quarta-feira, 22 de maio de 2019

Imigrantes Polacos na Guerra do Contestado

Guerra do Contestado - Tropas da Polícia Militar do Paraná chegam a Canoinhas / Foto: Claro Jansson
Quando me foram mostradas as fotos recuperadas do sueco Klas (Claro) Gustav Jansson para o projeto “Revelando o Contestado”, a primeira coisa que me saltou aos olhos foram as casas de madeira do interior do Estado do Paraná.

Retratadas em primeiro, ou segundo plano, elas imediatamente remetem a ideia de Paraná e de Polônia. Fotos que revelam tropas do Coronel curitibano João Gualberto entrando em Canoinhas, Porto União da Vitória, Três Barras, Calmon e Irani.

Mais casas de madeira de arquitetura polaca em Canoinhas - Foto: Claro Jansson
Os policiais se deparavam com edificações muito diferentes daquela arquitetura típica portuguesa de paredes de taipa caiadas de Florianópolis e do enxaimel alemão de Blumenau. As casas de madeira ali no “certan” Sul do Paraná construídas com tábuas e sarrafos na vertical são uma tradição trazida do Leste da Polônia. Foram a solução encontrada pelos imigrantes polacos da região de Lublin quando foram assentados nas colônias das bacias dos rios Iguaçu, Negro, Peixe e Chapecó.

A foto mostra uma casa com a bandeira do Paraná hasteada, que tem no detalhe dos lambrequins dos beirais, outro testemunho da presença polaca na região conflagrada.

As forças do Exército Brasileiro em frente a uma casa tipicamente polaca com a bandeira do Paraná
Foto: Claro Jansson
Na anotação feita pelo fotógrafo Claro Jansson no negativo em vidro desta foto está “Força Pública do Paraná no Contestado. Três Barras provavelmente”. Esta é outra evidência de que antes do Exército Brasileiro no conflito, foram os policiais paranaenses os únicos que lutaram naquelas terras ao Sul de Curitiba contra os revoltados.

Outra evidência de que além da pele morena, mulata, mestiça, também a branca esteve envolvida. Isto para não falar dos nítidos olhos azuis do polaco, à direita.

A desocupação forçada pela Lumber levou caboclos e polacos em vagões abertos para Ponta Grossa
Foto: Claro Jansson
Muito se escreveu sobre o conflito nestes cem anos. Mas muito poucos estudos, ou quase nada, falaram da presença de imigrantes polacos na Guerra do Contestado. Nem por isso, entre Peludos e Pelados, pode-se afirmar que eles estavam muito longe dali, pelo contrário. Foi a partir das colônias e vilas paranaenses de Cruz Machado, Fluviópolis, General Carneiro, Mallet, Nova Galícia, Rio Azul, Rio Claro, São Mateus do Sul, Vera Guarani, Paraguaçu e Lucena que os polacos cruzaram o Iguaçu, o Negro, o Timbó e o Canoinhas, fincando raízes na região do Contestado.

Desses pontos de partida, os colonos se espalharam por Bela Vista do Toldo, Irineópolis, Major Vieira, Rio Negro, São Bento do Sul, Monte Castelo e Três Barras, consistindo até hoje, em grande parte dos casos, a maioria da população rural de origem eslava dos limites atuais do Estado de Santa Catarina.

Os polacos dispersos pelos ervais encontraram no vale do Rio Iguaçu, um meio de prover sua subsistência. À medida que se tornavam ervateiros, cada vez mais incursionavam nas florestas umbrófilas (tipo de planta adaptada a lugares sombrios, úmidos, que surgem nas vertentes umbrias das montanhas e florestas tropicais) mistas, aquelas encimadas por imponentes pinheirais contendo nos sub-bosques milhões de árvores da Ilex paraguariensis. Ali construíram suas casas e constituíram suas famílias, vivendo da coleta da erva-mate e das rudimentares lavouras sazonais.

O envolvimento com a erva-mate foi tão grande que os polacos do rio Iguaçu chegaram a exportar a erva paranaense para Cracóvia, na Polônia, no final do século XIX. O principal exportador foi o líder da Legião Polaca que lutou na Revolução Federalista, Antoni Bodziak. Tendo como base São Mateus do Sul e as barcaças do rio Iguaçu levava fardos até Araucária e dali de trem até Paranaguá para embarcarem rumo ao mar Báltico e dos portos polacos até Cracóvia.

Os polacos trouxeram a carroça de toldo com rodas de raios traçados a cavalo e não bois.
Na luta pela defesa da terra e dos direitos espoliados, os nativos da terra paranaense não estiveram sozinhos ao cerrarem espingardas e facões diante da tirania do capital estrangeiro, do coronelismo, da ausência da Igreja, da generalizada ineficácia do governo. No mesmo processo de assimilação e adaptação social e cultural, os polacos acaboclados também guerrearam.

Fernando Tokarski
Alguns ao lado dos revoltosos, outros das forças militares. Homens de briga ou vaqueanos, todos eles faziam parte dos excluídos em seus países de origem e assim começaram sua odisseia nas terras onde corria leite e mel, no estrato social brasileiro similar ao seu anterior em terras da Europa Central.

Foram colocados à mercê da própria sorte  no rincão do país que lhes havia prometido dádivas.

Para o catarinense de origens polono-paranaenses, Fernando Tokarski (1999:65) as “Sucessivas análises apontam que essa porção catarinense tem laços diretos com as correntes migratórias colonizadoras europeias intermediadas pelo Paraná. Nítida até hoje, essa influência se sobrepõe à catarinense, que apenas se fez notar por meio dos germânicos provenientes de São Bento do Sul e Joinville. Reiteradas vezes dissemos que, afora as divisas político-administrativas, as duas regiões separadas entre o Paraná e Santa Catarina em todos os aspectos são exatamente iguais, favorecendo as incursões colonizadoras.”

Quando a Brazil Railway Co, que além da ferrovia, tinha compromissos contratuais com o governo de promover programas de colonização, criou sua subsidiária, Southern Brazil Lumber and Colonization Company, invadindo a região paranaense, muitos polacos abandonaram seus lotes coloniais e ofereceram mão-de-obra aos trabalhos ferroviários, mesmo porque muitos deles tinham sido transferidos para a empresa inglesa.

Serraria da Lumber em Três Barras - Foto: Claro Jansson
Meus dois bisavôs, Piotr Jarosiński e Wiktorio Hazelski (paterno e materno respectivamente), imigrantes polacos do Leste da Polônia, deixaram filhos e filhas aos cuidados de minhas bisavós Anna´s e foram trabalhar em trechos que cruzavam o Estado do Paraná desde Marcelino Ramos, nas margens do Rio Uruguai até Sengés na divisa com São Paulo.

No centro da foto, meu bisavô Wiktorio Hazelski, numa serraria.
Piotr tinha chegado com a mulher e dois casais de filhos em 1911 e foi assentado na colônia do Tronco, em Castro e Wiktorio na Colônia Papagaios Novos, em Palmeira. Recém chegados e distantes da região do conflito de Pelados e Peludos ficaram do lado dos trabalhadores da ferrovia e não dos compatriótas que estavam perdendo seu lotes mais ao Sul do Estado.

A participação dos imigrantes polacos na Guerra do Contestado, também pode ser entendida como tendo resquicíos originados na secular luta por eles empreendida contra a tríplice ocupação austríaca, prussiana e russa das terras da República da Polônia, desaparecida do mapa do mundo por 127 anos. Os polacos estavam acostumados a combater sistemas de opressão.

Os historiadores Nilson Thomé e Paulo Pinheiro Machado encontraram no Ministério do Exército listas de nomes dos revoltosos que se entregaram às autoridades militares da Coluna Leste, na cidade de Rio Negro, na vila de Papanduva e nas localidades de Major Vieira e Lajeadinho. Também conseguiram listas de alguns vaqueanos da Coluna Norte.

Os polacos da Guerra do Contestado
Dos 520 nomes entre revoltosos e vaqueanos, 67 homens, ou 12,8% eram polacos. Destes, 53 ou 79,1% lutaram como revoltosos. Outros 14 ou 20,9% foram vaqueanos. Do total de 1.093 revoltosos que se entregaram àquela coluna, 15,6% eram polacos. De 1.688 prisioneiros da lista dos historiadores, 1.018 eram mulheres e crianças.

São estes alguns dos nomes presentes na lista de revoltosos:
Adão Bednarski (e sua esposa Paulina Jankowska e sete filhos),
Adão Bimarski,
Adão Kauski,
Adão Szóczek,
Alexandre Galeski (mulher e sete filhos),
Alexandre Gapski,
Alexandre Króliczowski,
Alberto Bigas (mulher Antônia Maćkiewicz e dois filhos),
Alberto Jankowski,
Alberto Mainozowicz (mulher e um filho),
Alexandre Krenikeski,
André Boreck (mulher Filomena Bigas e seis filhos),
André Smartcz (mulher e quatro filhos),
Antônio Woidella e esposa,
Antônio Wojciechowski (mulher Josefa e três filhos),
Domingos Karwat (mulher e seis filhos),
Ernesto Szwarowski,
Estanislau Bigas e esposa Tereza Kauwa,
Estanislau Borecki,
Estanislau Gauloski,
Estefano Lewczak (mulher Antonia Koczinski e filho),
Ernesto Cznawski,
Estefano Wiekiewicz ou Wieczorkiewicz (1889-1948),
Francisco Bigas (mulher e quatro filhos),
Francisco Teófilo Czaika (1874-1949) e a esposa Maria Marzakiowicz (1869-1951) e três filhos; Francisco Kauwa,
Francisco Króliczowski (1862-1937) com sua mulher Ana Zelonka e quatro filhos;
Francisco Majewski,
Francisco Mónczłowski e esposa,
Gaspar Piętchokowski (mulher Maria dos Reis e filho),
Inácio Kaczmarek (mulher Rosália e dois filhos),
João Borecki (1894-1959),
João Maszinski,
João Mónczłowski,
João Szopek,
José Gogola,
José Kaczmarek,
José Karwat (1882-1954),
José Mónczołwski (mulher e sete filhos),
José Ręszkowski (mulher Catarina e um filho),
Ladislau Marczniak (mulher Joana Urbanek e cinco filhos),
Leonardo Kamienski (mulher Josefa e seis filhos),
Leonardo Sznowski,
Leonardo Wiszniewski (mulher e cinco filhos),
Marcelino Adginski e mulher,
Martinho Bigas, conhecido por “Martin Polaco” (1857-1926) e sua mulher Agnieszka,
Martinho Niedzelski (mulher Antonina e nove filhos),
Martinho Maćkiewicz,
Miguel Boreck e sua mulher Ana Kalemach,
Miguel Nowack (mulher Francisca e seis filhos),
Miguel Sentak,
Miguel Szczygiel
e Miguel Woszniak (mulher e cinco filhos).

Alexandre Króliczowski, que aparece na lista dos revoltosos, também consta como um dos vaqueanos de Leocádio Pacheco.

Foto: Claro Jansson
Nas forças militares estavam:
André Króliczowski,
Antonio Czislowicz (1899-1951),
Basílio Pickek,
Pedro Terakik,
Ricardo Borecki e Teobaldo Wandrekowski integravam o piquete de vaqueanos sob o comando do coronel Leocádio Pacheco dos Santos Lima, de Três Barras.


Vaqueanos - Foto: Claro Jansson
Entre os vaqueanos de Pedro Leão de Carvalho, o “Pedro Ruivo”, de Canoinhas, estavam:
Inácio Witek,
João Maliszewski,
João Rutęski,
Manoel Stavas e Nicolau Jaroczewski (1910-1948).
O pai deste, Bernardo Jaroczewski (1870-1951), também foi vaqueano.

Antes de concluir, há que se destacar que na Batalha do Irani, travada em 22 de outubro de 1912, foi ferido no confronto, o soldado Teodor Selerowski, que acabou morrendo em Curitiba em 06 de março de 1913. O cabo de esquadra Jan Matecki recebeu um tiro no cotovelo direito. Ele lutava à direita e bem próximo do coronel João Gualberto Gomes de Sá Filho, quando o comandante recebeu um tiro no peito e depois foi trucidado com golpes de facão. (Rosa Filho 1999:30).

E para finalizar: A Guerra do Contestado aconteceu no Paraná...e só no Paraná! Paranaenses usurpados de suas terras que contestaram o governo federal por ter dado concessões ao americano Percival Farquhar e as suas empresas Brazil Railway Co. Southern Brazil Lumber and Colonization Company. A Guerra do Contestado foi entre aqueles paranaenses e os pistoleiros texanos de Farquhar, a Polícia Militar do Paraná e o Exército brasileiro.

Jamais foi uma guerra por limites de território entre os Estados de Santa Catarina e Paraná. E é preciso ter claro, que mesmo após 100 anos do fim do conflito Curitiba segue sendo a capital do "Oeste Catarinense".

8 comentários:

Unknown disse...

ola...materia muito interessante

Unknown disse...

Documentários muito importante, sobre a guerra do contestado

Unknown disse...

Meu bom dia a todos
Sou Edelmo Leite de liz, meus avos, Luiz Leite e Carolina Weber Leite, participaram ativamente da Guerra do Contestado, na região de Caçador, sempre contava como ficaram cercados e encurralados num bosque no Irani, eram comandados por Deodato, onde ninguém podia entrar ou sair; e quem sonhasse em desertar seria fuzilado pelo proprio Moises Deodato. Todos passaram muita fome, pela sobrevivência, comiam seus cintos de couro, assados.
Foram rendidos pelas tropas através do cerco e pela fome, em torno de mil homens, ao final do embate conseguiu fugir rumo a Curitiba nos, onde, mais tarde, fixou residência em São José do Cerristo, onde formou uma vila chamada Santa Catarina, tendo acesso por Curitibanos atravessando o Rio Canoas, uns 20Km

Unknown disse...

Parabéns pela materia

Aldino Luiz de Freitas Weis... disse...

O cerco da Lapa tem alguma coisa a ver com a guerra do Contestado??? Meu avô participou do cerco, só não sei dizer de que lado lutava se do governo ou dos revoltosos...

Ulisses Iarochinski disse...

Aldino,
O Cerco da Lapa aconteceu em 1894, na Revolução Federalista....a Guerra do Contestado entre 1912 a 1916.

Marco Morais disse...

Olá, me chamo Marco, sou tataraneto de António Wojciechovski e Josefa W. Citados no seu artigo. E provavelmente João Maliszewski, tambem citado, é irmao do meu bisavô, Gregorio Maliszewski, portanto tio da minha avó.
O amigo poderia me enviar isso por email? Gostaria muito de guardar e mostrar para a família. É muito importante resgatar nossas origens.
adm.marcomorais@hotmail.com

Anônimo disse...

Parabéns pelo artigo, com algumas fotos inéditas, quanto ao fato de um elemento estar na lista de vaqueanos e depois revoltosos ou vice versa, devemos considerar que muitos revoltosos se renderam e depois passaram a servir de guias das tropas federais. No caso de André Kroliczowski ele atuou do piquete de Leocádio Pacheco somente nos meses de janeiro e fevereiro de 1915.
Pedro Pacheco
ppacheco@usp.br