Quando, em uma tarde fria de outono em 1937, o engenheiro de armamentos alemão, marido traidor e espião Edvard Uhl chegou a Varsóvia para um encontro regado a champanhe e espionagem com uma encantadora condessa polaca, a capital cintilante mas condenada estava desfrutando de um momento final de paz.
"Acima da cidade, o céu estava em guerra", escreve o romancista Alan Furst na abertura de "The Spies of Warsaw" (Random House), o mais recente de seus dez romances de espionagem, tensos e ricos em atmosfera, que se passam na Segunda Guerra Mundial.
Por ora, é apenas uma tempestade em formação: duas frentes agourentas, uma vindo da Alemanha, a outra se estendendo por todo o leste até a Rússia, estão prestes a colidir sobre a capital polaca. Mas a atmosfera carregada, que logo trará o Armageddon a Varsóvia, apenas serve para aumentar a excitação do obstinado Uhl e da condessa, ela também uma espiã e, como Uhl, uma personagem menor chave, retratada ricamente, que ajuda a mover a ação.
Os dois primeiro se conhecem em um pequeno restaurante alemão e, após manobras hábeis por parte da condessa, eles se veem em Varsóvia, no elegante salão de jantar do Hotel Europejski duas semanas depois, onde bebem champanhe e comem lagosta. E então, "após o bolo de creme", escreve Furst, "eles sobem".
O autor deixa o que se segue para a imaginação habilmente provocada do leitor. Mas o cenário para as intrigas de seus espiões -os bulevares arborizados, grandes salões de baile, cafés românticos, bares animados e ruas sinistras de uma cidade à beira da catástrofe -é descrito de forma vívida. Ele também fornece uma ajuda visual magnífica no início do livro: um mapa de Varsóvia antes da destruição. Onde a ficção se mistura com história, o mapa sobrepõe uma à outra, para que os visitantes modernos possam seguir os passos dos personagens de Furst pelas ruas da Varsóvia pré-guerra.
"Há algo na cidade e na Polônia que considero magnético", disse Furst de sua casa em Sag Harbor, Nova York, às vésperas do lançamento em "paperback" (edição capa mole) de "The Spies of Warsaw", meses atrás.
"Apesar de Varsóvia ter sido completamente destruída na Segunda Guerra Mundial, seu passado ainda está vivo. Ele está lá... é possível senti-lo quando se está na Cidade Velha e olhando para o Vístula, vendo o rio cortando a cidade. É como olhar para a história."
Muitas cidades europeias sofreram com as conflagrações e misérias causadas por Adolf Hitler há 70 verões, mas nenhuma mais que Varsóvia -a primeira cidade que ele bombardeou e a última que ele destruiu. Uma bela cidade no coração de uma planície frutífera, ela não tinha cadeias de montanhas ou oceanos para conter os ataques. Com apenas duas estradas lamacentas como "barreira sazonal contra a expansão alemão", como escreve Furst, Varsóvia foi um primeiro alvo fácil para a blitzkrieg nazista não provocada que deu início à Segunda Guerra Mundial, em 1º de setembro de 1939.
Cinco anos depois, em um último ato épico de ódio, um Hitler derrotado ordenou a destruição sistemática de Varsóvia. A cidade foi incendiada, bombardeada e dinamitada até virar escombros. Foi a brutalidade final de Hitler contra uma cidade já condenada como área de execução de um genocídio. Seis milhões de polacos foram assassinados - e judeus e não-judeus morreram em número aproximadamente igual - e seus fantasmas estão por toda parte.
"Graças a Hitler", disse Juliusz Lichwa, um estudante da Universidade de Varsóvia cujo avô sobreviveu a Dachau,
"todas as nossas ruas são sepulturas".Determinados a retirar sua capital do domínio da morte, os polacos reconstruíram a cidade tijolo por tijolo - uma tarefa nada fácil, já que grande parte de Varsóvia foi pulverizada. Usando de tudo, de pinturas a óleo a cartões postais, fotos de jornal e velhos álbuns de família, os arquitetos e engenheiros reconstruíram meticulosamente a Praça do Mercado medieval da Cidade Velha e a adjacente Cidade Nova do século 15, do zero. Virtualmente tudo o que um visitante vê lá hoje é uma recriação, assim como a maioria dos palácios, catedrais e marcos da cidade.
Mesmo assim, a velha Varsóvia se foi para sempre. E é essa cidade perdida, a grande capital cintilante e vibrante pré-guerra que Furst conjura em "The Spies of Warsaw". Em sua cidade, a Varsóvia da memória está no presente, e o futuro se aproxima agourentamente a cada página.
O herói do romance é o arrojado adido militar francês, o tenente-coronel Jean-François Mercier de Boutillon. Devido à localização estratégica de Varsóvia, a cidade está repleta de espiões. De vários deles, e por iniciativa própria, Mercier reúne evidência indicando que a Alemanha não está apenas planejando invadir a Polônia; ela também está desenvolvendo táticas de guerra de tanques que lhe permitirão atacar a França onde é mais vulnerável. Com os agentes de segurança alemães em seu encalço, Mercier tenta alertar seus superiores que Hitler está formulando planos para invadir o oeste pela floresta de Ardennes.
Furst usa uma única imagem sucinta para transmitir as terríveis consequências da guerra:
"...o que veio a seguir", ele escreveu,
"foi ofensa, ataque, casas queimando à noite".O escritor coloca o elegante e imponente Hotel Europejski de Varsóvia no centro da ação de "Spies", o que é adequado, já que fica localizado no centro geográfico da cidade. Ela dá vista para a grande avenida de palácios da capital, a Rota Real ou Nowy Swiat, que forma o eixo centro norte-sul da cidade, e liga seus marcos mais proeminentes.
Na vida, como na ficção, o Europejski foi um grande hotel europeu, cenário de grandes bailes e banquetes cintilantes, como aquele em que Mercier esteve presente no suntuoso salão de jantar privado, onde
"porcelana chinesa com frisos em ouro reluziam sob a luz de uma dúzia de candelabros". O hotel histórico - construído em 1857 por Enrico Marconi, o arquiteto italiano que projetou vários dos marcos mais belos de sua cidade adotiva - foi seriamente danificado pela ocupação alemã.
O Europejski foi trazido de volta à vida após a guerra, mas infelizmente ele não sobreviveu à paz.
Em 2005, o hotel fechou para "amplas reformas", segundo seu site, e seus quartos espaçosos nos andar superior estão fora dos limites para os hóspedes desde então. O antigo grande saguão agora abriga uma galeria de arte pouco visitada e uma exposição de fotos da glória pré-guerra do hotel, o que ressalta quão acabado está hoje. Uma elegante escadaria de mármore - como a que Mercier e os cavalheiros e damas do corpo diplomático de Varsóvia sobem e descem no romance - leva não a um salão de jantar formal com candelabros de cristal, mas a uma grande parede.
Apesar de seu interior triste, a fachada do Europejski é composta de três andares de janelas em arco e suntuosidade neoclássica. E ainda há vida no grande hotel. O exterior costuma servir como cenário de fundo de fotos de moda. E três dos cantos arredondados no térreo são ocupados por cafés, um ligado a um animado clube noturno. A antiga cozinha do hotel agora abriga o excelente restaurante U Kucharzy. E um café bar no canto sudoeste oferece uma vista da Praça Pilsudski, que leva o nome do grande general que derrotou o Exército Vermelho às portas de Varsóvia, em 1920.
Uma estátua do marechal Jozef Pilsudski monta guarda sobre a vasta praça vazia que agora leva seu nome. Na época de Mercier, entretanto, a praça era margeada por dois palácios esplêndidos: o Kronenberg ao sul e o Palácio Saxão, antes lar dos reis alemães que governavam a Polônia dividida quando os czares da Rússia não estavam. Ambos os prédios foram destruídos pelas bombas alemãs. Tudo o que resta é um fragmento do Palácio Saxão, uma colunata em arco que agora adorna o Túmulo do Soldado Desconhecido da Polônia.
Sagrada para os polacos, a Praça Pilsudski sofreu uma blasfêmia durante a ocupação alemã, quando foi rebatizada de Praça Adolf Hitler. Em 5 de outubro de 1939, Hitler voou para Varsóvia para saudar seus exércitos vitoriosos enquanto marchavam pela Rota Real. Ele jogou sal na ferida após a parada militar ao caminhar triunfantemente pelo antigo lar de Pilsudski, o Palácio Belvedere, ao sul do centro da cidade, no arborizado Parque Lazienki.
É um mistério como Hitler conseguiu ter tanta sorte, mas segundo historiadores locais, enquanto sua comitiva atravessava de carro o que é atualmente a Rotatória De Gaulle (que recebeu o nome do futuro presidente da França, um adido militar em Varsóvia que também serviu de modelo para o Mercier de Furst), seu Mercedes passou por cima de uma bomba plantada na rua pela resistência polonesa. Ela não detonou e Varsóvia - e toda a Europa - sofreram as consequências.
O passeio de Hitler pela cidade também o levou ao sul, ao longo da Avenida Ujazdowska até o distrito das embaixadas, onde as mansões imponentes foram ocupadas pelos comandantes nazistas e, portanto, poupadas pelas equipes de demolição. Furst escolheu um sobrevivente, o "prédio elegante, de cinco andares", no nº 22, como endereço do generoso apartamento de dez cômodos de Mercier. As acomodações, cortesia da embaixada francesa, são um pouco excessivas para o modesto adido, mas ele as suporta.
O prédio de fato data de 1895 e foi inspirado, segundo um marco histórico, pelas casas do canal veneziano. Como na ficção, o nº 22 se ergue ao lado de um prédio de pedra escurecido por fuligem de carvão. Mas a Ujazdowska, "a Champs-Élysées de Varsóvia" no tempo de Mercier, está consideravelmente mais degradada hoje. E perto dali, a Catedral de Santo Alexandre Nevski, na Praça das Três Cruzes, que está presente no conto de Furst, foi destruída na guerra. Sua substituta é uma versão drasticamente reduzida da beleza original inspirada no Panteão Romano.
Como em todos os romances de Furst, uma boa dose de desejo alimenta o andamento da trama. Mercier é apresentado ao seu interesse amoroso, a intrigante Anna Szarbek, por um colega que lhe diz:
"Você vai gostar da minha amiga. Ele é terrivelmente brilhante". Na recepção no Europejsk, uma idosa distinta de longa linhagem de militares descobre que Anna é uma advogada da Liga das Nações.
"Que noção otimista...", ela se maravilha.
"Quão longe chegamos neste mundo terrível!"
O mundo, é claro, estava prestes a dar um grande salto para trás no abismo da guerra. E entre os inúmeros belos lugares que nunca retornaram desse abismo foi a Broadway de Varsóvia, a Avenida Marszalkowska. Uma
"rua animada e elegante com árvores, toldos, clubes noturnos e lojas", como diz Furst, o bulevar largo era elétrico em empolgação quando a paz reinava.
Agora, mais de meio século após o fim de sua vida, a avenida é apenas um cadáver, uma terra de ninguém de pequenos centros comerciais pobres e tristes conjuntos habitacionais de era soviética. No romance, Mercier encontra um "santuário perfeito" em um café na Marszalkowska, onde ele se senta
"com vista para a avenida, por onde um mundo menos privilegiado passa correndo". Nenhum santuário como esse existe na avenida sem charme atual.
Quando Mercier cruza o Vístula para encontrar um agente em Praga, o distrito operário na margem leste do rio, ele se disfarça vestindo um sobretudo velho que o faz parecer
"como alguém que perdeu a alma, sentenciado a viver em um romance russo", como escreve Furst. Um bairro em ruínas de prédios de apartamentos e fábricas de chocolate e vodca abandonadas, Praga hoje está repleta de artistas, estudantes e empreendedores, assim como trabalhadores.
Os guias em língua inglesa frequentemente alertam que Praga é perigosa e deve ser evitada à noite. O que é uma pena, pois é onde estão alguns dos cafés, bares e restaurantes mais bacanas de Varsóvia. E como os alemães não a bombardearam e os russos que vieram depois a deixaram em paz, Praga dá aos visitantes a visão mais precisa de como Varsóvia parecia antes de 1945.
De volta à outra margem do Vístula, o plano de Furst dá uma guinada tensa quando o agente alemão de Mercier, Edvard Uhl, é atacado por seguranças em um hotel chamado Orla, na Rua Gesia. A tensão é aliviada momentaneamente quando o autor habilmente revela que, na tradução, o Hotel Águia está localizado na Rua Ganso. Ambos estão indicados no mapa incluído na edição que eu trouxe comigo para Varsóvia. Quando não encontrei nenhum traço de ambos, eu suspeitei que foram incluídos no mapa como uma espécie de arremate visual à sua piada.
Apenas posteriormente, quando eu segui a Rota da Luta e do Martírio, um tour a pé autoguiado pelo local do amplo gueto judeu, onde os alemães aprisionaram inocentes atrás de paredes de tijolos de três metros de altura, é que percebi que o mapa de Furst era preciso. A Rua Ganso de fato existiu, até ser dinamitada e nivelada juntamente com o restante do gueto. Ela ficava localizada a poucas quadras ao sul do local na Rua Mila 18, onde os judeus insurgentes lutaram pela última vez no levante do Gueto de Varsóvia de 1943.
O levante no gueto e o subsequente levante de 1944, quando exército polaco de resistência enfrentou as tropas alemãs antes de ser esmagado, é fonte de grande orgulho para os jovens de Varsóvia.
"Os judeus que lutaram e morreram aqui também eram polacos", disse Martyna Gorska, 20 anos, uma estudante da Universidade de Varsóvia que me ajudou a encontrar os únicos dois fragmentos restantes do muro do gueto (um fica na mesma quadra da Rua Sienna onde Furst situa parte da ação de "Spies").
"Assim como os heróis do exército polacos, os judeus na Rua Mila eram da minha idade", ela disse. "
A história deles é a minha história." Alan Furst não poderia ter dito melhor.
Comida rica e lembranças tristes
Onde ficar
Le Meridien Bristol (Krakowskie Przedmiescie 42/44; 48-22-551-1000; www.lemeridien.pl) tem apenas um papel periférico em "The Spies of Warsaw", mas o autor do romance, Alan Furst, considera o Bristol um substituto mais que adequado para o Europejski, o grande hotel atualmente fechado do outro lado da Rota Real. "O melhor hotel em Varsóvia é o Bristol", ele escreveu em um e-mail. O serviço é de primeira qualidade e o preço é justo: quartos agradavelmente mobiliados estão listados por 385 zlotys (cerca de US$ 130, com o dólar cotado a 2,94 zlotys).
Onde comerO restaurante favorito de Furst em Varsóvia, o U Fukiera (Praça da Cidade Velha 27; 48-22-831-1013; www.ufukiera.pl), é uma gruta excêntrica a luz de velas, com abajures vermelho bordel e uma gaiola com periquito. Ele atende principalmente turistas estrangeiros. A proprietária, Magda Gessler, se vê como uma espécie de embaixadora da culinária camponesa polaca tradicional. Os pratos incluem arenque coberto com molho cremoso, cebolas picadas e alcaparras, e bolinhos de carne de vitela com torresmos de porco. Jantar para dois, cerca de 200 zlotys.
O Cwaniak Warszawski, na Cidade Nova (Ulica Walicow 9; 48-22-654-7141; www.walicow9.pl), serve bolinhos tradicionais polacos, receitas de pato e porco (entradas a partir de 29 zlotys). Decorado com fotos da Varsóvia pré-guerra, o restaurante atrai os moradores locais que gostam de porções extra-grandes e música muito alta.
O Cafe Literatka (Krakowskie Przedmiescie 87/89; 48-22-827-3054; www.literatka.com.pl), um café de calçada com vista para a Praça do Castelo, não existia na época de Mercier, mas muitos pontos aconchegantes como ele prosperavam na Varsóvia pré-guerra. Uma sopa farta de bacon, ovos e linguiça é servida ao estilo camponês, dentro de um filão de pão cavado, que permite às pessoas tomarem a sopa e comerem o recipiente, com tampa e tudo.
Por gerações de polacos, o lugar em Varsóvia para ir atrás de
pączki, sonhos recheados com geléia pelos quais Mercier, o herói de "Spies", "seriamente viciado", é o A. Blikle (Nowy Swiat 35; 48-22-828-6325; www.blikle.pl).
Onde ir
O mapa encontrado no início de "The Spies of Warsaw" permite aos leitores seguir os passos dos personagens pela cidade como ela era em 1937; ele também pode servir como um guia geral para o centro da cidade atual.
O Hotel Europejski (Krakowskie Przedmiescie 13) está fechado e não mais recebe hóspedes. Seus banquetes suntuosos, como os frequentados por Mercier, são glórias do passado. Mas o prédio elegante ainda se encontra no coração de Varsóvia, e sua cozinha prospera como lar do popular U Kucharzy (Ulica Ossolinskich 7; 48-22-826-7936; www.gessler.pl).
O apartamento de Mercier no segundo andar de um prédio elegante na Ulica Ujazdowska 22, no distrito das embaixadas, ficava a fáceis 15 minutos de caminhada na direção norte até seu escritório na Nowy Swiat. Assim como para os visitantes atuais.
Furst não fornece nenhum endereço para o apartamento na Rua Sienna onde Anna e Mercier continuam seu romance enquanto prossegue a contagem regressiva para a guerra. Mas a Rua Sienna tem uma importância na vida real. Em 1940, a ocupação alemã construiu um muro de tijolos de três metros de altura na Rua Sienna, o limite mais ao sul do chamado pequeno gueto. Um fragmento do muro ainda existe hoje, no pátio do Nº 55. O acesso é possível por uma passagem no endereço Ulica Zlota 62.