O título da reportagem do site polaco é "A história incomum dos polacos no Brasil, ou Święcicki-cinematográfico" e fala sobre um rapaz que ao descobrir que o jogador da seleção brasileira Felipe Luiz era descendente de imigrantes polacos, resolveu produzir um documentário sobre o jogador. O jornalista polaco Tomasz Skrzypczyński é o autor da reportagem com Mateusz Święcicki, cujo documentário rodado na Espanha, Inglaterra e Brasil pode ser assistido no final deste texto.
Felipe Luiz e Mateusz Święcicki |
A REPORTAGEM
"Ele disse que não havia dinheiro, eu tinha que sair de casa. Ele me levou para a cidade e me deixou lá. Eu tinha 14 anos", diz o pai de Filipe Luis Kasmirski.
Seu trisavô veio da Polônia para o Brasil e depois de 140 anos, as pessoas ainda rezam lá em polaco.
A jornada do trisavô para uma nova vida, para um lugar que deveria ser um mundo melhor do que a terra natal sob o domínio das potências invasoras durou três meses. Navio superlotado de tragédias humanas. Nem todos conseguiram chegar em um novo lar.
A viagem parecia uma dádiva de Deus para milhares de polacos que, em meados do século XIX, no Brasil, buscavam sua salvação e a chance de uma vida melhor. No entanto, quando pisaram no novo continente, eles rapidamente quiseram voltar. Eles tiveram que construir suas casas com as próprias mãos com folhas e árvores. Para sobreviver e preservar a terra recebida, eles tiveram que trabalhar duro em condições terríveis várias horas por dia.
Imigrantes em navios a vapor cruzaram o Atlântico em busca de uma vida melhor |
"Seus ancestrais começaram do zero e hoje eles até dominam a cidade", diz Święcicki. "No entanto, eles nunca esqueceram nossa língua e tradições. Eles construíram as primeiras igrejas lá, eles ainda falam e oram em polaco".
Hoje, o número de polacos neste país é estimado em mais de três milhões de pessoas. A história de quem iniciou nossa trama em solo brasileiro é mostrada no documentário de Mateusz Święcicki. Um jornalista da TV Eleven Sports que decidiu, com próprio dinheiro, aproximar a incrível história daqueles imigrantes baseada na figura de Filipe Luis Kasmirski, tendo o futebolista polaco do Flamengo Rio de Janeiro, mais conhecido por suas performances na Europa, com passagens pelo Deportivo La Coruña, no Atlético Madrid e Chelsea London.
Filipe Luis jogou na seleção brasileira mais de 40 vezes, venceu a Copa América com ela este ano e, seis anos atrás, a Copa das Confederações. Apenas alguns anos atrás, ele era considerado um dos melhores laterais esquerdos do mundo. Em 2011, venceu a Liga Europa, jogou duas vezes no Atlético de Madrid pela final da Liga dos Campeões e também venceu o campeonato espanhol.
O jornalista Mateusz Święcicki foi ao Brasil e conheceu essas pessoas. Graças ao filme documentário de quase uma hora, aprendemos sobre a história de nossos compatriotas e também pudemos assistir à entrevista com o próprio jogador de futebol, que se orgulha de sua origem.
Três semanas após a postagem no youtube.com o filme tem quase 120.000 visualizações e, a julgar pelos comentários, Święcicki agora deve receber prêmios e visitar os locais onde produziu o filme. Sua produção causou uma ótima impressão nos usuários da Internet e é difícil acreditar que tudo foi criado no chamado SPONT.
"Eu fiz isso por tédio. Eu fui ao Brasil por três semanas. Senti intuitivamente que depois das duas noites do Rio eu ficaria entediado e teria que fazer alguma coisa. Eu havia planejado um pouco antes que se eu estivesse no país pelo menos uma vez na vida, talvez valhesse a pena ver algo mais e fazer algo importante. Como diz Juergen Klopp, você precisa se mexer", - diz o jornalista.
- Por que exatamente a história dos polacos no Brasil?
- Por que fazer agora um filme sobre Filipe Luiz Kasmirski, cujas conexões com o nosso país são conhecidas há anos?
- O que mais o tocou durante sua visita a este país, como Kasmirski comentou sobre o filme, e que história acabou sendo tão dolorosa e horrível que ele decidiu não contar sobre isso?
Mateusz Święcicki: Fiz isso por tédio, mas também por um senso de dever. Quando li entrevistas com Luis, percebi que ele não tinha vergonha das raízes polacas, ele estava ciente das conexões com o nosso país e queria aprender sobre sua história. Pensei que talvez pudesse ajudar e encontrar documentos na Polônia sobre essa questão.
Me deparei com os documentos em Kalisz, mas o problema era que todos foram digitalizados em cirílico. Graças à ajuda de uma senhora do arquivo também interessada na história dos emigrantes polacos, cheguei aos documentos da família Kaźmierczak. Porque esse era o sobrenome dele. Somente o analfabetismo dos seus ancestrais fez com que funcionários do Brasil mudassem o sobrenome para a grafia Kasmirski.
Quando eu tive 100% de certeza de que era a história dele, peguei o número e e enviei uma mensagem escrita. Também adicionei alguns dados, enviei um filme sobre Paulo Dybala para ele ter certeza de que eu não era uma mentira. Naquele momento também lhe enviei fotografias dos documentos encontrados. Felipe Luiz escreveu de volta pouco mais de um minuto depois e concordamos em nos encontrar na Espanha.
Logo voei para a assistir ao jogo Valencia X Atlético e me posicionei na zona mista. O segurança não quis me deixar entrar, falei: "espere, tenho aqui uma mensagem do Filipe Luiz. Sou membro da família dele. Mostrei a mensagem recebida no meu telefone. O segurança olhou, acreditou e me deixou passar adiante.
Ainda era 2018. Eu disse ao Felipe Luiz que no próximo ano voaria para o Brasil e visitaria a família dele. Então ele me deu o número do pai dele. E assim aconteceu - quando eu estava no Rio de Janeiro na Copa América, concordamos. Voei do Rio de Janeiro para São Paulo, de São Paulo para Curitiba e, em seguida, tomei um ônibus em ruínas de quatro horas pela selva para Massaranduba.
Pensei na idéia de filmar a história da família Kasmirski por muitos meses, mas foi em Curitiba eu não tinha câmera para me auxiliar. Decidi encontrar um no último minuto, mas ele já estava atrás de mim. Finalmente, tive a brilhante idéia de que alguém ali devia filmar casamentos. Foi assim que encontrei o Paolo. Eu disse a ele: grave tudo. Mais tarde, fiquei quase doente durante a edição, porque as duas semanas de edição me arruinaram física e mentalmente.
Depois de dois minutos, confirmei que o pai de Kasmirski era um homem brilhante, cujo lema é trabalhar duro. A história dele é incrível - quando Felipe Luiz tinha 14 anos, seu pai disse a ele: "ouça, você já tem 14 anos, nossa casa é muito pequena, não temos dinheiro, não temos dinheiro para apoiá-lo, você precisa entender que tem nove irmãos e sair". Pai e filho foram de ônibus para uma cidade maior, o pai mostrou-lhe algumas realidades e disse: "agora você tem que lidar consigo mesmo". Agora o pai trabalha em uma grande empresa e não tira um único centavo do filho.
"Durante dois dias, visitei todas as casas, porque todos queriam ser gravados. Filipe Luis me disse depois que algumas pessoas me culparam por não gravá-las. Eles realmente queriam que alguém falasse sobre eles, porque ninguém se lembra deles. Eles não podem obter um passaporte, porque quando os ancestrais deixaram a Polônia, não havia mais a República das Duas Nações. Portanto, eles não podem atualmente terem documentos polacos. Este é um grande problema para eles."
"Eles rezam em polaco, cantam em polaco. Hoje, geralmente, alguém diz a você: você é polaco ou não é polaco. Eles são brasileiros, nasceram lá, mas combinam as melhores qualidades de ambas as nações e nunca renunciaram a essa polonidade."
"Também aprendi sobre mais uma história que não mostrei no filme, porque, na minha opinião, era muito macabra e também um pouco vaga."
"Os ancestrais de Felipe Luiz vieram ao Brasil com o filho Ignacy, mas também havia mais um filho que não sobreviveu às dificuldades da viagem. Sua mãe ficou desesperada, pois não havia lugar para enterrá-lo. Eles também não conseguiam manter o corpo a bordo devido à possibilidade de infecção e doença, então a mãe desesperada simplesmente teve que jogá-lo no oceano. No Brasil, ela criou o túmulo improvisado da criança."
"Por isso, a mãe chegou com depressão e, quando viram as condições em que deveriam viver, ficaram duplamente desesperados. Naquela época, muitas vezes as pessoas que navegavam para a América do Sul pensavam que estavam navegando para a América do Norte. Hoje não os compreendemos, mas eles eram analfabetos, não podiam saber. Não havia nada lá, eles tiveram que construir suas próprias casas com as próprias mãos. E não era de tijolos, mas simplesmente de árvores e folhas."
"Atualmente, a família Kasmirski é importante lá, eles até governam a cidade. Eles têm seus próprios negócios: uma fábrica de roupas, uma plantação de arroz, alguém é advogado, alguém é balconista, alguém é médico. E, como o tio Filipe Luis me conta no filme, só na década de 1960 eles receberam eletricidade em casa."
"Fui tocado pelo avô de Filipe Luis, que já está bem de saúde, então não queria violar a sensibilidade dele e mostrá-lo no filme. Eles me disseram, no entanto, que ele ficou muito emocionado com a minha visita. Ele sofreu por muitos anos por não poder ir a Polônia. Agora que ele tem a oportunidade, ele não sobreviveria a um voo de avião."
"Quando voltei para a Polônia, disse a mim mesmo que essa história não estaria completa sem falar com Filipe Luis. No mesmo dia, tive informações sobre sua transferência do Atlético para o Flamengo do Rio de Janeiro. Eu tinha apenas algumas dezenas de horas para viajar, e os preços das passagens eram muito altos. Eu cheguei em Madri depois de três transferências de vôo, depois da meia-noite, cheguei no Rio e fui para o albergue numa favela e tive que ir à entrevista de manhã cedo."
"E embora devêssemos conversar apenas na lage (terraço), depois de uma hora ele nos convidou para entrar. Ganhei sua confiança. Graças a isso, conhecemos seu mundo particular e suas paixões no filme. Estou muito feliz por termos conseguido, graças quando um projeto é finalizado."
Por que eu fiz isso? Eu senti que tinha que mostrar para as demais pessoas. Filipe Luis me disse: você não tem ideia do que fez pela comunidade local. A filha de seu tio, que tem um grande conhecimento da história polaca no Brasil, escreveu que já tinha visto o documentário 100 vezes. Filmar isso, fez com que sua família se sintisse apreciada. No início, apenas Piotr Koźmiński do "Super Express" os contactou, mas apenas por telefone. Cada um de seus artigos sobre eles é impresso e pendurado na parede de sua casa."
"Eu queria provar que o futebol pode ser um bom ponto de partida para uma história mais profunda. De tempos em tempos, os polacos devem se lembrar de certos valores que depreciam, como liberdade e pátria."
"Há alguma coisa no jornalismo que às vezes você precisa fazer algo de bom. Eu tenho esse sentimento."
***
Em julho, Filipe Luis cumpriu sua promessa e se tornou jogador do Flamengo. Alguns meses depois, o jogador de 34 anos venceu com sua equipe a Copa Libertadores. Além de vencer a Liga Europa, vencer o campeonato espanhol e jogar duas vezes uma final de Liga dos Campeões este é o maior sucesso em sua carreira.
Mateusz Święcicki
"Filipe Luis Kasmirski, o jogador de futebol mais inteligente que já conheci.
Eu queria terminar esse projeto rapidamente, e a parte final seria uma entrevista com Filipe Luis. Como pode ser um documentário sobre emigrantes polacos no Brasil, com a grande família Kasmirski, onde o mais importante está faltando? A ideia do filme esquentou quando ele assinou com o Flamengo."
"Oh, você terá que voar para o Rio de novo! Eu nunca vou terminar.
Mas havia uma chance. Perguntei se ele se encontraria algum tempo antes da partida". - Sim, quarta de manhã, é a única hora. Sai para Madrid.
"Dinheiro para as passagens, dinheiro para o câmera, mas eu voei."
"O máximo que posso fazer é colocar numa calculadora!
E eu fui. Sem calculadora. Para Boadilla del Monte, uma pequena cidade localizada a vários quilômetros da capital da Espanha. Filipe Luis me recebeu em sua casa e me dedicou duas horas. Antes dessa, eu o tinha visto apenas uma vez, em uma zona mista no Estádio Mestalla. Tráfego, muitos microfones, sem condições para uma conversa tranquila. Só hoje tivemos tempo para conversar sobre futebol, Messi, jogos de azar, Neymar, Atlético, Simeone."
Na varada da casa de Felipe Luiz em Boadilla del Monte, Espanha |
Sobre a vida, Hawking, Clínica Eastwood, Federer, ciência, física, espaço, Coldplay, treinamento de jovens, psicologia, concentração e profissionalismo.
Eu nunca conheci um jogador de futebol mais inteligente. Um mundo mais interessante, aberto e brilhante. Auto-zombando.
Felipe Luiz: "Você sabe, eu tenho uma parte polaca.
Qual? Cara, é por isso que sou tão feio!"
"Conversamos no jardim e depois ele me convidou para entrar na casa e mostrar sua coleção de filmes, camisetas, medalhas e prêmios. Seu filho assistiu ao último treinamento de Cristiano Ronaldo no iPad."
Felipe Luiz: "Ele é obcecado por CR7, ele assiste tudo".
"Eu perguntei: Qual é o seu jogador favorito, mas diga honestamente?
Felipe Luiz: "Cristiano!"
"Conversamos por duas horas. Filipe Luiz falou sobre suas reuniões com Roger Federer, sobre a inspiração de Ayrton Senna, sobre o comportamento de Eden Hazard (da época do Chelsea) do vestiário, sobre Diego Costa e suas preferências, também sobre Diego Godin procurando dentes, sobre Jan Oblak a quem ele trata como irmão."
Sobre a obsessão por vencer.
Biblioteca na casa de Felipe Luiz na Espanha |
Felipe Luiz: "Você viu minha coleção de medalhas no Brasil. Quando criança, participei de todas as competições: ciclismo, 100 metros, 2 km, basquete, futebol, futsal, corrida de obstáculos. Eu era obcecado para levar medalhas para casa. Apenas de Ouro."
"Nunca ganhei o melhor jogador do torneio! Nunca. Mas eu estava quase sempre no time vencedor."
"Nunca me cansei de ganhar."
Sobre Federer:
"Perguntei a ele se quando ele perde, não fica com raiva? Você sempre humildemente vai à rede, e diz obrigado para o adversário. Isso me despedaça, não posso ir a juízes, abraçar rivais. Isso me explodiria".
Resposta de Federer: "Filipe, faz parte da sua profissão. É normal você perder. Isso também me impressiona, mas tenho que ser elegante. Todos nós precisamos. Somos um exemplo para milhões, temos uma grande responsabilidade. Experimente uma vez e você verá que pode."
Święcicki: "Perguntei-lhe se ele odiava futebol, como o tênis para Agassi".
Felipe Luiz: "Não, mas eu amei mais jogar no Deportivo. Eu sentia puro prazer lá."
"Conversamos sobre maneiras de nos concentrar antes das partidas, sobre as mídias sociais que nos distraem, sobre a música que o relaxa, sobre os deveres de um pai e jogador de futebol que fazia parte do Atlético por oito anos."
Święcicki: "Sobre José Mourinho, a quem eu pessoalmente amo."
Felipe Luiz: "Se você trabalha duro, nunca terá problemas com Mourinho."
Święcicki: "Nós tocamos, então, no assunto polonidade. Massaranduba, ou seja, o lugar onde seus avós moravam (avó - italiana, avô - polaco)".
Felipe Luiz: "Eu amo essa cidade mais do que qualquer praia, Rio, Ilhas Maldivas, Ilhas Maurício ou outros lugares maravilhosos do mundo. Não há lugar mais bonito para mim. Quando terminar minha carreira, quero me tornar um treinador, mas em Massaranduba eu vou administrar uma fazenda. Vou ter animais, um trator e um campo. Vou ordenhar as vacas. Porque eu gosto disso."
Święcicki: "Por que você voltou ao Brasil, por que o Flamengo?"
Felipe Luiz: "Porque prometi ao meu avô quando era criança. Eu dei a ele minha palavra que iria jogar no Flamengo. Agora é a melhor hora. Eu não queria voltar aos 37 anos, cortando etapas. Sinto-me forte, posso ter valor para esta equipe".
Sobre a construção da maior academia de futebol da região:
Felipe Luiz: "Quero treinar crianças, educá-las através do esporte. Eu tenho know-how, opções e recursos. Eu me sinto obrigado."
Święcicki: Finalmente, ele propôs um desafio de barra em seu jardim. Eu ganhei 1: 0.
Disputando chutes a gol no quintal da casa de Felipe Luiz na Espanha |
É uma pena que Paweł Zarzeczny esteja morto. Uma vez ele me fez uma pergunta no ar no Programa Sport Orange: "Santo, você critica muito esses jogadores, e o que você ganhou na vida?"
- Desafio de trave com o jogador de futebol brasileiro Pawełek.
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Texto: Tomasz Skrzypczyński
Tradução para do polaco para português: Ulisses Iarochinski
O DOCUMENTÁRIO:
Click no título para acessar o filme no youtube:
KASMIRSKI - A HISTÓRIA DE FELIPE LUIZ
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