segunda-feira, 16 de novembro de 2009
Israel agradecido ao Brasil
Semana passada, o Presidente de Israel, Szymon Peres, em visita oficial ao Brasil, pronunciou no Congresso Nacional, um discurso pungente. Cheio de referências ao Brasil e ao seu Israel. Falou de processos de paz e até de futebol e carnaval. Mas sua mensagem deve ser entendida como um sinal de paz, antes de tudo.
Senhor José Sarney, Presidente do Senado Federal.
Senhor Michel Temer, Presidente da Câmara de Deputados.
Senhor Presidente do Senado, eu lhe agradeço do fundo do meu coração pela oportunidade de falar diante desta honrada e democrática instituição. Esta não é na primeira vez que desfrutei sua generosidade. A primeira vez foi quando eu o conheci como Presidente do Brasil. As outras vezes foram quando desfrutei seus livros espetaculares. Concordo com a sugestão de Saraminda (livro escrito por José Sarney) aos garimpeiros de ouro: “A beleza do ouro está nos homens.”
Quando eu era criança, o Brasil era um sonho. Hoje, em minha velhice, desenvolveu-se em um país dos sonhos. A terra é infinita tal como descrita por Jorge Amado: “Este não é um pequeno país qualquer; esta é uma terra com uma gente excepcional.” Uma terra grande e diversificada – das águas da Amazônia à moderna arquitetura de Brasília. Suas cores diversas produzem sensação sem destruir a harmonia. Da beleza maravilhosa do Rio de Janeiro ao alvoroço econômico de São Paulo. Sua população foi construída de um esplêndido arco-íris de etnias; diferenças que não se transformaram em animosidade. Sua música variada, do samba à tranqüilidade da Bossa Nova. Tudo expressam um entusiasmo rítmico primoroso.
E acima de tudo, um amor pela vida que não requer administração. Uma nação que sabe como sonhar. Como amar. Como estar feliz, como dançar e cantar bem. Desta nação vêm figuras inspiradoras na política, nas ciências e nas artes. Como também uma habilidade para se viver junto apesar das diferenças. Uma visão de mundo na qual as pessoas tratam as demais como convidados ou anfitriões, e certamente não como inimigos.
Eu vim para ver e aprender como um país tão enorme avança pela pista em direção ao seu vôo nos céus. Eu vim para ver como o impressionante Presidente Lula está cumprindo o seu sonho de construir um país no qual a sociedade e a economia ainda lutam contra a pobreza, a ignorância, a doença, a discriminação e a estreiteza da mente. Eu vim para ver se posso colocar os “Cem Anos de Solidão” de García Márquez de lado, e ao invés disso escutar a nova narrativa dos “Cem Anos de Amizade” de Lula. Em minha opinião, esta é uma liderança inspiradora, no Brasil e fora dele. Esta transformou o Futuro no Presente. O Presidente Lula e eu viemos da mesma base histórica socialista, que detesta disparidades e ama a igualdade.
Eu vim para ver a pobreza tombar em 40% através do programa “Bolsa Familia”. E ver a educação elevar-se e tornar-se uma prioridade nacional. Eu vejo em seus olhos o que vejo com meus próprios olhos. Porque a educação [combate] principalmente e em primeiro lugar a batalha contra a cegueira. Todos os alcances científicos e tecnológicos de nossa época também eram possíveis nos tempos do nosso patriarca Abrahão. Mas naquela época não havia microscópios nem telescópios. Era antes da invenção da internet. E também hoje não podemos enxergar a distância plena. As capacidades perceptivas do ser humano somam e modificam a História.
Eu vim para não perder o primeiro relance do novo mundo, os países do BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China). A população do assim chamado Ocidente recuou para 12% da população mundial. A população nos países do BRIC cresceu em 40%.
O Brasil deu início ao seu novo rumo com base em uma excitante suposição: que com boa vontade alcançará um poder que não pode ser alcançado pela força. Isto causou uma sensação global. A decisão de receber as Olimpíadas no Brasil marca uma saudação global à abordagem brasileira.
E Israel abençoa o Brasil por isto. Em Israel nós sonhamos empatar com qualquer time de futebol do Brasil.
Honrados membros,
O Brasil, que é rico em recursos naturais, produz o recurso mais importante, o recurso humano. O ser humano pode enriquecer a natureza em vez de enriquecer-se dela. Israel é um país pequeno. No fim das contas, tem 0,25% do território brasileiro. Tem pouca água. Pouca terra. Não tem petróleo. Não tem ouro. Mas aprendeu a se colocar à frente da vanguarda do conhecimento desenvolvimentista, de inteligência. Porque só um excesso qualitativo pode responder a um déficit quantitativo. Por causa de sua pequenez, Israel não pode ser um produtor global. Por isso escolheu ser um laboratório global. Hoje Israel tem o maior número de cientistas por quilômetro quadrado do mundo.
Israel saiu da agricultura tradicional para a agricultura de tecnologia avançada. 95% da agricultura israelense está construída nas bases da alta tecnologia. Nós estamos aumentando a nossa colheita apesar de diminuir a nossa área medida em acres. A colheita em Israel aumentou de 20 a 30 vezes, na mesma terra, em comparação à da agrícola tradicional.
Nós não olhamos para a terra com olhos cabisbaixos, mas sim com olhos erguidos pela ciência. Hoje em dia Israel faz pesquisas e esforços de desenvolvimento em seis novas áreas do desenvolvimento necessárias para o mundo futuro:
1. Energia Renovável;
2. Tecnologia da Água;
3. Biotecnologia - que produzirá reposições para partes do corpo e melhorará as células cerebrais;
4. Moderna Tecnologia Educacional - permitirá que os estudantes estudem, assistam e sonhem com a história do amanhã;
5. Espaço – construir novos espaços para moradia bem como superar a superpopulação e a deterioração ecológica que encobre o nosso planeta;
6. Defesa – contra o terrorismo, individual e global.
Todas estas áreas do desenvolvimento têm inícios promissores em Israel. E ficaremos felizes em aumentar a cooperação com vocês, com o rápido desenvolvimento tecnológico no Brasil. A grandeza do Brasil e a pequenez de Israel complementam-se mutuamente. Eles nos concedem um espaço para a profunda e ampla cooperação nestas áreas do desenvolvimento.
Prezados Parlamentares,
Em nome de Israel eu vim agradecer aos brasileiros por abrirem suas portas aos sobreviventes do Holocausto. Eu vim para agradecer ao seu país por seu apoio no estabelecimento do Estado de Israel. Nos últimos cem anos, meu povo vivenciou dois eventos sem precedentes: o Holocausto – que matou um terço de nossa gente. E o Estado Judeu, que concedeu um justo futuro para o nosso povo. O Holocausto soltou nossas lágrimas. A esperança nos custou um preço íngreme em sangue.
Eu estava junto a David ben Gurion, o fundador de nosso país, quando a decisão da ONU para estabelecer o Estado de Israel foi publicada. Ben Gurion estava triste. Ele me disse: “Hoje nós dançamos, amanhã será derramado sangue.” A decisão da ONU foi um passo histórico. Foi comandada por Oswaldo Aranha, o famoso diplomata brasileiro. O nome dele estará gravado em nosso país como uma personalidade ilustre, como um bom amigo. Israel aceitou a decisão da ONU. Os árabes a rejeitaram e lançaram um ataque militar ao país recém-criado.
Nós éramos então 650 mil pessoas. Os árabes eram 40 milhões de pessoas. No início nós tínhamos um corpo militar. E nos faltavam armas de fogo. Os árabes tinham exércitos estabelecidos e armas de fogo. De lá para cá, fomos compelidos a travar mais sete guerras. Nós sabíamos que se perdêssemos uma única guerra, seríamos aniquilados. Nós não atacamos. Nós não buscamos territórios. Nós não desejamos governar sobre outros povos. A conquista, a supressão, a guerra - violam os valores fundamentais do povo judeu.
Dos ataques, nos defendemos. Ao nos defendermos, vencemos. Das nossas vitórias vieram novas fronteiras. Mas até mesmo em guerra, antes delas e depois delas, jamais deixamos de buscar a paz. Nós desejamos que a paz fluísse de nossa recusa básica em controlar outra nação. Aos nossos olhos, a conquista da paz é mais importante do que a conquista da terra. Porque nós sabemos que não podemos construir um mundo melhor pelo derramamento de sangue.
Honrados membros,
Em nome da paz devolvemos toda a terra e a água para o Egito, a Jordânia e o Líbano. No mesmo espírito, buscamos uma solução para o conflito estagnado entre nós e os sírios e entre nós e os palestinos.
Diversos primeiros-ministros israelenses já sugeriram para a Síria a troca de terra por paz. A Síria se recusa a se envolver em negociações diretas. Eu conclamo daqui o Presidente Assad: venha e entre em negociações diretas conosco imediatamente. Sem mediações, sem pré-condições, sem estágios, e sem demora. A guerra foi precoce e dolorosa. Nós não podemos permitir que a paz seja tardia e decepcionante.
Com os palestinos nós iniciamos negociações. Apesar do fato de nunca ter havido um estado palestino – a Faixa Ocidental (Cisjordânia) era controlada pelos jordanianos, e Gaza pelos egípcios – Israel reconhece o direito do povo palestino a um estado independente.
Eu me volto daqui ao meu colega Mahmoud Abbas, parceiro na assinatura do Tratado de Oslo, para que retome as negociações de paz imediatamente – bem como as complete.
Israel, por seu lado, já anunciou que aceitará acordos difíceis e dolorosos para permitir o estabelecimento de um estado palestino. Vivermos como bons vizinhos. Como nações interessadas na paz. Meu colega, Mahmoud Abbas, eu reconheço que é duro. É duro para você e duro para nós. Você se lembra, quando Yitzchak Rabin e eu começamos as negociações com você, nem todo mundo concordou conosco. Yitzchak foi assassinado diante dos meus olhos. O assassino pretendia também me matar. Eu sobrevivi a fim de continuar o processo de paz e hoje, para minha alegria, há um grande apoio para isso.
Nós dois tivemos momentos difíceis durante o processo de paz. Nós (Israel) nos retiramos de Gaza por nossa espontânea vontade. O resultado desapontou a nós dois. O Hamas tirou proveito da retirada e se rebelou contra a Autoridade Palestina. Transformou Gaza em uma zona militar. O Hamas aspirou ganhar controle sobre a Autoridade Palestina e introduzir o seu fanatismo.
O rifle fanático não vencerá. O futuro é tão verde quanto o símbolo de paz do ramo de oliveira. Até agora as negociações se estreitaram no gargalo. Eu acredito que com alguns passos de ousadia podemos completar o processo e alcançar a paz.
Valorosos membros do Parlamento,
Não é minha intenção lutar no Brasil com o Presidente do Irã. Como vocês sabem, nós consideramos que o país dele é um perigo para a paz global. Eu só irei me referir às facetas [desta ameaça] no tocante a Israel.
Historicamente, o Irã não era nosso inimigo e não há nenhuma necessidade de sermos inimigos. A fé islâmica não é nossa inimiga. Houve períodos durante os quais nós vivemos em verdadeira amizade. Mas eu não posso ignorar um governo que desenvolve armas nucleares e conclama para a destruição de Israel. O Irã é membro da ONU, contudo sua convocação para a destruição de Israel viola a carta da ONU. Viola o primeiro dos direitos humanos. Quer dizer, o direito de permanecer vivo.
O governo iraniano arma e patrocina organizações terroristas como o Hezbolá e o Hamas. Com apoio iraniano, o Hezbolá dividiu o Líbano, onde muçulmanos e cristãos viviam em paz. Estabeleceu um Estado que denuncia a paz dentro de um estado que deseja a paz. O Irã ajuda o Hamas a conspirar contra a Autoridade Palestina, e assim sendo, impede o estabelecimento de um Estado Palestino.
É preciso uma chamada clara contra a destruição e contra o terrorismo. Uma chamada clara para coexistência pacífica. Eu sei que o Brasil rejeita conclamações para a destruição. Rejeita o terrorismo. A sua voz clara e positiva ecoa amplamente. Eu sei que o Brasil apóia o processo de paz baseado em dois Estados para dois povos. Esta é a única alternativa positiva.
Antes, judeus e árabes viviam em paz. Naquele tempo as diferenças religiosas não nos aborreciam e elas não precisam nos aborrecer no futuro. Nós somos membros de uma família. Abrahão é o pai de todos nós. Irmãos não precisam combater seus irmãos.
Honrados Mensageiros,
De Jerusalém para o Brasil eu trago uma mensagem de amizade, honestidade, e um desejo profundo de cooperação sob todos os aspectos. Ambos os nossos países olham para o futuro. Eu reconheço que nós não temos um Carnaval como no Rio de Janeiro. Mas eu os lembro que em Israel há um Kibutz brasileiro que vive e respira. Chama-se Bror Hail, e é uma das maravilhas entre nós. É conhecido como o “Kibutz brasileiro” porque foi estabelecido por imigrantes do Brasil. Em Bror Hail a comunidade continua a tradição de um Carnaval brasileiro. É claro que não tão grande quanto em Salvador, mas eu garanto a vocês, tem o mesmo ritmo. Vocês estão convidados a vir para Israel, para a Terra Santa. Venham ver o nosso Kibutz brasileiro. Eu prometo que vocês não se decepcionarão – nem do socialismo e nem do carnaval.
Brasileiros e judeus têm uma herança para se orgulhar. Que clama pela paz entre os povos - não só entre governos. Neste sentido eu iniciei e estabeleci um centro que reúne as pessoas, principalmente os jovens. O centro está envolvido com a medicina e os esportes.
No campo da medicina o centro tratou mais de 6 mil crianças que sofrem de problemas neurológicos e cardiológicos. Crianças prejudicadas por natureza ou feridas em guerras entram com seus pais para o melhor hospital de Jerusalém – obviamente sem pagamento. Em minha opinião, esta é uma das iniciativas mais comoventes nas quais eu me envolvi em todo o curso de minha vida.
Nos esportes os principais esforços, é claro, estão no futebol. Não é só um jogo, mas um idioma de camaradagem entre diferentes povos com diferentes históricos de vida. As crianças palestinas e as crianças israelenses jogam por times não determinados por nacionalidade, mas sim por habilidade esportiva. Eu não conheço um modo melhor para clarear um caminho em direção à paz do que a competição esportiva, na qual não há vítimas.
Em um dos jogos aconteceu algo maravilhoso. Nunca antes eu havia visto os olhos das crianças palestinas e israelenses arderem tão vividamente. Eles sabem que quem perde hoje é o mesmo que vencerá amanhã, e assim, o real vencedor é paz.
Caros Notáveis,
Nós compartilhamos uma ambição por um futuro melhor. Assim sendo, temos uma visão semelhante. O que vocês chamam em português de “Luz Para Todos” e o que nós chamamos em hebraico de “Or Lagoim”, como visionaram os profetas. Nós podemos marchar lá juntos. O Brasil, Israel, e seus vizinhos. Esta será a marcha do futuro.
Tradução de Uri Lam, brasileiro estudante de rabinato em Israel.
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