"Madonna e a criança", de Pietro Perugino. Criado em 1490. Quadro em óleo, do acervo do Museu de Belas Artes Pushkin de Moscou, Rússia.
Quando estava estudando na Escola Senai, no interior do Paraná, onde fiz o curso profissionalizante de Eletricidade, andei, a pedido da professora de Língua Portuguesa, adaptando um texto teatral que encontrei numa revista para se fazer uma homenagem ao Dia das Mães pelos alunos daquela escola. Pois sim, minhas carreiras teatrais e jornalísticas devem ter começado aí. A responsável a professora Elga, que pelo que recordo era originária de Santa Maria no Rio Grande do Sul e tinha ido a Telêmaco Borba apenas para lecionar. Nunca mais soube dela. Mas enfim... Depois de pronto meu texto, a peça foi montada pelos meus colegas. Mas para mim não sobrou nenhum papel. Fiquei um pouco chateado, afinal eu é que tinha escrito e já me vinha no papel principal. Mas a profa. Elga tinha outros planos para mim. Numa manhã, passando pelo corredor, ela me chamou e estendeu duas folhas de papel dizendo: “Ulisses, gostaria que você decorasse este poema. É muito bonito e depois ensaiamos. Está bem?” Peguei as folhas e fui para casa, passei uma semana tentando decorar aquele longo poema, intitulado apenas; “Dias das Mães”. Autor? Apenas um nome: Giaroni. Depois de decorado, com a direção da professora fizemos vários ensaios para que eu pudesse “fazer as mães” chorarem no dia da declamação. E assim foi: primeiro a apresentação do texto teatral que eu havia escrito/adaptado, depois um coral, depois... Bem depois, minha declamação. Em cima do palco, enquanto declama podia ver minha mãe, minha tia, a esposa do diretor da escola, a esposa do prefeito, as professoras... Chorando com os versos de Giaroni e minha apresentação. Foi um sucesso... tanto é verdade que o diretor da rádio local, logo que desci do palco, aproximou-se e disse: “Você quer falar este poema amanhã, domingo, ao vivo na rádio?”. Confesso que não entendi muito bem o que ele disse, pois eram muitas as pessoas que chegaram para cumprimentar. Esta foi minha primeira apresentação em público de uma carreira teatral que começaria em Curitiba mais tarde e onde participei como ator de pelo menos 30 espetáculos teatrais.
Mas e aquele poema, aquela declamação? Ah! Sim... Apresentei na Rádio Sociedade Monte Alegre naquele Dias das Mães e também, no ano seguinte e em outros locais nos anos que se seguiram. Há dois anos, já vivendo aqui em Cracóvia, meu amigo, diretor da Rádio CBN Curitiba, José Wille, telefonou-me perguntando se eu não queria fazer uma gravação daquele poema que ele me ouviu declamar num Dia das Mães, na Escola CEFET, em Curitiba. “Sim!”, respondi. Mas quando procurei em meus arquivos, descobri que não tinha mais aquele texto. Pedi para mim mãe, no Brasil, procurar, mas minhas coisas, mas ela também não encontrou. Procurei nas páginas de Internet então. E nada. Nem aquele autor Giaroni tinha qualquer referência, muito menos o poema. “Onde encontrar a professora Elga”, pensei. O jeito foi me concentrar... Muito! E tentar recordar cada um dos versos daquelas várias estrofes. Consegui a muito custo, mas consegui! Gravei, mandei via e-mail o arquivo com a gravação ao José Wille, que devido à repercussão naquele “Dia das Mães”, teve que repetir a apresentação da minha gravação nos dois domingos seguintes nas manhãs da Rádio Globo de Curitiba.
E hoje estou aqui pensando em como homenagear as mães. Procurei então na Internet alguma referência sobre Giaroni. Para surpresa minha, descubro que Giuseppe Artidoro Ghiaroni, autor do poema das mães que me acompanha por toda a vida faleceu no Rio de Janeiro, aos 89 anos, numa quinta-feira, dia 21 de fevereiro de 2008, ou seja, 3 meses atrás.
E agora, ao contrário de 3 anos atrás, na Internet, através do Google conferi que o nome Giuseppe Artidoro Ghiaroni, está presente em 75 referências encontradas em 0,14 segundos, que Giuseppe Ghiaroni está em 2.380 referências em 0,27 segundos, que Ghiaroni está presente em 16.400 referências em 0,33 segundos e que finalmente o poema que eu passei dias tentando recordar aqui na Montanha do Przegorzały agora está presente em 305 referências em 0,24 segundos no Google. O texto do poema que estava apenas na minha cabeça de adolescente agora está em vários sites. Maravilha, por um lado, mas tristeza, por outro saber que o autor daqueles versos que está em minha cabeça já não está mais entre nós e saber que “Giaroni” foi Giuseppe Artidoro Ghiaroni, um mineiro de Paraíba do Sul, onde nasceu em 1919. De origem humilde em sua juventude, Ghiaroni foi aprendiz de ferreiro, ajudante de cozinha e office-boy. Ao mudar-se para o Rio de Janeiro, trabalhou como redator do "Suplemento Literário" e no jornal "A Noite", de onde passou para a Rádio Nacional, onde se consagrou como cronista. Ghiaroni foi contratado pela Rede Globo. Escreveu principalmente para programas humorísticos, entre eles a "Escolinha do Professor Raimundo".
Mas foi mesmo na antiga Rádio Nacional no começo dos anos 50, que Ghiaroni fez sucesso com seus poemas declamados pelos grandes locutores e artistas da época. Se o seu “Dia das Mães” me acompanha há tanto tempo, o "Monólogo das mãos" é sucesso permanente nas carreiras da grande Bibi Ferreira e Lúcio Mauro. “O Dia das Mães” foi também durante toda a carreira de Paulo Gracindo seu maior sucesso como declamador.
Entre suas obras publicadas e mais conhecidas estão, “O Dia da Existência”, de 1941; “A Graça de Deus’, de 1945; a “Canção do Vagabundo”, de 1948; e finalmente em 1997, ele publicou “A Máquina de Escrever.” Mas também foi autor de rádio-novelas como “MÃE”, “A Gloriosa Mentira”, e “O Bom Irmão”“. Ghiaroni também foi um locutor, não só dos próprios poemas como de grandes programas de música nas rádios do Rio de Janeiro.
Para ouvir minha gravação de “Dia das Mães”, enquanto acompanha a poesia de Giuseppe Ghiaroni, clique aqui.
Mãe! Hoje volto a te ver na antiga sala
onde uma noite te deixei sem fala
dizendo adeus como quem vai morrer.
E me viste sumir pela neblina,
porque a sina das mães é esta sina:
amar, cuidar, criar e depois perder.
Perder o filho é como achar a morte.
Perder o filho quando, grande e forte,
já podia ampará-la e compensá-la.
Mas nesse instante uma mulher bonita,
sorrindo, o rouba, e a velha mãe aflita
ainda se volta para abençoá-la.
Assim parti, e me abençoaste.
Fui esquecer o bem que me ensinaste,
fui para o mundo me deseducar.
E tu ficaste num silêncio frio,
olhando o leito que eu deixei vazio,
cantando uma cantiga de ninar.
Hoje volto coberto de poeira
e te encontro quietinha na cadeira,
a cabeça pendida sobre o peito.
Quero beijar-te a fronte, e não me atrevo.
Quero acordar-te, mas não sei se devo,
não sinto que me cabe este direito.
Eu te esqueci: as mães são esquecidas.
Vivi a vida, vivi muitas vidas,
e só agora, quando chego ao fim,
traído pela última esperança,
e só agora quando a dor me alcança
lembro quem nunca se esqueceu de mim.
Não! Eu devo voltar, ser esquecido.
Mas que foi? De repente ouço um ruído;
a cadeira rangeu; é tarde agora!
Minha mãe se levanta abrindo os braços
e, me envolvendo num milhão de abraços,
rendendo graças, diz:
"Meu filho!", e chora.
E chora e treme como fala e ri,
e parece que Deus entrou aqui,
em vez do último dos condenados.
E o seu pranto rolando em minha face
quase é como se o Céu me perdoasse,
me limpasse de todos os pecados.
Mãe! Nos teus braços eu me transfiguro.
Lembro que fui criança, que fui puro.
Sim, tenho mãe! E esta ventura é tanta
que eu compreendo o que significa:
o filho é pobre, mas a mãe é rica!
O filho é homem, mas a mãe é santa!
Santa que eu fiz envelhecer sofrendo,
mas que me beija como agradecendo
toda a dor que por mim lhe foi causada.
Dos mundos onde andei nada te trouxe,
mas tu me olhas num olhar tão doce
que , nada tendo, não te falta nada.
Dia das Mães! É o dia da bondade
maior que todo o mal da humanidade
purificada num amor fecundo.
Por mais que o homem seja um mesquinho,
enquanto a Mãe cantar junto a um bercinho
cantará a esperança para o mundo!
P.S. Está poesia, neste segundo domingo de maio de 2008, vem de encontro à distãncia que me encontro de minha Mãe Eunice, que não se cansa de me perguntar toda semana: "Meu filho, quando você volta pra casa?" E eu respondo: "Quando terminar meus estudos". Para esta heroína da minha vida, a homenagem de mais um dia distante dela.
Foto de Frances B. Johnston feita em 1900, da criadora do Dia das Mães, Anna Jarvis, em Washington, Estados Unidos. Fotografada exatamente, no dia em que ela pedia aos deputados para reconhecer o Dia das Mães como uma data nacional estadunidense e conseqüentemente feriado.