemos em breve essas colônias. No momento participamos de trabalhos diários pelo que ganhamos diariamente 2 rublos. Com isto adquirimos os víveres e a vida é cara”.
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- Antônio Bartnicki de Santo Antônio da Patrulha, Rio Grande do Sul ao filho Adão, em 24/03/1891.
”Quanto à produção, basta perguntar aqueles que conhecem a Geografia Universal e eles te dirão que a América Latina é a mais rica em todo o mundo. Aqui até sobre pedras crescem enormes cactus e ao longo dos caminhos medram enormes árvores de “oleander”, e laranjeiras. Sobre jardins, nem fale pois neles crescem frutas e flores que entre nós não crescem nem em vasos e aqui medram em qualquer canto".
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- Antônio Czerwinski de Alfredo Chaves, Rio Grande do Sul para a família de Zyrardów, em 3/03/1891.
“Ainda não vimos nata, nem broa, a não ser no navio. A nossa situação é triste porque ficamos sem um vintém, o que nunca imaginava em Zyrardów. Agora novamente tenho que voltar a trabalhar porque não teremos o que comer. O Natal aqui é muito triste porque não vimos nem sequer um pedaço de carne, mas apenas um pouco de farinha escura de segunda categoria. Ambos choramos nesta Vigília a tal ponto que o coração quase partiu-se de dor. Em verdade o Brasil é um país católico, mas o que adianta se a gente não entende nada? Além disto à distância para a igreja é grande e é difícil ir até a cidade. (…) Se tiverem planos para chegar, não esbanjem dinheiro como eu fiz, isto eu vos alerto”.
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- Ludovico Gier do Rio de Janeiro para uma destinatária desconhecida, em 3/02/1891
“Certamente vais-te admirar que ouso escrever-te e por isso peço escusas. (…) É verdade fui um tresloucado, mas o que se há de fazer. Certamente sou e serei forçado a peregrinar pelo mundo e pensar em você dia e noite. Ainda não estou desesperançado, algum dia, mesmo que seja uma hora antes da morte tenho que te ver. Hoje sinto o que você significava para mim, querida Maria!!! (…)Ganho aqui muito bem, pelo menos uns 12 rublos mensais e depois poderei ganhar até mais. Eis a razão de minha pergunta, se me é permitido interrogar, minha Maria: você não quer vir? Pelo menos ficarás 100 vezes melhor do que na Europa. Imediatamente alugarei uma casa bonita e jamais te abandonarei até a morte. Isto jurarei na Igreja”.
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-José Jaczynski de São Mateus do Sul, Paraná, aos pais em 22/02/1891.
“O Brasil é um país vasto que pode abrigar a todos os polacos e ainda sobrará lugar, ao mesmo tempo é um país onde corre leite e mel e de liberdade excepcional. Portanto o ladrão e o assassino é melhor que apodreça nas masmorras russas antes que veja o Brasil! Há perfume o ano inteiro. Sobre os pássaros: faisões, galinhas do mato, pombos, galinhas de angola, e mais outras 50 variedades de outros que não conheço abundam. Não existem aves de rapina. Tenho terra à vontade, basta que Deus dê saúde. Existem enormes plantações de laranjeiras, citrus, figos, uva, café e castanhas, o que também nos vamos implantar em nosso pomar com o tempo. Graças te sejam dadas, ó Deus, que conduzistes os meus passos para esta região. Peço-te somente saúde, pois com a ajuda divina, serei com o correr do tempo, um colono próximo da cidade. Não tenho nada a escrever, senão beijar a todos milhões de vezes e amando-vos a todos até o túmulo, filho e irmão”.
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- Adalberto Jakukowski de Jaguari, Rio Grande do Sul, para a irmã em 15/02/1891.
“A capela fica na cidade e existe padre católico. Reza missa diariamente e aos domingos a Missa Solene, como acontece em cada igreja. Peço-te que venha porque ficará bem melhor do que na fábrica. Peço-te querida irmã que me traga o Quadro de Nossa Senhora e o Escapulário do Sagrado Coração de Jesus e de Nossa Senhora. Já tenho duas morgas de terra preparadas; a casa já esta construída; 18 pés de uva, no ano que vem já se poderá tomar vinho; cinco pés de marmelo e do terreno já colhemos 4 quartas de feijão, 12 sacos de milho do que dou ao colono uma quarta mensalmente, durante quatro meses”.
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- Martim Knaczynski, de Silveira Martins, Rio Grande do Sul a seu irmão em 6/04/1891.
”Querido irmão comunico-te que no Brasil é bom e ficaria satisfeito se você viesse para junto de nós no Brasil, porque aqui nós não temos miséria. Venda sua propriedade e traga consigo o dinheiro. Ganharás uma colônia gratuitamente, não pagarás nada por ela e no que respeita a sementes, ganharás cereais e tudo é assim como entre vocês na Polônia. Os cavalos são baratos de forma que o preço que vocês pagam por um na Polônia, aqui se pode comprar cinco. Os porcos e o gado são baratos sobremaneira. Quanto à propriedade, existem galinhas, marrecos, gansos e toda espécie de criação. Não temam nada porque não passareis miséria, porque eu não a experimento. E vocês sabem que miséria eu tinha e eu sei qual é a vossa fartura na Polônia. Vão ter produtos melhores do que na Polônia. Eu estou melhor do que um patrão na Polônia que possui dez propriedades”.
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- Mariana e Casemiro Kurków de Indaial, Santa Catarina ao irmão em 28/12/1890.
“Aqui não temos rei, mas República. Os antigos moradores eram selvagens e até o presente bandos deles perambulam aos quais tememos, porque se atacarem e se por acaso seu número for maior do que o nosso, exterminar-nos-iam como ratos. O povo daqui são estrangeiros que chegaram não antes que vinte anos atrás. Antigamente aqui era um grande deserto, com montanhas cobertas de matas que agora temos que transformar em terra de cultura”.
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- Mateus Lesinski de São Feliciano, Rio Grande do Sul à esposa.
“Queridíssima esposa, estou muito aborrecido porque não sei o que acontece em casa se todos estão com saúde, como estás vivendo com as crianças na Polônia. Onde quer que me encontre, você e as crianças estais diante dos meus olhos. Durante o dia trabalho e à noite dormimos em barracos e eu não tenho nenhuma coberta e no Brasil as chuvas são freqüentes, as noites frias por isso a minha vida é difícil. No instante em que te escrevo esta carta deixamos de viajar. Eu sozinho não sei como vai ficar daqui para a frente porque em breves dias devemos receber propriedades com matas”.
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- Stanislaw Sabelski, de Brusque para seus pais em 15/03/1891.
“Queridos pais, por graça de Deus, estou com saúde, juntamente com minhas crianças. O filho que Deus me deu, tive que entregar para ser criado por outros. Envio-vos notícias tristes, queridos pais, Mariana, minha esposa querida e vossa filha, separou-se de nós. Tivemos ao todo nove dias de doença e faleceu no dia 9 de novembro. No final de sua vida pediu orações pelo descanso eterno e uma Ave Maria. Que o Pai e a Mãe não esqueçam sua alma”.
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- Alexandre Slwaski, de Encruzilhada, Rio Grande do Sul a familiares, em 27/12/1890.
“Peço-te, meu irmão, depois de receber a minha carta, responda o mais depressa possível e eu escreverei e explicarei melhor. Comunique-me, porque aqui se fala que mataram o Tsar russo, bem como o seu sucessor. Peço-te que me informe sobre tudo o que está acontecendo. Agora informo que no navio morreram muitas crianças, morreram 30 no navio e agora continuam perecendo. Faleceu a filha dos Tomkowski, Estanislava e outras seis estão doentes. Talvez Deus ajudará e elas superarão a doença”.
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-José, Josefa e Estanislau Sobiesiak de Alfredo Chaves, Rio Grande do Sul aos pais de Zyrardów, em 3/04/1891
“O Brasil fica 2.740 milhas distante e só pelas águas a viagem é de 18 dias, através do Grande Oceano. Viajamos ainda no Brasil, 5 dias, igualmente através de águas. Estamos muito aborrecidos porque não nos podemos entender com os padres e com outras pessoas. (…) Aqui os dias santificados são guardados da mesma forma que na Polônia, mas não o fazem da mesma forma que nós. A Páscoa é muito curiosa, não temos ovo bento, nem doces como na Polônia. Quando conseguirmos alguma fortuna, faremos do mesmo modo como na Polônia, mas agora é muito difícil”.
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- João Wietrzykowski de Caxias do Sul aos pais.
“Os primeiros dias de nossa viagem foram muito difíceis, porque o navio balouçava bastante nos três primeiros dias, de forma que as pessoas caíam das camas. Cada um dormia quase sem alma. Depois nos acostumamos e o resto da viagem foi razoável. Uma coisa me corrói. Faleceram os meus filhos. Marta morreu no primeiro entreposto, faleceu de sarampo. Boleslaw e Olga morreram em Caxias, atingidos por uma espécie de varíola. Os dois foram sepultados no mesmo túmulo. Isto me aborrece bastante. Também morreram muitas crianças dos meus conhecidos. Os médicos não ajudaram a ninguém”.
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-Estanislau Ratas de Alfredo Chaves, Rio Grande do Sul aos pais, em 23/03/1891.
“Cada família recebeu uma colônia de 5 “wlocas” de terra com mato. A terra é boa e fértil. A comida durante a viagem foi boa e farta e nas colônias ninguém experimentou fome. O governo ajuda-nos em tudo. Deu a cada uma a colônia, todas as ferramentas indispensáveis para o trabalho e ajuda para a construção da casa própria. Quem construir por conta própria recebe 75 mil réis, o que equivale a 85 rublos, em dinheiro russo. Numa palavra, no Brasil, é melhor do que na Polônia”.
Fonte: Anais da Comunidade Polonesa, Volume VIII .- Ano 1977 Editado pela Superintendência do Centenário da Imigração Polonesa ao Paraná