domingo, 20 de agosto de 2017

O pós-imagem do cineasta Wajda

Crítica de cinema:
Władysław Strzemiński - Foto do Arquivo Nacional Polaco

O maior cineasta polaco de todos os tempos e um dos maiores do mundo: Andrzej Wajda (pronuncia-se andjéi váida), morreu ano passado, em 9 de outubro, pouco depois de completar 90 anos de idade (nasceu em Cracóvia, em 26 de março de 1926). Viveu os horrores da segunda guerra mundial, e perdeu seu pai, um oficial do Exército polaco, assassinado não pelos nazistas de Hitler, mas pelos soviéticos de Stalin.

Andrzej Wajda
Foi atingido duramente pelos fascistas de extrema-direita e extrema-esquerda. Como nenhum outro soube construir uma carreira de artista e cineasta num mundo sem liberdade. Criou quando outros sucumbiram, fez da arte e da película seu instrumento de luta contra a opressão, a miséria, a pobreza, a falta de perspectivas e liberdade. Como nenhum outro, entendeu sua terra e seu povo.

E certamente por isso e também por isso, encerrou sua carreira e sua vida com uma obra que retrata um dos maiores artistas do século XX, o também polaco WŁADYSŁAW STRZEMIŃSKI (pronuncia-se vúadissuáf stjeminhsqui), que nasceu em Mińsk, quando a atual capital da Bielorrússia ainda era uma cidade da Polônia e morreu no início do stanilismo imposto, em Łódź, em 28 de dezembro de 1952.

O artista plástico, pintor, construtivista vanguardista, professor de história da arte, criador da Escola Superior de Artes Plásticas de Łódź (pronuncia-se uúdji) foi fundador do Clube dos Artistas da cidade.

Autor do livro revolucionário “A teoria da visão”, junto com sua esposa Katarzyna Kobro, também artista plástica, criou um grupo com Henryk Stażewski, Julian Przyboś e Jan Brzękowski que se dedicou a transformar as artes polacas.
Panorama, 1932, fragmento.

Strzemiński criou ainda como designer a “Sala Neoplástica” do Museu de Arte de Łódż.

Depois de perder uma perna e um braço como soldado na Primeira Guerra Mundial dedicou-se completamente à arte e formulou nos anos 20 a “Teoria do Unismo”.

Apresentados cineasta e biografado vamos ao filme:



Wajda, sabe do que falava e do que mostrou nesta sua última obra cinematográfica. Ele viveu e sofreu também os mesmos horrores do personagem de seu filme. Então, quando coloca na boca do ator Bogusław Linda, que interpreta magistralmente Strzemiński, uma frase da Escola da Gestalt nas artes gráficas, “para se compreender as partes, é preciso, antes compreender o todo”, ele não está apenas fazendo uma concessão, mas está gritando que Strzemiński era um artista do Mundo e não apenas de sua pequena aldeia, Wajda o está equiparando a Kandinsky, Chagal e Malevich.

O filme de Wajda é angustiante, é denso, marcado por grandes interpretações de Linda, da menina Bronisława Zamachowska (pronuncia-se bronissúava zamarróvsca), da bela Zofia Wichłacz (pronuncia-se zófia virrhhuatch) e pela maravilhosa fotografia do mago da luz e das lentes Paweł Edelman, do roteiro instigante de Andrzej Mularczyk, da música de Andrzej Panufnik, figurinos de Katarzyna Lewińska, cenários de Marek Warszewski e montagem de Grażyna Gradoń.

Numa cidade degradada pelos horrores cometidos pelos alemães e pela imposição do stalinismo russo, mas ainda assim uma metrópole sonhadora, criadora, capital das artes e do cinema, Wajda conta a história de um polaco pacífico, fulgurante, altivo, que enfrenta a censura, a demissão, a desfiliação do clube dos artistas, a fome, a perseguição política, a proibição de comprar tubos de tinta, a tuberculose, a doença e a morte da esposa, a separação da filha e a falta de uma perna e um braço. Mas um homem que não desiste da arte, da liberdade de pensamento, das suas convicções filosóficas, políticas, sociais e artísticas.

Cena do filme com Bogusław Linda
Quando o Estado se torna “Senhor” do indivíduo, seja no nazismo, seja no comunismo, seja no capitalismo "democrático" (com sua ideia de Estado mínimo e neoliberal), este “Estado” perde todo sentido e legitimidade.

O Estado deve servir o indivíduo (povo) e não escravizá-lo na pobreza, na ignorância, na fome, na educação, na falta de liberdade criativa e criadora. Quando este “Estado” impõe sua “arte” está reduzindo os sonhos a quimeras irrealizáveis.

Tal qual acontece neste “Estado democrático” brasileiro que impõe suas reformas, governando para 1% da população privilegiada, para o lucro assassino, para o empresário escravagista e para os corruptos de qualquer natureza.

Um “Estado” que odeia o povo e suas mazelas, que semeia discórdia e desvirtua o significado das coisas.

Não! Você não vai encontrar nos cartazes e propagandas o título polaco do filme - “POWIDOKI" - mesmo que você esteja na capital polaca da América Latina e terceira maior cidade da etnia polaca em todo o mundo, Curitiba... Não!

Como um réles colonizado de Miami, o título é em inglês: "Afterimage”.

Como ele poderia, este distribuidor, saber que em português, o filme poderia se chamar “Pós-imagem”, já que mesmo em inglês, o termo não traduz realmente o que é Powidoki?

O que seria então Powidoki?
Melhor explicar do que tentar uma palavra inexistente:

“IMPRESSÃO DE SENSAÇÃO VÍVIDA...
OU A IMAGEM QUE SOBREVIVE NA RETINA APÓS SER VISTA E QUE PODE SER MANTIDA NA MENTE E REVISTA DEPOIS.

Longo? Não é comercial? Ah... tá! “Afterimage” é comercial?

Um filme, uma obra de arte das mais requintadas, que não deve ser perdido sob nenhuma hipótese.

Que importa se a Academia de Hollywood preferiu “La La Land”, ou “Terra de Minas”.

Ulisses Iarochinski
jornalista e documentarista

quinta-feira, 27 de julho de 2017

União Europeia dá ultimato a Polônia

Bruxelas dá um mês para que a Polônia recue em sua reforma judiciária.


Comissão Europeia entende que o que está em causa é a independência política do Supremo Tribunal e por isso ameaça punir Varsóvia.

A Comissão Europeia intensificou, ontem, a pressão sobre a Polônia, admitindo medidas excepcionais e sem precedentes, que podem ir até à perda de poderes do país no principal órgão de decisão da União Europeia. A promessa de veto presidencial a duas leis polêmicas, sobre o poder judicial, na última segunda-feira não convenceu Bruxelas, mesmo porque no dia seguinte, Andrzej Duda aprovou uma terceira lei que dá poderes ao ministro da justiça de nomear e demitir juízes em tribunais regionais, e que deu prado de um mês para que o governo polaco responda às "graves preocupações" da Comissão.

O assunto voltou a estar em destaque na reunião do colégio de comissários. Jean-Claude Juncker garantiu que "a Comissão está decidida a defender o Estado de direito em todos os Estados membros", já que os tratados o definem como "um princípio fundamental sobre o qual a União Europeia é construída".

O presidente da Comissão frisou ainda que "um poder judicial independente é condição prévia e essencial para a adesão à União". E, por essa razão, a UE "não aceita um sistema que permita demitir os juízes à vontade", esclareceu Juncker, referindo-se ao polêmico pacote legislativo, que Andrzej Duda promete vetar.

"Não iremos tolerar chantagens por parte de Bruxelas, principalmente chantagens que não são baseadas em fatos", afirmou Rafał Bochenek, porta-voz do governo de Varsóvia em declarações à agência estatal polaca PAP, acrescentando, no entanto, que a Polônia está disponível para conversar.

A decisão do presidente polaco poderá ainda ser revertida no parlamento nacional, bastando uma maioria qualificada. Mas, Bruxelas está preparada para agir, no caso do governo polaco prosseguir com a "destruição da independência do poder judiciário e do Estado de direito na Polónia", prometeu Juncker, asseverando que a Comissão "não terá outra escolha além de desencadear o artigo 7º". Este artigo foi elaborado, em 1998, e estabelece o conjunto de procedimentos que deverão ser acionados quando um Estado membro põe em causa o conjunto de valores sobre os quais é fundamentada a UE, definidos pelo artigo 2.º do Tratado de Lisboa, sobre o "Estado de direito".

Em caso de violação de algum dos princípios fundamentais, uma "maioria qualificada" dos Estados membros "pode decidir suspender alguns dos direitos decorrentes da aplicação dos Tratados", incluindo o "direito de voto do representante do governo desse Estado membro no Conselho".

O partido do Presidente tem maioria absoluta no Parlamento polaco
É esta a ameaça sem precedentes que paira sobre as autoridades polacas, depois de terem proposto legislação que permitiria a destituição dos magistrados membros do Supremo Tribunal. Na semana passada, os protestos contra esta medida intensificaram-se, forçando o presidente a prometer chumbo à decisão polêmica do governo.

No entanto, ignorando as recomendações de Bruxelas, num processo que se iniciou em 2016, Andrzej Duda aprovou uma lei que permite ao ministro da Justiça mexer nas lideranças de tribunais inferiores. Ontem, o presidente da Comissão fez questão de salientar que "os tribunais independentes são a base da confiança mútua entre os Estados membros e os sistemas judiciais", dando a entender que Bruxelas pode não ter alternativa a não ser propor a retirada de poderes da Polônia, no Conselho Europeu.

"As nossas recomendações às autoridades polacas são claras. É hora de restaurar a independência [dos tribunais] e retirar as leis da reforma do poder judicial ou alinhá-las à Constituição polaca e à política europeia", exigiu o primeiro vice-presidente da Comissão, Frans Timmermans, apelando à "independência judicial", na Polônia.

"Queremos resolver estas questões em conjunto e de forma construtiva. A mão da Comissão continua estendida às autoridades polacas para o diálogo", disse Timmermans, lembrando que a UE conta com os tribunais de "todos os Estados membros" como um "recurso efetivo, no caso de violação da legislação da UE".

Texto: João Francisco Guerreiro
Fonte: Diário de Notícia - Lisboa
Adaptação para o português do Brasil: Ulisses Iarochinski