terça-feira, 26 de junho de 2012

Uma polaquinha no Rio de Janeiro


por Marysia Wróblewska

Marysia Wróblewska, de 22 anos, ou simplesmente Mária, assistiu ao filme Cidade de Deus, de Fernando Meirelles, na sua Polônia natal, quando concluía o ensino médio. Ficou fissurada. Obrigou namorado, familiares e amigos a vê-lo mais de uma vez.
Escolheu graduar-se pelo departamento luso-brasileiro da Universidade de Varsóvia. Passou nove meses num programa de intercâmbio universitário no Algarve, em Portugal. E decidiu viajar até o Brasil para colher material para a sua tese de mestrado sobre o filme. Ficou um mês na cidade e aprendeu de cabeça o que é "miojinho" 

RIO DE JANEIRO, DOMINGO, 21 DE JUNHO
_Quando o avião desceu abaixo do nível das nuvens, fiquei olhando e olhando e olhando pela janela. Estava apavorada. Nunca tinha visto uma cidade tão grande. Parecia um mar de luzes, com as manchas negras das poucas colinas desabitadas. 
Comparado com Lisboa, o Rio não tem fim. Venho de uma pequena localidade - 3 500 habitantes - a 45 minutos de trem de Varsóvia. 
É uma cidade-jardim inteiramente planejada (como Brasília), que nasceu há oitenta anos como refúgio de fim de semana para intelectuais da capital. 
Em Podkowa Lesna (cuja tradução seria Ferradura de Floresta) não existem edifícios, condomínios, nada disso. Há só casas particulares e vilas, cada uma com um jardim obrigatório de 1 500 metros quadrados. Adoro. 
No Rio, a imensidão do espaço com alta concentração humana parece não ter fim. Onde está o subúrbio parecido com o que eu conheço - verde, com casas baixinhas, grandes jardins, floresta por todos os lados? Tive medo de sufocar. Na minha casa, não se ouvem carros na rua, apenas o concerto de grilos. 
Só vou a Varsóvia, que tem 2,5 milhões de habitantes, para festas, pois minha cidadezinha é muito rica em programas culturais. 
No aeroporto, fui recepcionada por Mario Luis Grangeia, colega de faculdade e amigo da minha professora de português na universidade, a brasileira Ana Carolina Beltrão.
Estava acertado que me hospedaria na casa dele, nas duas primeiras semanas, para ter alguém que me explicasse como as coisas funcionam no Rio, o que posso e o que não devo fazer. Na véspera da minha viagem eu tinha assistido ao filme Última Parada 174, inspirado no documentário Ônibus 174. 
A ideia de que poderia estar num ônibus assaltado me incomodou. Quando entramos no prédio do Mario, no bairro do Catete, fiquei boquiaberta. O condomínio me pareceu um hotel de luxo. Tinha coffee shop, lugar para jogar sinuca, piscinas, minicinema, salão de festa infantil e, para adultos, campo de futebol e de basquete, salão da beleza, biblioteca, sala de reuniões!
O que mais me impressionou foi o espaço para bandas de garagem, com instrumentos disponíveis para qualquer um que quiser tocar. Impressionante como facilitam a vida aqui, pensei.
Cheguei bastante cansada do voo, com as pernas inchadas. Mario, formado em comunicação e mestrando em sociologia, trabalha no Ministério Público Federal. Ele tentou entender o que eu pretendia fazer no Brasil e se pôs a telefonar para seus amigos.
Em meia hora conseguiu combinar acho que dois ou três encontros com professores, me deu uma lista completa de nomes de pessoas que eu deveria procurar e me apresentou à caipirinha. Adorei a caipirinha, mas beber depois de dez horas no avião é a pior coisa do mundo. 

22 DE JUNHO_
Meus primeiros sustos: Supermercado - há carrinhos abandonados por toda parte, tudo meio improvisado. Na fila, ninguém parece ter pressa. O funcionário que está no caixa passa os produtos enquanto conversa com todo mundo. Quando acaba o scanning, outro funcionário põe as mercadorias em sacolas de plástico. Mas se não há ninguém para ensacar as compras, a garota do caixa faz isso sozinha (mas eu também tenho mãos!).
 Ruas - os ônibus parecem máquinas da morte. Em vez de dirigir dentro das faixas, o motorista faz o percurso na forma da letra S. Há poucas possibilidades de atravessar a rua sem correr. Pão - só de fôrma ou inchado com ar? 
Depois descobri croissants integrais com ricota, queijo minas, espinafre... Maravilhas do dia: Mercados de frutas e verduras. A maioria não conheço. É fruta, pergunto? É, é! Pode acreditar! - todo o mundo ri. O abacate tem tamanho de melão. 
Na Polônia, tem o tamanho de uma laranja, se tanto. Largo do Machado - de manhã à noite, cheio de gente, na maioria idosos, que jogam de tudo: cartas, dominó, xadrez. Só vi algo parecido em Sarajevo.
Na Polônia, como na maior parte do ano faz frio, não há esse tipo de contato. As pessoas se encontram em casa, num café, no restaurante. A rua é apenas para andar, não para sentar. Nos parques há bancos, mas não há mesas. 

23 DE JUNHO_
Fui à Universidade do Estado* do Rio de Janeiro, com a qual a minha universidade tinha acertado um intercâmbio, a partir de março de 2009. Mas a greve na UERJ parece ter dificultado o diálogo, que nunca mais foi retomado.
Quando cheguei lá, a secretaria estava fechada. Passei cinco horas tentando encontrar material de estudo nas suas várias bibliotecas. Achei o interior do prédio meio escuro. Os corredores sem fim pareciam uma prisão. Mario me ajuda muito - onde ir, a quem escrever pedindo um encontro. 
À noite, fomos encontrar amigos dele, todos muito simpáticos. Perguntaram sobre as minhas primeiras impressões. Todo o mundo quer ajudar, é incrível. Se preocupam. Quando preciso de alguma informação, a pessoa faz bem mais do que responder. 
Ela deixa o que está fazendo e me acompanha até o lugar, explica como tudo funciona e ainda acrescenta: "Qualquer problema, me busca, me pergunta, me liga." Agem como se acreditassem nos princípios da ética de Kant. Tratam o outro como um fim, nunca como um meio. Gosto disso. 
Durante a noitada, todos se puseram a comentar animadamente as novelas e um programa de humor que faz troça de figuras públicas. Mais tarde, em casa, tive a curiosidade de assistir a um bocadinho da televisão brasileira. As emoções parecem falsas, exageradas. Apresentadores riem, gritam, dizem piadas. Na Polônia isso seria falta de profissionalismo. Lá há cinismo. Aqui, há comedia, há escárnio. 
A televisão é como a rua: ruidosa. Na Polônia, a novela tenta imitar a vida normal das pessoas. Aqui vejo personagens que têm 5 mil empregadas e não sabem como se prepara macarrão porque a comida sempre já está na mesa, toda preparadinha. Estranhei os amigos do Mario debaterem tanto o tema. É verdade que muitos deles haviam feito comunicação, o que talvez explique o interesse. Mas mesmo assim... 
Na Polônia, essa faixa de pessoas tende a assistir apenas aos noticiários, nada mais. Quando querem ver um filme, vão ao cinema ou veem um dvd. Televisão é considerada um lixo que muitos optam por não ter. Já a minha geração vive muito mais na internet.
Acho que metade dos meus amigos nem tem televisão em casa. Mas todos têm banda larga. 
À tarde, fui até a Uerj para um encontro com Felix Garcia Lopez, amigo do Mario e professor no departamento de ciências humanas. A UERJ não se parece em nada com as universidades que conheço. Parece mais um exemplo de arquitetura do realismo socialista. Mesmo em Varsóvia, que sofreu bastante com a ocupação dos russos, não temos nada assim, tão monumental e, ao mesmo tempo, horroroso. O encontro com o professor correu bem. 
Ele me apresentou a uma amiga que se ocupa de antropologia visual, e me mostrou alguns números de Cadernos de Antropologia e Imagem, nos quais encontrei inúmeras informações interessantes. Combinei com a funcionária da secretaria que voltaria no dia seguinte para ver a revista com mais atenção.
Logo que cheguei, disse ao Mario que, além das atividades ligadas à coleta de material para a minha tese, também queria participar de alguma atividade bem brasileira, como aulas de samba, capoeira ou surfe. 
Por isso, antes de ir ao cinema, hoje fomos espiar uma escola de dança. As pessoas dançavam samba de salão. Liiiindo! Na Europa, a dança é frequentemente tratada como um desafio. Aqui vejo prazer e naturalidade, nada de competição. Fomos assistir a Budapeste, a adaptação do romance de Chico Buarque. Perguntei se Mario conhecia um filme chamado Garotos Incríveis (Wonder Boys). 
O personagem central é um professor de literatura e escritor em crise. Ao contrário de escritores que não conseguem escrever, o de Garotos Incríveis não consegue parar de escrever. Um dia, uma estudante que alugava um quarto na casa dele descobre um livro e começa a lê-lo. Mas a obra tem mais de 2 mil páginas e a estudante acaba adormecendo.
Acordada pelo professor, ela diz o que achou da obra: "O senhor sempre nos ensinou que para escrever bem é necessário fazer escolhas. 
Mas no seu livro não foi feita nenhuma escolha. Tudo está descrito." Pode-se dizer a mesma coisa de Budapeste. Parece que o diretor não soube fazer nenhuma escolha, e quis mostrar tudo o que está descrito no livro. Houve pelo menos três cenas de relações sexuais desnecessárias para a compreensão do filme. 
Não gostei. Observações enviadas por e-mail para meus pais: Aqui se pode comprar cigarros por unidade, em vez do maço inteiro. É a primeira vez que vejo isso. Na frente do condomínio há uma loja com galinhas, patos e outras aves vivas para vender. Fede tanto que é difícil andar por ali. Não me imagino entrando lá, comprando um dos animais expostos e matando-o para comer. 
Nas ruas e no metrô não consigo deixar de olhar para o bumbum das garotas. Eles têm um formato totalmente diferente dos nossos, mais copioso. Não que as brasileiras sejam gordas, nada disso. Apenas têm mais carne, mais músculos. E todas usam calças bem apertadas. Quando andam, parece que fazem massa com o bumbum. Muito interessante. As diferenças sociais são gritantes. 

24 DE JUNHO
_Andei a pé do Catete até o centro. Fui aos Correios, visitei o palácio de Getúlio Vargas. Queria tirar fotos, mas o Mario me alertou para ter cuidado. Infelizmente, aquilo que mais me interessa é difícil de fotografar.
Não quero parecer uma gringa que fica tirando fotos de "temas sociais". Quando estou sozinha num país desco-nhecido, fico ansiosa. Não consigo comer. Também não consigo adormecer. Por causa da fome? Da tensão? Cada experiência negativa, como o fato de a funcionária da secretaria da Uerj não estar a postos, me reduz a zero. 
Ando meio perdida. Tenho tantas coisas na cabeça que não sei por onde começar. Tudo parece muito difícil. O sentimento de fracasso me ronda. O contato com outras pessoas é difícil para mim. Gosto de ser autossuficiente, de saber. Aqui tenho de perguntar tudo a todos. A língua também não ajuda. Ou melhor, ajuda muito, mas abandonei o meu sonho de falar como carioca. Consigo imitar o sotaque, conheço regras da pronúncia, mas isso não vale nada. 
Quando falo como os jovens de Portugal, ninguém me entende. "Gajo", "fixe", "giro", "pois" aqui não funcionam. No Rio, é só "valeu", "beleza", "vem cá", "tá ligado", "falou", "cara", "legal". Aqui é posto e não bomba de gasolina, é creme de leite e não natas, é faxina e não limpeza. E todo o mundo bota tudo em qualquer lado. Não conheço nenhum verbo no português falado em Portugal que valha para tantos contextos: bota isso, bota aquilo, bota, bota... Todo o mundo bota sem parar. Cada dia aprendo palavras novas. Gosto disso. 

25 DE JUNHO
_De manhã fiz exercícios físicos. Conheço-me bem: se não fizer de manhã, há pouca chance de fazer depois. Mandei e-mails para pessoas que podem me ajudar, segundo o Mario. Depois voltei à UERJ. A secretaria estava fechada, para variar. Mas me lembrei do lugar onde Felix tinha ido buscar um exemplar dos Cadernos de Antropologia. 
Comprei alguns números, fiz cópias de outros e também consultei a revista Intersecções. Ufa, recomecei o meu trabalho. Depois fui assistir a um debate no Centro Cultural da universidade, que abriu uma mediateca no mês passado. Ali são apresentadas mostras semanais de três filmes, seguidas de debates. Eu não tinha visto nenhum dos filmes anteriores ao debate, todos sobre samba e bossa nova, mas mesmo assim quis ver como era. Assim começou o meu grande dilema de conhecimento. 
 O debate foi sobre o jeito carioca de ser. A coordenadora do projeto tinha convidado dois professores, uma psicóloga e um antropólogo. Não vou lembrar os nomes porque essa é uma das minhas grandes dificuldades no Brasil. Se alguém pode se chamar tanto Geni quanto Rosangelica, pode ter qualquer nome. Eu já tinha notado essa minha dificuldade na Polônia. Eu nunca conseguia identificar os nomes dos cineastas citados pela minha professora brasileira - só sabia do filme a que se referia quando ela comentava o seu conteúdo. 
 O debate sobre o jeito carioca evoluiu numa direção inesperada. Primeiro, os palestrantes falaram da forma como os cariocas tratam o espaço, a cidade, qual a fronteira entre público e privado. Depois, passaram a falar sobre o conceito de cidade partida e a polemizar a respeito dele. Assim começou o meu encontro com a bipolaridade do Rio. 

26 DE JUNHO
_Fui ao Museu Nacional de Belas Artes. A maior parte dos quadros é muito parecida com a arte europeia. Voltando para casa, decidi fazer uma comida típica polaca para o Mario. Escolhi placki ziemniaczane - um tipo de massa frita feita de batata ralada com cebola, farinha e ovo. É delicioso. Pode-se comer isso com creme de leite e açúcar, ou com qualquer molho salgado. 
A minha tentativa no uso de ingredientes brasileiros foi um desastre. As batatas daqui contêm muito mais água do que as polonesas. Por isso a massa ficou molhada demais, difícil de fritar. Com a massa já pronta, ainda se sentiam os pedaços da cebola meio crus. Pior ficou o molho.
O resultado final ficou tão indigesto que me envergonhei de apresentá-lo ao Mario. Mas ele insistiu em comer a coisa. Depois do jantar, ele comentou que sexta-feira era o dia em que todo mundo sai, e eu também deveria ir fazer algum programa. 
Perguntei se poderíamos ir a um baile funk. Como ele também nunca tinha ido a um, deu uns telefonemas e logo encontrou uma amiga que levaria um grupo a uma casa de funk. Ficamos de nos encontrar num bar perto do Maracanã, às dez da noite. O grupo chegou por volta das onze (um francês, dois alemães e, acho, alguns brasileiros) e nossa guia chegou duas horas depois. 
Quando perguntamos por que ela demorou tanto, explicou que Michael Jackson tinha morrido e ela teve de escrever um texto sobre ele. Começamos a discutir o papel do Michael na música pop e escolhemos também o lema da noite: nasceu preto, virou branco, morreu cinza.
Finalmente, às duas da madrugada, entramos no baile funk. O ritmo não é muito complicado. As músicas começam frequentemente com o som de tiroteio e o bumbum parece ter controle sobre o resto do corpo. A primeira coisa da qual gostei foi que todo mundo dança. Rapazes e moças, rapazes com moças, moças com moças, rapazes com rapazes.
Em Portugal, tive a impressão de que somente os estrangeiros dançavam. Era triste ver as meninas portuguesas darem dois passos à esquerda, dois para a direita, e nada mais. Zero de energia.
Tentei imitar os movimentos das brasileiras e três jovens procuraram me ensinar o que fazer. Tentei acompanhar, mas quando elas desciam até o chão, desisti - era difícil demais para mim. Quatro jovens de biquínis oncinha começaram a dançar e a cantar no palco. Parecia mais dança erótica do que qualquer outra coisa. 
Cantavam sobre o que garotas devem fazer para encontrar com quem ficar. O baile acabou às quatro da manhã. Não percebi qualquer arma, elemento absolutamente obrigatório segundo vários filmes brasileiros que vi. O chão ficou coberto de latas de cerveja. Na Polônia, vê-se algo parecido só em festivais ao ar livre. Quando o baile acabou, queria muito voltar para casa. Infelizmente, só eu. 
O resto do grupo ainda quis esticar em Copacabana. Como o Mario tinha me dito para não me separar da guia, fui junto. Cheguei em casa às 7h30 da manhã, com frio e fome. Comi os meus placki ziemniaczane, que não me pareceram tão ruins como no dia anterior. Acordei às seis da tarde. 

27 DE JUNHO
_Fomos visitar os pais do Mario, que moram pertinho, no Flamengo. A avó dele é uma portuguesa do Viseu que chegou ao Brasil já adulta. Mesmo morando há mais de cinquenta anos no Rio, ela não perdeu o sotaque português. Achei bonito. Fiquei encantada com o fato de que, finalmente, alguém entendia tudo o que eu falava. A visita me ajudou a compreender a gentileza do Mario. 
Os pais dele também são assim. Como eu trouxe pouca roupa para o Brasil, quase tudo estava sujo depois da primeira semana. A mãe do Mario notou que eu vestia uma camisa do filho e me levou ao quarto dela para escolher cinco casaquinhos. Eu não podia recusar. Saímos da casa deles com dois sacos cheios de comida, e mais um outro, só com casacos para mim. 
Também compreendi melhor o constante cuidado da família com todos. Quando o Mario era pequeno, seu avô foi assaltado ao estacionar o carro em frente à casa. Ele entregou tudo o que tinha, mas mesmo assim levou um tiro e morreu. 

 28 DE JUNHO
_Logo de manhã, Felix, que também trabalha para uma ong chamada Mundoreal, veio me buscar para irmos até a Rocinha. Fomos de carro até um certo ponto - ele, uma aluna sua, um casal de polacos hospedados em sua casa e eu. Depois subimos numa van com mais duas brasileiras da Mundoreal e no meio da excursão juntaram-se ao nosso grupo um americano e uma indiana, filha de diplomata.
Exceto o casal polaco e eu, que estávamos aproveitando a expedição para conhecer um pouco da Rocinha, os outros do grupo começariam um trabalho voluntário na favela através da Mundoreal. Visitamos uma moradora cujo filho era deficiente. Ser deficiente na Rocinha é como viver condenado, virtualmente preso nos muros da própria casa. 
Não tem como sair. As ruazinhas parecem trilhas. Não há asfalto. Há pequenos becos, tudo inclinado e com um chão furado e ondulado. Quando chove os becos se transformam em riachos de esgoto.
Na véspera da nossa visita tinha chovido. Resultado: bati perna durante seis horas, de sandálias, por esgotos e lama. O cheiro era horrível. Tive medo de tocar nas paredes das casas para me apoiar. Parece que na Rocinha o maior problema é a tuberculose. Um em cada vinte moradores tem tuberculose. Incrível! 
Na Polônia tuberculose é considerada doença do século passado. O nosso percurso nos levou à laje da loja de uma conhecida dos brasileiros. Dali vi o mais bonito panorama do Rio - Cristo Redentor de um lado, do outro as praias de Copacabana e Ipanema. Rochas, floresta e o quadro caótico das pequenas casinhas dos favelados. Quando subimos o morro, cruzamos com um jipe do Favela Tour. 
O pessoal a bordo estava vestido de roupa safári, com as máquinas fotográficas apontadas em todas as direções. À tarde fui ver a exposição "Virada Russa". Achei divertido ver no Brasil obras dos nossos vizinhos. A última sala trazia inúmeros cartazes de propaganda da era comunista, inclusive um que glorificava um plano de metas introduzido na Ucrânia. Senti algo esquisito. 
Uma das consequências da coletivização agrícola na Ucrânia foi a fome que matou cerca de 6 milhões de pessoas. O meu avô nasceu no território que depois da Segunda Guerra passou a fazer parte da União Soviética. A Polônia também ficou sob "curadoria" da URSS. 

29 DE JUNHO
_Às onze horas da manhã eu tinha encontro na Fundação Getulio Vargas com Mariana Cavalcanti, professora que trabalha o tema "favela" do ponto de vista antropológico. 
Fui parada pelo primeiro segurança por estar de chinelo de dedo. A recepcionista telefonou para a professora, avisando que eu a esperava embaixo. Pensei que a intervenção da acadêmica iria liberar a minha entrada no prédio, mas não. Mesmo desconhecendo o regulamento da Fundação, acho que a instituição deveria respeitar mais os seus colaboradores. 
Assim, a professora Cavalcanti teve de abandonar o posto de trabalho para se encontrar comigo. Fomos sentar num bar. Senti-me estúpida. A conversa com a professora foi útil e ela aprovou o meu projeto de tese. Ao nos despedirmos, ainda perguntou se eu tinha tempo para um encontro com uma colega sua, a quem também tinha enviado e-mail. Em cinco minutos apareceu a autora de uma análise da série televisiva Cidade dos Homens. 
Ela se mostrou menos entusiasmada com o meu tema. "Eu sou da velha escola", disse-me. "Você deveria se concentrar mais na análise do próprio filme Cidade de Deus." Fiquei um pouco triste porque o que mais me interessa no filme são as reações a ele. À tarde fui ver um dos cartões postais do Rio - peguei o teleférico e subi o Pão de Açúcar. Me surpreendi com o tanto de brasileiros que estavam ali - imaginei que era coisa mais de turistas. 

30 DE JUNHO
_Passei o dia na frente do computador listando os livros que preciso ler, artigos, autores, lugares onde encontrar tudo. No fim da tarde, decidi assistir à abertura de um colóquio sobre o tema "Cinema, Tecnologia e Percepção. Novos diálogos". Saí de casa já atrasada. 
Verifiquei o caminho no Google Maps, mas mesmo assim, só depois de andar por um bom tempo, é que percebi estar na direção errada. Pensei que o Museu de Arte Moderna fosse perto da minha casa e acabei no parque do Flamengo ao anoitecer. A palestra já tinha começado quando cheguei, e era em francês. Depois de meia hora, estava cansada. A língua de conferências é muito hermética. Mesmo em polaco, quando não se sabe bem o tema, acho difícil seguir o rumo de uma palestra. 

1 E 2 DE JULHO
_Fui a outro colóquio no Museu de Arte Moderna. Me ocupou o dia inteiro. Foi uma experiência ótima, com participação intensa do público. Percebi o quanto o cinema está vivo. A literatura é uma arte tão consagrada ao longo dos séculos que, para não dizer platitudes, tem que se estudar anos a fio. Só com um grande conhecimento da história da literatura clássica é possível comentar e avaliar a produção mais atual. 
Já o cinema, ainda está fresco. É mais acessível e o seu desenvolvimento não travou. Ivana Bentes falou de Google Street View e de Google Art. Normalmente, nesse tipo de colóquios, quando o tema central é literatura, fala-se de obras clássicas. Mas Google Art? No intervalo das conferências tentei falar com a palestrante. Apresentei-me e mencionei que a tinha contatado por e-mail. Ela é autora de uma das mais contundentes críticas ao filme Ci-dade de Deus, e por isso eu queria muito ouvi-la. 
Ela me explicou que estava em final de semestre e pediu para lhe enviar outro e-mail. Enviei. Não recebi a resposta. É que eventos assim não são muito propícios para conversas. No dia seguinte tentei a mesma coisa com outra professora. Não consegui. Cada palestrante era logo cercado por amigos, fãs, estudantes, e desaparecem na multidão. Mas o dia não foi totalmente perdido. 
Falei com outros dois professores que até hoje me mandam e-mails com dicas e artigos do meu interesse. Estranho o fato de todos pedirem para serem tratados por você. Quanta cordialidade! Na Polônia, e sobretudo em Portugal, as pessoas são hiperatentas a títulos. 
Na universidade é sempre: Estimado sr. doutor/professor. Já nas aulas da minha professora brasileira no Algarve, podíamos tratá-la pelo primeiro nome. À tarde fui com o Mario a uma roda de samba de um amigo dele. O convite de cinco linhas avisava com humor: "Nós somos mesmo ruim." Era num barzinho bem simples mas lotado. Quase todos da turma eram advogados ou mulheres de advogados. Tocavam instrumentos e cantavam aos altos brados. E sambavam. Como sambavam!
Gostei de ver gente que passa a vida numa ocupação séria, sai do trabalho, vai a um bar e descarrega a energia. É nessas horas que se nota uma imensa diferença entre brasileiros e os polacos. Na Polônia, as pessoas também saem, mas nem sempre estão prontas para desfrutar o tempo livre. Reclamamos muito. 

3 DE JULHO
_Recebi resposta de um jovem da Central Única da Favela (Cufa), João Xavier, que eu havia contatado para que me falasse de sua experiência de aprender cinema no bairro Cidade de Deus. Combinamos de nos encontrar. Me programei para assistir a alguns filmes do festival CineCufa. Assisti a sete curtas. Puro horror. A maioria dos filmes cabia em uma de duas categorias: clichê de gêneros televisivos ou documentário amador. 
Muitos enredos sobre meninas que ganham o pão com o corpo, ou de amores infelizes. A linguagem era copiada de novelas. Na segunda categoria, os realizadores não mostravam o mínimo zelo em tornar o filme compreensível. Vi também duas coisas interessantes. A primeira era uma animação, Flor na Lama. Combinava a participação de atores com a animação tradicional e digital. Não imitava. 
O segundo chamava-se Baianinho, uma comédia sobre um rapaz de Salvador que chega a São Paulo para encontrar trabalho. O filme era bom pela montagem, narrativa (finalmente algo com início, meio e fim) e fina ironia. Depois fui encontrar meu contato, João, na livraria do Centro Cultural Banco do Brasil. Ele tem 26 anos. Formou-se em história na puc. Vive na Baixada Fluminense, em São João de Meriti. 
Por dois anos estudou na Cufa, na Cidade de Deus. Estava empolgado com os preparativos da festa de sétimo aniversário do Mate com Angu, o cineclube de São João de Meriti do qual é cofundador. Faz rap e foi enviado à Europa pelo governo para promover a cultura brasileira. Não come carne, não fuma nem bebe. Quando perguntei por quê, ele disse: "Entrei para uma igreja que mudou a minha vida e parei." "Não diga!", me espantei. "Tenho mulher e seis filhos." "Não pode ser!" "E na igreja, acreditou?", perguntou, rindo. João gosta de fazer piadas. Nos despedimos na entrada do metrô. 
Combinamos ir juntos no aniversário do seu cineclube. Voltei para casa contente. Ele me pareceu ser a pessoa certa para o que eu queria explorar - ligado ao cinema, representante de "lá", uma ponte entre o discurso acadêmico e a vivência pessoal. 

4 DE JULHO
_Conforme o combinado, cheguei às cinco e pouco da tarde na estação de metrô da Pavuna, a última na zona norte. João chegou atrasado. Entramos no carro e fomos até Nova Iguaçu. 
Como a festa de aniversário só começava às 19 horas, atravessamos a rua e sentamos num bar tão sujo e cinzento que me lembrou a era comunista na Polônia. Minha geração associa o comunismo à cor cinza, à sujeira, ao descuido com o corpo e o espaço. As cidades eram cheias de migrantes das zonas rurais que pouco sabiam de higiene. 
Pela linha oficial, roupas coloridas eram vistas como ousadas e de mau gosto. Todo o mundo devia se vestir igual, para assim manifestar igualdade e fraternidade. A mesa em que sentamos cheirava a urina.
Pouco a pouco se juntaram a nós mais cinco ou seis brasileiros, uma venezuelana, uma espanhola, uma inglesa e eu, polaca. À exceção da venezuelana, que tinha vindo ao Brasil como turista, as outras, como eu, vieram complementar alguma pesquisa de tese. 
Na festa tive uma conversa bacana com o João. Estávamos com fome e fomos comprar alguma coisa para comer. "Oi, meu irmão, você sabe onde se pode comer algo a essa hora?", perguntou João a um gari. Depois me explicou: "Olha, é assim que se deve falar com as pessoas da rua. Você tem de ser humilde." "Quer dizer que ao tratar alguém de 'senhor' sou mal-educada?" "Mal-educada, não. Mas a forma 'senhor' pode apontar para uma distância social." Essa coisa de "tu", "você" e formas mais formais é um verdadeiro caos para mim.
Não devo tratar professores por "senhor professor", para criar uma relação mais amigável. Não posso tratar as pessoas na rua de "senhor", porque se sentem ofendidas pela minha relação superior? Na Polônia só se tratam as pessoas por tu/você quando se tem intimidade plena. 
Por outro lado, todo o mundo aqui chama o taxista de "moço" e ninguém vê nenhum problema. Para mim, é uma designação que mostra desprezo e desrespeito com o taxista. 
É como ignorar a dignidade de quem desempenha determinado ofício, e apontar para a sua utilidade como empregado. Tenho dificuldade de usar o termo "moço" no meu linguajar. 

5 DE JULHO
_Domingo calmo. De manhã fui com o Mario a um passeio pelo Aterro e depois à casa dos pais dele. Lá, comemos o melhor prato do mundo - bacalhau com natas (creme de leite). Que delícia! Normalmente não aturo o cheiro desse peixe, mas bacalhau com natas... podia comer uma vez por semana até o fim da vida. Em seguida fui até o Museu da República assistir a um debate sobre "A Constituição de 1988: a voz e a letra do cidadão". João seria um dos palestrantes. 
O debate foi interessante. As informações que mais me chocaram tinham a ver com ações da polícia. Um dos debatedores lembrou ter aberto, na Espanha, uma palestra sobre segurança pública mostrando a foto de um Caveirão do BOPE, sem maiores explicações.
Na frente do carro blindado os policiais haviam pintado os dizeres: "Sai da frente, vim buscar a sua alma." Alguém da plateia levantou-se: "Mas é inadmissível que traficantes tenham carros assim!" "Esse é um carro da polícia", esclareceu o palestrante. 
 Outro dado que me chocou foi o número de pessoas mortas por policiais. Mais de mil por ano no estado do Rio, talvez 1 400. O Rio está em guerra. É uma ideia incômoda, mas pouco a pouco me habituei ao fato de que tenho de aceitá-la para entender esta cidade. Voltei para casa pensativa. 
Era o terceiro dia de festa junina no condomínio do Mario. Em geral, não sou muito fã de festas populares, mas é sempre bom ver o que se faz nestas ocasiões em outros países. Alguns elementos se repetem mundo afora. 
Sempre há comida tradicional, especialmente doces. Sempre há música pouco sublime. Sempre há muito barulho. A atitude dos participantes também é parecida mundo afora: comer, beber, não pensar. Para mim, festas populares são como a televisão. A única diferença é que, quando se vê tevê, as pessoas comem sentadas em frente à tela. 

7 DE JULHO
_Passei quase o dia todo na Uerj, dessa vez com grande proveito. Encontrei alguns dos livros da minha lista e fotocopiei toneladas de papel. Livros no Brasil são tão caros que eu nunca poderia comprar todos de que preciso. 

9 DE JULHO
_O grande dia chegou. Finalmente tive um encontro com o professor Paulo Jorge Ribeiro, um dos mais ativos defensores do filme de Fernando Meirelles. Apresentei-me, expliquei mais uma vez o que fazia no Rio e por que escolhi Cidade de Deus como o eixo da minha tese de mestrado.
As primeiras palavras do professor Ribeiro foram: "Meu Deus, falas como uma portuguesa!" Falamos do filme e ele me perguntou o que achava do Brasil- e se estava gostando da estadia. "Claro que gosto, mas é difícil", respondi. Comecei a explicar a confusão que sentia em relação ao Rio depois de assistir a tantas palestras. "Não é verdade que a miséria é sempre igual", observou o professor Ribeiro. "Trata-se de uma hipocrisia. 
A miséria, no Brasil, é muito diferente da miséria em Mumbai. E na Europa? Vocês têm algo parecido com o que temos aqui?" Respondi que não e falei das minhas dificuldades de entender o Rio como um organismo. Cidade partida ou unida? As pessoas se veem, como ouvi de um antropólogo na Uerj, ou se ignoram, como sustenta João? "Você vai ouvir ainda muitas opiniões totalmente contraditórias", ele disse. "No Brasil nada é. Tudo é." Saí do gabinete do Paulo Ribeiro ainda mais confusa. 

12 DE JULHO
_Nos últimos dias passei a maior parte do tempo comprando livros. Em matéria de compras sou pouco feminina. Odeio comprar roupa - ah, esses espelhos cruéis nos provadores das lojas! Mas livros são outra coisa e no Rio perdi qualquer mesura. Vi tanta coisa interessante que não consegui fazer uma seleção, e o resultado foi oneroso: gastei mais de 350 reais para despachar 17 quilos pelo correio. 
 Hoje Mario me apresentou à sua bicicleta e dei pulos de alegria. Fiz o primeiro dos meus passeios em duas rodas. Segundo o Google Maps, rodei quase 25 quilômetros do Catete até o Leblon, ida e volta. Visitei duas livrarias e um sebo. Foi a primeira vez que vi Copacabana à luz do dia. Cheguei no shopping do Leblon cansada e suada.
As minhas pernas estavam sujas de graxa da bicicleta e minha cara estava vermelha como uma beterraba. Senti-me um pouco intimidada. Estava num lugar muito mais luxuoso do que os shoppings que conheço na Polônia. 
Não que nossos centros comerciais sejam sujos ou malcuidados, apenas não há tanta ostentação no ambiente. As pessoas vão ali para comprar, por isso há pouco espaço para sentar, e quando há, são bancos ou cadeiras, e não sofás de couro. Os banheiros são humildes, sem grandes invenções nem estilo. No do Leblon, o espaço me lembrou a recepção de um hotel de várias estrelas. 

13 DE JULHO
_Falta só uma semana para o meu regresso à Europa. Tenho de me esforçar para conseguir fazer tudo. Quando não estou em bibliotecas, escrevo o trabalho para a disciplina "Cinema e outras artes". Para completar meus créditos ainda preciso escrever um artigo de quinze páginas. Mario viajou para participar de um congresso em Santiago e fiquei sozinha em casa. 
Comecei a alugar filmes brasileiros. Todos os dias vejo um. Normalmente depois das minhas sessões de cinema doméstico falo com João. As conversas desembocam em temas mais abstratos como identidade ou sentido da vida. "Você conhece Todorov, o linguista?", perguntou João um dia desses. "É autor de um livro chamado O Homem Desenraizado. Ele cresceu numa ditadura socialista, mas teve uma formação acadêmica na França. Por mais que sua cabeça tenha se tornado francesa, mantém as raízes búlgaras. No fim, não se considera nem uma coisa nem outra. 
Talvez não tenha percebido que ele é, na verdade, a ponte." "E você, também se considera uma ponte?", perguntei "Não: acho que sou um tijolo da ponte. Um entre centenas ou milhares de pessoas que conseguem circular pelos dois mundos." "E você se sente bem nesse papel?" João começou a rir. E disse: "Ser desenraizado é desconfortável. A diferença entre a situação de Todorov e o Brasil é que aqui vivemos na mesma cidade, no mesmo país, na mesma língua, o que evidencia as diferenças de classe. Pobres e ricos são diferentes em qualquer lugar, mas aqui as diferenças são gritantes. 
Ao mesmo tempo em que vivemos em condições parecidas com as da África, posso morar numa favela horrível e ter um laptop. Somos livres e temos o direito ao consumo." Quando eu morava em Portugal, pensava: Meu Deus, nunca estive num país tão parado. Aqui nada acontece de novo, comparado à Polônia. Mas o Brasil, comparado à Polônia, é como um trem-bala. O Brasil está vivo. 

17 DE JULHO
_A minha estadia no Rio está para acabar. Hoje teve o jantar de despedida com João, pois ele viajaria no dia seguinte. Em frente ao restaurante, testemunhei uma cena perturbadora. 
No chão da rua, um garoto de mais ou menos 10 anos estava tendo uma convulsão. Havia pessoas em volta, e ninguém fazia nada para ajudá-lo. Eu queria chamar uma ambulância, mas uma mulher interveio: "Ele está fingindo. Treme assim todos os dias para roubar dinheiro de quem se aproxima." Eu não sabia se devia ou não acreditar naquela senhora. Quando saímos do restaurante, o menino não estava mais ali. 

18 DE JULHO
_Kasia e Bartek, o casal polaco que eu tinha conhecido durante a expedição à Rocinha, voltaram ao Rio depois de uma viagem ao Paraguai e a vários cantos do Brasil. Combinamos de ir ao Jardim Botânico no domingo. A flora brasileira é tão estupenda! Uma árvore no meio da rua faz tanta sombra que a pessoa fica arrepiada. 
Por isso, do Jardim Botânico eu esperava uma exuberância caótica, mas fiquei decepcionada - a natureza tão organizada, as plantas com tanto espaço para crescer. não tinham de competir entre si, lutar para ter luz. Sim, eram majestosas, mas "bem comportadas", sem a vitalidade louca que eu imaginava. Kasia e Bartek contaram que a aventura paraguaia deles tinha sido horrível. 
O Brasil, em comparação, lhes parecia a Europa. No Paraguai, muitas vezes o único táxi disponível era uma charrete. "Aqui, nos sentimos muito mais seguros", disseram. 

20 DE JULHO
_Penúltimo dia no Rio. Me deu vontade de fazer algo especial, diferente. Kasia me convenceu de que deveríamos mudar nosso visual para surpreender todo mundo na Polônia. Ela pesquisou na internet tranças artificiais estilo rastafári, e optamos pela técnica anunciada como "miojinhos": apliques de plástico presos com elástico ao cabelo natural, dividido em trancinhas. Nos encontramos na estação de metrô Uruguaiana às 9 horas, e Kasia explicou que o procedimento todo duraria umas cinco horas. Entramos numa rua onde se viam várias placas anunciando miojinhos. 
Optei por fios de cor meio marrom, meio ruivo. Kasia escolheu fios mais grossos, pretos. As nove horas seguintes foram de horror. O problema é a dor. A pele do couro cabeludo fica em brasas à medida que os elásticos vão sendo apertados. A nossa pele estava tão esticada que mal podíamos piscar os olhos. Voltei para casa, me olhei no espelho e desandei a chorar. Mal consegui dormir de tanta dor de cabeça. O menor toque no couro cabeludo era um suplício. 

21 DE JULHO
_Cheguei com fome no aeroporto. Comprei meu último mate (um mês de Brasil foi suficiente para me tornar totalmente dependente do mate natural) e pão de queijo. Depois entrei numa loja e me dei de presente um par de havaianas com a bandeira brasileira. 
No saguão de embarque, estranhei o péssimo inglês dos funcionários de várias companhias aéreas. Alguns anunciavam os voos com sotaques tão fortes que eu mal entendia do que se tratava. Além disso, faziam chamadas quase ao mesmo tempo. Quando decolamos, me pus a chorar. O Rio havia se tornado uma cidade para onde vou querer voltar sempre. Melhor não pensar nisso. 

23 DE JULHO
_Os Wróblewski percorreram 1 400 quilômetros de carro para me encontrar em Portugal. Minha irmã de 14 anos foi logo gritando: "Meu Deus, Mária, o que você fez na cabeça?" 

 20 DE SETEMBRO
_Faz dois meses que voltei do Brasil para casa. Reencontrei meu namorado, tratei de quase todas as formalidades na minha universidade, voltei a praticar ioga e comecei a organizar o meu jardim. Revi a maioria dos meus amigos e repeti umas 100 vezes a minha aventura brasileira. 
Tudo aqui ainda me parece conhecido, parado, morto. Sempre tive muito orgulho da minha cidade na Polônia, por ser um lugar onde todos participam ativamente da organização de eventos culturais.
No Brasil comecei a ver as coisas sob outra ótica. Em Podkowa Lesna realizamos muita coisa, mas só para o nosso próprio interesse. 
Na nossa vizinhança há aldeias de baixa renda com gente que mal consegue sobreviver com o dinheiro da sua produção agrícola e minioficinas. Quando me lembro do dinamismo do cineclube Mate com Angu, me dou conta do quanto a minha cidade é fechada. Jamais olhamos em direção aos que moram à nossa volta. Nas aldeias da -vizinhança não há cartazes anunciando nossos concertos. 
Em vez de trazer as crianças do campo e lhes mostrar o quanto a vida tem a oferecer, não partilhamos nada do que temos de graça. Recebo e-mails dos amigos, professores ou outras pessoas que encontrei no Brasil. Leio livros que estavam à minha espera. Participo de eventos que têm por tema a cultura do Brasil. Ouço rádios cariocas, roubo filmes brasileiros da internet. Quando a saudade aumenta, vejo fotos de satélite do Rio. 
É só concluir minha tese de mestrado, ganhar algum dinheiro, e estou de volta.

 * Correção em relação à versão impressa da revista.

terça-feira, 19 de junho de 2012

Doda condenada pela justiça polaca

E um tribunal de Varsóvia condenou a cantora Dorota Rabczewska, a popular Doda, a uma multa de 5 mil złotych, por ter ofendido a Bíblia. A sentença foi dada em última instância, o que significa que não cabe mais apelação. 
Mas os juízes conseguiram desagradar gregos e troianos. Ryszard Nowak, chefe do Comitê Nacional para a Defesa das Seitas, que entrou com o processo na justiça declarou, após o resultado proferido pelo juíz, que estava decepcionado e que este o processo se repetiu nesse último julgamento. 
Doda, por sua vez, diz que se sente ofendida com a sentença e seus fãs não sabem o que dizer. 
Relembrando o caso, no verão de 2009, a artista em entrevista ao portal www.dziennik.pl disse "acreditar mais em dinossauros do que na Bíblia", porque segundo ela era "difícil acreditar em algo que foi produzido por pessoas que bebiam vinho e fumavam algumas ervas enquanto escreviam" versículos, salmos etc.. 

O que fica de toda essa questão é que o catolicismo apostólico romano não foi dissociado do Estado ainda na Polônia. Embora em grau menor, comparando com reações violentas de outras religiões (como os protestos violentas do mundo muçulmano em relação a caricatura do jornal dinamarquês sobre Maomé), a condenação da artista (embora branda para alguns) é um ato de censura cometido pela justiça polaca contra a liberdade de expressão, lembrando em muito a Inquisição da Idade Média e os tribunais comunistas.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Destino miserável da Polônia no futebol

Dois dias depois da trágica eliminação, o jornal Gazeta Wyborcza desta segunda-feira, 18 de junho, traz a manchete:
NOSSO DESTINO MISERÁVEL, TEMPO BONITO
Uma das frases no destacadas diz: Os polacos não sabem jogar, mas temos uma Euro maravilhosa.

A bela ministra dos esportes da Polônia


A bela ministra do esportes da Polônia, Joanna Mucha se reuniu com o Ministro do Esporte da Rússia Vitaly Mutko, no sábado em Varsóvia.
O ministro russo veio dar apoio e tratar da liberação dos torcedores de seu país, que foram condenados pela justiça polaca, após o conflito de rua, no dia 12 de junho em Varsóvia por ocasião do jogo entre a Polônia e Rússia. 
A polícia da capital polaca deteve cerca de 200 pessoas, incluindo 25 russos.
A UEFA anunciou hoje que está aplicando uma multa de 30 mil euros à Federação Russa de Futebol por causa dos mesmos incidentes envolvendo torcedores russos e polacos. A Rússia deverá pagar outros 120 mil euros de multa pelo incidentes causados no jogo ocorrido em Wrocław (pronuncia-se vrotssuaf) contra os Tchecos. Além disso, a UEFA vai retirar 6 pontos da Rússia, nas eliminatórias da Eurocopa de 2016.

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Polacos não são xenófobos

O artigo abaixo recolhi no site do jornal da cidade de León, na Espanha, traduzi-o dos espanhol e coloco a disposição dos meus leitores:








Pedro Llamas Rodrigo
Ex-chanceler da Embaixada da Espanha em Varsóvia
14/06/2012

A vida nos reserva assuntos inesperados que de repente afloram, que surgem e se destacam como choques e golpes desagradáveis e inoportunos. Fazer com que sejam palatáveis e amenos e que se acomodem em nossos sentimentos, pareceres e formas na senda de nosso caminhar ao porvir é difícil e escabroso.
Navegando na Internet alguns dias atrás, qual foi meu grande assombro e estranheza ler um pensamento e ideia descabelada e incorreta em relação a minha maneira de pensar. Refiro-me a uma crítica exacerbada. Não cito autor nem autores, "não lhes pareceria melhor que os jogos europeus de futebol tivessem lugar na Polônia e Ucrânia". Diziam e comentavam os familiares de jogadores que participam na EuroCopa que eles ficassem em casa porque senão acabariam voltando em ataúdes.
Citavam os familiares que já tinham se posicionado contra. Pareceu-me demasiado forte, ilógico e inconsequente, porque expunham razões débeis e frouxas ao serem «de ouvido» tal afirmação e acertiva lúgubre.
Os argumentos para a confirmação daquela ideia não eram convincentes ao indicar o absoluto desconhecimento da história, costumes, tradições e idiosincrasia de tais nações onde se celebram os jogos.
Minha intenção nestas linhas são expor minhas razões com absoluta e retumbante oposição e sua desacabida e deslocada opinião sem fundamento nem base na crença de xenofobia existente na Polônia. Nada falo da Ucrânia, pois não conheço. Sim, a visitei apenas.
Primeira, principal e essencial razão para poder fazer uma afirmação desse gênero é ter conhecimento profundo, sério e objetivo, após viver entre os nativos polacos durante anos. Não basta nem é suficiente uma longa excurssão turística nem viagens de grandes e numerosos negócios.
Saber o idioma e linguagem dos nativos para não ter que acudir aos intérpretes e tradutores que não duvido de suas fidelidades, porém não podem superar a certeza e verdade de conhecimentos de primeira mão, qual seja o mútuo entendimento sem recorrer ao apoio e ajuda de tradutores e intérpretes.
Pouco a pouco deve se ir conhecendo através da leitura da história, tradições, costumes… pois essa é uma valiosa e insuperável ajuda.
Os amigos e contactos com pessoas de distintas profissões, escalas, cargos e classes sociais são excelentes meios para poder melhor compreender e comparar conhecimentos adquiridos, pareceres e opiniões alcançados a partir dos diferentes e diversos grupos de falantes.
Os intérpretes seguem a proposta oficial e rotinera do governo de momento e acabam por levar e dizer aos turistas aquilo que convém e está de acordo com a tendência ideológica do partido de turno. Existem outras razões que posso citar, mas creio que as expostas são suficientes e não vejo utilidade mencionar outras para provar e argumentar minha opinião e parecer de que o povo polaco, em geral, e a nação Polônia é um país acolhedor, educado, cortês e dá as boas vindas a todo estrangeiro da raça que seja. Ao mesmo tempo, não descarto a existência de algum abobado, maluco ou retrógrado como acaba sucedendo nos demais países. Minha defesa de parecer se fundamenta e se baseia no que vivi entre los polacos desde o ano de 1992, tenho amigos de famíliares e membros de diversas e diferentes profissões como juízes, advogados, cartorários, médicos, políticos, historiadores, negociantes, operários, camponeses e toda classe de professionais artísticos do teatro, cinema e ciências que se encontram entre meus muitos amigos. Poderia expor milhares de razões para provar que nunca notei, sentido nem percebido essa tendência de xenofobia dos que consideram, achacam, inculpam e acusam de ser xenófobos os polacos.
Minha conclusão é que estas assertivas são infundadas e suas afirmações são falsas e incorretas, descentralizadas, deslocadas e injustificadas... e isto falando com suavidade e delicadeza. Suas faltas de convincentes e rotundas provas da existência de xenofobia, os fazem cair mais ainda em suas destacadas faltas de cientificismo e notável incultura sobre a história, costumes e tradições dos polacos e não ter tido experiência de vida entre e com eles.
Finalmente concluo con um dito polaco que tanto me impresionou quando em minha aprendizagem do idioma polaco. Um professor me disse o que pensan os polacos de seus hóspedes: «Um hóspede em casa é Deus em casa». Conhecendo a tradição religiosa e costumes polacos não fazem falta comentários. Só posso dizer com minha experiência que o ditado segue e seguirá no coração de todo polaco, sendo recibidos todos sem exclusão de raça nem credo.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Tusk acalma Putin


O Primeiro-ministro polaco Donald Tusk conversou por telefone, na manhã desta quarta feira, com o presidente russo, Vladimir Putin sobre incidentes de ontem, antes e depois do jogo entre a Polônia e Rússia. 
Tusk manifestou sua opinião de que emoções negativas não deve ter efeito sobre as relações entre os dois países e seus cidadãos. O primeiro-ministro polaco chamou a atenção do russo para o fato de que a esmagadora maioria dos polacos e russos estavam se divertindo em um bom ambiente. Tusk disse que durante os confrontos de torcedores rivais a polícia provou ser eficaz e atuado com firmeza, e não com brutalidade. 
Ressaltou que os conflitos entre os torcedores não teve caráter político. "Não foi a Polônia e a Rússia que entraram em confronto ontem nas ruas de Varsóvia. Apenas alguns idiotas de ambos os lados que queriam provar que eles são mais importantes que a Eurocopa." disse o primeiro-ministro com firmeza.

Empate em Varsóvia dá esperanças


Capa e contracapa da Gazeta Wyborcza desta quarta-feira, 13 de junho, virou uma página só com a manchete:
Jogamos adiante : Polônia 1 X 1 Rússia

terça-feira, 12 de junho de 2012

Clima tenso em Varsóvia momentos antes do jogo

DASSLER MARQUES 
Direto de Varsóvia (Polônia)
Foto: EFE
Apesar de um clima de bastante tensão, polacos e russos transitam com tranquilidade nos arredores de Varsóvia e do Estádio Nacional, nesta terça-feira, na capital da Polônia.
As duas seleções se enfrentam a partir das 15h45 (de Brasília), pelo Grupo A da Eurocopa, e o duelo é visto como potencial estopim para conflitos entre torcedores dos dois países, rivais desde o início do século passado. 
Com poucas informações, um efetivo bastante reforçado e uma estratégia de segurança específica, não havia registros significativos de atritos até duas horas do apito inicial. "Realmente não sei dizer quantos policiais temos aqui, mas o país todo está mobilizado", disse Janusz, oficial de polícia polaco.
Mas agora há pouco estourou um enfrentamento entre torcedores polacos e russos. Alguns foram feridos e a polícia para dispesar os arruaceiros soltou bombas de gás lacrimogênio e fez detenções.
Foto: PAP
Foto: PAP
Foto: PAP
Foto: PAP

Já na chegada a Varsóvia é possível notar uma certa tensão no ar. Enquanto polacos e gregos se confraternizavam com clima amistoso na abertura, os torcedores que foram ao Estádio Nacional, nesta terça-feira, evitam contato nos arredores do palco da partida. 
Sempre com muitos policiais por perto, entretanto, transitam livremente os fãs de Rússia e Polônia. O esquema de segurança foi alterado, principalmente, em função de uma alardeada marcha de 5 mil russos a partir do Estádio  do Legia Warszawa, mas que acabou por mobilizar poucos torcedores.

Ainda assim, a rua principal na frente do Estádio Nacional de Varsóvia foi bloqueada, pois fica sob a ponte pela qual devem chegar os fãs da Rússia. "Não sabemos o que pode acontecer, então foi fechado", explicou Janusz. 
A entrada ao estádio também é bastante rígida e a revista foi reforçada para evitar qualquer tipo de objeto indesejado. Jornalistas e convidados e membros da Uefa precisam mostrar os pertences de maneira minuciosa aos seguranças que fecham a entrada do Estádio Nacional.

Tensão no ar
Polacos e russos são rivais há séculos e a União Soviética, após a Segunda Guerra Mundial, controlou a Polônia por quatro décadas e impôs seu regime comunista.
Os atritos se aqueceram em 2010 em razão da morte do então presidente polaco Lech Kaczyński e outras 95 pessoas em acidente aéreo na Rússia.
Autoridades polacas, preocupadas pelas atitudes de torcedores russos ao longo dos últimos dias, enviaram um alerta à Federação Russa e prometeram dedicação máxima ao controle de eventuais problemas para o duelo entre os dois países, nesta terça, em Varsóvia.

Os guerreiros polacos na Euro 2012

Atenção locutores, narradores, comentaristas e repórteres brasileiros na Euro 2012 para a pronúncia correta dos nomes dos jogadores polacos:

Sestian Boénisrrrhhh
bert Levanvsqui
mien rquis
Voitchiérrrhh Chtchenchne
Eugen Polansqui
iácub Buachtchivsqui

cach pichtchék
mártchin vachivsqui
dóvks óbraniak
fau muvsqui
tchiei rebus

as sílabas ou letras em negrito e sublinhado são as tônicas ou mais fortes... a maioria das palavras e nomes polacos são paróxitonos, ou seja, a sílaba forte é a penúltima... letras mudas são mudas, por exemplo o w que tem pronúncia de V e não de U como em inglês... atenção, principalmente do ex-jogador Neto, comentarista da Band que ouve o Luciano e na sequência fala errado o nome do Muvsqui  e não muravisqui... viu ô ex- craque do Coxa. 

Para o jogo de hoje, estas são as escalações
POLÔNIA 
22 - Tytoń(goleiro) pronuncia-se Tetonh
2   - Boenisch
13 - Wasilewski
15 - Perquis
20 - Piszczek
5  - Dudka
7  - Polanski
10 - Obraniak
11 - Murawski
16 - Błaszczykowski (capitão)
9   - Lewandowski
Técnico: Franciszek Smuda - pronuncia-se Frantchichék Smuda

Rússia
16 - Malafeev (goleiro)
2  - Anyukov
4  - Ignashevich
5  - Zhirkov
12 - A. Berezutski
6  - Shirokov
7  - Denisov
8  - Zyryanov
17 - Dzagoev
10  - Arshavin (capitão)
11 - Kerzhakov  
Técnico: Dick Advocaat (Holanda)

No caminho dos russos

Na primeira página, de hoje, do jornal Gazeta Wyborcza a apreensão dos polacos com o jogo:
POSSIBILIDADE CONTRA OS RUSSOS
Os russos formam talvez o time mais harmonioso na Euro 2012, alguns jogadores polacos mal conhecem os seus adversários. Neste jogo antes de tudo é preciso muito mais para sobreviver. 

Na foto da esquerda a estrela polaca: 
Robert Lewandowski 
na da direita, a estrela russa: 
Andriej Arszawin


No horário brasileiro, o jogo é às 15:45horas com transmissão pela Band TV, com Luciano do Vale e Neto. E nos canais Sport TV e SportTV HD da Net e Sky.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

72 torcedores russos e croatas detidos


A polícia polaca anunciou que realizou 72 prisões desde o início da Eurocopa, na última sexta-feira.
Segundo o Ministério do Interior da Polônia foram registrados confrontos violentos nas cidades de Wrocław (pronuncia-se vrótssuaf) e Poznań (pósnanh), principalmente envolvendo torcedores croatas e russos
O Ministério do Interior indicou que mais da metade dos 72 detidos estavam sob influência de álcool. A preocupação maior, neste momento, está na tentativa de evitar problemas durante o confronto entre Rússia e Polônia, que será disputado nesta terça-feira em Varsóvia.
A partida é considerada como um possível foco de tensão entre os torcedores das duas seleções. Os dados oficiais revelam ainda que, desde o começo do torneio, a Polônia recebeu em torno de 905 mil torcedores nas Fan Zones e nos estádios.

Polacos deram exemplo em Curitiba

Por Fernando Freire 
Curitiba

Seleção de brasileiros descendentes de polacos aplicou sonora goleada de 18 X 0 nos descendentes de ucranianos de Curitiba
 A Eurocopa é o foco das atenções de quase todo mundo desde sexta-feira e até o dia 1° de julho. O evento, sediado na Ucrânia e na Polônia, reúne as 16 principais seleções europeias e craques como o Cristiano Ronaldo, Robben, Schweinsteiger e muitos outros. A cerca de 10 mil quilômetros dos países que recebem o torneio, descendentes fazem uma - improvável e genérica - final em Curitiba.


Abertura das Festividades com as bandeiras do Brasil, Ucrânia e Polônia
Para comemorar a disputa da Euro e confraternizar, ucranianos e polacos realizaram um amistoso no Estádio do Trieste, em Curitiba-PR, na manhã de sábado. 
O evento teve comida e roupa típicas, hinos dos países e até futebol - muito longe do apresentado nos gramados europeus, claro.
Antes da partida, a cônsul da Ucrânia em Curitiba, Larissa Mironenko, e o cônsul da Polônia, Marek Makowski, fizeram breve discurso e exaltaram a reunião.
Coral Polaco João Paulo II
Coral Ucraniano Haidamak
Depois, corais de descendentes cantaram o hino da Ucrânia, da Polônia e, por fim, do Brasil. A mistura cultural ficou evidente no grito de guerra do time vermelho, meio polaco, meio brasileiro. - Um, dois, três... Polska - gritaram os 11 titulares antes do jogo.


Quando a bola rolou, a Polônia massacrou a Ucrânia. Antes do intervalo, o placar já marcava 9 a 0 para os polacos
E depois do quinto gol, um torcedor mais animado não se conteve: - Tem que levar este time para jogar a Eurocopa lá - pediu, aos risos. 
No intervalo, as arquibancadas do Estádio do Trieste ficaram vazias. Os torcedores foram para a praça de alimentação, na parte interna.

Os polacos tinham à disposição o tradicional pierogi, além de recheio de ricota com batata e de carnes defumadas com repolho, bigos (semelhante à feijoada, mas só que com repolho no lugar do feijão) e sonho. 
Já os ucranianos puderam provar o perohê (o mesmo pierogi dos polacos) e o perohê com holubsti, o medivnêk (mel com nozes), o napoleon (folhada com creme), o muraveinyk (bolacha com nozes e papoula) e a zapicanka (requeijão com amêndoas). 
No sistema de som, porém, nada de músicas típicas. Durante os 15 minutos, canções brasileiras tocaram mais alto, como os sambas de Arlindo Cruz e de Jorge Aragão. Depois do intervalo, os descendentes de polacos não diminuíram o ritmo e marcaram mais nove gols: 18 a 0. Antes do apito final, alguns torcedores da Ucrânia protestaram. "Vergonha". Outros mostraram uma (falsa) confiança. "Vamos virar, time".
Animada, a torcida vermelha e branca até gritou o nome do goleiro adversário e tirou sarro. "Um, dois, três... Genillson é polonês". E, preocupado com a goleada, um jogador da Polônia brincou: - Pô, a gente vai causar uma guerra lá.
O atacante Carlos Henze Júnior, de 29 anos - que tem o experiente Schevchenko, artilheiro da Ucrânia, como referência - não balançou as redes, mas falou da importância da confraternização na capital paranaense: - O lema da Eurocopa é "fazendo história juntos". Este é um lema perfeito para a história de Polônia e Ucrânia. Esta amizade que está se formando entre os povos é um novo tempo. No Brasil, especialmente, em que a gente já tem o costume de ser um país multi-cultural, é importante mostrar esta integração pacífica e de muita amizade.
As torcidas de brasileiros descendentes de polacos e ucranianos no Estádio do Triste E.C. de Curitiba
Depois do jogo, o time azul, apesar da goleada sofrida, fez a festa, dançou e recebeu medalhas. O torcedor Meroslau Vodiani, descendente de ucraniano por parte de pai e mãe, comentou sobre o evento em Curitiba: - Foi uma oportunidade única de os países se cruzarem, se confraternizarem em um local que nos acolheu com muito carinho - afirmou. Os descendentes de polacos também comemoraram a conquista.
Eles, porém, preferiram uma canção brasileira e fizeram a coreografia do "Eu quero tchu, eu quero tcha", música da dupla João Lucas e Marcelo e que se tornou famosa pelas comemorações do craque Neymar, atacante do Santos.
O organizador do evento e secretário do Consulado da Polônia, Paulo César Kochanny, de 51 anos, comentou sobre a "Eurocopa em Curitiba". - A realização deste evento partiu por parte do Consulado Geral da Polônia, como idealizador disto. Imediatamente, nós convidamos o pessoal do Consulado da Ucrânia, para poder juntar grupo folclórico, coral e times de descendentes de polacos e de ucranianos. O objetivo principal era justamente a confraternização e a comemoração pela abertura da Eurocopa. Aqui no Brasil e principalmente no Paraná, a imigração é extremamente forte. Além do encontro esportivo, é também para colocar em foco as duas culturas.
Ao final do amistoso, as duas equipes desfilaram com as bandeiras da Ucrânia e da Polônia
Na Eurocopa tradicional, a Polônia tem um ponto no Grupo A. Ela empatou com a Grécia em 1 a 1 na sexta-feira, no Estádio Nacional de Varsóvia. Já a Ucrânia estreia hoje,  segunda-feira, pelo Grupo D. Ela encara a Suécia, no Estádio Olímpico de Kiev.

A Polônia na Euro 2012



Manchete de sexta-feira, dia 8 de junho, abertura da Euro2012, na Gazeta Wyborcza:
ISTO NÃO É SONHO, ISTO É A EURO
Começamos. Hoje às 18:00 horas no Estádio Nacional. Polônia X Grécia

No sábado, a manchete trouxe o empate:
VITÓRIA ATÉ A METADE
Polônia 1 X 1 Grécia

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Seleção alemã de futebol visita Birkenau

Klose e Podolski - Foto: Jakub Ociepa

Cerca de 30 pessoas da delegação da Federação Alemã de Futebol visitaram os campos de concentração e extermínio alemão de Auschwitz e Birkenau, na tarde de ontem.
Os jogadores polacos de cidadania alemã, Klose e Podolski juntos com os alemães Lahm, Loew, foram os únicos jogadores da equipe. Aqui eles estão diante do monumento às vítimas do Holocasto, no campo de Birkenau e caminhando de volta ao portão principal. Eles estavam com os semblantes claramente tristes e chateados. 
Diferente dos demais visitantes, eles começaram a visita pelo campo de Birkenau, na cidade de Brzezinka, segundo funcionários do Museu, porque não queriam comprometer a visita e causar tumulto no campo de Auschwitz, na cidade vizinha de Oświencim, normalmente mais visitado. 
A seleção de futebol da Alemanha estava chefiada pelo presidente da Federação Alemã de Futebol Wolfgang Niersbach e pelo treinador Joachim Loew
Na Alemanha, antes dos jogadores viajarem a Polônia, houve uma discussão, na imprensa, se a seleção alemã deveria mesmo visitar Auschwitz.
Henry M. Boder, escritor e jornalista alemão de origem judaica, nascido na Polônia, na "Der Spiegel", chamou o anúncio da visita, como um "gesto barato"
O jornalista discutiu com Dieter Graumann, dirigente do Conselho Central dos Judeus na Alemanha, que por sua vez disse acreditar que, "a visita dos jogadores de futebol a Auschwitz é uma mensagem dramática, isto porque os jovens jogadores não têm culpa, mas sinto-me responsável." 
Discussão semelhante ocorreu nas páginas dos jornais italianos. O Chefe da Federação Italiana de Futebol, Giancarlo Abete, disse que a equipe vai visitar o antigo campo Italia, dia 06 de junho, dois dias antes do início do campeonato. "É um gesto que queríamos fazer, porque a seleção é um símbolo do país e deve haver relação dela para com isso também",disse Abete. 
Além deles, a Foundation Holocaust Educational Trust decidiu organizar uma reunião dos jogadores ingleses com  dois prisioneiros sobreviventes dos campos nazistas, e no encontro ocorrido ainda na Inglaterra, decidiram que também visitarão Auschwitz. A seleção holandesa é outra que deverá visitar o campo de concentração.
O Museu Auschwitz-Birkenau decidiu impor novas regras para os visitantes dos campos de concentração alemão nazista das duas cidades polacas, durante a Euro 2012. 

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Audiências das rádios polacas


Algumas curiosidades sobre a audiência das emissoras de rádio na Polônia são interessantes. Em que pese a privatização de quase duas décadas, entre as onze mais ouvidas, as 4 emissoras estatais da Radio Polska ocupam lugar de destaque. A Jedynka se mantém em 3º lugar seguida da Trójka.
A rádio que começou clandestina e já decidiu eleições presidenciais, a Radio Maryja, do padre ultradireitista Tadeusz Rydzyk ocupa apenas a 5ª colocação.
A privada radio RMF de capital internacional se mantém no primeiro lugar já há alguns anos e com uma boa dianteira em relação a segunda colocada.
As emissoras de rádio de maior audiência na Polônia, segundo a firma SMG/KRC Millward Brown Company neste último trimestre são:

1ª - RMF FM - 24,30%
2ª - Radio ZET - 14,90%
3ª - Radio Polska Jedynka - 11,70%
4ª - Radio Polska Trójka - 8,20% 
5ª - Radio Maryja - 3,30% 
6ª - ESKA ROCK - 1,70% 
7ª - TOK FM - 1,40% 
8ª - Radio Polska Dwójka - 0,60%
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Fonte: Gazeta Wyborcza

Obama condecora "pos morten" herói polaco

O presidente americano, Barack Obama, homenageou nesta terça-feira com a Medalha da Liberdade, máxima honra civil nos Estados Unidos, personalidades como o cantor Bob Dylan, o astronauta aposentado John Glenn e a ativista mexicano-americana Dolores Huerta, e o polaco Jan Karski, aos quais descreveu como seus "heróis pessoais". Durante uma cerimônia na Ala Leste da Casa Branca, Obama outorgou a medalha a notáveis representantes dos campos político, social e cultural que, em sua opinião, deixaram uma marca na vida do país e compõem um grupo "fenomenal"
"Cada um dos homenageados nesta terça-feira foi abençoado com uma extraordinária quantidade de talento. O que distingue esses homens e mulheres é o incrível impacto que tiveram em tanta gente, não de forma breve e deslumbrante, mas de maneira sustentada ao longo de toda uma vida", declarou Obama, ao afirmar que todos, sem exceção, "enriqueceram nossas vidas". 
"Muitas destas pessoas são meus heróis. Cada um dos que estão sobre este palco marcou minha vida de forma profunda", destacou Obama. 
 Glenn recebeu o prêmio por ter sido o terceiro americano a viajar para o espaço e o primeiro a orbitar a Terra. Segundo Obama, é "um herói em todos os sentidos". Seus serviços ao país não se limitaram ao espaço sideral, já que, durante seu mandato como senador, segundo Obama, "encontrou novas formas de fazer a diferença" e, em 1998, voltou a fazer história ao viajar pela segunda vez para o espaço, aos 77 anos. "Ele pede a todos que não digam que teve uma vida histórica para que não o ponham no passado, pois continua fazendo coisas", disse Obama, mantendo o teor de brincadeiras na cerimônia.
Entre os condecorados Obama prestou três homenagens póstumas: Juliette Gordon Low (1860-1927), fundadora do grupo "Girl Scouts", Jan Karski (1914-2000), militar americano de origem polonesa que lutou contra o regime nazista, e Gordon Hirabayashi (1918-2012), sociólogo americano que liderou a resistência ao envio de americanos de origem japonesa a campos de concentração durante a Segunda Guerra Mundial. O presidente americano disse que também entregará a medalha ao presidente israelense Shimon Peres, Prêmio Nobel 1994, quando o receber na Casa Branca no próximo mês.

O herói polaco
Jan Karski  nasceu em 24 de junho de 1914, em Łódż, na Polônia e morreu em 13 de julho de 2000, em Washington, Estados Unidos. Foi membro da Resistência polaca na Segunda Guerra Mundial e mais tarde acadêmico na Universidad de Georgetown.
Em 1942 e 1943, Karski informou ao Governo polaco no exílio e aos Aliados ocidentais sobre a situação dos polacos durante a Ocupação da Polônia (1939–1945), especialmente a destruição do Gueto de Varsóvia, e foi o primeiro a denunciar a existência secreta dos campos de extermínio nazistas. Depois de se formar numa escola da escola de sua cidade natal, Kozielewski ingressou na Universidade Jan Kazimierz de Lwów (hoje Lviv, na Ucrânia) e graduou-se em Direito e Diplomacia, em 1935.
Durante o serviço militar obrigatório serviu como um sargento junto aos oficiais da Artilharia Montada da Escola Włodzimierz Wołyński. Concluída a sua formação entre 1936 e 1938, ocupou vários postos diplomáticos na Alemanha, Suíça e Reino Unido. Após um breve período em janeiro de 1939 iniciou seu trabalho no ministério das Relações Exteriores da Polônia.
Após a eclosão da Segunda Guerra Mundial, Kozielewski foi mobilizado e serviu em um pequeno destacamento de artilharia no leste da Polônia. Aprisionados pelo Exército Vermelho conseguiu esconder a sua verdadeira identidade e, fingindo ser um soldado, foi entregue aos alemães durante uma troca de prisioneiros de guerra polacos, o que o salvou da matança de Katyń.
Em novembro de 1939, estava sendo levado de trem para um campo de prisioneiros no território da Polônia ocupada pelos alemães), Kozielewski conseguiu escapar e chegar a Varsóvia. Lá ele se juntou a ZWZ - o movimento de resistência polaco, primeiro da Europa ocupada, que daria origem ao Exército do Povo (Armia Krajowej).
Nessa época adotou o nome de guerra Jan Karski, que mais tarde tornou-se seu nome legal. Outros pseudônimos que ele usou durante a Segunda Guerra Mundial, Piasecki, Kwasniewski, Znamierowski, Kruszewski, Kucharski e Witold.
Em janeiro de 1940, Karski começou a organizar missões como mensageiro de correio a partir da resistência polaca ao governo polaco no exílio. Como mensageiro Karski fez várias viagens secretas entre a França, Grã-Bretanha e Polônia. Durante uma missão, em julho de 1940, foi preso pela Gestapo nas Montanhas Tatras, na Eslováquia.
Depois de sofrer tortura acabou por ser transferido para um hospital em Nowy Sącz, de onde escapou. Após um breve período de reabilitação ele voltou à ativa no Departamento de Informação e Propaganda do Quartel da Armia Krajowej. Em 1942, foi escolhido por Cyryl Ratajski, Delegado da AK junto ao Governo polaco para realizar uma missão secreta para o primeiro-ministro WŁADYSŁAW SIKORSKI, em Londres. Karski deveria contatar Sikorski e alguns outros políticos polacos e informá-los sobre as atrocidades nazistas na Polônia ocupada.
Para reunir provas Karski foi introduzido duas vezes por líderes judeus nos subterrâneos no Gueto de Varsóvia para mostrar em primeira mão o que estava acontecendo aos polacos de origem judaica.
Da mesma forma, disfarçada como um guarda ucraniano, foi parar no campo de extermínio de Belzec. Em 1942, Karski relatou ao governo polaco, a Grã-Bretanha e aos Estados Unidos sobre a situação na Polônia, especialmente a destruição do Gueto de Varsóvia.
Também trouxe da Polônia informações em microfilme sobre o extermínio dos judeus europeus na Polônia ocupada pela Alemanha. O Ministro das Relações Exteriores polaco, o conde Edward Raczynski, pode assim enviar para os aliados informações mais precisas sobre a situação de seu país com o material de Karski.
Karski se reuniu com políticos polacos no exílio, incluindo o primeiro-ministro e membros de partidos como PPS, SN, SP, SL, os judeus Bund e Poalei Zion. Ele também falou com Anthony Eden, secretário das Relações Exteriores britânico, e incluiu uma descrição detalhada do que ele tinha visto em Varsóvia e Belzec.
Em 1943, Londres foi visto com o famoso jornalista Arthur Koestler. Ele viajou para os Estados Unidos e informou ao presidente Franklin D. Roosevelt. Seu relatório foi um fator importante no engajamento do Ocidente.
Em julho de 1943, Karski novamente pessoalmente informou a Roosevelt sobre a situação na Polônia. Durante a reunião, Roosevelt subitamente interrompeu a exposição de Karski e perguntou sobre as condições de vida dos cavalos na Polônia ocupada.
Em 07 junho, Karski reuniu-se com muitos governos e líderes cívicos nos Estados Unidos, incluindo Felix Frankfurter, Hull de Cordell, Joseph William Donovan e Wise Stephen. Frankfurter, sobre o relatório Karski foi bastantecético. Mais tarde, diria: "Eu não disse que ele estava mentindo, eu não podia acreditar nele. Há uma diferença."
Karski apresentou o seu relatório para a mídia, para os bispos de várias denominações (incluindo o Cardeal Samuel), a membros da indústria cinematográfica e estrelas de Hollywood, mas sem sucesso.
Em 1944, publicou Karski no Courier da Polônia: A História de um segredo de Estado, onde ele relatou suas experiências na Polônia durante a guerra.
O livro era originalmente para ser transformado em filme, mas isso nunca foi feito. O livro provou ser um grande sucesso, com mais de 400.000 cópias vendidas nos Estados Unidos até o final da Segunda Guerra Mundial.