Mas os esforços daqueles imigrantes da Silésia para se afastarem dos saxônios foram inúteis. Em Curitiba, eles acabaram assentados na colônia do Pilarzinho, onde já se encontravam estabelecidas algumas famílias de origem saxônias, ou prussas (os atuais alemães), que décadas antes haviam chegado ao Paraná. A convivência no início foi bastante difícil entre os dois grupos imigrantes da capital do Paraná.
Muito dos preconceitos cultuados contra o imigrante polaco tiveram início justamente na concorrência “involuntária” ocorrida na comercialização dos produtos agrícolas dos novos assentados. As famílias de imigrantes saxônios, entre eles os Schaeffer e os Weber, que abasteciam a cidade com verduras e hortaliças começaram a espalhar boatos de que os polacos eram beberrões, vagabundos e perturbadores da ordem pública. Estas famílias saxônias do Pilarzinho tinham origem no primeiro grupo de imigrantes estrangeiros que chegou ao Paraná, em 1829. Eles tinham sido assentados na localidade de Rio Negro, quando o Paraná ainda pertencia à quinta comarca da província de São Paulo.
Na afirmação de Neda Mohtadi Doustdar: “A ação de despolonização, fazendo do extermínio da nacionalidade polonesa a condição de existência da Prússia [...] impulsionando-os à emigração.” Esta uma das causas primeiras da continuidade do conflito que continua a ocorrer em Brusque e no Pilarzinho entre polacos e saxônios. Em sua tese, Doustdar busca explicar as condições em que se encontravam os polacos na Polônia ocupada como determinantes do processo de segregação, discriminação e preconceito que os imigrantes desta nação acabaram encontrando no Sul do Brasil. Suas justificativas vêm acompanhadas de teorias sócio-econômicas.
"Vindo se instalar no Brasil como agricultor, compartilha de situações semelhantes com os alemães já estabelecidos, gerando conflitos na luta pela terra, na concorrência do mercado e, mais uma vez, o medo da despolonização. [...]A unidade de produção nessas colônias era a família ocupada com trabalhos manuais, valorados negativamente pela ideologia escravista do meio. Nessa atividade era confrontado com o caboclo, que tradicionalmente desenvolvia a agricultura de subsistência. [...] Ela só atua associada com aquelas características históricas, tendo como reforço as práticas de auto-segregação fundadas num tipo específico de nacionalismo, mesclado de religiosidade. Não é este ou aquele fator isoladamente que seria o responsável por esse tipo particular de preconceito, mas a conjunção dos três numa realidade sócio-econômica particular.”
Doustdar é categórica em suas conclusões, quando afirma que os estereótipos condicionados a ideologias étnico-raciais construídas a partir de imagens feitas acerca de outros e superpostas no particular de cada um acabou transformando o polaco em um indivíduo que “não conseguiu ser reconhecido nem como brasileiro, nem como imigrante polonês. A expressão que no longo processo o transfigurou no consenso da sociedade local foi a sua aceitação como –polaco-.”
Antes, porém, de apresentar uma série de referências onde ficam patentes as discriminações cometidas contra os imigrantes da Polônia, convém, verificar o que se discute sobre preconceito. Pois para Bernardo Kucinski, o preconceito não é algo simples. E porque não é assim tão simples, o uso do termo por essa retórica é, também, um uso preconceituoso. Isto porque preconceito é a noção, ou teoria formulada antes de se possuir dados suficientes para que essa noção, ou teoria se torne provável. É o pré-juízo elaborado antes de qualquer exame e que exclui a possibilidade de que possa ser destruído por provas em contrário. “É nesse mar, por exemplo, que brotam e navegam os preconceitos sociais”.
Justamente este pré-juízo, ou o preconceito étnico e a discriminação foram, entre as dificuldades encontradas pelos imigrantes polacos no Brasil, os maiores obstáculos à integração e assimilação na nova pátria. Dificuldades tiveram todas as etnias, a começar pelos escravos africanos e mesmo pelos índios que ali já viviam, mas as difamações iniciadas por aquelas famílias de origem alemã da colônia Pilarzinho desembocariam em perseguições culturais, discriminações e estudos científicos equivocados sobre a etnia polaca no Brasil. O preconceito contra os polacos ao longo das décadas permeou vários dos elementos de identificação étnica destes imigrantes e seus descendentes. Expressões como “polaco sem bandeira”, “polaco burro”, “preto do avesso” e simplesmente “polaca”, como designação de prostituta, forçaram a mudança do termo da língua portuguesa falada no Brasil que designa a nacionalidade da etnia. Polaco deixou de ser polaco para virar polonês.
Para compreender melhor estas ações contra a etnia polaca lembramos Halbwachs, quando diz que todo movimento migratório apresenta características de um fenômeno coletivo. Nesse sentido, os homens que se deslocam fazem parte de uma corrente social. O que os liga é o fato de se sentirem membros de um mesmo grupo, ou em outras palavras, “de participarem dos pensamentos e sentimentos próprios do agregado em que estão compreendidos, desde que entram efetivamente na categoria dos migrantes”. Mas também se pode dizer que os conceitos de sociedade de origem e sociedade de adoção são muito vagos e que excluem “de um lado, as possíveis diferenças ou semelhanças históricas entre as duas sociedades e, de outro, as diferenças em cada uma delas”. Dessa forma, a discriminação contra o polaco se fundamenta na herança social e cultural e sua ligação com a estrutura encontrada no Paraná. Esta situação associada aos padrões impostos pela sociedade de adoção desembocou nas expressões já mencionadas. Para Lara Bueno, o preconceito contra a etnia polaca para ser entendido não pode prescindir das “condições sociais do passado, em que aqueles fenômenos assumiram uma configuração definida e operante no meio social em que se inscreviam”. A historiadora paranaense afirma que o estereótipo criado em relação ao imigrante polaco se baseava em algumas premissas que o apontavam como alguém que “seria dado a bebidas alcoólicas; que teria inclinação especial pelas atividades agrícolas; cujas filhas teriam predileção pelas atividades domésticas, etc.”. Conclusões essas, que foram disseminadas pelas citadas famílias alemãs do Pilarzinho. Sociologicamente, com menor, ou maior propriedade se pode dizer que eram idéias preconcebidas, “de estereótipos que foram elaborados em determinadas circunstâncias histórico-sociais da comunidade e que, dada a significação social que possuem para os diversos grupos raciais em interação prevalecem até a atualidade.”
Em seu trabalho, Lara Bueno, destaca algumas entrevistas que fez como demonstrações de preconceito incorporadas pelos próprios integrantes da etnia. É o caso, por exemplo, de Maria L. Kowalski que entendia que o termo polaco era empregado para ofender: “Ah! Aqueles polacos aí {!}”. Mas que quando as outras pessoas a chamavam de polonesa, ela se sentia mais respeitada em seus valores e cultura. Lara Bueno esclarece, contudo que isso somente ocorria “num confronto de sociedades diversas, porque entre os pares utilizava-se simultaneamente polaco, polano ou polonês”.