A abertura das fronteiras terrestres em mais nove países da União Européia, ocorrida a zero hora desta sexta-feira continua a ser comemorado na Europa. Os jornais dos 24 países integrantes trazem em suas primeiras páginas o principal evento organizado para comemorar a Europa sem portas. A cerimônia foi presidida pelos dois principais dirigentes da União Européia, neste momento, que coincidentemente são portugueses. Como presidente de turno da União Européia, o atual primeiro-ministro português José Sócrates, junto ao presidente da Comissão Européia, o ex-primeiro-ministro de Portugal José Durão Barroso, ambos de Portugal, estiveram ontem em Zittau, pequena cidade entre as três fronteiras entre Alemanha, Polônia e República Tcheca.
José Sócrates sublinhou que viver num continente como a Europa significa ter "uma liberdade livre". Já a anfitriã, chanceler alemã, Angela Merkel, disse que "esta é uma liberdade de intercâmbio com os outros e, para os mais velhos, é uma alegria ver que os novos conhecem uma realidade europeia que eles não conheceram". A líder alemã, oriunda da antiga Alemanha comunista, estava também com suas palavras fazendo referência aos anos em que a Europa esteve dividida pelo Muro de Berlim. Já o presidente da Comissão Européia, Durão Barroso, assinalou que a Europa não deve ser vista "como uma construção apenas para os diplomatas mas também para os cidadãos".
Interessante é acompanhar a cobertura de jornais portugueses nestes eventos que vem se repetindo na Europa. Sempre há um comentário, ou uma expressão a lembrar que Portugal fica na Europa e que o idioma de Portugal parece ser propriedade apenas dos portugueses. Como neste parágrafo adiante, onde o enviado especial do jornal Diário de Notícias de Lisboa, faz questão de frizar que o tcheco fala português com sotaque brasileiro:
"É bom ter fronteiras abertas, mas tenho medo", confessa Magdalena Dzialoszynski, tradutora de 27 anos que, apesar de polaca, vive na localidade alemã de Zittau. Zdenek Grmela, estudante checo de 25 anos, que fala português com sotaque do Brasil, diz, porém, que estes receios são maiores entre os alemães. "Este dia é mais um símbolo, mas passar a fronteira será mais fácil, o turismo vai melhorar".
São frases como estas que permitem entender o porquê Portugal insiste em postergar o acordo ortográfico dos países integrantes da CPLP - Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Ao que tudo indica os portugueses não aceitam o modo de falar dos brasileiros, angolanos, moçambicanos, caboverdianos e os outros 3 países lusófonos.
Receio do sotaque brasileiro
As universidades polacas parecem atentas a esta questão. Algo mudou desde que a Polônia entrou para a União Européia. Uma delas é o ensino do português. Não é de hoje que as universidades da Polônia oferecem cursos de idioma português. A proximidade com o Brasil, em função da forte imigração polaca ocorrida nos séculos 19 e 20 para o Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, além das telenovelas brasileiras, transpareceu sempre na escolha dos professores para ensinar o idioma falado no Brasil. Desde primeiro de maio de 2004, data da entrada da Polônia na União Européia, os professores que falavam com sotaque brasileiro foram sendo progressivamente substituidos por jovens universitários portugueses. As universidades polacas estão trocando professores brasileiros por estudantes portugueses nas aulas de idioma português. E foi assim que o prof. Evandro Ouriques da UFRJ- Universidade Federal do Rio de Janeiro se deparou com o sotaque do Alentejo na platéia da Universidade Jagiellonski de Cracóvia, nesta semana, quando esteve fazendo palestra para estudantes polacos de idioma português. Além da importância do tema, o que se percebeu foi uma dissintonia no ar, com muitos não entendendo palavras ditas pelo professor brasileiro. O "ruído" na comunicação foi em parte causado pelo sotaque brasileiro. Sotaque que era comum 4 anos atrás, mas que hoje é apenas uma lembrança. As polacas agora falam "cantadinho" e "chiando" Brasile com L e E no final. Ouriques, um doutor em comunicação e linguagem, não entrou na questão, mas sintomaticamente começou sua palestra dizendo que era muito bom ser entendido num idioma que é falado por mais de 200 milhões de pessoas, sendo 183 milhões apenas no Brasil.
Não passa despercebida esta idiossincrasia portuguesa na Polônia, país que oferece bolsas para estudantes e professores brasileiros descendentes de polacos aprenderem polaco e por outro lado contrata estudantes portugueses para ensinar os polacos a falar português com sotaque do Alentejo, como a agradar os habitantes das magens do Tejo.
Portas semi-abertas
A Polônia, ao mesmo tempo que se integra a Europa, fecha suas fronteiras a Leste. O trecho mais longo de fronteira da União Européia fica justamente na Polônia. São 1.176 quilômetros de fronteira terrestre. Uma linha divisória que será vigiada por 10.000 funcionários, com ajuda de 1.300 veículos destinados a patrulhar imigrantes vindos da Bielorrússia e da Ucrânia. Desde o fim do sistema comunista, a fronteira oriental de Polônia é o passagem para imigrantes da ex-URSS e de países asiáticos, como China, Bangladesh e Paquistão.