quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

A sopa da prima Bogumiła

Nos meus tempos de Polônia, ao menos um fim de semana a cada mês, ou dois meses eu passava na casa dos meus primos Jerzy e Bogumiła, na cidade de Bielsko Biała, em meio às montanhas Beskidy, nos Cárpatos polacos.

Jerzy sempre me esperava na estação lá pelas 11 horas da manhã, quando eu chegava de Cracóvia.  Antes de irmos para sua casa, Jurek parava num mercado para comprar uma garrafa de wódka e alguns pepinos verdes.

Bogumiła e Jerzy Jarosiński
A wódka, evidentemente terminava antes do almoço, que invariavelmente era ao redor das 15 horas (horário oficial do almoço polaco).
Além de pierogi, carpa assada, salada de repolho e cenoura e arroz (nem sempre), o prato principal...e  preparado especialmente para mim era a ZUPA Z ZIOLONEGO OGÓRKA da prima Bogumiła.

Bogumiła Jarosiński

Realmente a zupa era muito boa, aliás gostosíssima! De tanto eu saborear e elogiar, ela repetia sempre a receita, quando eu os visitava.

Para não dar água na boca, aqui vai a receita:


Sopa de pepino fresco
* da minha prima polaca Bogumiła

Ingredientes
- 1 1/4 de água
- 2 cubos de caldo
- 300 g de pepino
- 1 queijo pequeno cremoso derretido
- 2 colheres de sopa de farinha de batata
- Tempero Vegeta
- pimenta a gosto
- 1 colher de sopa de endro seco ou fresco
- 200 ml de creme de leite

Preparo
- Coloque os pepinos com a casca no liquidificador.
- Bata por alguns segundos.
- adicione os ingredientes restantes.
- Leve ao fogo até ferver. Mais ou menos uns 12 minutos de cozimento/fervura


Vegeta

O ingrediente Vegeta da receita é um misto de especiarias e legumes produzida, na Polônia pela empresa Podravka, cuja sede fica na cidade de Koprivnica, na Croácia, que incluem sal, legumes secos (cenoura, pastinaga, cebola, aipo, salsa ), glutamato monossódico, açúcar, amido de milho, vitamina B2.

O produto foi inventado nos laboratórios de Podravka em 1959. Zlata Bartl era a chefe do departamento que o inventou. Primeiro, foi lançado no mercado iugoslavo, sob o nome de Vegeta 40.

O produto ganhou grande popularidade. Em 1967, começaram as exportações para a URSS e a Hungria. Chegou ao mercado polaco nos anos 70. Segundo o produtor, o Vegeta é vendido em mais de 40 países ao redor do mundo.

domingo, 1 de dezembro de 2019

A história por Tokarczuk

A Feira do Livro de Varsóvia é realizada todo mês de maio no Estádio Nacional, uma estrutura semelhante a um cesto trançado, salpicada de vermelho e branco, as cores da bandeira polaca.


Numa manhã luminosa de sábado deste ano, centenas de balões alaranjados distribuídos por uma empresa de audiolivros balançavam nas mãos das crianças e multidões de leitores vasculhavam os estandes de editoras de toda a Europa. No espaço reservado ao Instituto Nacional Fryderyk Chopin havia um piano de cauda, no qual uma jovem tocava "Bohemian Rhapsody", da banda Queen.

Em uma livraria temporária, com toda a solicitude do mundo um atendente de cabelos castanhos compridos e óculos moderninhos mostrava a um cliente um exemplar do livro Forever Butt, antologia da revista LGBT holandesa Butt (“tamanho de bolso, cor-de-rosa e supergay”). Uma longa fila se iniciava defronte ao estande da respeitável editora polaca Wydawnictwo Literackie e serpeava em torno de vários outros ao redor. As pessoas estavam à espera do autógrafo de Olga Tokarczuk, que nos últimos anos se firmou como a romancista de maior destaque da Polônia – e em outubro passado ganhou o Prêmio Nobel de Literatura.[1]

Tokarczuk encontrava-se do lado de fora da feira: multidões deixam-na ansiosa, e ela estava se preparando. Na noite anterior, a escritora voltara tarde para casa e tivera problemas para dormir. Com 57 anos, pequena e marcante, Tokarczuk tem a energia concentrada de uma instrutora de ioga. Prefere usar roupas de peça única engenhosamente drapeadas e pulseiras dispostas em camadas. Sua longa cabeleira castanha estava enrolada em dreadlocks entrançados com contas azuis e amontoados no alto da cabeça. Sua boca está quase sempre franzida em um sorrisinho irônico.

Fiquei ao lado de Tokarczuk enquanto ela fumava um cigarro Vogue, fino feito uma vareta, sob a estrutura em formato de cesto do estádio. Inaugurado em 2012, o Estádio Nacional recentemente tornou-se o ponto central da Marcha da Independência, realizada todo ano em novembro, na qual membros de grupos nacionalistas e de extrema direita exibem faixas e cartazes com slogans como “Polônia para os polacos” e “Parem a islamização”. A obra substituiu um estádio da era comunista, que ficara completamente arruinado em meados dos anos 1990, quando passei a maior parte do ano no país, aprendendo polaco antes de ingressar no mestrado. Quando a Polônia se converteu em uma economia capitalista, o local foi transformado em um mercado ao ar livre de produtos falsificados e de segunda mão, mal-afamado por causa do lixo e da criminalidade. Alertaram-me para nunca pôr os pés lá.

Tokarczuk terminou o cigarro. Bolinhas de cotão cinza de amentilho, sementes de choupos que na primavera florescem por toda Varsóvia, eram sopradas pelo vento. Ela as removeu do vestido preto com a mão e entrou.


Um burburinho percorreu de ponta a ponta a fila de autógrafos quando um assessor de imprensa conduziu Tokarczuk rapidamente até uma sala verde. Os dread-locks fazem com que ela seja instantaneamente reconhecível. A escritora adotou o penteado em um gesto impulsivo há mais de uma década, quando uma greve de funcionários do aeroporto a deixou com algum tempo livre em Bangcoc. Foi então que ela soube que um certo tipo dessas mechas emaranhadas era comum entre as tribos que viviam na Polônia nos tempos pré-cristãos. “Existe uma expressão em latim para isso: plica polonica”, disse-me ela mais tarde. “É uma descrição pejorativa, sugerindo falta de higiene.” E soltou uma gargalhada.

Escavar algo esquecido da história polaca e reformulá-lo em um contexto contemporâneo tornou-se a marca registrada de Tokarczuk. A escritora é mais conhecida mundialmente por "Bieguni", seu sexto romance, publicado na Polônia em 2007 e lançado nos Estados Unidos no ano passado, quando venceu o Prêmio Internacional Man Booker.[2] Tokarczuk chama o livro de “romance-constelação”, pois é composto de relatos em uma multiplicidade de gêneros que se amalgamam: ficção, história, livro de memórias e ensaio. A preocupação geral da obra é com a ideia da viagem, mas suas diferentes partes às vezes são interligadas apenas por uma palavra ou imagem, o que permite aos leitores criarem suas próprias conexões. “Quando o enviei à minha editora, eles me ligaram e perguntaram se porventura eu havia misturado os arquivos no meu computador, porque aquilo não era um romance”, disse ela.

Uma forma baseada em fragmentos é particularmente adequada para o romance de uma autora da Polônia, onde as fronteiras nacionais mudaram inúmeras vezes ao longo dos séculos e múltiplos grupos étnicos – polacos, lituanos, alemães, rutenos e judeus – viveram lado a lado em uma cacofonia de idiomas e experiências. A literatura da Europa Central em geral, acredita Tokarczuk, “questiona mais a realidade; é mais desconfiada em relação a coisas estáveis e permanentes”. Em "Bieguni", uma das personagens diz: “A constelação, não a sequência, carrega a verdade.”

Na Polônia, uma narrativa da história que adota a fragmentação, a diversidade e a mescla é inevitavelmente política, fazendo ruir uma longeva visão mitológica do país como nação católica homogênea. Essa mitologia nacional tem se expandido nos últimos anos, especialmente desde 2015, quando o partido conservador Direito e Justiça (PiS, Prawo i Sprawiedliwość) chegou ao poder com uma plataforma anti-imigração e calcada na “unidade nacional”. Desde então, o governo se recusou a aceitar refugiados do Oriente Médio e Norte da África, resistiu à ideia de instituir direitos iguais para casais do mesmo sexo e aprovou uma lei proibindo que se discuta sobre a colaboração de poloneses com os nazistas durante a Segunda Guerra Mundial.

Em um recente artigo de opinião publicado no New York Times, Tokarczuk deplorou o clima político do país: “A televisão estatal, por meio da qual um número significativo de poloneses recebe as notícias, constantemente enxovalha, em linguagem agressiva e difamatória, a oposição política e qualquer pessoa que pense de forma diferente do partido no poder.” A obra de Tokarczuk costuma tratar de questões sobre as quais ela tem opiniões fortes. Vegetariana de longa data que afirma perder o sono por causa do sofrimento de animais em matadouros e fazendas industriais, ela chegou a publicar, em 2009, um suspense não convencional com inclinação ambientalista e em prol dos direitos dos animais, chamado "Sobre os Ossos dos Mortos".[3]

A Polônia, não muito diferentemente dos Estados Unidos, é um país rachado ao meio em termos políticos. Os partidários do Direito e Justiça são contrabalançados pelos progressistas – em geral pessoas mais jovens, residentes nas áreas urbanas da metade ocidental do país –, que buscam a tolerância, o multiculturalismo e um verdadeiro acerto de contas com o passado polonês. São esses os leitores de Tokarczuk. “Até mesmo meus amigos que não são muito afeitos à leitura, que não acompanham os poetas e prosadores mais jovens, estão lendo Olga Tokarczuk”, disse-me Zofia Król, editora da revista literária online Dwutygodnik (Quinzenal).

Quando Tokarczuk saiu para cumprimentar seus leitores, todos os vestígios de ansiedade haviam desaparecido de seu rosto, e ela conversou animadamente e posou para selfies na mesa de autógrafos. Um fã trouxe para ela um livro de desenhos de “arquitetura fantasma” – projetos que jamais foram construídos –, na esperança de que pudesse servir como fonte de inspiração. Uma bibliotecária de Pruszków, nos arredores de Varsóvia, presenteou Tokarczuk com uma recém-publicada tradução para o polaco de um livro de memórias narrando a vida da comunidade judaica da cidade, erradicada em 1941, durante a ocupação nazista.

A sessão de autógrafos durou quase duas horas. Depois, afastando-se da mesa, Tokarczuk deu um gemido e fingiu desmaiar. Mas seus olhos estavam alertas. “Saber que as pessoas estão esperando pelo próximo livro – isso me dá energia”, disse ela.

Olga Tokarczuk vive em Wrocław, no sudoeste da Polônia. Ela foi a Varsóvia para participar não apenas da feira do livro, mas também de um festival literário chamado Apostrof (Apóstrofo), que aconteceu no Teatro Universal, espécie de quartel-general de intelectuais e artistas. Este ano, Tokarczuk foi curadora-convidada do evento, organizando uma série de simpósios de uma semana com os principais escritores e intelectuais polacos. Assistiu a quase todas as palestras e mesas de discussões, anotando coisas em uma caderneta preta e, vez por outra, dando sugestões em voz alta quando os palestrantes pareciam estar sem ideias e sem saber o que dizer. O tema que escolheu foi: “Este não é o único mundo possível.” Um dos debates girou em torno de como poderia ser uma Polônia pós-religiosa. Outra mesa-redonda tratou de mudanças climáticas e questões ecológicas em geral. Em vez do tradicional buquê de flores, cada participante recebeu um broto de faia como agradecimento.

Numa das noites do festival literário, um grupo de educadores debateu o futuro do sistema escolar polonês. Piotr Laskowski, um professor de 40 e poucos anos, manifestou repugnância pela maneira como os negócios haviam cooptado palavras como “criatividade” e “inovação”. Até recentemente, ele fora diretor de uma escola na qual a maioria das decisões é tomada em conjunto por alunos e corpo docente, por meio de votação. As escolas, disse ele, deveriam ter como objetivo libertar os estudantes da necessidade de pensar no mercado de trabalho e, no lugar disso, prepará-los para moldar o mundo. Vestindo um moletom azul-marinho com capuz, Laskowski balançava o corpo para a frente e para trás enquanto falava, com uma energia mal contida. Sentada em seu lugar habitual no meio da primeira fila, Tokarczuk sorria para ele.

Após o evento, em uma reunião festiva no jardim do teatro, Tokarczuk apresentou-me Laskowski como o homem que dirigia “a escola mais anarquista do sistema”.

“Não é tão anarquista assim”, disse ele.

Tokarczuk bebericou um gole de uma Fritz-Kola dietética, marca alemã com intensa dose de cafeína. “Até que ponto você é livre para determinar o que dizer a seus alunos?”, perguntou ela.

O Partido Direito e Justiça introduziu uma grade curricular imposta de cima para baixo pelo Estado: as aulas de história limitam-se à história da Polônia, narrada a partir de uma perspectiva inequivocamente nacionalista; as aulas de literatura enfatizam clássicos polacos, como os romances históricos de Henryk Sienkiewicz, e não os grandes inconformistas, como Witold Gombrowicz e Bruno Schulz.

Laskowski ignorou as diretrizes. Um professor que divergir da linha oficial “não será preso”, disse ele, apenas “intimidado”, talvez com uma ameaça de aposentadoria forçada. Embora isso provavelmente não aconteça em Varsóvia, acrescentou: “Se você é professor em uma cidadezinha pequena ou um vilarejo, com uma população muito conservadora e um padre que dá aulas de religião na escola, aí sua situação muda drasticamente.” E abafou uma gargalhada sombria.

Entre as pessoas de inclinação esquerdista com quem falei, era frequente a seguinte conversa: cada um pode continuar fazendo livremente o que faz, até o dia em que já não poderá mais. A maioria das instituições culturais depende do dinheiro público, o que as torna vulneráveis à pressão política. Em dezembro do ano passado, depois que Król, a editora de Dwutygodnik, resistiu às tentativas de censura à revista, o governo cortou seu financiamento; a publicação foi suspensa por vários meses, até que a editora obteve o apoio da administração municipal de Varsóvia, cidade relativamente de esquerda.

Na mídia, encontrar uma maneira de trabalhar sem o apoio do Estado está se tornando uma opção atraente. Recentemente, um documentário sobre abusos sexuais de crianças por padres católicos – custeado com dinheiro de financiamento coletivo – foi lançado no YouTube e em poucos dias teve mais de 20 milhões de visualizações, o equivalente a mais da metade da população da Polônia. “Não consigo ouvir a rádio oficial”, disse-me Monika Płatek, professora de direito e criminologia da Universidade de Varsóvia, enquanto caçava no celular um episódio do programa Radiolab, da wnyc [rádio pública de Nova York] que ela queria compartilhar com Tokarczuk. Płatek estava concorrendo a uma cadeira nas eleições do Parlamento Europeu como candidata do Partido Wiosna (Primavera), um novo partido progressista. As eleições seriam dali a um dia e meio.

No fim da noite, o escritor polaco Andrzej Stasiuk, acompanhado por uma banda de rock ucraniana chamada Haydamaky, apresentou performances musicais de poemas de Adam Mickiewicz. Nascido em 1798, logo após a Polônia ter sido dividida em três pela Prússia e pelos impérios russo e austríaco, Mickiewicz envolveu-se na fracassada luta pela independência do país e passou a maior parte da vida no exílio. Sua obra é ardorosamente patriótica – ele é considerado o poeta nacional da Polônia –, mas, como enfatizaram as adaptações de Stasiuk, a terra exaltada por Mickiewicz incluía grande parte da Rutênia (atual Ucrânia), Lituânia e Bielorrússia.

Stasiuk, um homem alto e esbelto com quase 50 anos, começou recitando em polacos os versos de abertura de Stepy Akermańskie (As estepes de Akkerman), soneto romântico que descreve a paisagem da Crimeia. Enquanto atrás dele soavam acordes de trompas de uma melodia folclórica e as batidas da bateria ganhavam fôlego, Stasiuk trocava de idioma, meio gritando, meio vociferando em ritmo de rap os mesmos versos em ucraniano. Tokarczuk balançava o corpo ao som da música. “Sinto arrepios quando ouço isso”, disse ela, esfregando os braços. “Você viu o logotipo na camisa dele?”

Estávamos a alguma distância do palco, e era difícil enxergar com precisão o logotipo. Parecia envolver a águia do brasão de armas da Polônia, mas havia também alguma outra coisa. Avancei em meio à multidão até parar bem perto do palco, abaixo de Stasiuk. Parecia o desenho de um pássaro estilizado, com duas asas simétricas, tendo no meio algo no formato de uma colher de pau. Tirei uma foto e abri caminho de volta até Tokarczuk.

“Ah”, disse ela, examinando bem de perto a imagem. “Isso é o Tryzub, o brasão de armas da Ucrânia.” Ela entrelaçou os dedos, apertando as mãos para enfatizar. “As duas culturas são assim. Não podem ser separadas.”

A relação entre polacos e rutenos (ucranianos) é o cerne do romance em que Tokarczuk está trabalhando atualmente, e que se baseará na história de sua família. Seus ancestrais do lado paterno incluíam polacos e rutenos e vieram de um vilarejo na província da Galícia.[4] “Alguns deles tinham muito mais consciência de sua identidade nacional, e para outros isso não era tão importante”, disse-me ela na tarde seguinte, enquanto tomávamos chá sentadas no saguão de um novo hotel-boutique no Centro de Varsóvia (Tokarczuk fala inglês muitíssimo bem, mas o polaco dela tem uma elegância e clareza incomuns; nossas conversas ocorreram nos dois idiomas).

Durante a Segunda Guerra Mundial, houve um massacre de polacos no vilarejo, parte de uma onda de assassinatos cometidos por nacionalistas ucranianos que ceifaram dezenas de milhares de vidas na região. O avô de Tokarczuk, que era polaco, mas havia se casado com uma ucraniana, sobreviveu. Após a guerra, a Galícia foi dividida entre a União Soviética e a Polônia, e o vilarejo passou a fazer parte da República Socialista Soviética da Ucrânia. A família, juntamente com quase 1 milhão de habitantes da região, migrou para a Baixa Silésia, província polaca no sudoeste do país que faz fronteira com o que hoje são a Alemanha e a República Tcheca. Os polacos foram incentivados a se fixar lá, em parte para substituir os alemães que haviam fugido para a Alemanha à medida que o Exército Vermelho avançava ou foram expulsos pela Polônia tão logo a guerra terminou. “Você não pode falar sobre essa área sem falar dos ucranianos, porque 3 milhões de polacos que vivem lá ainda têm raízes na Ucrânia”, disse Tokarczuk. “Essa distinção – quem é polaco e quem é ruteno – para mim é muito artificial.”

Tokarczuk nasceu em 1962, a primeira de duas filhas, em um povoado ao Norte da Baixa Silésia. Uma pequena minoria alemã permanecera lá: alguns alegaram que eram polacos para poder ficar, ao passo que outros se casaram com polacos. Quando criança, Tokarczuk tinha uma babá alemã. Seus pais davam aulas em uma escola para jovens e adultos que era parte de um movimento fundado para levar educação aos camponeses, e a família morava nas dependências do estabelecimento, período do qual Tokarczuk se lembra com alegria. Seu pai era o bibliotecário da escola, e ela passava a maior parte do tempo junto dele, lendo o que lhe caísse às mãos – poesia, Apuleio, Jules Verne, a enciclopédia.

Na adolescência, Tokarczuk percebeu que grande parte do mundo estava vedada para ela. “Tudo o que era interessante estava fora da Polônia”, disse. “Boa música, arte, cinema, hippies, Mick Jagger. Era impossível até mesmo sonhar em escapar. Quando eu era adolescente, me convenci de que teria que passar o resto da vida nessa armadilha.”

No outono de 1980, Tokarczuk ingressou na Universidade de Varsóvia, para estudar psicologia. O campus havia servido como quartel alemão durante a guerra; o dormitório dela ficava perto das ruínas do gueto judeu, e ao longo das ruas ainda havia espaços vazios, resquícios da sistemática destruição da cidade levada a cabo pelos nazistas, em 1944. Quando ela estava no segundo ano da universidade, o governo declarou lei marcial, em resposta ao aumento de manifestações por todo o país. Mesmo agora, no confortável saguão de hotel em que conversávamos, Tokarczuk não pôde deixar de reprimir um calafrio suscitado pela lembrança. “Para uma moça provinciana, era muito duro”, disse ela. “Não havia nada para comprar nas lojas, apenas vinagre e mostarda. E as pessoas estavam desesperadas, realmente muito pessimistas. Eu não acreditava que a União Soviética um dia fosse desmoronar.”

Depois de se formar, em 1985, Tokarczuk se casou com um colega do curso de psicologia, e o casal se mudou para uma cidadezinha não muito longe de Wrocław. Ela se especializou em psicologia clínica e trabalhou inclusive com alcoólatras e viciados em drogas. Depois de alguns anos, estava exaurida. “Sou neurótica demais para ser terapeuta”, afirmou.

Tokarczuk conseguiu obter um passaporte para viajar a Londres, onde passou alguns meses estudando inglês, alternando-se entre trabalhos esporádicos – montou antenas em uma fábrica, limpou quartos em um hotel chique – e frequentando as livrarias, onde leu a teoria feminista, da qual não tinha conhecimento na Polônia. Um de seus primeiros contos, O Hotel da Capital, é escrito da perspectiva de uma camareira que cria histórias sobre os hóspedes cujos quartos ela limpa, com base nos objetos pessoais deles. “Toda vez que estou em um hotel”, disse-me Tokarczuk, passeando os olhos, meio constrangida, pelo saguão, “eu me lembro de que as camareiras são pessoas como eu, que também podem escrever sobre mim e sobre a bagunça no meu quarto.”

Depois que retornou à Polônia, Tokarczuk e o marido tiveram um filho, e ela começou a escrever a sério. A escritora atribui à sua formação em psicologia a consciência que adquiriu de que múltiplas realidades podem coexistir. Uma de suas primeiras experiências clínicas envolveu dois irmãos que tinham narrativas emocionais completamente diferentes sobre a dinâmica da família. “Esse foi o meu primeiro passo para escrever”, ela lembrou mais tarde. “Escrever é procurar pontos de vista muito particulares e específicos da realidade.”

O primeiro romance de Tokarczuk, "Podróż Ludzi Księgi" (Jornada do povo do livro), publicado em 1993, era uma parábola filosófica ambientada na França do século XVII; o romance seguinte contava a história de uma médium em Wrocław na década de 1920. Seu primeiro grande sucesso veio com o terceiro livro, "Prawiek i Inne Czasy" (Primevo e outros tempos), de 1996, no qual a autora inspirou-se em histórias que sua avó materna lhe contava quando era criança. Com um toque de realismo mágico – quatro anjos da guarda velam pelos acontecimentos –, o romance narra a vida de duas famílias num vilarejo polaco fictício durante o século XX. Boa parte da trama gira em torno das relações entre polacos e judeus. Polacos visitam os consultórios de médicos judeus e fazem compras em lojas judaicas, mas o intenso amor de uma mulher polaca e um homem judeu acaba sendo frustrado. Devido à combinação de elementos míticos e à visão de longa distância da história, o romance foi aclamado como inovador.

Mais ou menos na mesma época, Tokarczuk se apaixonou pelo vale de Kłodzko, um pitoresco recanto da Baixa Silésia, na fronteira com a República Tcheca. Ela e o marido compraram uma casa simples de madeira e começaram a reformá-la. A escritora ficou fascinada com a história e a cultura da região. Logo depois de se mudar, ao passar por uma igreja, ela notou a estátua de Santa Wilgefortis [ou Santa Liberata], o que a levou à espinha dorsal de seu romance seguinte, "Dom Dzienny, Dom Nocny" (Casa do dia, casa da noite), publicado em 1998. Ela conta sobre um livreto encontrado na lojinha de suvenires da igreja que narrava a vida da santa medieval, escrito por alguém identificado apenas como “Paschalis, monge”. Segundo a lenda, Wilgefortis queria tornar-se freira, mas seu pai a sequestrou de um convento e tentou forçá-la a se casar. Ela orou a Jesus pedindo que a tornasse tão feia e repugnante que o pretenso noivo jamais haveria de desejá-la. Como resposta ao seu pedido, cresceu uma farta barba que lhe deu feições masculinas parecidas com a de Cristo – ao vê-la assim, seu pai mandou matá-la.

“Quem foi a pessoa que escreveu a vida da santa, e como sabia de tudo?”, pergunta um personagem. Acontece que Paschalis – uma figura fictícia – é singularmente adequado para escrever a hagiografia dessa menina masculina: desde a infância, ele era atormentado pelo desejo de se tornar mulher. Tal qual a região em que a história se passa, com suas fronteiras nacionais em constante e eterna mudança, os dois personagens habitam um limiar, o que parece ampliar sua capacidade de empatia.

Em sua justaposição de memórias, ficção e mito, o romance foi a primeira tentativa de Tokarczuk de empregar a forma constelar que mais tarde ela usaria em "Bieguni". Este último originou-se do fato de que, pela primeira vez na vida, a escritora se sentiu livre para viajar bastante. Sua crescente reputação internacional lhe proporcionou convites para festivais literários ao redor do mundo, seu filho estava chegando à idade adulta e seu casamento terminou. Ela foi tomada pela ideia de escrever um livro sobre viagens. Mas a literatura de viagem convencional parecia linear demais, desprovida da natureza “nervosa, até agressiva, muito ativa, muito urgente” do ato de viajar.

“Tentei desesperadamente encontrar uma forma para esse livro e não consegui”, disse-me Tokarczuk. Mas, à medida que começou a compilar e cotejar suas anotações, ela percebeu que poderiam constituir um romance. Para determinar a forma definitiva, espalhou os fragmentos do livro – 106 deles – pelo chão da sala de trabalho e subiu em uma mesa para poder examiná-los de cima.

Um desses fragmentos diz respeito a Philip Verheyen, o anatomista flamengo do século XVII que deu nome ao tendão de Aquiles. Na juventude, Verheyen teve uma das pernas amputada. Depois disso, passou a sentir uma contínua agonia no espaço vazio outrora ocupado por sua perna. Aquilo que é removido – seja um membro do corpo ou um grupo de pessoas de uma nação – ainda tem o poder de machucar e doer. “Precisamos esquadrinhar nossa dor”, ele conclui.

No dia seguinte ao término do festival literário Apostrof, Tokarczuk foi almoçar em um restaurante de comida indiana em Varsóvia com seu companheiro, Grzegorz Zygadło, um homem afável de 40 e poucos anos, olhos preocupados e cabelos escuros desgrenhados, com quem ela vive há onze anos. Os resultados das eleições para o Parlamento Europeu tinham sido divulgados e eram desanimadores. O Partido Direito e Justiça obtivera a vitória mais expressiva de sua história, com 42,4% dos votos, uma vantagem de quase três pontos sobre seu rival, o centrista Coalizão Europeia. O Wiosna (Primavera) chegara a 6,6% e enviaria três representantes para Bruxelas. A professora Monika Płatek, fã do Radiolab, não seria um deles.

Zygadło havia trabalhado como tradutor de alemão. Agora, seu trabalho, como ele próprio descreveu, é “cuidar de Olga”, atuando como motorista, assistente de pesquisa, faz-tudo e assim por diante. Ela se refere a ele como seu “administrador”; ele chama a escrita de Tokarczuk de “a empresa da família”. Além de fornecer tudo o que a escritora pede – café expresso, o exemplar de um livro, suporte técnico –, Zygadło às vezes intervinha na conversa, quando ela e eu estávamos batendo papo, a fim de detalhar algum argumento que Tokarczuk apresentava ou para adverti-la, sotto voce, de que não fosse indiscreta.

No final da tarde, Zygadło nos levou até Wrocław, a três horas de distância. O carro deles, uma station-vagon Volvo, estava abarrotado até o teto com malas, sacolas de roupas e a faia que Tokarczuk ganhou no Apostrof. Assim que partimos, ela amarrou seus dreadlocks em um nó e apanhou entre suas coisas um saco de biscoitos de arroz sabor couve. Zygadło lidou a duras penas com o tráfego, a ponto de, lá pelas tantas, ter de parar no meio de uma das rotatórias de Varsóvia (reconhecidamente confusas).

Durante os anos que Tokarczuk passou pesquisando e escrevendo seu romance mais recente, "Księgi Jakubowe" (Os livros de Jacó), de 2014, foi dessa maneira que ela e Zygadło percorreram grande parte da Europa – Ucrânia, Bulgária, Romênia, República Tcheca, Alemanha, Turquia –, seguindo a trilha de seu protagonista, Jacob Frank, um judeu polaco do século XVIII que se autoproclamou o Messias. Na década de 1750, Frank arrebanhou milhares de seguidores entre os sabatianos, seita judaica messiânica à qual ele pertencia, e, incorporando ensinamentos cristãos ao judaísmo sabatiano, realizou batismos em massa. Tokarczuk, além de fazer uma pesquisa histórica sobre os detalhes da época, quis conhecer pessoalmente os locais, senti-los na própria na pele, disse ela: “Sou escritora, não historiadora, por isso tenho que tomar contato físico com tudo – cheirar, tocar, ver.” Ela observou plantas, folhas, a cor do solo, o fluxo do Rio Dniestre. Em Lwów, sentou-se na catedral para imaginar como terá sido quando os seguidores de Frank foram batizados ali, aos milhares.

Por quase uma década, Tokarczuk mergulhou em todos os assuntos possíveis relacionados a Jacob Frank: a Polônia do século XVIII, a religião, o misticismo, o Iluminismo judaico na Europa Central. Era importante para ela que até os mais ínfimos pormenores estivessem certos. Em determinado capítulo, retratou mulheres que costuravam sentadas enquanto a luz refletia em suas agulhas de metal. Ao ler o livro, sentiu que havia algo errado e então percebeu que era cedo demais para que houvesse agulhas de metal naquela parte da Europa; as pessoas cerziam com agulhas de madeira. Mais tarde, quando o livro estava quase terminado, consultores contratados por sua editora apontaram que naquele período não era comum que as pessoas comessem batatas na Europa Central; o arroz, importado da Turquia, era o alimento básico.

O livro é o trabalho mais ambicioso de Tokarczuk até agora. Com mais de novecentas páginas, entrelaça as perspectivas de dezenas de pessoas ligadas a Frank, incluindo Benedykt Chmielowski, padre que escreveu a primeira enciclopédia em língua polaca; Elisha Schorr, rabino que era fascinado pelo carisma do místico judeu; Moliwda, nobre polaco que foi o tradutor de Frank, seu confidente e, por fim, o homem que o traiu; e ainda uma avó judia moribunda que engole um amuleto cabalístico e alcança a imortalidade.

Best-seller instantâneo, o livro ganhou a mais alta honraria literária da Polônia, o prestigioso Prêmio Nike. O sucesso da obra salientou algo que ficara óbvio durante a minha visita: a herança judaica do país é discutida muito mais abertamente hoje do que quando lá estive nos anos 1990. No Apostrof, um dos participantes de uma das mesas-redondas estava vestindo uma camiseta com letras em ídiche. No exato local do Gueto de Varsóvia existe agora um novo museu popular, o Polin – Museu da História dos Judeus Polacos (Polin é o nome em hebraico da Polônia.) “Não há cultura polaca sem a cultura judaica”, disse-me Tokarczuk a certa altura. Ainda assim, a adesão da Polônia a essa herança está longe de ser absoluta. Quando leu pela primeira vez acerca de Jacob Frank, Tokarczuk percebeu que não faltavam incentivos às pessoas para esquecer a história dele – da parte dos católicos polacos, envergonhados pelo tratamento que a Igreja dispensou a Frank (ele foi encarcerado em um mosteiro por treze anos); dos judeus ortodoxos, que consideram Frank um traidor; e até mesmos dos descendentes polacos dos seguidores de Frank, que talvez não queiram ser lembrados de suas raízes judaicas.

Tokarczuk aprecia seu papel como contestadora das ortodoxias e, em uma entrevista depois que o livro recebeu o Prêmio Nike, ela pediu a seus concidadãos que reconhecessem os elementos mais sombrios do passado da nação. “Criamos essa história da Polônia como um país aberto e tolerante”, disse ela. “No entanto, cometemos atos horrendos como colonizadores, como maioria nacional que esmagou a minoria, como proprietários de escravos e como assassinos de judeus.” (“Colonizadores” era uma referência ao reassentamento de polacos na Ucrânia; “proprietários de escravos”, à servidão.) A caixa de e-mails e a página de Facebook de Tokarczuk foram imediatamente inundadas com mensagens acusando-a de traição. “A única justiça para essas mentiras é a morte”, alguém escreveu. Outras pessoas exigiram que ela fosse expulsa da Polônia. Preocupada com a segurança de Tokarczuk, Jennifer Croft, tradutora de "Bieguni" para o inglês, insistiu que ela saísse do país por algum tempo. Seus editores providenciaram para que tivesse temporariamente a proteção de um guarda-costas. Mas Tokarczuk não se intimidou e manteve o destemor. A heresia, disse, revela as fronteiras da convenção e também coloca o desafio de transcender essas fronteiras; é “um ato da mente livre”.

Nos últimos tempos, Tokarczuk vem amadurecendo a ideia de viver quase em tempo integral na sua casa de campo no vale de Kłodzko, e o imóvel está sendo reformado e ampliado. Há cinco anos, ela fundou um festival literário de verão em Nowa Ruda, uma pequena cidade vizinha, que tem contado com a participação de escritores de toda a Europa Oriental. Ela obteve financiamento do governo local e de vários patrocinadores privados, incluindo um fabricante de papel higiênico. “Pensei em fazer uma medalha de papel higiênico para dar ao nosso ministro da Cultura”, disse Tokarczuk, com um risinho malicioso.

Um dia, ela e Zygadło foram de carro até a zona rural para inspecionar o andamento das obras. Saindo de Wrocław rumo ao Sul, passamos por um monumento comemorativo dos 600 anos do povoamento da região e depois por um galpão da Amazon. Um senhor branco atravessou a rua segurando pela mão uma criança mestiça. “Um belo jovem polaco”, comentou Zygadło.

Assim que a estrada foi ficando mais íngreme montanhas adentro, uma chuva pesada começou a cair. Tokarczuk reagiu como se fosse uma afronta pessoal. “Não vamos conseguir aproveitar a vista”, queixou-se. Quando o tempo está bom, ela adora subir até o cume de uma colina atrás de sua casa, de onde é possível avistar as montanhas que se estendem ao longo da fronteira tcheca.

Comecei a reconhecer a paisagem que Tokarczuk descreve em "Sobre os Ossos dos Mortos", seu suspense focado nos direitos dos animais. Quando ela começou a escrever o romance, já havia concebido a ideia de "Os Livros de Jacó", mas sabia que este demoraria anos e ela precisava entregar logo um novo trabalho à editora. Querendo escrever “algo leve”, decidiu testar suas habilidades no romance policial. “Você tem uma forma, sabe? Você só precisa de tempo para planejar tudo, e aí fica fácil. Não é de admirar que esses escritores de histórias de crime e investigação consigam produzir um novo livro todos os anos.” Zygadło, no banco do motorista, apressou-se em pedir que ela parasse de falar.

A ideia para o thriller ocorreu pela primeira vez a Tokarczuk durante um inverno que ela passou sozinha no vale, depois de se separar do marido, tendo como companhia apenas dois cachorros. Um dia, os cães desapareceram. “Comecei a perguntar às pessoas o que tinha acontecido”, disse ela. “Alguém me contou que havia na área uma grande expedição de caça e que, às vezes, os caçadores bêbados costumavam matar cães.” Ela continuou: “Isso foi há muitos anos, mas fiquei com aquilo na cabeça por um longo tempo. Ideias como essa – é como se elas ficassem na geladeira. E então, um dia, aparecem na minha mesa.”

O livro é tudo menos um suspense convencional. A personagem principal, Janina Duszejko, vive em um remoto vilarejo sem nome, onde, sozinha, está travando uma guerra contra seus vizinhos, que são caçadores. Vegetariana e militante aguerrida da causa dos direitos dos animais, Duszejko está aflita com o inexplicável desaparecimento de seus cães de estimação e padece de toda sorte de angústias físicas e mentais. Quando os vizinhos começam a aparecer mortos de maneiras improváveis – um engasga com um osso enquanto come um cervo que ele mesmo matou, outro cai em um poço abandonado –, Duszejko tenta convencer a polícia de que os próprios animais estão se vingando dos caçadores.

A história é contada inteiramente por meio da voz estranha e obsessiva de Duszejko. Isolada e obcecada pela astrologia como um meio de entender o mundo – “A ordem existe e está ao alcance” –, ela é uma pessoa de coração aberto, totalmente desprovida de defesas mentais. No início do livro, pensando em sua dor, ela se pergunta: “Será que alguém pode se acostumar com isso? Aprender a viver com isso, exatamente como as pessoas vivem nas cidades de Auschwitz ou Hiroshima, sem jamais pensar no que aconteceu lá no passado.” No fim das contas, porém, ela compreende que uma vida assim é impossível. “Cada minúscula partícula do mundo é feita de sofrimento”, disse ela.

Pouco a pouco, a estrada de asfalto deu lugar a uma estradinha de terra. Uma raposa apareceu no matagal e, com a mesma rapidez, desapareceu. Tokarczuk ponderou sobre como devia ter sido aquela área depois da guerra, quando os alemães fugiram e os polacos se estabeleceram. “Os polacos trataram essas casas como um mero assentamento temporário. Não cuidaram delas. Tinham certeza de que a Terceira Guerra Mundial estava chegando e de que tinham que estar prontos para partir novamente.”

A casa surgiu por entre a névoa; tinha sido eviscerada até reduzir-se a seu esqueleto de madeira. Escavações na lateral haviam criado imensas pilhas de terra avermelhada. Dois homens estavam operando o que parecia ser uma betoneira portátil, fazendo argamassa para assentar tijolos. O empreiteiro, um homem parrudo de meia-idade, usando um boné de jornaleiro preto e jaqueta preta acolchoada, conduziu Tokarczuk para dentro da casa. Não havia eletricidade, e ela caminhou com cuidado pelo assoalho inacabado, examinando os azulejos da cozinha e deliberando sobre cores das tintas.

No andar de cima, a escritora e Zygadło examinaram o avanço das obras nos quartos. A intenção de Tokarczuk era que o cômodo com a maior janela fosse transformado em quarto de hóspedes para a sua irmã, de quem é próxima, mas Zygadło tentou convencê-la a mantê-lo como sua sala de trabalho. Na casa de Wrocław, Tokarczuk tem seu próprio espaço para escrever, mas aqui ela se acostumou a trabalhar na cozinha. “É assim que sempre acontece com as mulheres”, disse ela.

“Não na minha época”, retrucou Zygadło, balançando a cabeça.

Tokarczuk espiou pela janela. “Você tem certeza de que não podemos ir até o topo da colina?”, perguntou ela. “Talvez de carro?”

Ele suspirou. “Podemos tentar.”

De volta ao carro, Tokarczuk lembrou-se da árvore do Apostrof. “Oh, senhor Roman! Tenho uma coisa para o senhor!”, disse ela a um jardineiro que estava de pé na varanda.

“O que a senhora quer fazer com isso?”, perguntou ele.

“Eu não sei”, respondeu Tokarczuk. “É uma faia. Precisa de espaço para crescer. Mas não quero bloquear a vista. O que o senhor acha?”

Eles caminharam juntos em direção a um arvoredo em frente à casa. Tokarczuk voltou um minuto depois, satisfeita. “A floresta aqui foi plantada por mim”, disse ela. “Não tenho imaginação suficiente e não esperava que as árvores fossem ficar tão altas. Agora elas bloqueiam nosso sol de manhã.”

O carro emitiu estridentes bipes de protesto enquanto Zygadło tentava manobrar na estrada de terra, agora inteiramente enlameada.

“Vamos tentar”, insistiu Tokarczuk. “Opa!”, exclamou ela quando o carro derrapou.

“Por esse caminho não tem como a gente ir!”, disse Zygadło.

“De qualquer maneira, não há nada para ver quando o tempo está assim”, acrescentou Tokarczuk, suspirando. “Fica tudo enevoado. Que pena.”

O carro apitou novamente quando Zygadło tentou fazer uma manobra para virá-lo no sentido contrário na estreita estradinha. Do outro lado de uma campina havia um púlpito de madeira, daqueles usados por caçadores para se esconder. “Ah, meu Deus, esse é novo”, disse Tokarczuk com tristeza. No romance, Duszejko observa: “Não é o auge da arrogância, não é uma ideia diabólica chamar de púlpito um lugar de onde alguém atira para matar?”

“Morando aqui, no centro da Europa, onde exércitos vêm e vão e destroem tudo, a cultura se torna uma espécie de cola”, disse Tokarczuk em certo momento de nossa viagem. “Os polacos sabem que sem a cultura não teriam sobrevivido como nação.” Uma nação que se mantém unida pela poesia patriótica de Mickiewicz – ou pela mitologia de um povo orgulhoso que permanece ligado mesmo após devastações cometidas por exércitos conquistadores – talvez seja algo semelhante a um vaso rachado: é útil e usável enquanto a cola aguentar, mas está longe de ser estável. Contudo, se não pode haver cultura polaca sem a cultura rutena-ucraniana ou judaica, o que acontece quando essas minorias são subjugadas ou exterminadas? A cola se deteriora e já não adere, os cacos se soltam e desmoronam. Os artistas até podem fazer tentativas de restauração – contando histórias que mostram judeus e polacos vivendo em harmonia, entoando em ucraniano as palavras de Mickiewicz. Mas não são capazes de restaurar o vaso a sua forma original. O trabalho deles reconfigura a pilha de cacos, criando algo novo a partir dos estilhaços. O vaso a que Tokarczuk deu feitio a partir da história de seu país é fraturado e fragmentado e, depois do que aconteceu no século XX, tem que ser. Alguns direcionaram contra a própria autora a ira que sentem com relação ao que essa história revela.

O título de seu sexto romance, "Bieguni" (Andantes), deriva do nome de uma seita ortodoxa russa do século XVIII cujos membros acreditavam que permanecer em movimento constante lhes permitiria afugentar todo o mal. Em muitos sentidos, a Polônia é um país de nômades fugindo do mal do passado, com populações étnicas suplantando umas às outras repetidamente nas várias regiões. “Bem-aventurado aquele que vai embora”, dizem os nômades religiosos. Mas essa fuga pode ser apenas temporária.

“Toda cultura é alicerçada sobre mecanismos de defesa”, disse a escritora. “É muito normal que tentemos estancar e suprimir tudo aquilo que não é confortável para nós.” Ela entende que seu papel é forçar seus leitores a examinar os aspectos da história – a deles ou a de seus próprios países – que eles preferem evitar. Tokarczuk tornou-se, como ela diz, uma “psicoterapeuta do passado”.

Notas:

[1] Por não ter concedido o Nobel de Literatura no ano passado, a Academia Sueca anunciou em outubro último dois prêmios, o de 2018 e o de 2019. O primeiro foi outorgado a Olga Tokarczuk; o segundo, ao austríaco Peter Handke. A premiação de 2018 foi suspensa depois que vieram a público denúncias de assédio sexual cometido por um dos membros do comitê do prêmio.

[2] A primeira tradução deste livro no Brasil, pela editora Tinta Negra em 2014, foi intitulada Os Vagantes. Em 2020, o romance ganhará uma nova edição pela Todavia, com o título (ainda provisório) Viagens. Em língua inglesa, chamou-se Flights. (N. T.)

[3] Com este título, o livro está sendo lançado este mês no Brasil, pela Todavia. O nome original em polaco é "Prowadź Swój Pług Przez Kości Umarłych". (N. T.)

[4] A Galícia é uma região histórico-geográfica da Europa centro-oriental – o antigo Reino da Galícia e Lodoméria fez parte do Império Austríaco. Não se trata da Galícia ou Galiza, comunidade autônoma a noroeste da Espanha cuja capital é Santiago de Compostela. (N. T.)



Este texto foi originalmente publicado na revista The New Yorker.

Autora: RUTH FRANKLIN
(Autora de Shirley Jackson: A Rather Haunted Life, da editora Liveright, vencedor do National Book Critics Circle Award em 2016).


Tradutor (inglês para português):Renato Marques de Oliveira

domingo, 17 de novembro de 2019

As mudanças nas universidade

As universidades precisam ajustar suas velas para os ventos da mudança


“Nada realizaríamos se esperássemos até fazê-lo com tanta perfeição que ninguém lhe achasse defeito”. Não por acaso iniciamos esse artigo citando o cardeal John Henry Newman, autor do clássico “The idea of a University”. As universidades precisam mudar, e nós acadêmicos precisamos conduzir esse processo. Ocorre que muitos de nós não reconhecemos os ventos da mudança, e nessa cegueira, marchar com um norte é realmente doloroso e difícil. Para alguns, a universidade é uma instituição ossificada, cheia de homens velhos e pomposos, incapazes de adaptarem-se a um mundo que se transforma vertiginosamente. Infelizmente há alguma verdade nessa percepção, mas a sociedade também enxerga seus cientistas como os semeadores de aprimoramentos técnicos, políticos e até mesmo sociais, e isso da mesma forma é um fato.

Nas universidades, todos parecem estar satisfeitos, ou fingem muito bem que estão felizes com a qualidade de suas pesquisas, cujos resultados frequentemente são publicados em periódicos científicos desimportantes que ninguém lê ou cita. O quadro pode ser ainda mais deprimente. Existem parasitas, que, sob o pretexto de combatem um pretenso “produtivismo acadêmico” (uma excessiva publicação de artigos irrelevantes em revistas científicas, para inflar currículos), nada produzem. Vociferam contra os colegas que produzem ciência de qualidade, porque o brilho de alguns expõe o parasitismo vagabundo de outros. Publicar artigos acadêmicos é basilar para o desenvolvimento da ciência, e quem não o faz ou é incompetente ou é preguiçoso. Em qualquer um desses casos, temos um escandaloso desperdício de recursos: não devemos tolerar quem é pago e não trabalha. No entanto, não nossa intenção promover uma moralização barata, porque isso não é atraente nem eficaz para o intelecto.

Como promover mudanças nas universidades? Primeiramente, avaliando sua produção científica. Infelizmente, na Polônia, os sistemas de avaliações mudam ao sabor de canetadas ministeriais, e é terrivelmente custoso construir em terreno tão movediço. No Brasil é evidente a resistência dos professores em serem avaliados, seja individualmente ou como membros de um programa de pós-graduação. Há uma proibição velada: para um gestor, mostrar números, mesmo um simples gráfico dos que publicaram os resultados de suas pesquisas em boas revistas científicas, significa fazer inimigos. A avaliação impessoal baseada em indicadores cientométricos é bem-vinda, mas não é suficiente. Na Polônia, e no Brasil, falta o debate. Que universidade queremos? Uma pergunta difícil, e que poucos estão dispostos a enfrentar, porque respondê-la significa admitir erros e fracassos.

Devemos apenas formar trabalhadores com diplomas, em um contexto em que diplomas e profissões vêm se esfumando? Mesmo a nobilíssima profissão de professor parece marcada para morrer: um único docente pode dar aulas simultaneamente para milhares de estudantes, via satélite. Em paralelo, é cada vez mais difícil prosperar como cientista, e o verbo prosperar aqui significa pagar as contas e viver dignamente. Há uma precarização do trabalho científico, e esse é um fenômeno global. Um erro tolo! Sempre será possível comprar tecnologias mais baratas no exterior e fingir que é isso ótimo. Contudo, invariavelmente surgirá, como no conto de fadas de Andersen, alguém que bravamente perguntará: como resolveremos nossos problemas se abdicamos de estudá-los?

Em tempos de mudanças inacreditavelmente rápidas, nossa tarefa, como professores universitários, mais do que ensinar habilidades específicas, é estimular virtudes, arejar mentalidades e espanar o grosso pó dos corporativismos boçais. O perito sempre fará o bonde subir, mas como decidir que direção ele tomará? As sociedades precisam de engenheiros e de filósofos. Sem as universidades que desejamos, centros vibrantes de reflexão, de debates sobre os desafios da humanidade e de produção de conhecimentos, os caminhos são arriscosos.




- Piotr Tryjanowski é professor da Universidade de Poznań, e um dos biólogos polacos mais citados em artigos científicos. Ele assessora diversos estudos realizados pelo Mestrado em Geografia da UFR.

- Fabio Angeoletto é professor do Mestrado em Geografia da UFR

sexta-feira, 8 de novembro de 2019

A partir de 11/nov/19, os polacos não precisam mais de visto para os EUA

A partir desta segunda-feira (11/11), Dia da Independência da Polônia, seus habitantes não precisarão mais do visto de turista ou negócios para viajarem aos Estados Unidos, com permanência de até 90 dias, e vice-versa.

A Polônia é o 39º país a ser contemplado com o programa Visa Waiver, que isenta do visto turistas e pessoas que viajam a negócios para os Estados Unidos.

De agora em diante, os cidadãos polacos não precisarão mais requerer um visto no consulado americano local para viajar para cá.

Com a adesão do país ao programa, os polacos deverão apenas se registrar no sistema online antes da viagem. Caiu também o valor da taxa cobrada ao turista, de $160 para $14.

A medida segundo as autoridades norte-americanas é para incrementar os negócios e o turismo de polacos nos EUA e uma demostração de boas relações, disseram autoridades dos dois países.

O presidente da Polônia, Andrzej Duda, disse em Varsóvia que a decisão pela isenção do visto é “uma importante e boa notícia” para os mais de 40 milhões de polacos, bem como para os cerca de 10 milhões de seus compatriotas que vivem nos Estados Unidos.

O presidente polaco agradeceu a Donald Trump por incluir a Polônia no programa de isenção do visto, algo que o país vinha buscando desde os anos 1990.

Segundo o departamento de Homeland Security, 23 milhões de pessoas chegam anualmente aos Estados Unidos através do programa Visa Waiver, que rende cerca de $190 bilhões em taxas e gera quase 1 milhão de empregos.

quarta-feira, 6 de novembro de 2019

Lançado o livro Sepultados em Harmonia

Na Biblioteca do Senai Telêmaco Borba - PR
Na presença do prefeito e do presidente da Câmara de Vereadores, Dr. Marcio Matos e Ezequiel Ligoski Betim, respectivamente, e de amigos e apreciadores da literatura, o escritor telemacoborbense, Ulisses Iarochinski, realizou na sexta-feira, 1º de novembro, o lançamento on-line, em caráter mundial, sua obra intitulada “Sepultados em Harmonia". O evento aconteceu a noite nas instalações da Biblioteca do Senai em Telêmaco Borba.

O chefe de gabinete Vanderley Batista Carneiro, o autor e o prefeito
O prefeito municipal Dr. Márcio Artur Matos acompanhou todo o lançamento, desde seu início até seu término. Na saída confidenciou: "mais tarde, entro no site e compro o livro".

O presidente da Câmara Municipal e o autor
O presidente da Câmara Municipal vereador Ezequiel Ligoski Betim também compareceu, o parabenizou e na despedida fez convite ao autor para que o visite no gabinete da Câmara.

Ao analisar sobre o lançamento de mais esta obra, Ulisses garantiu que foi além das suas expectativas. “Foi muito emocionante. Rever amigos que não via há anos, de 1975, estiveram presentes. Tratou-se de um lançamento inédito em Telêmaco Borba, o lançamento de um livro que as pessoas só puderam ver na tela projetada pelo computador. O lançamento foi feito mundialmente no momento em que cliquei no computador no ícone: publicado. Está, portanto, disponível para aquisição em que possam baixar em seus computadores, celulares, tablets, e inclusive imprimirem se desejarem”, argumentou.

O autor com a bibliotecária
A Responsável pela Biblioteca Senai Telêmaco Borba, Ana Paula Cristo, foi homenageada pelo autor. “Uma competência elogiável. Sem ela, não teria havido lançamento. Sou muito grato ao sucesso do evento do livro. Entreguei nas mãos dela, meus dois livros publicados sobre a etnia polaca. Exemplares que doei para a Biblioteca”, destacou Ulisses.

A professora Jossana e o autor
A professora Jossana Matsen da Escola Municipal Professora Juventina Betim da Silva, do bairro São João, contribuiu na confecção da obra, explica Iarochinski. “Jossana foi importante na fase de pesquisa do livro "Sepultados em Harmonia" e colaborou com a história da família dela, cujos avós estão enterrados no Cemitério da Harmonia, e ocupam duas páginas do livro.

Segundo Iarochinski, o livro finalmente está disponível para a venda no formato e-book, por R$ 24,99 (vinte e quatro reais e 99 centavos) no link:  https://www.amazon.com.br/dp/B0811STP7P .

Já aqueles que pretenderem comprar no formato tradicional impresso com capa vai poder receber pelo correio - o exemplar - podem esperar até amanhã para efetuar a compra quando a amazon.com liberar para compra.

Sobre a obra: “Sepultados em Harmonia”

O livro de 286 páginas conta a história do cemitério de Harmonia, na Fazenda Monte Alegre, município de Telêmaco Borba. No cemitério, criado em 1944, foram sepultados 4.872 corpos, em sua maioria, trabalhadores das Indústrias Klabin do Paraná.

Distante cerca de 6 km do centro da Vila Harmonia - sede da Indústria - o cemitério ocupava na época de sua abertura uma área de 76 metros de frente por 52 metros de fundo. Ao longo do tempo, recebeu duas ampliações. Nos livros tombo do cemitério, entre os registros, estão os nomes de 564 natimortos e 53 bebês prematuros.

O livro traz a história do local e a transcrição na íntegra dos registros de todos os livros tombos. Mostra o perfil de 50 pessoas ali sepultadas, além de informações importantes como o número de mortos com mais de 100 anos de idade, a quantidade de vítimas de assassinatos, as cidades de origem e países. Registros esses que permitiram demonstrar aspectos sociológicos e étnicos das pessoas que foram enterradas ali. Cemitério, que como ficou demonstrado nas audiências do Ministério Público, e definiu pelo seu “Não Fechamento” é um patrimônio não só do município, mas também da região dos Campos Gerais e do próprio Estado do Paraná.

O autor do livro, nascido em Harmonia, quando esta localidade ainda pertencia ao município de Tibagi, tem 11 familiares sepultados no local. Entre eles, seu pai, brutalmente assassinado na Vila Operária, com 24 anos de idade recém completados. O assassino que nunca foi encontrado, julgado e condenado, dois meses depois do crime, enviou carta a esposa, interceptada pela polícia, onde confessava o ato e reconhecia a inocência da vítima.

Texto: Assessoria de Comunicação da Prefeitura Municipal de Telêmaco Borba
Fotos: Edivaldo Oberek.

quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Lançamento do livro "Sepultados em Harmonia"


Nesta sexta-feira, dia 1º de novembro, às 19h30, na Biblioteca do Senai Telêmaco Borba, Avenida Presidente Kennedy, 66, acontece o lançamento do livro: SEPULTADOS EM HARMONIA, de Ulisses Iarochinski.

O livro de 282 páginas conta a história do cemitério de Harmonia, na Fazenda Monte Alegre, município de Telêmaco Borba. No cemitério, criado em 1944, foram sepultados 4.872 corpos, em sua maioria, trabalhadores das Indústrias Klabin do Paraná. Distante cerca de 6 km do centro da Vila Harmonia - sede da Indústria - o cemitério ocupava na época de sua abertura uma área de 76 metros de frente por 52 metros de fundo.

Ao longo do tempo, recebeu duas ampliações. Nos livros tombo do cemitério, entre os registros, estão os nomes de 564 natimortos e 53 bebês prematuros.

Segundo Leonel Brizola Monastirsky, coordenador do Laboratório de Geografia Humana do Departamento de Geociências da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), “muitos dos túmulos são antigos e já não existem mais restos a serem transferidos, sobrando apenas o caráter simbólico do local para visitação e para o cerimonial (oração, flores, velas, cuidado como túmulo etc); por ser antigo o cemitério apresenta uma estética singular com características peculiares; e tem um valor histórico e cultural imenso, que faz com que ele deva ser preservado”. Monastirsky assina o prefácio do livro.

O livro traz a história do local e a transcrição na íntegra dos registros de todos os livros tombos. Mostra o perfil de 50 pessoas ali sepultadas, além de informações importantes como o número de mortos com mais de 100 anos de idade, a quantidade de vítimas de assassinatos, as cidades de origem e países. Registros esses que permitiram demonstrar aspectos sociológicos e étnicos das pessoas que foram enterradas ali.

Cemitério, que como ficou demonstrado nas audiências do Ministério Público, e definiu pelo seu “Não Fechamento” é um patrimônio não só do município, mas também da região dos Campos Gerais e do próprio Estado do Paraná.

O autor do livro, nascido em Harmonia, quando esta localidade ainda pertencia ao município de Tibagi, tem 11 familiares sepultados no local. Entre eles, seu pai, brutalmente assassinado na Vila Operária, com 24 anos de idade recém completados.

O assassino que nunca foi encontrado, julgado e condenado, dois meses depois do crime, enviou carta a esposa, interceptada pela polícia, onde confessava o ato e reconhecia a inocência da vítima. Iarochinski espera que com a venda online possa imprimir no formato tradicional de livros.

“Mas para isso preciso de patrocínio, o qual foi tentado nos últimos meses sem sucesso. Não surgiu nenhuma editora, empresa ou órgão público disposto a contribuir com a cultura e as lembranças históricas de pessoas que tornaram possível a existência do município de Telêmaco Borba. Quem sabe, com essa versão online, o livro possa ser impresso?”. Iarochinski, também é autor dos livros “Saga dos Polacos – a história da Polônia e seus emigrantes no Brasil”, “Polaco – identidade cultural do brasileiro descendente de imigrantes da Polônia”, “Revelando o Contestado – imagens do mais sangrento conflito social do Brasil nas lentes do sueco Claro Jansson”, “Escrevendo para falar no rádio” e “Cruz Machado – lenda virou história”.

terça-feira, 15 de outubro de 2019

Resultado das eleicões 2019 na Polônia

Foto: Marcin Cholewińsk
Números publicados pela Comissão Nacional Eleitoral para as eleições para o Senado e a Câmara de Deputados, neste domingo 13 de outubro de 2019.

Para a CÂMARA (SEJM)
- Partido Direito e Justiça (PiS), extrema-direita conservadora e nacionalista: 235 assentos
- Coalizão Cívica (KO), centrista liberal: 134 assentos
- Lewica (esquerda): 49 assentos
- Coalizão Polaca (PSL + Kukiz'15), coalizão agrária e antissistema: 30 assentos
- Confederação, direita ultranacionalista: 11 assentos
- Minoria alemã: 1 cadeira na Câmara

- Situação: 51,09%
- Oposição: 48,91%

O partido no governo perdeu os 2/3 que tinha na Câmara.

Para o SENADO (Senat)
- Partido Direito e Justiça (PiS): 48 cadeiras
- Coalizão Cívica (KO): 43 cadeiras
- Coalizão Polaca (PSL + Kukiz'15): 3 cadeiras
- Esquerda: 2 cadeiras
- Independentes: 4 cadeiras

O partido no governo perdeu a maioria e os 2/3 que tinha no Senado
- Oposição: 52%
- Situação: 48%

Na Polônia, o voto não é obrigatório, assim o comparecimento dos eleitores aos locais de votação também é importante.

Neste domingo, na Polônia, e no exterior compareceram às urnas:

- 61,74% dos eleitores - número de votos válidos: 18 678 457 - Número de votantes: 30 253 556

NAS VOIVODIAS
(o correspondente a Estado, no Brasil) compareceram:
- Baixa Silésia: 60,92%
- Cujávia-Pomerânia: 58.10%
- Lublin: 58,00%
- Lubusz: 57.20%
- Łódź: 63,51%
- Pequena Polônia (Małopolska, capital Cracóvia): 63,78%
- Mazóvia: 69,46%
- Opole: 52,91%
- Subcarpatia - 58,57%
- Podlaska - 56,97%
- Pomerânia - 63,46%
- Silésia - 62,25%
- Santa Cruz (Swietokrzyskie): 57,70%
- Warmia-Mazuria: 53,61%
- Grande Polônia (Wielkopolska, capital Poznań): 62,95%
- Pomerânia Oeste: 57,87%

Total Polônia: 61,74%

NAS ONZE MAIORES CIDADES
O comparecimento às urnas foi:
- Wrocław: 71,17%
- Bydgoszcz: 66,77%
- Lublin: 66,24%
- Łódź: 68,66%
- Kraków (Cracóvia): 71,21%
- Warszawa (Varsóvia): 77,07%
- Białystok: 65,72%
- Gdańsk: 72,54%
- Katowice: 67,55%
- Poznań: 73,95%
- Szczecin: 66,56%

NO EXTERIOR
(com 97% dos votos divulgados)
A Coalizão Cívica (liderada pelo PO - Partido da Plataforma Cívica) ganhou no postos de votação no exterior.

-Coalizão Cívica obteve 39,05 por cento votos
- PiS - 25,29%
- SLD - 20,43%,
- Confederação - 11,14%
- PSL - 4,1%.

NO BRASIL Brasília e Curitiba
Consulado Geral em Curitiba - Foto: Google

PARA O SENADO
- Coalizão Cívica: 31 votos, ou 35.23%
- Partido Direito e Justiça (PiS): 28 votos, ou 31,82%
- SLD: 16 votos, ou 18,18%
- PSL: 8 votos, ou 9,09%
- Confederação: 5 votos, ou 5,68%

PARA A CÂMARA
Os três candidatos mais votados foram:
- UJAZDOWSKI Kazimierz Michał da Coalizão Cívica obteve 45 votos, ou 51,14%
- RUDNICKI Marek do PiS obteve 30 votos, ou 34,09%
- KASPRZAK Cezary Paweł do RUCHU obteve 13 votos, ou 14,77%


Na GRÃ-BRETANHA
A Coalizão obteve 9,6 mil votos, ou 38,85% dos eleitores.

NOS EUA,
O partido situacionista conquistou a vitória. De acordo com dados incompletos no Senado, os candidatos do:

- PiS obtiveram 16940 (58,5%) dos 29195 votos válidos e no Sejm 15569 (52,7%) do 29517. A participação foi de 91%.

- Em Houston, Texas, 503 pessoas votaram 56,9% escolheu o candidato da coalizão, 33,6% PiS e 9,5% Cidadãos.

Segundo os dados finais fornecidos pela Embaixada da Polônia em Washington, 29517 pessoas participaram das eleições para o Sejm nos EUA.
- PiS recebeu 52,7% votos,
- Coalizão 27,7%,
- SLD 8,8%,
- Confederação 8,3%
- PSL 2,4%

- 11725 pessoas participaram do distrito eleitoral de Chicago, das quais
- 69% votaram no PIS
- 16,6% na Coalizão Cívica
- 8,1% na Confederação
-  4,3% no SLD
- 1,9% no PSL

Em Los Angeles, dos 2930 eleitores do Sejm,
- Coalizão obteve 48,2%,
- PiS 22%,
- SLD 18,3%.
- Confederação 9,1%
- PSL 2.5%

NA ALEMANHA
- Coalizão: 42,93%
- PiS: 25,72%
- SLD: 17,87%
- Confederação: 9,26%
- PSL: 4,23%

NO CANADÁ
- PiS: 55,67%
- Coalizão: 24,11%
- Confederação: 10,42%
- SLD: 7,95%
- PSL: 1,85%

O melhor resultado percentual foi observado pela Coalizão Cívica foi no Catar, onde 148 eleitores a apoiaram, ou 62% dos eleitores.

No total, mais de 46.000 pessoas votaram no Partido Direito e Justiça - PiS no exterior.

O melhor resultado - mais de 15.000 votos para o PiS foi recebido nos Estados Unidos. 52% votaram no partido de Jarosław Kaczyński nos EUA.

O melhor resultado percentual do Partido Direito e Justiça - PiS foi obtido no Kosovo com 60,17 por cento, onde 145 pessoas votaram na lista PiS.

O terceiro resultado no exterior pertence à esquerda

- A coalizão SLD, Wiosna (Primavera) e Razem (Juntos) foi apoiada por mais de 32.000 pessoas votando fora da Polônia.

- A esquerda recebeu mais de 6.000 votos na Grã-Bretanha e o melhor resultado foi obtido na Colômbia. Lá, 29 pessoas votaram a favor, ou mais de 48% dos que votaram.

- A Confederação de extrema-direita tem o quarto resultado no exterior, com mais de 17.000 votos.

Em termos percentuais, a Confederação registrou o melhor resultado na Islândia. Lá, 682 pessoas votaram a favor, ou mais de 25% dos eleitores.

Fontes: Państwowa Komisja Wyborcza, jornais Gazeta Wyborcza, Gazeta Prawo, radioZet, TVN24 Tradução e adaptação para o português: Ulisses Iarochinski

sábado, 12 de outubro de 2019

Eleições na Polônia: O ovo de Colombo da extrema-direita

A receita não é original mas é eficaz. Conquistar o poder através da justiça social e, depois, blindá-lo através da neutralização dos contrapoderes.

Em Outubro de 2016, o polaco Jarosław Kaczyński e o húngaro Viktor Orbán anunciaram uma “contra-revolução cultural” na Europa, visando uma reforma radical das instituições comunitárias e nacionais na era pós-Brexit. Era uma reação conservadora e nacionalista contra o liberalismo ocidental que, diziam, promovia a dissolução dos valores tradicionais da família e da nação. Mas a “revolução cultural” tinha outra dimensão: a adoção de um modelo político que põe em causa os fundamentos do Estado de Direito e que os politólogos designam por “democracia iliberal”. É aspecto que aqui nos interessa: a arte de monopolizar e blindar o poder.

Neste domingo há eleições na Polônia. E as sondagens indicam que o partido de Kaczyński, Direito e Justiça (PiS), confirmará a sua hegemonia. Para avaliar o que está em jogo, é necessário recuar um pouco.

Os gémeos Lech e Jarosław Kaczyński governaram a Polónia entre 2005 e 2007. Jarosław chefiou o governo. Lech Kaczyński foi Presidente até 2010, data em que morreu num desastre aéreo. Invocando o nacionalismo polaco e um catolicismo integrista, propuseram-se monopolizar o poder para “refundar a Polônia”.

Tentaram anular os contrapoderes, da Justiça aos meio de comunicação. Praticaram uma política de “guerra civil permanente”. Lançaram um “caça às bruxas” contra os antigos comunistas e contra a elite católica liberal que dirigiu a transição democrática. Falharam e, em 2007, perderam as eleições para o Partido Plataforma Cívica (PO, centrista), de Donald Tusk. O PiS não tinha a maioria absoluta. E também não conseguiu alargar a sua base eleitoral, na casa dos 30%.

Em 2015, o desgaste da PO era patente e, graças à dispersão da oposição, o PiS conquistou inesperadamente a maioria absoluta nas duas câmaras do Parlamento. Mas, desta vez, Jarosław mostrou que tinha aprendido muito.

Os “500 złotys”
A primeira experiência de poder fora exageradamente agressiva e ideológica. Em 2015, o PiS adota uma manobra de grande envergadura. Baixa a virulência e dá prioridade ao seu programa social. É o ovo de Colombo.

Se o PO estava politicamente gasto e desacreditado por alguns escândalos, não era fácil desacreditar a sua governação, traduzida em índices econômicos impressionantes. A Polônia não sofreu recessão na crise financeira pós-2008 e reforçou a sua economia durante a crise do euro. Kaczyński continuou a denunciar a “arrogância” da elite liberal e pró-europeia, mas o fio condutor passou a ser a justiça social.

O PiS foi convincente: após 25 anos de crescimento económico ininterrupto, chegara o tempo de distribuir os benefícios. Num país em que as prestações sociais do Estado são muito inferiores à da Europa Ocidental, o programa dos “100 dias” tem uma medida-bandeira: o subsídio de 500 złotys por filho (cerca de 120 euros).

O governo de Tusk subira a idade da reforma de 65 para 67 anos. Foi das suas medidas mais impopulares. O PiS prometia anulá-la, tal como prometia elevar o salário mínimo e garantir medicamentos gratuitos aos maiores de 75 anos. Era aquilo a que Kaczyński passou a chamar “o modelo social polaco”. Alguns analistas ocidentais escreveram que a direita polaca tinha um programa de esquerda.

O problema da oposição é que o PiS cumpriu as promessas. E, na campanha eleitoral deste ano, Kaczyński não cessou de proclamar a sua “credibilidade”. Por isso são eficazes as novas promessas feitas nesta campanha.

Os “contrapoderes”
Ganhas as eleições e instalado no poder, Kaczyński, que ficou fora do governo, não perdeu tempo. Lançou um imediato ataque às instituições que o poderiam condicionar: o Tribunal Constitucional, o Supremo Tribunal e o sistema judicial em geral. Segundo alvo: o controle dos meios de comunicação. Não conseguiu alcançar todos os objetivos e espera por uma vitória amanhã para completar a ofensiva.

Jarosław Kaczyński não aprecia a separação dos poderes, fundamento do Estado de Direito. Os constrangimentos impostos pelas instituições da democracia liberal são encarados como “impossibilidade legal” de governar. Ele evoca a “soberania popular”, ou seja, a vontade popular expressa nas urnas. Ao ser eleito, o governo não pode aceitar limites ao seu mandato. A separação dos poderes negaria a “soberania popular”. É este o argumento dos regimes polaco e húngaro.

O politólogo polaco Sławomir Sierakowski, com base em inquéritos, chama a atenção para as regras do jogo. A maioria dos polacos têm consciência da troca que estão a fazer, entre um monopólio do poder, que não apreciam necessariamente, e os benefícios que lhes agrada receber. Nada de original.

O PiS tem vários alvos para o “dia seguinte”. Quer, por exemplo, reduzir a imunidade dos juízes. Mas falta-lhe uma maioria de dois terços para mudar a Constituição. Quer “repolonizar” os meios de comunicação privados, ou seja, comprar televisões e jornais de propriedade estrangeira, essencialmente alemã e americana.

Jarosław Kaczyński sabe que os polacos mostraram, nas últimas décadas, serem imprevisíveis nas escolhas políticas. Por isso, aposta em “blindar” a hegemonia do PiS antes de se retirar. Já avisou que a idade e a saúde o impõem.

Nada é definitivo na Polônia.

Fonte: jornal Público, de Lisboa
Texto: Jorge Almeida Fernandes
tp.ocilbup@sednanrefaj

quinta-feira, 10 de outubro de 2019

Olga Tokarczuk - a polaca vencedora do Nobel


Mats Malm, secretário permanente da Academia Sueca, foi o porta-voz da decisão. "O Prêmio Nobel da Literatura de 2018 é atribuído à escritora polaca Olga Tokarczuk por uma imaginação narrativa que, com paixão enciclopédica, representa o cruzamento de fronteiras como uma forma de vida". Eram 13h00, no salão da Bolsa de Valores, na cidade velha de Estocolmo, quando a polaca foi anunciada como vencedora do prêmio do ano passado de 2018.

Foi o bastante para a Polônia viver momentos de imensa alegria neste dia 10 de outubro de 2019. Televisões, jornais, rádios, Internet, artistas, políticos e autoridades...todos sem excessão falaram hoje desta sexta conquista do Prêmio Nobel de Literatura. 

A premiação de Olga Tokarczuk cumpre dois dos critérios que os analistas apontavam como decisivos: é mulher e não é anglófona.

A escritora polaca de 57 anos é reconhecida no mundo inteiro. No ano passado, o livro "Podróż..." , foi editado em Portugal pela Editora Relógio de Água, com o título de "Viagens" e ganhou o Prêmio Man Booker.

Este é o segundo ano consecutivo que Tokarczuk ganha um grande prêmio literário internacional. Também referente ao ano passado de 2018, ela e sua tradutora Jennifer Croft ganharam o Prêmio Internacional Man Booker pelo livro "Voos" (Flights em inglês).

Olga Tokarczuk é mencionada há muito tempo entre os candidatos ao prêmio Nobel Foundation ao lado de escritoras como Margaret Atwood, Maryse Condé e Haruki Murakami.


Sua forte posição internacional foi confirmada pelo recebimento do Prêmio Internacional The Man Booker em 2018 por "Flights" (traduzido por Jennifer Croft) e, mais uma vez, pela final deste prêmio britânico em 2019 com o livro "Lead your plough through the dead of dead ("Guie seu arado sobre os ossos dos mortos", traduzido por Antonia Lloyd-Jones).

A boa sorte da escritora também se refletiu nas nomeações para um dos mais importantes prêmios literários americanos, o National Book Award.

Esta foi uma ótima notícia para os leitores e leitores polacos. Em Cracóvia, a ocasião para comemorar é mais do que especial - comentou o prêmio Urszula Chwalba, Gerente do Departamento de Literatura da KBF, operadora do programa Cidade da Literatura da UNESCO em Cracóvia.

Olga Tokarczuk é amiga do Festival de Conrad desde os primeiros anos de sua implementação. Durante cada uma das reuniões com a escritora, os salões do festival estavam cheios de costuras.

Em 2018, ela participou de um projeto musical incrível: a estréia da ópera 'Ahat ili. Irmã dos deuses".

"Quando eu descobri, tive que parar. Ainda não me chegou" - disse a vencedora em entrevista ao jornal Gazeta Wyborcza.


"Também estou muito feliz que Peter Handke tenha recebido o prêmio comigo, o que agradeço muito. É ótimo que a Academia Sueca tenha apreciado literatura da parte central da Europa. Fico feliz que ainda estamos segurando", acrescentou Olga Tokarczuk.

Olga Tokarczuk é escritora, ensaísta, roteirista, poeta e psicóloga. Seus romances mais importantes incluem "Viagem do Povo do Livro" (1993), "Prawiek e outros tempos" (1996), "Casa Doméstica, Casa Noturna" (1998), "Bieguni" (2007), "Guie seu arado pelos ossos dos mortos" "(2009) e "Livros de Jacó" (2014).

Seu último lançamento é a coleção Bizarre Stories (2018). Vencedora, entre outros prêmios, o da Fundação Kościelski (1997), o Passaporte Polityka (1997) e o Prêmio Literário da Europa Central da Eslovênia - Vilenica (2013).

Nomeada cinco vezes para o prêmio literário Nike, que recebeu duas vezes: em 2008 para o romance Bieguni e em 2015 para os Livros de Jacob.

Sua Living House e Night House foram agraciadas com o prestigiado Brücke Berlin - Preis Award (2002).

Os livros de Olga Tokarczuk foram traduzidos para vários idiomas, incluindo inglês, francês, Alemão, espanhol, italiano, sueco, dinamarquês, búlgaro, sérvio, croata, russo, tcheco, ucraniano, turco, além de chinês, japonês e hindi.

Em 2016, com base no roteiro da escritora e baseado no livro Lead your plough through the dead of dead, um filme foi dirigido por Agnieszka Holland com o título de "Pokot", premiado com o Urso de Prata no Festival de Berlim de 2017.



Tokarczuk não é a primeira pessoa a receber o Prêmio Nobel de Literatura por escrever no idioma polaco. Famoso por seus épicos históricos, Henryk Sienkiewicz recebeu o prêmio em 1905, enquanto Władysław Reymont ganhou o prêmio em 1924, mais frequentemente reconhecido por sua enorme saga de quatro partes, "Camponeses" (The Peasants"Czesław Miłosz ganhou o prêmio em 1980 por seus poemas, enquanto mais recentemente foi Wisława Szymborska, também por suas poesias venceu em 1996 e Issak Bashevis Singer venceu 1978 (Singer nasceu em 14 Julho 1904, em Leoncin, Polônia e faleceu em 24 Julho 1991, em Surfside, FL, EUA. Quando recebeu o prêmio tinha cidadania Norte - americana). Mas era polaco de origem judaica. Assim como algum ancestral de Tokarczuk era de origem rutena. O final do sobrenome czuk não esconde que em suas veias corre um tanto de sangue ruteno (os atuais ucranianos).

Olga Tokarczuk dedica o Prêmio Nobel aos polacos e faz um apelo: "Vamos votar corretamente, pela democracia!""

Tão logo, o prêmio foi anunciado Olga Tokarczuk, que estava em viagem, entre as cidade de Berlim e Bielefed respondeu às perguntas dos jornalistas, em uma coletiva de imprensa realizada às pressas, na cidade de Bielefed, na Alemanha, onde se chegou.

"Apesar de todos os problemas com a democracia no meu país, ainda temos algo a dizer ao mundo", disse ela.


Perguntada a quem o Nobel pode ser dedicado, ela respondeu: "Aos Polacos. Faltam alguns dias para as importantes eleições. Gostaria de dizer às pessoas na Polônia: vamos votar corretamente, pela democracia"

Tokarczuk admitiu que constantemente é surpreendida pelo Prêmio Nobel. "Eu sei que sou uma boa escritora, mas nunca pensei que ganharia esse prêmio. Também estou feliz que somos dois este ano, há ainda Peter Handke. O prêmio foi para a Europa Central, o que é incomum. Para mim, como uma polaca, isso mostra que, apesar de todos os problemas com a democracia no meu país, ainda temos algo a dizer ao mundo e temos uma forte literatura e cultura, e sou parte desse poder", disse Tokarczuk.

Durante a coletiva de imprensa, a escritora agradeceu seus tradutores. Observou que ela é jovem para um prêmio Nobel. "Eu também sou uma mulher e isso é muito significativo", disse ela.


A ganhadora do Nobel garantiu que não esperava ganhar, embora soubesse que seu nome estava na lista de indicados. "Já estive em várias listas muitas vezes na minha vida e nada aconteceu", disse.

Segundo Tokarczuk as eleições deste fim de semana podem mudar o futuro de seu país. Um dos jornalistas perguntou como ela reagiu às notícias do prêmio.

"Estávamos em algum lugar entre Berlim e Bielefeld, na estrada, alguém me ligou, reconheci o número de telefone sueco. Era o telefonema, tivemos que parar em um pequeno estacionamento. Eu nem sei onde estava", lembrou Tokarczuk.

Ela acrescentou que estava com a "mente vazia" e não pode acreditar nas notícias do Nobel. No final da coletiva, foi perguntado para quem era o prêmio. A escritora pensou por um momento e respondeu:

"Acho que para os polacos, porque estamos apenas a alguns dias antes da eleição, escolhas muito importantes", disse ela.

"Essas escolhas podem mudar o futuro deste país. Se tenho alguém na minha cabeça a quem dedicar este prêmio... gostaria de dizer aos meus amigos na Polônia: vamos votar corretamente, pela democracia", acrescentou.


Olga Tokarczuk é uma das escritores polacas (os) mais aclamadas pela crítica e mais traduzidas, com seus livros em inglês "House of Day, House of Night" e "Primeval and Other Tales" sendo seus maiores sucessos comerciais e críticos.

Ela vive e trabalha na cidade de Wałbrzych, na Voivodia da Baixa Silésia. Escritora destacada, ensaísta e devota de Jung, é considerada uma autoridade em filosofia e conhecimento misterioso. Inegavelmente, uma grande descoberta para a literatura polaca na década de 1990, ela continua sendo um fenômeno muito admirado por críticos e leitores.

Tokarczuk ganhou inúmeros prêmios por seu trabalho, incluindo os prestigiados prêmios polacos o "Polityka Passport" e o "Nike Literary Award", além do "Prêmio Literário Internacional de Vilenica".

Seu livro "Guie seu arado através dos ossos dos mortos" foi a base do premiado filme de Agnieszka Holland, "Rasto" (Pokot).

Ela é a primeira escritora polaca a ganhar o Prêmio Internacional Man Booker - por seu romance  "Voo" (Flights) traduzido para o inglês por Jennifer Croft.

A reputação da ganhadora do Nobel 2018 de Literatura com o público internacional foi consolidada, em 2019, com a publicação em inglês de "Drive Your Plough over the Bones of the Dead" (Guie seu arado através dos ossos dos mortos), traduzido por Antonia Lloyd-Jones.

Situado em uma pequena vila no sudoeste da Polônia, este thriller moral é sobre um professor de sessenta e poucos anos, apaixonado por astrologia, um imenso amor por animais e pela poesia de William Blake, que investiga o súbito desaparecimento de seus dois cães. Logo depois, quando membros do clube de caça local são encontrados assassinados, Duszejko se envolve na investigação. De maneira alguma é uma história de crime convencional, o suspense existencial de "um dos principais escritores humanistas da Europa" (de acordo com o The Guardian) oferece idéias instigantes sobre nossas percepções de loucura, injustiça contra pessoas marginalizadas, direitos dos animais, hipocrisia da religião tradicional e crença na predestinação. O livro foi selecionado para o Prêmio Internacional Man Booker 2019, bem como para o National Book Award for Translated Literature.

Para o jornalista polaco Jacek Nizinkiewicz, o anúncio do Nobel pegou o vice-primeiro ministro Piotr Gliński da Polônia de calças curtas e que ele perdeu a oportunidade de se sentar em silêncio. O também ministro da Cultura da Polônia, que se gabou publicamente de nunca ter lido inteiramente um livro de Olga Tokarczuk, agora está falando sobre apreciar a cultura polaca, que ele ignora.

"Sempre, se um escritor polaco receber um Prêmio Nobel, é importante, embora, infelizmente, eu tenha problemas com esse prêmio, não a partir de hoje" - respondeu o Gliński, quando perguntado na TVN 24, se ele está mantendo os dedos cruzados para uma das escritoras polacas mais famosas no mundo.

Quando questionado sobre o livro de Tokarczuk que ele leu, o Ministro da Cultura, com desarmante honestidade, respondeu que "tentou", mas "nunca terminou" nenhum dos livros dela.

Nizinkiewicz aproveitou para perguntar: "Podemos imaginar que o Ministro da Cultura da Grã-Bretanha ou outro país ocidental se vangloria publicamente de sua ignorância literária? Agora o mesmo prof. Gliński, que se gabou publicamente de nunca ter lido nenhum dos livros de Olga Tokarczuk, fala sobre a apreciação da cultura polaca pelo Comitê Nobel da Suécia e brilha à luz das câmeras, como um dos pais do sucesso. É difícil encontrar um exemplo de maior hipocrisia".

Não é segredo para ninguém que a vencedora do Prêmio Nobel não apóia o PiS - Partido Direito e Justiça, de extrema-direita, que governa a Polônia e, provavelmente, a tentativa do vice-primeiro ministro de negá-lo se deu justamente pelas convicçoes políticas de Tokarczuk. Pior que prof. Gliński, muitas vezes participando de campanhas que incentivam os polacos a lerem livros, se vangloria publicamente de não ter terminado de ler a escritora premiada muitas vezes na Polônia e no exterior. Mesmo com a falta de simpatia do ministro Gliński à autora, em conexão com seus pontos de vista, e não a arte literária, isso não deve levá-lo à abnegação da leitura pública. Nesta situação em que Tokarczuk recebe o Prêmio Nobel, as palavras de Gliński são ainda mais desacreditadoras.

O professor Piotr Gliński é um cientista, um homem de cultura, autor de muitas publicações, mas também é um importante funcionário do governo e não deve subestimar publicamente as obras da autora ganhadora do Nobel, com quem não concorda. Até seu líder Jarosław Kaczyński se vangloriava anos atrás de ter lido "Os Livros de Jacó", de Olga Tokarczuk.

Os comentários do jornalista Jacek Nizinkiewicz foram feitos após o ministro da cultura da Polônia, 
escrever no Twitter o seguinte comentário: "Parabéns à senhora Olga Tokarczuk. O sucesso do artista polaco é muito agradável, mais é outro sucesso internacional da sra. Tokarczuk. O Prêmio Nobel é uma prova clara de que a cultura polaca é apreciada em todo o mundo. Parabéns!"

No passado, Piotr Gliński foi membro do comitê científico da 2ª e 3ª Conferência de Smolensk. Ele também fez parte do conselho da Good Name Redoubt Foundation - Liga Polaca contra Difamação. 

Alguns dos Livros da Ganhadora
Se, de alguma forma, o leitor ainda não leu nada de Tokarczuk, sugerimos cinco livros dela para começar. As sugestões são de Zuzanna Piechowicz, do programa "Poczytalnia" da rádio TOK FM.

"Biegunów" (Andantes)




Os polacos do título são membros de um ramo dos Velhos Crentes, uma seita ortodoxa, que acreditam que o mundo é principalmente ruim. No entanto, de acordo com as crenças deles, você pode se proteger disso. A chave para isso é permanecer em uma jornada constante, graças às quais as forças do mal não podem alcançar um homem. No romance, as jornadas dos Biegunów (Andantes) se misturam às jornadas e histórias do autor sobre os nômades contemporâneos. Um livro incrível homenageado com o Nike Award em 2008 e o Booker Award em 2018.






"Księgi Jakubowe" (Livros de Jacó)



O mais abrangente dos livros de Tokarczuk. O romance de mais de 900 páginas é uma jornada erudita pelo mundo da história, costumes e multiculturalismo. O eixo principal da narrativa é a história de Jakub Frank, um judeu que reuniu multidões de crentes ao seu redor. Ele ganhou seguidores graças às suas histórias sobre um mundo que poderia ser melhor, tolerante, aberto e feliz. A história de Frank é tão incrível que parece inacreditável. Do judaísmo, passou pelo sabatismo, depois pelo islã e, finalmente, pelo catolicismo. É possível que ele tenha morrido como membro da Igreja Ortodoxa. Um livro que vale cada minuto de leitura. A vencedora do Prêmio Nobel passou mais de seis anos escrevendo.





"Prowadź swój pług przez kości umarłych" (Guie seu arado pelos ossos dos mortos)



Um livro que ganhou uma segunda vida através da adaptação cinematográfica. Janina Duszejko tornou-se a principal heroína de "Pokot", da cineasta Agnieszka Holland. Esta é uma história sobre um professor de inglês de uma pequena cidade que definitivamente prefere a companhia de animais à companhia de pessoas. E ele está pronta para muito defender os direitos de nossos irmãos menores. O ensaio sobre direitos dos animais e brutalidade humana se mistura com uma história de crime. Olga Tokarczuk costuma falar sobre a proteção dos direitos dos animais. Neste livro, ele prova que também pode ser um ótimo tópico para um romance.







"EE"







Um dos primeiros livros da vencedora do Prêmio Nobel 2018. A ação "EE" se concentra nos primeiros anos do século XX. O personagem principal é um adolescente que é considerado um médium. Tokarczuk levanta temas que também aparecem em livros subsequentes: ocultismo, complexidade da personalidade humana, ceticismo cognitivo e busca pelo sentido da vida.









"Eu leio todos os seus livros"




Políticos parabenizam Nobel Tokarczuk

"Estou feliz que a literatura polaca seja tão valorizada em todo o mundo", escreveu o primeiro-ministro da Polônia e chefe de governo Mateusz Morawiecki no Twitter, comentando as informações sobre a concessão do Prêmio Nobel de Literatura a Olga Tokarczuk.

"Parabéns para Olga Tokarczuk. Primeiro Nobel literário da Baixa Silésia. Muito bem!" - escreveu por sua vez o presidente do PO - Partido da Plataforma Cívica, Grzegorz Schetyna.


Um pouco da história de Olga
Tokarczuk estreou no programa de televisão TV Theater (Teatro na Televisão), atriz, em 1998 e como co-roteirista do espetáculo "EE" realizado por Maria Zmarz-Koczanowicz.

Três anos antes, um romance com o mesmo título foi publicado. Esta é uma história do início do século XX, cuja heroína é Erna, de 15 anos (interpretada pela atriz Agata Buzek), filha da família burguesa Eltzner, que inesperadamente revela habilidades parapsicológicas.

"Naquela época, o TV Theater tentava mostrar a melhor literatura contemporânea", lembra Maria Zmarz-Koczanowicz.

"Olga Tokarczuk já era uma escritora bem conhecida, e este livro deu possibilidades surpreendentes. Durante a apresentação deste espetáculo, nos conhecemos. O romance de Olga parecia tão rico em tópicos que era muito difícil se adaptar ao teatro de TV por tempo limitado. Foi o mais divertido quando estávamos tirando as fotos, porque os personagens ganharam vida nessa história bastante imaginária. Olga imaginou perfeitamente Wrocław antes da guerra, na qual a ação ocorre. Todos nós entramos neste mundo. Olga me deu uma mão completamente livre durante a implementação. Ela não interferiu em nada. Ela assistiu à apresentação final e ficou satisfeita, como me disse. Para mim, o Prêmio Nobel de Olga é uma grande alegria".

Em 1999, Tokarczuk ganhou o 2º prêmio no concurso do TV Theater por uma peça dramática. Foi também sua estréia dramática. Atriz também na época, ela interpretou uma funcionária bancária em uma performance realizada um ano depois por Piotr Mularuk. O papel principal - Krysia - foi confiado a Maja Ostaszewska. "O tesouro" acontece perto da residência da autora, estabelecida em Krajanów, perto de Nowa Ruda. No destino de todos os heróis - incluindo Krysia - eles revivem constantemente as coisas do passado, e tudo acontece na fronteira entre acordar e dormir.

Em 1998, Piotr Tomaszuk adaptou (junto com Sebastian Majewski) e dirigiu o Teatro na TV com "Prawiek and other times", que é uma história sobre um lugar que fica no meio do universo. Em Prawiek, uma vila perto da região Podlaska, que é guardada por quatro arcanjos de quatro partes do mundo - os espectadores assistem a episódios da vida de gerações sucessivas de duas famílias, desde a Primeira Guerra Mundial até os dias atuais.

Em 2000, o Teatro na TV exibiu a performance original de Agnieszka Lipiec-Wróblewska, baseada na prosa de Olga Tokarczuk "Números". A história de uma jovem empregada que trabalha em um hotel se tornou uma metáfora para os próximos estágios da vida humana.

Em 2004, os espectadores puderam assistir ao roteiro de "Miłość" (Amor) dirigido por Filip Zylber, que foi uma adaptação de quatro histórias de Tokarczuk, cujos protagonistas são mulheres em várias situações da vida.

Imposto de renda

O fisco polaco não receberá nenhum dinheiro do Nobel de Tokarczuk. O Ministro das finanças, declarou: "Eu tomei a decisão de não cobrar imposto PIT".

A escritora polaca, graças à decisão da Academia Sueca, receberá um prêmio de 9 milhões de coroas suecas, ou aproximadamente 3,5 milhões de złotych. As autoridades fiscais poderiam "ganhar" cerca de 350.000 zł. No entanto, isso não vai acontecer. O ministro das Finanças decidiu "parar de cobrar impostos PIT". Parece que o ministério também aplicará as novas regras aos vencedores do prêmio Nobel subsequentes.

O prêmio financeiro de mais ou menos 3,5 milhões de reais também está associado à decisão de premiar Olga Tokarczuk pela Academia Sueca. A escritora, no entanto, precisaria incluí-la em sua declaração de imposto, ao Departamento de Finanças. O chefe do Ministério das Finanças, Ministro Jerzy Kwieciński, no entanto, decidiu dispensar a escritora da obrigação de compartilhar o prêmio com a administração fiscal. Ao mesmo tempo, ele parabenizou a escritora por ganhar o prêmio literário Nobel em seu Twitter.


Quem é Olga Tokarczuk?
Olga Tokarczuk nasceu em 1962, na pequena cidade de Sulechów. Ela é graduada em psicologia na Universidade de Varsóvia e trabalhou inicialmente como psicoterapeuta. Nasceu 29 de janeiro de 1962 (tem 57 anos), em Sulechów.

É romancista, escritora, psicóloga, poetisa.

Recebeu os Prêmios Kulturhuset Stadsteatern, Prêmio Nike de Literatura, Prêmio Internacional Man Booker, Prêmio Nike de Literatura, Medalha de Prata do Mérito Cultural Polaco Gloria Artis, Nobel de Literatura Trabalha na Universidade Iaguielônica de Cracóvia.

Depois do consultório de psicologia, passou a se à literatura, ganhando popularidade na Polônia e no exterior. Ela criou histórias que apareceram na revista "Przełaj". Seu romance de estréia foi "Viagem do Povo do Livro", publicado em 1993.

Dois anos depois, seu segundo romance, "EE", apareceu no mercado e, em 1996, "Prawiek i inne czas". Outros romances de Tokarczuk incluem "Wardrobe", "Tocando em muitos tambores", e "Anna nos túmulos do mundo".

A Polônia não é o umbigo do mundo

"Hoje é impossível falar sobre a Polônia sem falar sobre o mundo, essa Polônia é uma miragem" , disse Olga quando foi nomeada para o prêmio Booker.

"Muitos escritores dizem que um prêmio de prestígio também é pressão. Você a sente vestindo? Sem exagero. Minha vida sempre foi dividida em duas esferas: introvertida e extrovertida. Eu experimento períodos introvertidos quando escrevo um livro. Eu permaneço em um estado de certa suspensão, em uma bolha, em um diálogo interno comigo mesmo. Mas então chega o momento em que tenho que sair dessa bolha, começar a entrar em contato com as pessoas, falar sobre meus livros, conhecer leitores. Sempre separo claramente essas duas esferas, até aprendi a me preparar mentalmente para a transição de uma para a outra. Depois dos cinquenta, a maior virtude é a capacidade de dizer não".

Entrevistador: Agora pode ser difícil, porque provavelmente em conexão com a indicação de Booker para "Arado", você ficará cada vez mais conhecida. A ação deste romance se passa em uma pequena vila polaca em uma província esquecida. Isso incomoda os britânicos?

Olga: Eu acho que não. Afinal, sob a superfície da ação semi-primitiva, meu romance aborda problemas mais profundos e universais, vivos em outros países. Além disso, personagens excêntricos, e essa é Janina Duszejko, a personagem principal de "Arado", facilmente atravessam as fronteiras de países e culturas. Quando o romance foi lançado em francês, recebi um e-mail de um clube canadense de leitores de livros. Acabou que eles fundaram um grupo de fãs de Janina Duszejko lá!

Entrev: No caso de Booker, a tradução desempenha um papel importante. Quais são as suas impressões depois de ler seu livro em inglês?

Olga: Eu tenho duas tradutoras de inglês: Jennifer Croft e Antonia Lloyd-Jones. O primeiro deles , Croft traduziu "Biegunów", enquanto Antonia decidiu por "Plough". Eu as conheço muito bem e sei que sentimos o senso de humor uma da outra. É impossível conversar com Antonia seriamente, você nunca sabe se algo é sério ou não. Afinal, é claro, ela é simplesmente uma ótima tradutora, com um grande senso de paradoxos da linguagem. Quando li a tradução dela, a voz de Duszejko estava em minha mente apenas como a voz de Antonia. Agora surgiu a ideia de que ela lêsse este livro para as necessidades do audiolivro.

Entrev. : Britânicos sentem vossa literatura?

Olga: Há algo nisso. Outros escritores polacos também estão presentes na Grã-Bretanha: Jacek Dehnel, Wiola Grzegorzewska e Julia Fiedorczuk. Espero que haja mais de nós e nossa voz seja ouvida com mais força.

Entrev.: Infelizmente, recentemente, não falamos alto sobre nossas realizações, mas sobre o fato de que os padres polacos queimam livros em público. Isso provavelmente não constrói a imagem da Polônia como um país que defende a cultura?

De fato, essas informações receberam ampla cobertura na mídia em todo o mundo, mesmo em países muito exóticos. Toda essa situação é o resultado da atitude nostálgica e anacrônica da Igreja, que apóia instintivamente - a menos que seja uma estratégia - a religião popular do século XIX, baseada na fé no diabo e no mal, exclusão, culpa e diferenciação. Esses velhos quadros de fé e religiosidade são completamente incompatíveis com a maneira como as pessoas vivem e pensam hoje. Se adicionarmos a isso um nível intelectual bastante baixo de muitos padres, teremos um efeito estranho na forma de queima de livros. Há outro problema - tenho a impressão de que não há o suficiente do mundo exterior na mídia polaca. As televisões governamentais e não-governamentais permanecem em segundo plano e relatam apenas o que está acontecendo, nem mesmo na Polônia, mas em Varsóvia. Não há eco de nós no que o mundo vive, o que está acontecendo na Ásia ou na África. De acordo com esta versão, a Polônia é o umbigo absoluto do mundo. Então, as pessoas que assistem nossa TV vivem em um estado mental atrasado. Mas essa Polônia é uma miragem. Hoje é impossível falar sobre a Polônia sem falar sobre o mundo.

Entrev.:Voltando à queima de livros ...

Olga: Felizmente, esse evento incomodou muitas pessoas na Polônia e teve uma reação brusca. Por exemplo, em Wroclaw, em maio, estava planejada uma grande campanha de leitura, que os nazistas queimaram uma vez.

Entrev.: Em que consistiu?

Olga: Funcionários do governo local, artistas e residentes puderam trazer livros proibidos pelos nazistas, incluindo Lessing ou Tomasz Mann - autores cujas obras foram queimadas em muitas cidades alemãs em 1938.

Entrev.: Na onda de popularidade, você relançou recentemente seu livro de estréia "Jornada do Povo do Livro". As memórias e emoções de anos atrás retornaram?

Olga: A ideia de retomar meu livro de estreia veio da editora, admito que estava relutante. 30 anos se passaram desde que foi escrito - essa é toda a era. Mas quando li recentemente antes desta retomada, parecia emocionante e íntimo. Como se alguém o tivesse escrito, mas alguém que eu entendi bem.

Entrev. : A passagem do tempo é culpada?

Olga: Provavelmente. Quando escrevi "Viagem" há 30 anos, eu era uma pessoa completamente diferente. Penso que durante as nossas vidas mudamos dramaticamente pelo menos várias vezes, construímos mais versões da nossa personalidade, mais visões. Somos mudados pela experiência e conhecimento que adquirimos. Sempre me pareceu que a personalidade é um conjunto de possibilidades, não algo que é permanente e se desenvolve apenas de uma maneira de maneira linear.

Repercussão na Revista Polityka

O Prêmio Nobel de Olga Tokarczuk é um grande presente para os tempos do caos, com este título a crítica de literarura Justyna Sobolewska, começou seu artigo numa das mais importantes revistas semanais da Polônia, ao saber do anúncio da ganhadora do Nobel 2018,  hoje, 10 de outubro de 2019.

"A alegria do Nobel por Olga Tokarczuk também é a alegria do leitor e da leitora, em cujos olhos a nova literatura dos anos noventa ganha ressonância global. "Descreva sua vila para que ela se torne universal." Olga Tokarczuk dominou essa arte como nenhuma outra.

O Nobel literário de Olga Tokarczuk era esperado e inesperado. Tokarczuk apostou em casas de apostas e na imprensa mundial, mas nossas várias esperanças são tão raramente cumpridas que às vezes temos medo de tê-las. Enquanto isso, recebemos um grande presente. Porque este prêmio para Olga Tokarczuk é um presente para todos nós em um momento em que há poucas razões para ser feliz.

O mundo teve que apreciar Olga Tokarczuk

Quando li "Os Livros de Jacó" , pensei que este seria um livro que o mundo apreciaria, porque é um romance europeu no sentido mais profundo: o caminho de Jakub Frank e seus seguidores conduz por toda a Europa, de Lwów, passando por Varsóvia, Viena, até os Bálcãs.

Tokarczuk descreve um momento interessante - o final do século 18, quando tudo se resume, o velho mundo cai, algo novo surge, a iluminação colide com o pensamento religioso, o mundo da razão espera por um novo messias. Paradoxalmente, o romance mostra que esse movimento incessante, o que nos parece cair e cair, na história pode ser transformado em outra coisa. Hoje, diante de nossos olhos, o mundo conhecido está desmoronando, as mudanças estão se acelerando, por isso vale a pena olhar para o passado para ver momentos semelhantes de desintegração e o surgimento de uma nova ordem.

Cruzando fronteiras nos livros de Tokarczuk

É também uma história - como ouvimos na justificativa - sobre a passagem de fronteiras (a justificativa sugeria que na Suécia os "Livros de Jacó" haviam sido lidos com cuidado, que foram recentemente em sueco; agora também apareceu uma tradução em alemão). Mostra a Polônia multicultural e multiétnica e seus heróis, os franquistas, tornam-se refugiados vagando de tribunal em tribunal. Seus heróis são "estrangeiros", mas acontece que somos todos "estrangeiros", nossos ancestrais vieram de algum lugar; ex-seguidores de Jakub Frank se misturaram à paisagem polaca.

"Crossing Boundaries" também se refere ao romance "Bieguni", pelo qual Tokarczuk recebeu o Booker Award. O romance escrito há 10 anos fala sobre um mundo sem fronteiras, pode-se viajar livremente, sobre os cidadãos do mundo e sobre postes - pessoas que sempre devem estar em movimento. Desde então, as fronteiras se fecharam, a Europa começou a cavar contra os refugiados. A visão de Tokarczuk pertence ao passado, mas ainda há esperança de que esse mundo não se perca para sempre.



Olga Tokarczuk ainda está em movimento (hoje viajou pelas rodovias alemãs) e, ao mesmo tempo, está fortemente ligada à sua região, com Nowa Ruda, onde criou um festival literário. Com a Voivodia da Baixa Silésia, que ela descreveu em um dos livros mais bonitos: "Casa diurna, casa noturna". Também notamos que cada um de seus livros é diferente - de sua estréia "A Viagem do Povo do Livro", até "Prawiek e outros tempos", que foi um dos livros mais importantes dos anos 90, pelas histórias "Tocando na bateria", até o monumental "Livros de Jacob", Um romance histórico, mas corresponde fortemente ao presente. E ainda Tokarczuk escreveu sobre o futuro, sobre os tempos pós-humanos - mesmo em "Histórias Bizarras". O que conecta seus livros é observar atentamente a hora da mudança. E a busca de significado em tempos de caos.


 Olga Tokarczuk sobre "Pokot" e sobre o fato de o mundo se tornar feio


O jornalista Janusz Wróblewski entrevistou Olga Tokarczuk sobre as adaptações cinematográficas de sua prosa, sobre "Pokot" e sobre a Polônia, nas quais é cada vez mais difícil viver. O filme foi selecionado como representante de seu país ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 2018

Janusz Wróblewski: O filme teve algum impacto na sua sensibilidade, na sua imaginação literária?

Olga: Acho que sim. Hoje todos pensamos em imagens. O filme teve um enorme impacto na literatura, pode ser visto a olho nu no exemplo do romance - o ritmo da história é diferente, a maneira de contar histórias modeladas na edição de filmes apareceu, também uma espécie de suspense literário, e o papel do diálogo mudou. Isso é especialmente evidente no romance anglo-saxão. Às vezes, você tem a impressão de que esse romance é um script com didaskalia, apenas escrito de forma diferente.

Wróblewski: Muitos escritores não gostam de interferir na questão literária. Eles são contra a introdução de novos personagens, mudando a narrativa, mais a mensagem. Outros deixam cineastas completamente livres. A que grupo você pertence?

Olga: Eu realmente me preocupo com certa lealdade, especialmente quando se trata de sentido. Por exemplo: os criadores de teatro geralmente tratam textos literários como matéria-prima a ser processada à sua maneira e, às vezes, pode ser censurável ao autor vivo ou a seus herdeiros. O filme, no entanto, geralmente procura um texto literário ao procurar uma história. Quanto mais a história está envolvida no texto, mais difícil é criar um filme. É difícil, por exemplo, trazer para a tela o tipo de escrita que conta do ponto de vista de um narrador em primeira pessoa, quando você precisa construir um ponto de vista subjetivo muito sugestivo. A natureza do filme é que ele conta mais objetivamente que constrói um certo mundo que existe fora. O senso de humor no filme e no texto também é diferente. Por exemplo, Woody Allen usa um senso de humor muito literário com grande sucesso.

Wróblewski: David Lynch, e antes dele, por exemplo, Hitchcock, estavam procurando um significado para desfocar as fronteiras do mundo visível. Nesta perspectiva, sua prosa poderia ganhar alguma coisa?

Olga: Talvez seja isso. Nas adaptações de meus textos, geralmente dava total liberdade aos diretores, porque sabia que os meios utilizados pelo filme são diferentes e, às vezes, é preciso se adaptar a ele e concordar com certas mudanças, simplificações ou enriquecimento. Só interviria quando o sentido e o significado iriam muito além das minhas intenções.

Wróblewski: Sua escrita, que é uma tentativa de criar a Nova Mitologia, é considerada não cinematográfica. Apesar disso, seus livros costumam ser exibidos. Como você vê as tentativas feitas, entre outros através de Ryszard Brylski ("Żurek"), Maria Zmarz-Koczanowicz ("EE"), Piotr Mularuk ("Skarb") ou Piotr Tomaszuk ("Prawiek e outros tempos")?

Olga: Non-filme? Eu não concordo com isso. Eu escrevo com fotos, você só precisa ter uma ideia para elas. Todos os títulos que você mencionou são muito originais, eles tiveram uma ideia. Hoje eles pertencem mais aos cineastas do que a mim. É muito bom que o texto literário seja para eles um ponto de partida para algo novo e todos os tratem um pouco como pretexto. Por exemplo, "Żurek" é um cinema de grande autor, que apenas usa minha ideia fictícia e reproduz tópicos um pouco diferente do que no texto da história. Ele faz isso de forma muito criativa. "EE" é uma adaptação bastante fiel - sua força está na ótima atuação. Os personagens, apenas esboçados no livro, se materializam aqui, adquirem dimensões adicionais através de sua fisicalidade e singularidade. Me arrependo muito que este excelente desempenho do programa Teatro de Televisão com o fantástico papel de Agata Buzek é conhecido por apenas alguns. Não é exibido na televisão há anos. "Prawiek" também é uma produção para o Teatro de Televisão, na verdade a segunda versão, porque a primeira foi tocada maravilhosamente pelo Teatro Wierszalin. "Tesouro" deve muito à maravilhosa interpretação de Maja Ostaszewska.

Wróblewski: A visão do mundo criada por Agnieszka Holland em "Pokot", adaptação cinematográfica "Guie seu arado pelos ossos dos mortos", corresponde à sua imaginação? Você se identifica totalmente com ela?

Olga: Agnieszka é um mestre de cinema. Trabalhar com alguém assim é uma ótima experiência. Seus filmes me acompanharam desde que fui ao cinema. Desde o início, presumi que Agnieszka tinha sua visão dessa história e a aceitei desde o início. Enquanto trabalhamos no texto, tivemos o maior problema em transferir para a tela o humor característico e excêntrico da heroína principal e seu ponto de vista subjetivo. Daí sua estrutura híbrida na fronteira de espécies e formas. Apesar disso, provavelmente devido à importância das questões que carrega, o filme é mais seriamente comparado ao romance, e às vezes até se opõe ao realismo. Não esperávamos que a recepção desse filme fosse inesperadamente influenciada pela situação política na Polônia, que de repente ganhou um novo contexto muito específico e, assim, se tornou uma espécie de manifesto político.

Wróblewski: Lembre-se: a heroína de "Pokot", uma arquiteta aposentada Duszejko, defende o direito à vida, mas ela não segue as regras pelas quais luta. Houve uma acusação de que você defende o ecoterrorismo, enquanto atribui um papel negativo à Igreja Católica em favor da caça e da matança de animais. Agnieszka Holland acredita que é uma provocação intelectual.

Olga: Muito é permitido na arte, certamente muito mais do que em uma declaração de mídia ad hoc. Este filme explora uma possibilidade, mostra um certo paradoxo. A principal questão por trás dessa história é: O que um cidadão decente pode fazer quando descobre que a lei moral e a lei constitucional são violadas, ignoradas e ignoradas? Até que ponto temos o direito de nos rebelar contra autoridades que não cumprem os padrões morais? Temos o direito à desobediência civil e até onde pode chegar? Sim, em certo sentido, é uma provocação, é uma oferta para experimentar uma catarse imaginária. Funciona um pouco como "Inglourious Inglourious" ou "Django" de Quentin Tarantino. Passamos na fronteira entre a representação realista e imaginária do mundo. É antes um conto de fadas sobre as características de um panfleto político.

Wróblewski: Porque pessoas com opiniões políticas diferentes gostam de matar animais, que sempre o fizeram corretamente. Você teve a impressão de que esse conto de fadas sensibilizou ou mudou um pouco a consciência dos polacos?

Olga: O filme apareceu em um momento especial, embora a atmosfera em torno da ecologia, da proteção da natureza e da caça tenha sido estragada há algum tempo. Quando o filme estava nos cinemas, o ministro Szyszko atirou no faisão criado no aviário. A história de uma velha louca com quem ninguém a conta ou a trata seriamente, e que se vinga por matar inocentes e fracos, repentinamente diante de nossos olhos se tornarem muito mais reais, porque dizia respeito ao aqui e agora. Talvez essa transferência para o mundo real significasse que os espectadores receberam o filme literalmente como um manifesto e até como uma ameaça. Mas o filme foi feito cinco anos e o livro foi escrito nove anos atrás.

Wróblewski: Agora o clima é radicalizado, mais se fala em violência.

Olga: Eu tenho medo da violência como o fogo, mas sua ameaça está acima de nós. Talvez existam indivíduos psicopatas em algum lugar que impressionam, mas isso é patologia. Raiva, raiva e irritação, no entanto, existem e não podem ser varridas para debaixo do tapete. No livro "Lead Your Plough ...", que foi a base do script "Pokot", assistimos ao processo do nascimento da violência, mas, acima de tudo, vemos que o homem não tem controle sobre isso, porque a erupção da violência também é catártica. A arte tem sido usada como uma plataforma para a imaginação há milhares de anos, onde você pode lidar com esses sentimentos sombrios de forma controlada. Olhe para eles, toque-os. A arte foi inventada para romper fronteiras; a boa arte se torna kitsch. Até agora, pessoas que pensam como eu dormem no sentido ilusório de segurança que o politicamente correto dá. Em um mundo de muitos valores, era uma espécie de polidez e respeito assumido nas relações com outras pessoas. Acabou. A palavra "esquerdista", que já foi usada para alguém com visões esquerdistas ultra-radicais, é usada hoje em dia para alguém que não concorda com a política do PiS ou não vai à igreja. "Você morre, sua vagabunda" é um comentário em um artigo na internet. Esse lado sempre lutou pelo politicamente correto em nome da liberdade. E conseguiu. As pessoas, convencidas de que o politicamente correto limita sua liberdade, se jogaram na garganta uma da outra. E aqui temos: "sua puta" é um comentário ao artigo na internet. E aqui temos.

Wróblewski: Guerra de duas tribos. Mais alguma coisa te surpreendeu no debate sobre o filme?

Olga: Só isso. As pessoas esqueceram um pouco que estão indo ao cinema. Eles queriam algum comentário político real sobre o que estava acontecendo. Eles trataram Janina Duszejko a sério e literalmente. Eles estavam aterrorizados com a violência. Penso que quando as emoções associadas aos movimentos loucos do ministro Szyszka enfraquecerem e ele se aposentar politicamente bem merecido, o filme será assistido sem todos esses contextos quentes. Então sua dimensão provavelmente será vista mais claramente como uma parábola trágica de desamparo, raiva e desobediência civil.

Wróblewski: O papel da literatura e do cinema ambicioso hoje em dia se baseia principalmente no racismo estigmatizante, na xenofobia, no fanatismo e na defesa dos direitos das minorias?

Olga: Infelizmente, vivemos tempos difíceis e violentos, nos quais devemos perceber constantemente o que parecia tão óbvio até recentemente - que tipo de mundo queremos. Estes não são bons tempos para a arte; como um tipo de comunicação social, ela deve cada vez mais entrar no discurso político. Ainda é possível dizer hoje algo que não se enredaria na reflexão sobre ameaças, desigualdades sociais, fascismo das sociedades, ameaça de guerra e ameaça de ruptura da ordem democrática? A arte não pode ser reduzida a lidar com a 'beleza'. O mundo simplesmente se tornou feio.

Wróblewski: Ele nunca foi bonito, apenas artistas nem sempre foram tão abertamente envolvidos na disputa política. Enquanto isso, como os políticos, eles estão cada vez mais usando linguagem radical e brutal, às vezes fazendo fronteira com o discurso de ódio. Por outro lado, como evitar um salto para o fanatismo, para uma identificação nítida - com a nação, com patriotismo primitivo, com religiosidade infantil, com quais projetos sociais liberais após 1989 tentaram libertar os polacos?

Olga: Eu assisti esse processo na Internet - nos primeiros ataques incrivelmente brutais de inimigos, a pessoas nojentas e decentes nojentas responderam com calma, sem comentários, ignorando essas entradas. Apenas emanou. Pode-se fazer a pergunta sobre os limites desse desfalque e se inventivos e ameaças acabarão se tornando realidade. Estou preocupado com a facilidade incrível com a qual você pode usar propaganda, mentira e lavagem cerebral hoje. E que funciona de forma eficaz, a longo prazo e com precisão. Em termos de construção de humor xenófobo, essas sementes ruins já foram plantadas e crescerão por gerações. Não tenho idéia de quem serão os jovens, os alunos do ensino médio e as crianças que, além do consumismo, colocam em mente toda essa visão nacional e fascinante do mundo. Receio que não termine bem. Eu posso ver uma imagem inesquecível de "The Cabaret", de Bob Fosse, e uma cena chocante de piquenique, na qual um garoto bonito começa a cantar uma música que parece inocente a princípio, mas em um momento, palavra por palavra, se torna o hino nazista. A câmera também mostra o rosto de um homem idoso ouvindo essa música e - é incrível - nesse rosto, podemos ver o que acontecerá em alguns anos. Eu sinto essa testemunha hoje. Parece-me que o mesmo coro começou sua música e canta aqui na Polônia no século XXI. Eu ainda acredito na arte que conhece pessoas, mas não esconde a cabeça na areia. A arte entendida dessa maneira é um pouco semelhante à educação - abre cabeças,

Wróblewski: A liberdade na Polônia está cada vez mais ameaçada?

Olga: Acho que sim, e que o processo de limitação da liberdade é lento, pouco a pouco, pouco a pouco. Os próximos limites são violados, movidos e inclinados. Ainda é possível interromper esse desmantelamento da ordem democrática, mas deve ser uma ação firme. É muito tarde para negociar, pequenos ajustes para trás, para frente ou para os lados. O que mais me preocupa, como reverter todos esses danos na mente das pessoas, é pensar em conspiração, misturar fatos com mentira, essa confusão mental. Certamente, a escola e a educação escolar baseada no conhecimento devem ser restauradas. Introduzir a religião nas escolas causou muitos danos ao diminuir a distância entre fatos científicos e atos de fé. Por mais de 20 anos, as crianças aprendem simultaneamente, lição em lição, sobre a gravidade e a ressurreição. Isso cria mentes suscetíveis a qualquer manipulação cognitiva. Em um mundo de verdade, essas mentes são impotentes, perdem a orientação. Portanto, dois pecados nacionais - hipocrisia e conformismo - crescem em força. Hipocrisia como a maneira mais simples de manter a coerência cognitiva básica e o conformismo como resultado da incapacidade de pensar de forma independente. No mundo caótico de hoje, vemos como ideologias baseadas na religião tentam introduzir sua ordem, que é de fato a ordem da exclusão - mulheres, estranhos, pensadores diferentes. Somente um estado secular é capaz de se opor a isso.

Wróblewski: "A coisa mais trágica e que vale a pena descrever na vida das pessoas é o fato banal de que você nunca tem o que deseja; você não está onde queria estar; você não é quem você gostaria de ser. Todo mundo experimenta isso, pelo menos em algum momento de suas vidas. E isso é uma fonte de sofrimento "- você assinaria essas palavras hoje?

Olga: É muito budista. Ele fala sobre a ansiedade básica de um homem que está constantemente olhando e ainda se sentindo insatisfeito. Essa ansiedade impulsiona o desenvolvimento do mundo, ao mesmo tempo em que nos sentimos tão insatisfeitos. Essa é uma contradição fundamental, que provavelmente não pode ser superada, exceto buscando a própria autonomia.


Antipolaca

Olga Tokarczuk é uma "escritora antipolaca", segundo o Google. Depois de digitar a frase "Olga Tokarczuk" aos olhos do Google, uma nota da Wikipedia apareceu por algum tempo, começando com as palavras "escritora antipolaca".
Atualmente, depois de inserir o nome de Olga Tokarczuk no mecanismo de busca do Google, podemos ver a descrição retirada da Wikipedia, começando com as palavras: "escritora polaca". No entanto, por algum tempo a palavra "anti-polaca" apareceu lá, e foi capturada nas telas. Não é segredo que Tokarczuk não é uma das favoritas do poder atual.

Até a mídia estrangeira comentou sobre isso, eles escrevem sobre o Nobel para uma mulher polaca. "The Guardian" lembrou a entrevista da escritora depois de receber o prêmio Nike, o que deixou a direita polaca zangada. Tokarczuk disse que a Polônia tem em sua história "atos terríveis" de colonização, ao contrário da visão propagada de um país que se recuperou da opressão.

Tokarczuk foi então chamada de "targowiczanka" e sua editora teve que contratar seus guarda-costas por algum tempo. O New York Times também lembrou Tokarczuk da posição extraordinária na cultura polaca. Em janeiro, ela escreveu um artigo para a revista, no qual avaliou o estado em que a Polônia está localizada atualmente. O artigo apareceu após a morte do prefeito de Gdansk Paweł Adamowicz. "Estou preocupada com o nosso futuro próximo", escreveu ela.

"O prêmio para Olga Tokarczuk eleva o moral dos polacos que acreditam em visões liberais apenas três dias antes das eleições, nas quais o partido nacionalista e populista tem chance de ser reeleito, novamente levando os poloneses ao caminho iliberal" - observou o Washington Post.

Apesar do sucesso da escritora, vamos lembrar essas palavras escandalosas de Tokarczuk: Os polacos são "proprietários de escravos" e "assassinos judeus".

Os polacos são "donos de escravos" e "assassinos de judeus" que deveriam tentar reescrever sua história do zero, "não escondendo todas as coisas terríveis que fizemos". É assim que a história da Polônia é percebida pela vencedora do Prêmio Nobel Olga Tokarczuk de 2018.

"Você terá que enfrentar sua própria história e tentar reescrevê-la um pouco mais uma vez, sem esconder todas as coisas terríveis que fizemos como colonizadores, a maioria nacional que reprimiu a minoria, como proprietários de escravos ou assassinos de judeus", disse Olga Tokarczuk no programa "Passados ​​vinte", na TVP Info, em 2015.

E ela argumentou que a história polaca foi inventada como um falso mito. "Estou começando a pensar que estávamos sonhando com nossa própria história. Inventamos a história da Polônia como um país extremamente tolerante, aberto, como um país que não foi contaminado por nada de ruim em relação às suas minorias" enfatizou.

Ela argumentou que os polacos fizeram pogroms contra judeus durante e depois da guerra. "Você pode ver a história do ponto de vista de uma mulher, camponesa, judia, fantasma ou animal", - acrescentou.

A escritora também se referiu aos eventos atuais em suas declarações. Ela criticou as autoridades atuais. "Vivemos em um país governado por populistas, como resultado, somos surpreendidos por ideias cada vez mais estranhas, mas esse tipo de bizarro não é apenas uma doença polaca, outros países também são guiados por políticas estranhas", ela falou sobre os governos do PiS em uma entrevista ao site wp.pl.

Na mesma entrevista, ela criticou o paroquialismo polaco e julgou todos eles através do prisma polaco. "Começo a sentir, como opressora, a necessidade de lidar com as próximas ideias dos políticos polacos. Os polacos cuidam dos polacos. Estamos terrivelmente sem um horizonte mais amplo para ver que vivemos em um mundo que está mudando muito rapidamente, afundando em guerras subsequentes, a situação climática está piorando", disse Tokarczuk.

Olga com a cineasta Agnieszka Holland

Cartaz do filme POKOT de Holland baseado no livro de Tokarczuk


Brasil
No Brasil, os direitos do romance "Guie seu arado sobre os ossos dos mortos" foram comprados pela editora brasileira Todavia. O livro deve sair em novembro, com tradução de Olga Bagińska-Shinzato.

Já tem até capa e título adulterado para: 



O jornal o Estado de São Paulo, até já publicou o trecho inicial do livro em português:

E agora prestem atenção! Outrora dócil, e em perigosa senda, O justo seguiu seu curso ao longo Do vale da morte. Com a minha idade e nas minhas condições atuais, deveria sempre lavar bem os pés antes de dormir, caso uma ambulância precise vir me buscar à noite. Se tivesse examinado nas Efemérides o que acontecia no céu naquela noite, nem me deitaria para dormir. Entretanto, caí num sono muito profundo; recorri ao chá de lúpulo e tomei ainda dois comprimidos de valeriana. Por isso, quando fui acordada no meio da noite pelo som — violento, excessivo, e por isso agourento — de alguém batendo na minha porta, não consegui me recompor. Levantei às pressas e fiquei em pé junto da cama, vacilando, pois o corpo sonolento, trêmulo, não conseguia dar o salto da inocência do sono para a vigília. Desfaleci e cambaleei, como se estivesse prestes a perder a consciência. Isso tem me acontecido ultimamente, e está relacionado com as minhas moléstias. Precisei me sentar e repetir algumas vezes para mim mesma: estou em casa, é noite, alguém está batendo na porta, e só então é que consegui controlar os nervos. Enquanto procurava os chinelos no escuro, podia ouvir que aquele que tinha batido agora circundava a casa, murmurando. No térreo, na caixa do relógio de luz, guardo gás de pimenta que ganhei de Dionísio por causa dos caçadores ilegais. Foi justamente nele que pensei agora. Consegui achar na escuridão o formato frio e familiar do aerossol e, assim armada, acendi a luz do lado de fora. Olhava para o alpendre pela janela lateral. A neve rangeu e apareceu no meu campo de visão o vizinho que costumo chamar de Esquisito. Estava enrolado numa velha samarra, com a qual às vezes o via quando trabalhava do lado de fora de casa. Debaixo dela podia ver seu pijama listrado e suas botas pesadas para caminhar nas montanhas. — Abra — disse. Com um espanto evidente olhou para o meu terno de linho (durmo vestida com as peças que o Professor e sua esposa quiseram jogar fora no verão, e que me lembram da moda antiga e da minha juventude. Assim, combino o útil com o sentimental) e entrou sem pedir licença. — Vista-se, por favor. Pé Grande morreu. Por um instante perdi a fala e, em silêncio, calcei as botas de cano alto e vesti o primeiro casaco de frio que encontrei no cabideiro. Lá fora, a neve, na mancha de luz jogada pelo abajur no alpendre, virava uma ducha vagarosa e sonolenta. Esquisito estava do meu lado, calado, alto, esbelto e ossudo como uma silhueta esboçada com alguns riscos a lápis. A neve caía do seu corpo ao mínimo movimento, como se fosse um cavaquinho polvilhado com açúcar de confeiteiro. — Como assim “está morto”? — perguntei, por fim, ao abrir a porta, com a garganta apertada, mas ele não me respondeu. De modo geral, ele fala pouco. Deve ter Mercúrio num signo silencioso, acho que em Capricórnio ou em conjunção, quadratura, ou talvez em oposição a Saturno. Podia ser, também, um Mercúrio retrógrado — que, nesse caso, acarretava discrição. Saímos de casa e, imediatamente, nos envolveu esse ar muito familiar — frio e úmido — que nos relembra todos os invernos que o mundo não fora criado para a humanidade, e durante pelo menos a metade do ano nos demonstra a sua hostilidade. O frio atacou brutalmente as nossas bochechas, e emergiram nuvens brancas de vapor de nossas bocas. A luz no alpendre se apagou automaticamente e caminhamos pela neve crepitante na escuridão completa, a não ser pela lanterna de cabeça de Esquisito que penetrava as trevas num único ponto oscilante logo à sua frente. Eu andava na penumbra, saltitando às suas costas. — Não tem lanterna? — perguntou. Claro que tinha, mas conseguiria achá-la apenas de manhã, à luz do dia. Com as lanternas é sempre assim: são visíveis só durante o dia. A casa de Pé Grande ficava um pouco afastada, acima das demais. Era uma das poucas habitadas durante o ano inteiro. Apenas ele, Esquisito e eu vivíamos aqui sem temer o inverno; os outros moradores fechavam a casa já em outubro; esvaziavam os canos de água e voltavam para a cidade. Desviamos então levemente da estrada, desobstruída, que passa pelo nosso vilarejo e se ramifica em trilhas que levam às respectivas casas. Um caminho pela neve profunda, tão estreito que nos obrigava a pisar colocando um pé atrás do outro, alternadamente, enquanto tentávamos manter o equilíbrio, nos guiava até Pé Grande. — Não vai ser uma imagem nada agradável — avisou Esquisito, virando-se para mim e, por um átimo, me cegando completamente. Não esperava nada de diferente. Silenciou por um instante e, em seguida, disse, como se quisesse se desculpar: — Fiquei preocupado com a luz acesa na cozinha e o latido desesperado da cadela. Você não ouviu nada? Não, não ouvi. Estava dormindo, entorpecida pelo lúpulo e pela valeriana. — Onde ela está agora, essa cadela? — Levei embora, está na minha casa. Eu a alimentei e ela pareceu se acalmar. Mais um instante de silêncio. — Ele sempre ia dormir cedo e apagava as luzes para economizar, e dessa vez a luz ficou acesa o tempo todo. Uma faixa brilhante de luz sobre a neve, visível da janela do meu quarto. Foi por isso que decidi ir até lá. Pensei que ele poderia estar bêbado, ou que estivesse implicando com o cão, para que latisse daquele jeito. Passamos por um estábulo arruinado e, logo em seguida, a lanterna de Esquisito caçou na escuridão dois pares de olhos reluzentes, esverdeados, fluorescentes. — Olha só, corças — eu disse num sussurro excitado e agarrei a manga de sua samarra. — Chegaram muito perto da casa. Não têm medo? As corças estavam com as patas imersas na neve até a altura da barriga. Olhavam para nós com calma, como se as tivéssemos apanhado no meio de um ritual cujo sentido não conseguimos entender. Estava escuro, portanto não sabia reconhecer se eram as mesmas jovens que vieram da República Tcheca no outono. Ou será que eram outras, novas? E por que, essencialmente, havia apenas duas? Aquelas eram no mínimo quatro. — Voltem para casa — eu disse, espantando-as com as mãos. Estremeceram, mas não se moveram. Elas calmamente nos acompanharam com o olhar até a porta. Senti calafrios. Enquanto isso, Esquisito limpava os sapatos, batendo os pés contra o solo diante da porta de uma casa descuidada. As pequenas janelas haviam sido calafetadas com papéis de vedação e plástico. Feltro betumado cobria as portas de madeira. Pedaços de lenha de diversos tamanhos recobriam as paredes do vestíbulo. Era, de fato, um interior desagradável, sujo e descuidado. Sentia-se o cheiro de mofo, madeira e terra — molhada e voraz. O odor de fumaça, de longa data, envolveu as paredes com uma camada de gordura. A porta da cozinha estava entreaberta. Assim, de imediato avistei o corpo de Pé Grande prostrado no chão. Meu olhar roçou nele fugazmente, para logo recuar. Demorou um bocado antes que eu conseguisse olhar para lá outra vez. Era uma cena horrível. Estava deitado, retorcido numa posição estranha, com as mãos junto do pescoço como se quisesse afrouxar a gola apertada. Ia me aproximando aos poucos, como que hipnotizada. Vi os seus olhos abertos fixados em algum ponto debaixo da mesa. A camiseta suja estava rasgada na altura da garganta. Parecia que o seu corpo tinha travado uma luta consigo mesmo, foi derrotado e se entregou. Fiquei com frio de tanto horror, meu sangue gelou nas veias e senti como se tivesse cedido para o próprio fundo do meu corpo. Ainda ontem havia visto esse corpo vivo. — Meu Deus — balbuciei. — O que aconteceu? Esquisito deu de ombros. — Não consigo ligar para a polícia, o sinal da operadora tcheca deu interferência outra vez. Tirei meu celular do bolso e digitei o número que conhecia da televisão — 997 — e, em seguida, uma voz tcheca automática ressoou no aparelho. Aqui é assim. O sinal vagueia, sem se importar com as fronteiras nacionais. Às vezes, a fronteira entre as operadoras ficava por um tempo na minha cozinha. Outras, se fixava durante alguns dias junto à casa de Esquisito ou no terraço. No entanto, era difícil prever o seu caráter quimérico. — Você devia ter subido a colina — o aconselhei tardiamente. — O corpo vai enrijecer por completo antes que eles cheguem — disse Esquisito num tom que eu não gostava, particularmente no seu caso: era um tom sabichão. Tirou a samarra e a pendurou no encosto da cadeira. — Não podemos permitir que fique assim. Está com um aspecto repugnante, mas, enfim, era nosso vizinho. Olhava para o pobre e retorcido corpo de Pé Grande e me custava entender que ainda ontem tinha medo desse homem. Não gostava dele. Talvez não gostar fosse até um eufemismo. Deveria, aliás, dizer: ele me parecia repugnante, horrível. De fato, nem sequer o considerava um ser humano. Agora estava prostrado no chão manchado usando uma cueca suja, pequeno e magro, impotente e inofensivo. Ora, um fragmento de matéria que, em consequência de transformações difíceis de ser imaginadas, virou um ser frágil, isolado de tudo. Fiquei triste, extremamente triste, pois mesmo uma pessoa tão desagradável não merecia morrer. Aliás, quem mesmo merece morrer? Eu também compartilharei o mesmo destino, assim como Esquisito e aquelas corças lá fora; todos nós seremos um dia nada mais que um corpo morto. Olhei para Esquisito, na esperança de algum consolo, mas ele já tinha se entregado à tarefa de arrumar a cama revirada, improvisada sobre um sofá-cama em ruínas, então fiz o possível para me consolar sozinha. Passou, então, pela minha cabeça a ideia de que a morte de Pé Grande poderia ser considerada, de alguma forma, algo bom, pois o libertou da bagunça que era a sua vida. E libertou outros seres vivos dele. Eis que, repentinamente, me dei conta dos benefícios da morte e de como ela era justa, à semelhança de um desinfetante ou de um aspirador. Admito, foi o que pensei, e continuo com a mesma convicção. Era meu vizinho, menos de um quilômetro de distância separava as nossas casas, mas, por sorte, o meu contato com Pé Grande era esporádico. Normalmente avistava-o de longe — sua figura franzina e rija, sempre um pouco instável, se deslocava com a paisagem ao fundo. Ao andar, balbuciava algo e, de vez em quando, a acústica ventosa do planalto propagava os farrapos desse monólogo, essencialmente simples e pouco diversificado, trazendo-os até mim. Seu vocabulário era composto principalmente de palavrões aos quais acrescentava apenas nomes próprios. Conhecia cada pedaço de terra deste lugar, pois parece que nasceu aqui e nunca foi além de Kłodzko. Era perito na floresta — sabia como usá-la para ganhar dinheiro, o que poderia vender e para quem. Cogumelos, mirtilos, lenha roubada, gravetos para acender o fogo, armadilhas, o rali off-road anual, as caçadas. A floresta alimentava esse pequeno gnomo, e por isso ele deveria respeitá-la, mas não era o caso. Uma vez, em agosto, durante a estiagem, ele incendiou todo o mirtileiro. Liguei, aliás, para os bombeiros, mas não consegui salvar quase nada. Nunca soube por que ele fez aquilo. No verão, caminhava pelas redondezas com uma serra e cortava as árvores cheias de seiva. Quando chamei sua atenção, reprimindo a raiva com dificuldade, ele respondeu de forma simples: “Cai fora, sua velha”. Só que com mais grosseria. Ele sempre ganhava um dinheirinho extra roubando alguma coisa, dando um jeitinho; quando os veranistas deixavam uma lanterna ou um podador no quintal, Pé Grande sempre aproveitava a ocasião para levar tudo e depois vender na cidade. Na minha opinião, inúmeras vezes deveria ter recebido punições, ou até ido para a cadeia. Não sei como sempre saía impune. Talvez tivesse a proteção de certos anjos; às vezes eles tomam o lado errado. (...)

Em 2014, a editora Tinta Negra publicou "Os vagantes". Hoje esgotado, o romance ganhará nova edição, também pela Todavia, com novo título ("Viagens") e tradução (também de Olga Bagińska-Shinzato). Ainda não há data de lançamento.


Acesso ao site da escritora https://www.tokarczuk.wydawnictwoliterackie.pl/

Fontes: Gazeta.pl / Rzeczepospolita Polska / Gazeta Wyborcza / Wprost / Polityka.pl / jornal O Globo / jornal O Estado de São Paulo

Tradução e adaptação para o português: Ulisses Iarochinski