sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011
Almanaques polacos do início do séc. XX no Brasil
ESTUDOS CULTURAIS A PARTIR DA MÍDIA IMPRESSA
Os Almanaques Polônicos no Sul do Brasil (1920 – 1937)
Fabricio J. Nazzari Vicroski*
Resumo: O presente artigo pretende discorrer de forma sucinta acerca das possibilidades interpretativas da mídia impressa como fonte de estudo para a compreensão de determinados aspectos culturais da sociedade polaca no início do século XX no sul do Brasil, tendo como base de análise cinco suplementos editoriais (Kalendarz) publicados pelo jornal Gazeta Polska w Brazylii em Curitiba entre os anos de 1920 e 1937.
Palavras-chave: Identidade. Mídia. Polônia.
Streszczenie: Artykuł omawia niektóre aspekty kulturowe społeczeństwa polskiego w XX wieku w południowej Brazylii, w oparciu o analizę pięciu dodatków redakcyjnych (kalendarzy) opublikowanych przez dziennik "Gazeta Polska" w Brazylii, w Kurytybie między 1920 a 1937 rokiem.
Słowa kluczowe: Tożsamość. Media. Polska.
INTRODUÇÃO
A produção de conhecimento, seja ele de caráter empírico ou científico, pode ser considerado como o resultado de um longo processo de maturação de determinados métodos e técnicas criados e atualizados ao longo do tempo. No caso das ciências humanas, e mais especificamente na área da pesquisa histórica, este processo parece ter se intensificado a partir do século XIX, e com maior intensidade no século seguinte.
Os movimentos de inovação e renovação das pesquisas históricas possibilitam não apenas novos olhares sobre determinados aspectos das sociedades humanas, mas também expande as possibilidades de pesquisa, propiciando novos enfoques e até mesmo a reformulação de antigos problemas.
No âmbito da História Cultural, as possibilidades interpretativas parecem multiplicar-se aos olhos do pesquisador, mantém-se o objeto de estudos, mas altera-se a abordagem. Para o historiador britânico Peter Burke (2008), a História Cultural, com suas origens ainda no século XVIII e uma renovação (Nova História Cultural), sobretudo a partir dos anos 1980, consiste numa corrente de interpretação que nos apresenta novos paradigmas, em virtude da ênfase dada às questões culturais em detrimento às temáticas políticas e econômicas até então privilegiadas pela historiografia.
A História Cultural não privilegia arquivos e/ou documentos oficiais, e por isso mesmo foi descartada pelos seguidores da Escola Metódica. Para o historiador cultural Johan Huizinga “o principal objetivo do historiador cultural era retratar padrões de cultura, em outras palavras, descrever pensamentos e sentimentos característicos de uma época (apud BURKE, 2008, p. 18-19), e para tanto o historiador deve buscar padrões de cultura nos sentimentos, símbolos, comportamentos, enfim, aspectos notadamente culturais da sociedade humana, destacando sempre as pessoas desta época, ou ainda segundo os pressupostos do sociólogo Norbert Elias, buscar, ao longo da pesquisa, articular indivíduo e sociedade sem antagonismos, para que assim possamos compreender a sociedade em questão.
Neste contexto, o presente artigo pretende discorrer de forma sucinta acerca das possibilidades interpretativas da mídia impressa como fonte de estudo para a compreensão de determinados aspectos culturais de uma sociedade.
O recorte espacial e temporal aqui delimitado são os três Estados do sul do país, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, na primeira metade do século XX. Enquanto que a sociedade a ser analisada é constituída pela comunidade polônica situada neste espaço físico e temporal.
O termo polônico, apesar de pouco recorrente na língua portuguesa, tem angariado adeptos nos últimos anos, tornando-se cada vez mais representativo e usual entre pesquisadores e a própria comunidade polaca do Brasil.
O termo “polônico”, [...] vem sendo empregado nas últimas décadas com o propósito de definir o que se relaciona com a Polônia, os poloneses fora das fronteiras do seu país ou os seus descendentes, cidadãos de outros países, mas cujas raízes étnicas se encontram naquele país da Europa Central. Embora os nossos dicionários da língua portuguesa ainda não registrem esse termo, seria desejável que o fizessem, atendendo à analogia com outros, como germânico, itálico ou nipônico (KAWKA, 2007, p. 1).
A imprensa polônica na região em estudo era extremamente profícua na primeira metade do século XX. Segundo o historiador Ulisses Iarochinski, entre os anos de 1900 e 1910 em Curitiba havia mais publicações em língua polaca do que em português, fator que inclusive se contrapõe ao posicionamento muitas vezes presente na historiografia imigratória, onde atribuí-se um baixo nível de instrução ou analfabetismo imperante entre à massa de imigrantes.
Para subsidiar a pesquisa, foram utilizados cinco almanaques publicados respectivamente nos anos de 1920, 1924, 1934 e 1937, além de um exemplar com ano indefinido em virtude do seu precário estado de conservação, no entanto, o conteúdo veiculado sugere que a publicação tenha ocorrido na década de 1920. Todos os exemplares constituem suplementos anuais do jornal Gazeta Polska w Brazylii (Jornal Polaco no Brasil), fundado em Curitiba no ano de 1890 , sua circulação foi suspensa em 1941 em virtude da promulgação do decreto do então presidente brasileiro Getúlio Vargas, que entre outras exigências forçou a adaptação das escolas estrangeiras ao ambienta nacional brasileiro, proibiu a utilização de línguas estrangeiras em locais públicos e provocou o fechamento da imprensa estrangeira no país.
A seleção deste material não seguiu critérios pré-estabelecidos, a escolha deve-se única e exclusivamente ao fator disponibilidade, ou seja, o acesso aos periódicos é de certa forma restrito, sobretudo em virtude do tempo transcorrido desde sua publicação, raramente pode-se encontrá-lo em bibliotecas, arquivos históricos ou instituições de ensino e pesquisa, já que tais obras geralmente constituem acervos particulares.
Através de uma análise condensada acerca das temáticas abordadas nestes almanaques, bem como da postura ou idéias defendidas nas matérias e demais seções, pretende-se extrair elementos que orientem a compreensão do universo cultural da sociedade polônica da época.
A fim de contextualizar a temática em questão e subsidiar teoricamente a abordagem aqui proposta, na seqüência será apresentado um breve panorama acerca do contexto histórico e cultural a respeito da relação e possibilidades de interpretação entre mídia impressa e diferenças culturais, além de algumas considerações sobre a cultura de massas no século XX.
1 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA E CULTURAL
A imigração polaca ao Brasil desenvolveu-se praticamente no mesmo contexto dos demais grupos étnicos que se estabeleceram no sul do país de forma expressiva a partir do século XIX, quando o então Império Brasileiro objetivando impulsionar a ocupação e assegurar a soberania ao longo de seu território, forneceu incentivos a levas de imigrantes, sobretudo, europeus.
Neste cenário, pouco tempo após a chegada dos imigrantes, foram criadas muitas escolas, associações culturais, agremiações esportivas e recreativas, movimentos políticos de libertação da Polônia então ocupada, grupos folclóricos, jornais, revistas, enfim, a atividade cultural na colônia mostrava-se expressiva em fins do século XIX e início do XX.
Esta preocupação com a integração dos imigrantes parece muitas vezes adquirir contornos de afirmação étnica, não apenas em meio a sociedade brasileira, mas também perante os demais grupos imigratórios.
Num contexto onde o país de origem encontrava-se ocupado e dividido entre nações estrangeiras, tendo assim sua soberania solapada, é compreensível o anseio dos imigrantes em fortalecer sua identidade, sobretudo ante os brados de Polacos sem pátria! Polacos sem bandeira! Muitas vezes exclamado por outros grupos étnicos europeus, um sentimento que ecoava no Brasil desde além-mar.
Trago aqui algumas contribuições conceituais do crítico e teórico indo-britânico Homi Bhabha para amparar minha abordagem. Em seu livro intitulado O Local da Cultura (1998), Bhabha desenvolve suas concepções acerca da cultura, poder e identidade cultural. Ele defende a utilização do conceito de diferença cultural ao invés de diversidade cultural, pois esta última denota uma categoria, ao passo que a diferença cultural permite uma compreensão em termos de processo, “através do qual afirmações da cultura ou sobre a cultura diferenciam, discriminam e autorizam a produção de campos de força, referência, aplicabilidade e capacidade (1998, p. 63).
É preciso lembrar que a colônia polaca desenvolveu-se em território brasileiro articulando-se a todo o momento com a população nacional, os nativos, negros, caboclos, além dos demais grupos de imigrantes, como alemães, italianos, japoneses, entre outros, era um lugar não apenas etnicamente variado, mas, sobretudo um espaço onde as diferenças culturais precisavam ser constantemente mediadas a fim de gerar estratégias de afirmação e representação.
De que modo chegam a ser formuladas estratégias de representação ou aquisição de poder no interior das pretensões concorrentes de comunidades em que, apesar de histórias comuns de privação e discriminação, o intercâmbio de valores, significados e prioridades pode nem sempre ser colaborativo e dialógico, podendo ser profundamente antagônico, conflituoso e até incomensurável? (BHABHA, 1998, p. 20).
Para Bhabha (1998), as diferenças culturais não constituem padrões estanques inerentes as suas respectivas tradições culturais, elas compõem o reflexo das comunidades imaginadas, representam a forma como o grupo se vê e se constrói.
Chega-se assim a um dos conceitos centrais do pensamento de Bhabha, a idéia de “entre-lugares”, onde as diferenças são articuladas de forma complexa. Os interesses comunitários e os valores culturais são negociados na articulação das diferenças culturais, esta mediação ocorre no que Bhabha denomina de entre-lugares. Trata-se de um espaço onde as culturas se encontram, se observam mutuamente, um local de atritos, formulações, diferenças, igualdades, intercâmbio, construção e, sobretudo, reconstrução e/ou adaptação. Para Bhabha, devemos focalizar os momentos ou processos que são produzidos nos entre-lugares, pois é ali que se define a própria sociedade, através da elaboração de novos signos, e da própria renovação identitária.
Neste contexto, acredito que a criação de uma mídia impressa em meio a um grupo étnico constituído por imigrantes, possa ser fruto deste processo de articulação das diferenças culturais e definição de sociedade ocorrido nestes entre-lugares. A imprensa poderia ser tomada como um elemento da composição social dos indivíduos em sociedade, aquilo que Norbert Elias (1994) chama de habitus, a auto-imagem que até certo ponto reflete como as diferentes pessoas que formam essas sociedades entendem a si mesmas.
É preciso lembrar que os suplementos editoriais do jornal Gazeta Polska w Brazylii ora pesquisados, não eram bilíngües, sua publicação ocorria somente em língua polaca, fator que limitava consideravelmente seu público leitor, notadamente circunscrito a colônia polaca, não apenas do sul do Brasil, mas também de norte a sul do continente americano.
A imprensa polônica surge e se desenvolve num momento de reformulação da identidade étnica polaca no sul do país, a definição das temáticas abordadas, seu teor nacionalista e o apelo à religiosidade, além da própria opção pela publicação em língua polaca, refletem uma forma de mediação/articulação dos interesses e valores culturais da comunidade ante as diferenças culturais que lhes eram apresentadas em fins do século XIX e início do XX, um período, portanto, de redefinição da própria identidade da nação brasileira, no recém advindo ambiente republicano.
2 IMPRENSA E IDENTIDADE NO INÍCIO DO SÉCULO XX
A mídia impressa dentro de uma determinada comunidade, muitas vezes representa a forma como o grupo social envolvido imagina-se e como quer ser visto pelos demais, ela fornece estratégias para a reformulação social, promovendo, inclusive uma disputa dentro do próprio grupo étnico sobre como, o quê e quem representa e/ou está sendo representado, com implicações diretas na construção de identidades.
A partir do começo do século XX, com a extensão do poder industrial a praticamente todo o globo, tem início um processo a que o sociólogo francês Edgar Morin (1997) denomina de “industrialização do espírito” e “colonização da alma” que se processa nas imagens e nos sonhos, através de um derramamento de mercadorias culturais.
Trata-se de um processo que se desenvolve e progride através da cultura de massas, sabe-se que o jornal e o livro já eram tratados como mercadorias, “mas a cultura e a vida privada nunca haviam entrado a tal ponto no circuito comercial e industrial [...] não haviam sido ao mesmo tempo fabricados industrialmente e vendidos comercialmente (MORIN, 1997, p.13).
Nesta perspectiva, a primeira vista parece que os periódicos publicados como suplementos do jornal Gazeta Polska w Brazylii, situam-se no limiar deste contexto, ou seja, produzido comercialmente (como sugere a grande quantidade de anúncios e propagandas comerciais), mas ainda não totalmente inserido numa produção de caráter industrial.
Antes mesmo de uma preocupação industrial, percebe-se sim a valorização de sentimentos patrióticos e religiosos, que de certa forma também contribuíam para tornar as publicações mais comerciais. Para uma avaliação e contextualização precisa do conteúdo, seria necessário uma leitura intensiva dos exemplares acompanhadas de uma análise crítica, no entanto, este não é o objetivo aqui proposto.
3 OS ALMANAQUES POLÔNICOS
A imprensa polônica no Brasil tem suas origens ainda no século XIX, o jornal Gazeta Polska w Brazylii foi o primeiro semanário publicado em Curitiba em língua polaca. Foi fundado em 1890, e apresentava um panorama dos assuntos polônicos no Brasil, Uruguai, Paraguai e Argentina, chegando a ser o mais importante periódico do gênero no país.
Sua fundação coube a Karol Szulc, um comerciante originário de Poznań, que se estabeleceu em Curitiba. Em 1893 a publicação do semanário foi assumida por uma sociedade editorial composta dos seguintes sócios: Edmundo Saporski, Antônio Bodziak, Aleixo Waberski, Jurgielewicz e os padres André Dziadkowicz e Ladislau Smołucha. Em época posterior a “Gazeta” passou por várias mãos. No dia 1 de abril de 1912 o jornal foi comprado pele pe. Estanislau Trzebiatowski, verbita e grande líder da colônia polonesa em Curitiba. Após quase 25 anos de publicação do semanário pelos verbitas poloneses, sobretudo pelo pe. Estanislau Trzebiatowski, a “Gazeta Polska w Brazylii” passou a ser propriedade de Paulo Nikodem. O novo proprietário do jornal publicou o primeiro número de semanário no dia 11 de agosto de 1935. A “Gazeta” foi publicada até a promulgação do decreto do presidente Getúlio Vargas que fechou a imprensa estrangeira no Brasil. No período do seu auge, a tiragem da “Gazeta Polska w Brazylii” chegou a 4 mil exemplares (MALCZEWSKI, 2008, p. 217).
O jornal mantinha uma estreita relação com a Narodowa Demokracja (Democracia Nacional) um movimento político e ideológico nacionalista surgido na segunda metade do século XIX, e que ao longo do século XX veio a tornar-se um partido político.
Além do semanário, o jornal também publicava suplementos informativos em forma de periódicos com tiragens anuais (Ver figura 1), geralmente eles recebiam a denominação de kalendarz (Almanaque). A publicação de suplementos era uma prática constante, presente também entre outros jornais polônicos do sul do país.
O acervo utilizado para o desenvolvimento desta pesquisa é constituído por cinco suplementos publicados pelo jornal Gazeta Polska w Brazylii, editados entre os anos de 1920 e 1937, (Ver tabela 1).
Tabela 1 – Almanaques utilizados como referência para a pesquisa
TÍTULO EDIÇÃO LOCAL DE PUBLICAÇÃO ANO DE PUBLICAÇÃO
NOWY KALENDARZ KATOLICKO-POLSKI
(Novo Almanaque Católico-Polaco)
GAZETA POLSKA W BRAZYLJI
(Jornal Polaco no Brasil)
CURITIBA - PR
1920
KALENDARZ KATOLICKO-POLSKI
(Almanaque Católico-Polaco)
GAZETA POLSKA W BRAZYLII
(Jornal Polaco no Brasil)
CURITIBA - PR
1924
KALENDARZ GAZETY POLSKIEJ W BRAZYLII
(Almanaque do Jornal Polaco no Brasil)
GAZETA POLSKA W BRAZYLII
(Jornal Polaco no Brasil)
CURITIBA - PR
1934
ILUSTROWANY KALENDARZ GAZETY POLSKIEJ W BRAZYLII
(Almanaque Ilustrado do Jornal Polaco no Brasil) GAZETA POLSKA W BRAZYLII
(Jornal Polaco no Brasil)
CURITIBA - PR
1937
Desde a sua fundação, o jornal teve diversos proprietários, na maioria das vezes ligados a organizações religiosas, o que talvez explique o apelo religioso recorrente nos almanaques.
Os temas abordados são os mais variados, no entanto, ao contrário da imprensa destinada a cultura de massas, observa-se que os temas centrais guardam uma certa relação entre si, pois apresentam uma seleção coesa de textos, porém o elemento polônico, a religiosidade e o nacionalismo, funcionam como aglutinadores de maior destaque nas publicações.
Figura 1 – Almanaques polônicos publicados em Curitiba nos anos de 1920, 1924, 1934 e 1937
Fonte: Acervo pessoal
A fim de proporcionar um panorama geral acerca do conteúdo dos almanaques, destaco alguns dos principais temas, seções e curiosidades observados nestes cinco exemplares.
Cada almanaque destina algumas páginas aos grandes nomes da nação polaca, onde são apresentadas breves biografias de personalidades como Nicolau Copérnico, Tadeusz Kościuszko, Adam Mickiewicz, Józef Piłsudski, Marie Curie, Ignacy Paderewski, entre outros.
Os exemplares descrevem os avanços e conquistas das colônias polacas no sul do país, e eventualmente em países vizinhos, como a Argentina e Uruguai. Geralmente são apresentados dados estatísticos, como o número de imigrantes, associações culturais, escolas e igrejas existentes na comunidade. Há inclusive uma sucinta descrição de uma típica propriedade rural de imigrantes polacos, destacando algumas benfeitorias, como a casa de madeira, a cozinha isolada da residência (para minimizar os riscos de incêndio), mangueira para o gado, horta, galinheiro, carroça, cavalo, ressaltando por fim, que aqui o imigrante dispõe de tudo aquilo que não possuía em sua terra natal, além do mais importante, o pão para sua família.
Há matérias sobre a 1ª Guerra Mundial, enfatizando o patriotismo dos soldados polacos e a reconquista da soberania, a reformulação da constituição e fotos dos governantes da nova república em pleno trabalho burocrático.
Seções com poemas, novelas, piadas e pensamentos, destacando a pátria, a família, o catolicismo, poesias eslavas, lendas polacas, entre outros.
A seção com conselhos práticos é no mínimo curiosa, com orientações sobre como cultivar a terra, matar formigas, o que fazer em caso de fraturas, afogamento, dor de dente, queimaduras, insônia, ou ainda orientações sobre como registrar empresas e escolas, obter documentos brasileiros, enviar telegramas, preencher notas promissórias em português, fazer uma ligação telefônica, adequar as escolas polacas às normas de ensino brasileiras, apresentando inclusive o custo destes procedimentos.
Na seção de curiosidades os temas parecem ser ainda mais variados, pode-se encontrar explicações sobre o custo de construção do templo de Salomão, ou ainda sobre o projeto da marinha dos Estados Unidos em atravessar o oceano atlântico num hidroplano, o tempo de uma viagem de volta ao mundo, os grandes feitos dos últimos papas, obras humanitárias de missionários polacos no mundo, curiosidades sobre o Parará, a ocupação do território, suas riquezas naturais e a extração de diamantes no rio Tibagi, com fotos de mergulhadores com escafandro, além de informações sobre invenções, apresentações aéreas, reformas no porto de Gdańsk, e até mesmo uma relação estatística da quantidade de judeus nas maiores cidades do mundo. Destaca-se ainda aspectos culturais de países como a Índia, o Japão e a China, com comentários acerca da política, costumes, monumentos, religião, técnicas de agricultura e literatura, e ainda uma narrativa a respeito das práticas antropofágicas na África.
Entre os temas brasileiros, pode-se destacar as breves biografias de personalidades políticas, comentários sobre literatura brasileira (Monteiro Lobato e Casimiro de Abreu), a história da proclamação da república e os feriados nacionais.
É nítida a intenção de difundir os ideais cristãos entre os leitores dos almanaques, destacando os “deveres” dos jovens e crianças e os passos a serem seguidos para ser um bom católico, além da propaganda anti-comunista, sempre opondo o cristianismo ao comunismo, através de piadas como:
Żaden katolik nie może być uświadomionym, prawdziwym socjalistą, żaden prawdziwy socjalista nie może być katolikiem (KALENDARZ,1924, p. 7).
(Nenhum católico pode ser conscientemente, um verdadeiro socialista, assim como nenhum verdadeiro socialista pode ser católico).
Chrześcijaństwo i socjalizm stoją naprzeciw siebie jak ogień i woda (KALENDARZ,1924, p. 7).
(O cristianismo está para o socialismo assim como o fogo está para a água).
Por fim, cada almanaque contém um retrospecto dos principais acontecimentos políticos do mundo ao longo do último ano, esta seção conta com a participação de correspondentes internacionais, e destaca temas como a Guerra Civil Espanhola, eleições para a presidência na Polônia, embates entre árabes e judeus na Palestina em 1936, manifestações populares na Alemanha contra as imposições do Tratado de Versalhes (Ver figura 2), a política de paz da Polônia com países vizinhos, salientando inclusive a assinatura de um tratado de paz com a Alemanha pouco antes da eclosão da 2ª Guerra Mundial e questões sobre a política de armamento dos alemães, entre outras notícias abrangendo países como França, Itália, Bulgária, Áustria, Rússia, Grécia, Espanha e Turquia.
Figura 2 – Manifestação na Alemanha contra o Tratado de Versalhes e pelo armamento do Reich
Fonte: Ilustrowany Kalendarz Gazety Polskiej w Brazylii. Kurytyba: Gazeta Polska w Brazylii, 1937, p. 27.
Em meio às seções e notícias há uma série de anúncios comerciais, com propagandas de livros de história antiga, lojas de máquinas agrícolas, revendas de pianos, cervejarias, bancos, entre outros.
Percebe-se enfim, que além das questões polônicas há pelos menos dois critérios ou requisitos que as matérias veiculadas precisam articular, ou seja, os sentimentos patrióticos ou nacionalistas e a religiosidade, ambos os elementos são apresentados como ingredientes formadores da identidade do grupo étnico.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A conjuntura histórica da imprensa dentro da atmosfera da cultura de massas a partir do começo do século XX analisada por Edgar Morin, parece corresponder em parte ao contexto de produção dos almanaques polônicos, então produzidos com fins comerciais, mas não totalmente inseridos na produção de caráter industrial, pelo menos no período aqui enfocado (1920 – 1937).
Levando em conta o próprio contexto da imprensa polônica no período, percebe-se que, antecedendo a preocupação com a produção industrial, há o interesse em assegurar o direito sobre a produção de informações dentro da colônia, fator este motivado pelo anseio (talvez nem sempre consciente) de representatividade social com vistas a reformulação da identidade étnica, trata-se de uma disputa estratégica no campo midiático, os “entre-lugares” de Homi Bhabha, onde o que esta em jogo é o processo de negociação dos interesses comunitários e a formação de identidades e suas representações simbólicas na colônia.
No âmbito desta disputa, são perceptíveis inúmeros aspectos culturais, que nos possibilitam criar estratégias de compreensão do universo cultural da sociedade polônica no sul do Brasil.
No centro desta articulação dos interesses e valores culturais da comunidade, percebemos a introjeção do elemento religioso e a valorização dos sentimentos nacionalistas, tais aspectos, sempre destacados nos almanaques, tornam-se extremamente arraigados na identidade polono-brasileira então gestada.
O nacionalismo latente evidencia a articulação da reformulação identitária, neste processo a mídia impressa é tomada como um elemento da composição social do grupo, funcionando como um agente de integração entre os imigrantes, e, sobretudo de reconhecimento, apropriação e afirmação étnica.
Notas
Normalmente a bibliografia a respeito da imprensa polaca no Brasil afirma que 1892 é o ano de fundação do jornal Gazeta Polska w Brazylii, no entanto, em um dos almanaques consultados há um texto informativo acerca do jornal, destacando sua fundação no ano de 1890.
Decreto de 26 de agosto de 1939.
Provavelmente Gazeta Polska w Brazylii.
Provavelmente Curitiba – PR.
Provavelmente década de 1920.
BIBLIOGRAFIA
BHABHA, Homi K. O Local da Cultura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1998.
BURKE, Peter. O que é história cultural? Tradução de Sérgio Goes de Paula. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2008.
ELIAS, Norbert. A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 1994.
LE GOFF, Jacques. História e Memória. Tradução Bernardo Leitão. 5ª Ed. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2003.
IAROCHINSKI, Ulisses. Saga dos Polacos: A Polônia e seus descendentes no Brasil. Curitiba: U. Iarochinski, 2000.
Ilustrowany Kalendarz Gazety Polskiej w Brazylii. Kurytyba: Gazeta Polska w Brazylii, 1937.
Kalendarz Katolicko-Polski. Kurytyba: Gazeta Polska w Brazylii, 1924.
Kalendarz Gazety Polskiej w Brazylii. Kurytyba: Gazeta Polska w Brazylii, 1934.
KAWKA, Mariano. O Fenômeno da Literatura Polônica no Brasil. Projeções – Revista de estudos polono-brasileiros. Curitiba: 2008.
MALCZEWSKI, Zdzisław. A imprensa da comunidade polônica brasileira. De “Gazeta Polska w Brazylii” (1892-1939) a “Projeções” (1999- ). Projeções – Revista de estudos polono-brasileiros. Curitiba: 2008.
MALCZEWSKI, Zdzisław. Ślady polskie w Brazylii. Marcas da presença polonesa no Brasil. Warszawa: Biblioteka Iberyjska, 2008.
MORIN, Edgar. Cultura de Massas no século XX: neurose. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997.
Nowy Kalendarz Katolicko-Polski. Kurytyba: Gazeta Polska w Brazylji, 1920.
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