sábado, 21 de setembro de 2013

Wiesenthal esbarrou em bispo católico quando buscava Wächter

Otto Wächter (esq.) com Heinrich Himmler (centro), durante a ocupação alemã na Polônia

Por Roberto Almeida e Vitor Sion | Viena e São Paulo

Terminada a Segunda Guerra Mundial, em 1945, centenas de sobreviventes do Holocausto passaram a procurar nazistas fugitivos para tentar levá-los à Justiça ou fazê-la com as próprias mãos. Aquele que ficou mais conhecido com essa iniciativa foi Simon Wiesenthal (1908-2005), cuja história se ligou à de Otto Wächter, comandante da SS e ex-governador da Cracóvia, na Polônia, e da Galícia, noroeste da Ucrânia.
Em seu livro “Assassinos Entre Nós”, Wiesenthal diz ter visto Wächter no dia 15 de agosto de 1942 coordenando os trens da morte que levaram judeus de Lwów, hoje Ucrânia, para o extermínio. Cerca de quatro mil idosos foram arregimentados e enviados para campos de concentração. Entre eles, relembra o ativista judeu, estava a mãe que nunca mais tornaria a ver.
O filho de Wächter, Horst, nega a informação. Ao receber a reportagem de Opera Mundi no Castelo Hagenberg, Horst apresentou como prova uma carta do líder nazista à mulher, dizendo que estava em reunião do partido na Cracóvia. Ele diz ainda que Wiesenthal confundiu seu pai com Fritz Katzmann, que era o chefe da SS em Lwów. 

Carreira de Wiesenthal
Em favor da versão de Horst, além do documento, está o histórico de erros da obra de Wiesenthal. Ao tentar capturar o famoso médico de Auschwitz, Joseph Mengele (1911-1979), que veio para o Brasil após a guerra, o pesquisador disseminou ao menos duas informações falsas. A primeira delas dizia que Mengele estava em Porto São Vicente, na região do Alto Paraná, no Paraguai.
No entanto, autoridades paraguaias responderam que tal localidade nem sequer existia. Antes disso, em novembro de 1968, Wiesenthal distribuiu à imprensa e aos órgãos policiais supostas fotos de Mengele nas ruas de Assunção.
O fotografado, porém, não era o médico de Auschwitz. O trabalho de Wiesenthal, no entanto, foi fundamental para muitos sucessos em prisões de nazistas. Teve papel relevante nas buscas por Adolf Eichmann (1906-1962), finalmente capturado em 1960 na Argentina e levado a Israel por agentes do serviço secreto do país, o Mossad.
Eichmann foi o responsável pela montagem burocrática do sistema de extermínio nazista, e seu julgamento, em 1962, foi um marco na história da condenação de criminosos de guerra. O caso também é bastante conhecido por ter sido objeto de reflexão da filósofa Hannah Arendt, que resultou no livro “Eichmann em Jerusalém”.
A prisão de outro nazista de alto coturno, o chefe do campo de Treblinka, Franz Stangl (1908-1971), é resultado direto das pesquisas de Wiesenthal. Um genro de Stangl teria fornecido ao austríaco, já famoso pela busca de nazistas, a localização de Stangl, preso em 1967 no Brasil.
Na época, ele trabalhava com o nome verdadeiro na Volkswagen, em São Bernardo do Campo (SP) e foi extraditado para a Alemanha, onde foi julgado e condenado a prisão perpétua. Logo em seguida à prisão de Eichmann, animado com a captura, passou a considerar Wächter “o fugitivo nazista mais odiado”. Seu paradeiro, até então, era desconhecido e as circunstâncias de sua morte, duvidosas.
O comandante da SS e governador havia escapado para Roma sob nome falso, no pós-guerra. Passara a se chamar Alfredo Reinhardt e estava sob os cuidados do bispo austríaco Alois Hudal, responsável pela chamada “Linha dos Ratos”, que acobertou e facilitou a fuga de criminosos de guerra para a América do Sul – entre eles, Mengele e Stangl. Ele manteve sob proteção Wächter e seu arquivo, conhecido como “Arquivo Wächter”, no mosteiro Santa Maria Dell’Anima, perto da Piazza Navona, em Roma.
Opera Mundi teve acesso às correspondências do ativista judeu depositadas no Instituto Simon Wiesenthal, em Viena, que narram a investigação sobre o paradeiro do comandante da SS e sobre seu arquivo, uma caixa de documentos do governo nazista na Galícia polaca, que continha informações importantes sobre a morte de milhares de judeus no leste europeu.
Em sua investigação, Wiesenthal conseguiu reunir farta documentação proveniente de Berlim, como a ficha completa do comandante da SS e todos os seus passos na carreira militar, mas ainda buscava informações relevantes sobre os guetos e os trens da morte das cidades polacas de Cracóvia (Polônia) e Lwów (hoje Ucrânia), de onde saíram as locomotivas e vagões que levaram sua mãe.
As correspondências, porém, mostram que os pedidos de informações preciosas sobre o paradeiro de Wächter e seu arquivo esbarraram nas negativas do esquivo bispo Hudal.

Insistência e frustração
Durante as décadas de 1950 e 1960, período em que Wiesenthal mais se esforçou em encontrar o arquivo, a morte de Wächter em Roma já havia sido noticiada por jornais austríacos e italianos. Mesmo assim, desconfiado das circunstâncias, o ativista judeu pediu diversas vezes ajuda a terceiros, que sondaram o bispo Alois Hudal sobre a morte e os pertences do comandante da SS.
“Meu colega, um alto aristocrata austríaco, visitou o bispo Hudal em 1950 e perguntou sobre o Arquivo Wächter. Hudal disse a ele que o arquivo estava depositado na ‘Anima’, mas que ele não poderia acessá-lo”, escreveu Wiesenthal em 21 de junho de 1961 a um procurador da cidade de Waldshut, no sul da Alemanha.
Sem desistir, Wiesenthal endereçou mais cartas a procuradores alemães e italianos, expondo a necessidade de encontrar os documentos. Em 28 de março de 1962, o ativista judeu recebeu uma resposta desanimadora da procuradoria de Ludwigsburg, dedicada a investigar os crimes do nazismo.
“Bispo Hudal declarou que nunca viu o Arquivo Wächter. Ele viu Wächter uma única vez e ele tinha sido envenenado, morrendo em um hospital de Roma. Ele é o diretor da igreja alemã assim chamada e deu a ele o último sacramento”, afirma o procurador. Ele continua: “Não vejo necessidade de continuar a investigação, afinal, as informações comprovam que Dr. Wächter não está mais vivo.” Mesmo depois da negativa, Wiesenthal manteve correspondência com um de seus informantes, Theodor Faber, em Salzburgo.
Em 3 de abril de 1962, pouco depois de receber a carta da procuradoria de Ludwigsburg, o ativista judeu afirmou que ainda acreditava que os documentos estariam na igreja, confiando na primeira informação recebida. No entanto, o arquivo nunca foi encontrado. O destino do arquivo Horst Wächter, filho do comandante da SS, afirmou a Opera Mundi que sua mãe, “desesperada e sem saber o que fazer com os documentos”, destruiu o arquivo e deixou para sempre uma lacuna na história.
Mesmo sem acesso aos números, dados e protocolos da administração nazista na Galícia, há documentos depositados no Castelo Haggenberg e compilados por Horst, sob análise de acadêmicos alemães, que podem ser considerados uma nova fonte de valor incalculável para a história do nazismo. São centenas de fotos e correspondências entre Otto Wächter e sua mulher, Charlotte Bleckmann, que trazem informações inéditas sobre a atuação do comandante da SS à frente da administração da Galícia.
As cartas atravessam a Segunda Guerra Mundial e chegam ao período em que o nazista estava escondido em Roma, sob proteção do bispo Hudal. As informações desenham um perfil detalhado do nazista, que encheriam os olhos de Simon Wiesenthal. O ativista judeu morreu em 2005 sem saber o paradeiro daquele que considerava seu maior inimigo.
Wiesenthal tentou, até a década de 1980, buscar mais informações sobre Wächter, novamente sem sucesso. Horst afirma que, àquela época, “não estava preparado” para abrir o arquivo. Foi a partir dos anos 2000 que mergulhou nos documentos. “Com o passar dos anos, a necessidade de dizer a verdade aumentou, assim como a reação contrária da minha família”, disse.

Em carta do arquivo, Wächter fala em fugir para o Brasil


Caro Ladurner! 

Eis que volto agora da cidade completamente acabado. Durante o dia a temperatura chega a graus consideravelmente mais quentes. Mas as noites esfriam maravilhosamente. Eu agora entendo porque todos os homens aqui vestem camiseta regata por baixo da camisa. Resfria-se muito facilmente com a mudança de tempo, razão pela qual o guia Baedecker e a experiência de Deterling acham aqui muito pior que no Norte.
Agora, vamos ao que interessa:
I. Documentos: nenhum progresso desde minha última carta. Situação em nada mudou! – O P.A. prometido [passaporte, possivelmente] tampouco tenho em mãos ainda; devo conseguir na próxima ou nas próximas duas semanas.
II. Emigração. – Aqui lhe dou o resultado das conversas que tive nos últimos dias a respeito desse assunto. Garantias sobre a pertinência deles, naturalmente não posso endossar.
Segundo Hu. [Alois Hudal, possivelmente], passaportes da Cruz Vermelha não serão mais expedidos após o fim de maio. Essa função será então transferida para um departamento do Vaticano. Ele acredita que o documento emitido pelo Vaticano poderá ter menos valor que os atuais (que por sua vez já possuem reconhecimento bastante limitado).
Detering tem outra opinião e diz que esse tipo de afirmações já se repetiram várias vezes sem jamais terem sido provadas. – O processo de obtenção você conhece. É preciso ter prova de apátrida. H. poderia lhe fornecer uma, mas somente sob o seu nome verdadeiro! – D. tem outro caminho, que também possibilita outras coisas.
Como o lance da “Libre” continua e continuará evidentemente enrolado, H. sugere pegar um visto de turista, que segundo ele é possível obter com um passaporte da Cruz Vermelha, para conseguir chegar até lá. As cerca de 150.000 liras necessárias, ele sugere pegar emprestado aqui, pois ficaria muito feliz com a possibilidade de conseguir dinheiro bom em troca. – (Eu sei o quão teórica é a coisa, mas quero lhe reportar sobre tudo, e especialmente as possibilidades discutidas. E quem sabe se, enquanto isso, você mesmo já não tenha encontrado um financiador de peso!?). Aqui achamos que, quando você estiver já do outro lado, você vai se virar de alguma forma. – Segundo H., um visto de turista é concedido mediante apresentação de quaisquer informações sobre intenção ou motivos de visita.
Em conversas com atuais candidatos à Argentina, pude verificar que estes, devido às conhecidas dificuldades, foram até o Brasil para mudar de profissão. –Você deverá fazer o mesmo quando estiver do outro lado, para aumentar suas chances de sucesso. –O consulado que emite o visto (Br. [Brasil] não tem conhecimento de nenhum “Libre”) exige:
1) Passaporte (também da Cruz Vermelha, desde que junto com qualquer documento mais antigo, de antes da Guerra, e com fotografia; carteirinha de clube alpino, por exemplo, deve servir).
2) Certidão de Nascimento
3) Certidão de Casamento
4) Carteira profissional (do tipo técnico ou agronômico), ou um atestado de que trabalhou por mais de dois nessa tal profissão (atestado da firma é suficiente).
5) Declaração de que não é comunista (anexo nesta).
Também conversei com um senhor que se encontra na mesma situação que você, e que também espera (para ir à) Argentina desde dezembro.
Ele me contou uma notícia direto da fonte: os brasileiros na verdade não reconhecem os passaportes da Cruz Vermelha, mas se contentariam com um passaporte austríaco ou I.Karte [carteira de identidade]. Além disso, é possível falar de maneira bem aberta com eles, sem que as autoridades austríacas tomem conhecimento. As outras quatro exigências supracitadas são, segundo ele, também necessárias.
Ele mais tarde comentou, quando falávamos do seu caso, que acreditava poder levantar o financiamento para lhe ajudar (da mesma maneira que havia conseguido para si). Condição indispensável para isso é que você declare ser Protestante (isso mesmo: Protestante!!). – Trata-se aqui da organização que já financiou a viagem de um grande número de interessados, e da qual até há pouco fazia parte aquela famosa dama americana. Naquela época também pagavam, excepcionalmente, para pessoas de outras confissões, mas agora, com a mudança de regime, essa opção está infelizmente descartada. – Eu devo dizer que essa pessoa de que falo me parece ser um homem bastante sério, depois de tudo que pude saber sobre ele. – O dito cujo também disse que daqui dez dias, ou seja, lá pelo dia 20, estará aqui pra pegar seu navio. Nesse tempo ele poderia lhe dar uma ajuda nessas coisas, conforme ele mesmo disse. –Eu sei muito bem que essas coisas não lhe agradam por princípio, mesmo assim não gostaria de deixa-lo desinformado sobre esta possibilidade, e lhe manterei informado do que acontecer.
Quanto a uma eventual permanência aqui, seria possível lhe arranjar almoço e jantar de graça no refeitório papal, em princípio por uma semana (renovável). É meio primitivo, assim como a companhia, mas é o que há. – A grande dificuldade continua sendo como sempre o bairro. Eu acabei agora mesmo de falar sobre isso com D. Nós não vemos nenhuma outra possibilidade (para pernoite), além do instituto onde eu dormi na minha primeira semana (400 por noite com café-da-manhã 450) ou uma pensão que D. citou (300 a 350 por noite). Se você ficar apenas na semana até o dia 20, é possível agitar. – Eu aguardo assim a sua decisão.
Eu gostaria ainda de enfatizar, como já o fiz na minha primeira carta, que se você quiser vir até aqui por documentos, os custos e despesas no momento não valem a pena. Se você tem interesse nas coisas aqui discutidas e ainda consegue encarar todos os obstáculos e cumprir todos os requisitos, aí sim as suas despesas e o seu tempo estarão mais que justificados. No caso de você não querer ir ao Brasil, e essa oferta vale só para lá, você poderá economizar seu dinheiro tranquilamente e deixar a manivela girando comigo, como venho fazendo há tanto tempo durante essa longa estadia aqui. De toda maneira haverá sempre nuances aparecendo, as quais, quando eu achar relevante, continuarei lhe informando como nesta.
Aquele sujeito que o Pri. e o seu amigo Redator bem chamavam de Croata infelizmente já se foi para a Argentina há bastante tempo. E não deve voltar nunca mais.
Se você vem até aqui, melhor tomar o trem noturno que chega de manhãzinha para não passar pelas mesmas complicações que eu passei, e me avise com antecedência por telegrama.
Neste ínterim, cordiais saudações,

Alfredo Reinhardt

Por favor me escreva o endereço daquele parente meu de nome, o seu antecessor R., que está na Argentina. Gostaria de escrever a ele e me informar sobre o mapa (pode ser também um cartão).

Grande abraço e um beijo nas mãos de Frau F.

Um comentário:

Leon Bronstein disse...

Ninguém pode parar a Revolução Cultural.