Uma língua falada por mais de 70 milhões no planeta, uma língua difícil, uma gramática considerada a mais complicada entre todos os idiomas falados no mundo é aquela que conquistou 5 Prêmios Nobel de Literatura. Ela é a língua Polaca!
Dez de dezembro é o dia em que escritores polacos de anos diferentes, receberam a mais importante premiação do mundo para as línguas faladas pelos seres humanos: o Prêmio Nobel da Literatura.
1905
A Polônia teve seu primeiro 10 de dezembro em 1905, quando Henryk Sienkiewicz por realizações notáveis no campo da poesia épica e um gênio raro que personificou de forma contundente o espírito de sua nação.
1924
Władysław Reymont recebeu o Prêmio pelo notável épico nacional polaco intitulado "Chłopi", ou Camponeses.
1980
Czesław Miłosz por "expressar com intransigente clareza de percepção as condições a que o homem está exposto num mundo de conflito agudo."
1996
Wisława Szymborska pela “poesia que, com precisão irônica, permite que o contexto histórico e biológico apareça em fragmentos da realidade humana”.
2018
Olga Tokarczuk “pela imaginação narrativa que com paixão enciclopédica apresenta a ultrapassagem de fronteiras como forma de vida”.
Sienkiewicz apareceu na cerimônia do Prêmio Nobel de Literatura com um fraque velho, mas escreveu "seis discursos". Embora Reymont conseguisse costurar um fraque, ele não recebeu o Prêmio Nobel pessoalmente. Miłosz apareceu em Estocolmo com um distintivo do "Solidariedade" na lapela. E Szymborska encantou os suecos com seu recato e vestido Telimena.
No caso do Prêmio Nobel de Sienkiewicz, repete-se frequentemente a opinião errônea de que ele recebeu o prêmio por seu romance "Quo Vadis", publicado em 1896. A razão deste erro foi a grande popularidade que este livro, traduzido para mais de 50 idiomas, gozou em todo o mundo. Ele recebeu o prêmio pelo conjunto de sua obra e - nas palavras de Carl David af Wirsén, então secretário da Academia, o prêmio foi concedido ao autor por "méritos notáveis como escritor épico". Aliás, esta frase frequentemente repetida perde muito quando citada isoladamente de todo o elogio, que na perspectiva de hoje seria um grande ensaio escolar sobre a obra do vencedor do Prêmio Nobel de 1905, com especial destaque para “O Dilúvio”.
Por sua vez, o discurso de Sienkiewicz proferido durante a cerimônia de entrega do prêmio ficou registrado nos anais de sentenças solenes em que o autor - escrevendo, como sabemos, para confortar os corações - disse que esta honra é particularmente valiosa para um filho da Polônia:
"Ela foi proclamada morta, e aqui está uma das mil provas de que ela está viva!... Ela foi proclamada incapaz de pensar e de trabalhar, e aqui está a prova de que ela age!... Ela foi proclamada conquistada, e aqui está nova prova de que ela sabe conquistar!"
Em 1924, a Academia Sueca decidiu atribuir o seu prémio a Władysław Reymont pelo "grande épico nacional Camponeses". No campo da batalha literária, este filho da terra de Kielce deixou para trás, entre outros: Thomas Mann (que teve que esperar mais cinco anos pelo Oscar), Maxim Gorky (que nunca o recebeu) e Thomas Hardy (também não o recebeu). Reymont também derrotou um excelente rival polaco, Żeromski, mencionado entre os favoritos, era demasiado anti-alemão para a Academia e para a opinião pública. Reymont não pôde receber o prêmio devido a problemas de saúde (ele morreu um ano depois). O prêmio e um cheque no valor de 116.718 coroas foram enviados à França ao vencedor, que tinha um problema cardíaco. Ele escreveu em carta a Alfred Wysocki, o enviado polaco em Estocolmo:
"Terrível! Prêmio Nobel, dinheiro, fama mundial e um homem que não consegue se despir sem ficar muito cansado."
O que a Academia gostou tanto neste épico "Camponeses" ambientado na aldeia de Lipce? Per Hallström, presidente do comitê do Nobel, em sua fala notou semelhanças na técnica e abordagem do tema em "Os Camponeses" e no romance "Terra" de Emile Zola (que, aliás, Reymont só poderia ter conhecido por relatos de amigos , seu próprio conhecimento de francês não lhe permitiu lê-lo).
No entanto, Hallström também observa diferenças:
"Em vez de se tornar um romance naturalista, 'Os Camponeses' assume proporções épicas - é certamente um romance naturalista no método, mas de alcance épico."
Tão épico! Além disso, há harmonia, como impressão avassaladora que emana da obra:
“Para nós, modernos, o que caracteriza o poema narrativo como uma obra épica no mais alto grau é uma certa plenitude e harmonia, um sentimento geral de repouso, por mais que episódios individuais possam ser repletos de sofrimento e luta.”
E, finalmente, os próprios camponeses:
“Os seus camponeses polacos nas suas condições primitivas - ou talvez apenas como consequência delas - têm uma natureza simples, um certo contorno de carácter arcaico que a arte épica exige - o que é um grande valor estético, que, no entanto, foi alcançado ao preço de certas deficiências em outros níveis."
O prêmio de 1980 para Czesław Miłosz sempre foi discutido num contexto político.
É difícil não lembrar que a distinção foi atribuída a um poeta polaco emigrante, no ano em que o Sindicato Solidariedade foi fundado. O Prêmio Nobel para Miłosz foi interpretado como uma expressão de apoio às mudanças políticas que ocorriam no bloco oriental, tal como o posterior Prêmio Nobel da Paz, também de cunho político atribuído a Lech Wałęsa. Este tom político também pode ser ouvido na justificação do veredicto, que afirma que “o poeta polaco recebeu o prêmio pela sua visão intransigente ao revelar a ameaça à humanidade num mundo cheio de conflitos violentos”.
No entanto, o discurso de Miłosz durante a cerimônia de entrega do prêmio manteve-se afastado de qualquer traço político. Uma das figuras-chave de seu discurso, Miłosz fez o personagem Nils Holgersson de seu livro infantil "Jornada Maravilhosa", da sueca Selma Lagerlöf, também ganhadora do Prêmio Nobel. É o pequeno Nils, viajando pelo mundo nas asas de um ganso, vendo tudo à distância, mas ao mesmo tempo com grande detalhe, que é para Miłosz o melhor símbolo do papel de poeta.
Desenvolvendo esta metáfora e referindo-se a outros dos seus escritores favoritos (Simone Weil, William Blake), Miłosz pronunciou palavras que poderiam ser o seu credo poético:
“Desta forma, a Terra vista de cima no momento do eterno agora e a Terra que persiste no tempo recuperada podem ser material para poesia.”
16 anos depois de Miłosz, o Prêmio Nobel foi atribuído inesperadamente a Wisława Szymborska pela “poesia que, com precisão irônica, permite que o contexto histórico e biológico venha à luz em fragmentos da realidade humana”.
No comunicado de imprensa divulgado pela Academia, há muitas citações dos seus poemas - talvez os membros do comitê sentissem, intuitivamente, que esta poesia era difícil de nomear, que precisava de ser ouvida. Aqui estão os versos que se tornaram parte permanente da língua polaca nos últimos quinze anos, incluindo: o final do poema "Possibilidades":
“Prefiro levar em conta até a possibilidade/de que o ser esteja certo.”
Não surpreende, portanto, que no final haja um paradoxo – hoje um pouco desgastado – “embora sejamos tão diferentes um do outro quanto duas gotas de água pura”.
A poetisa emergiu de toda essa confusão do Nobel com seu charme inato. Seu discurso começa com as palavras: “Dizem que num discurso a primeira frase é sempre a mais difícil." Ao longo dos últimos 15 anos que se passaram desde esta aparição pública - as aparições e situações públicas são, de fato, algumas das situações mais odiadas da poeta - Szymborska tem conseguido manter uma distância admirável da sua imagem e um raro desafio às exigências de desempenho do papel de ganhador de Prêmio Nobel.
Uma segunda polaca, juntou-se ao grupo de vencedores do Prêmio Nobel de Literatura. Olga Tokarczuk recebeu uma medalha de ouro e um diploma do Rei da Suécia, Carl Gustav XVI - na presença de mais de 1.500 convidados e diante de milhões de telespectadores de todo o mundo.
Um breve elogio feito por um dos membros da Academia:
“A Polônia é a encruzilhada da Europa, talvez o seu coração. Vemos isso na prosa de Olga Tokarczuk. Seu estilo de escrita faz dela uma das escritoras mais fascinantes do nosso tempo", disse Per Wästberg, escritor sueco e membro da Academia Nobel desde 1997.
Terminou o seu discurso em polaco: “A Academia Sueca dá-vos os parabéns. Peço-lhe que receba o Prêmio Nobel da Literatura de Sua Majestade, o Rei da Suécia” - o que, apesar de pequenos problemas de pronúncia, foi um gesto extremamente simpático.
Depois, segundo a tradição, ao receber a medalha, o comovido laureado, curvou-se ao rei, depois à Academia Nobel e, por fim, aos convidados reunidos na plateia.
Em 1996, Wisława Szymborska inverteu a ordem - primeiro ela recorreu à Academia, depois ao rei, reconhecendo o seu erro com um encolher de ombros e um sorriso, dizendo: "Só eu poderia fazer algo assim." Tokarczuk evitou cometer erros no protocolo diplomático, recebendo a medalha e o diploma com um sorriso e uma emoção visível.
O discurso do autor na palestra do Nobel foi intitulada "The Tender Narrator" e foi proferida em polaco.
“A ternura vê os laços, as semelhanças e as identidades entre nós. É um modo de ver que mostra o mundo como vivo, vivo, interligado, cooperante e interdependente”, explicou Tokarczuk a escolha do título. “A literatura é construída sobre a ternura. Este é o mecanismo psicológico básico do romance. Graças a esta maravilhosa ferramenta, a forma mais sofisticada de comunicação humana, a nossa experiência viaja no tempo e chega àqueles que ainda não nasceram e que um dia alcançarão o que escrevemos, o que contamos sobre nós mesmos e o nosso mundo."
O discurso de Tokarczuk foi repleto de referências e fios pessoais, nos quais seu relacionamento com a mãe desempenhou um papel especial. A polaca também se referiu à crise climática e ao papel que os meios de comunicação modernos desempenham na formação da nossa consciência e sensibilidade.
“O mundo é um tecido que tecemos todos os dias em grandes teares de informação, discussão, filmes, livros, fofocas, anedotas. Hoje, a gama de trabalho destes teares é enorme. Graças à Internet, quase todos podem participar neste processo de forma responsável e irresponsável, com amor e ódio, para o bem e para o mal, para a vida e para a morte. Quando essa história muda, o mundo muda. Nesse sentido, o mundo é feito de palavras. (...)
A crise climática e política para a qual hoje tentamos encontrar o nosso caminho e que queremos combater salvando o mundo não surgiu do nada. (...) A ganância, a falta de respeito pela natureza, o egoísmo, a falta de imaginação, a competição sem fim, a falta de responsabilidade reduziram o mundo à condição de um objeto que pode ser cortado em pedaços, usado e destruído.”
As palavras de Tokarczuk não só suscitou grande interesse entre o público e os meios de comunicação polacos, mas também foi elogiada por muitas manchetes europeias.
Texto: Barbara Brzuska
Tradução: Ulisses Iarochinski
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